Você está na página 1de 9

Farmacologia II João Pedro – 2016.

FARMACOLOGIA DO SISTEMA DIGESTÓRIO


ANATOMOFISIOLOGIA GASTRINTESTINAL
As doenças ulcerosas pépticas decorrem de úlceras ocasionadas por excesso de ácido, sendo comuns no duodeno
(bulbo duodenal, principalmente) e no estômago.
O estômago é dividido em três porções: porção proximal (fundo e transição esofago-gástrica/cárdia), corpo, antro
e piloro. Possui a curvatura maior e a menor, onde há maior incidência de úlceras gástricas. O epitélio gástrico apresenta
regiões de depressão (fossetas gástricas), cujo fundo apresenta células especializadas, com propriedades glandulares.
O produto dessas glândulas varia de acordo com a região do estômago em que elas se encontram.
1) Fundo ou corpo: células parietais (produção de HCl) ou principais (produção de pepsinogênio);
2) Antro: células G (produtoras de gastrina, a principal estimuladora hormonal da produção ácida do estômago) e
células D (produzem somatostatina, um regulador da liberação de gastrina).

FISIOLOGIA DA SECREÇÃO ÁCIDA:


A gastrina é a principal responsável pela secreção ácida do estômago, mas não é a única. Há outras substâncias que
regulam essa secreção, como por exemplo: a acetilcolina, que é liberada na fase cefálica da secreção gástrica (quando
a pessoa vê, cheira ou sente o sabor do alimento); a histamina, produzida na mucosa do estômago por células
especializadas (células enterocromafins símiles).
A gastrina é liberada em três situações:
1) Dilatação do estômago;
2) Aumento de pH;
3) Presença de peptídeos no lúmen.
Uma vez secretada, a gastrina sai das fossetas do antro por meio da circulação sanguínea, em direção às células
parietais, presentes no corpo e no fundo do estômago, que vão então secretar HCl. Já a célula D faz o feedback negativo
da secreção de gastrina.
A gastrina estimula a produção ácida no estômago por meio de duas vias: uma é a via direta, que ocorre por meio
da ligação a receptores na célula parietal, ativando a bomba de prótons (coloca próton para o lúmen e potássio para
dentro da célula); a outra é a via indireta, que ocorre por meio da ligação às células enterocromafins símiles, que liberam
histamina. A histamina, por sua vez, possui receptores H2 nas células parietais e, quando ativados, ativam a bomba de
prótons levando ao aumento da produção ácida.

A acetilcolina, por meio de uma descarga


vagal, por exemplo, estimula o sistema
nervoso entérico, que libera mais acetilcolina.
Esse neurotransmissor age em receptores nas
células enterocromafins like (M1), estimulando
a produção de histamina, age diretamente em
receptores (M3) das células parietais,
estimulando a bomba de prótons e age em
receptores (M1) das células superficiais
epiteliais, estimulando a produção de muco.
Essa barreira de muco é essencial para que a
pepsina não degrade as proteínas da própria
parede gástrica.

1
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

A liberação de fatores de crescimento ocorre se houver algum prejuízo ou morte de células da mucosa. A
microcirculação distribui fatores de crescimento para que se reestruture a parede.
As prostaglandinas (PGE2 e PGI2 – duas principais prostaglandinas) são quem mantém a estrutura da barreira
mucosa gástrica. Na superfície do epitélio há receptores (EP3) de prostaglandinas e, quando ativados, eles aumentam
a secreção de muco e bicarbonato pela célula epitelial superficial e reduzem a atividade de secreção gástrica pela célula
parietal.
A infecção por H. pylori (90-95% dos casos de úlceras duodenais), o uso prolongado de AINEs, a secreção excessiva
de HCl (idiopáticas e o tumor secretor de gastrina (síndrome de Zollinger-Ellison) são os principais responsáveis pelo
aparecimento de úlceras pépticas. Há úlceras com hipocloridria, que surgem por causa de redução da barreira mucosa
gástrica.
O H. pylori está muito associado ao linfoma de tecido linfóide da mucosa gástrica e ao adenocarcinoma gástrico. A
bactéria se prolifera inicialmente na região do antro gástrico, na pequena curvatura (ainda no estômago) ou no bulbo
duodenal (intestino), gerando uma gastrite crônica ativa e provocando sinais e sintomas característicos. Devido à
gastrite crônica, ocorre a destruição das células D, reduzindo, portanto, a secreção de somatostatina e comprometendo
a regulação da secreção de gastrina. Assim, passa a haver uma secreção de quantidades elevadas de gastrina
(hipergastrinemia), com consequente ativação das células parietais ou das células enterocromafins (liberando
histamina) e, por isso, aumento da quantidade de ácido (hipercloridria). O excesso de ácido, que acaba, também,
chegando ao duodeno, leva à metaplasia (ilhas de epitélio metaplásico). A partir daí a H. pylori se prolifera ainda mais.
Essa bactéria produz urease, enzima que transforma uréia em amônia (tóxica para as células), apresenta capacidade
de aumentar o fator ativador plaquetário (PAF), provocando trombose da microcirculação que mantém a estrutura da
barreira mucosa gástrica, reduz a produção de bicarbonato, principalmente no duodeno, e estimula a liberação de IL-8,
atraindo neutrófilos para a região, que possuem enzimas proteolíticas, degradando mais proteínas da mucosa.
Esse quadro citado acompanha a maior parte das úlceras duodenais. No caso das gástricas, depende do tipo (há 4
tipos de úlceras gástricas). Assim, as úlceras 2 e 3 possuem essas características citadas, enquanto que a 1 (mais comum
dentre as 4) e a 4 surgem por meio da presença do H. pylori no corpo e fundo gástricos, produzindo a gastrite atrófica,
destruindo as células parietais (normo ou hipocloridria) e, ainda assim, levando ao surgimento de úlcera por quebra da
barreira mucosa em decorrência de outras propriedades da bactéria.

FÁRMACOS EMPREGADOS EM ÚLCERAS POR H. pylori:


CLASSIFICAÇÃO: REPRESENTANTES:
SUPRESSÃO ÁCIDA
- Antagonistas competitivos de receptores H2 Cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina
- Inibidores da bomba de prótons Omeprazol, lansoprazol e pantoprazol
PROTEÇÃO DA MUCOSA
- Agentes de barreira Sucralfato e bismuto coloidal
- Prostaglandinas e análogos Misoprostol
ELIMINAÇÃO BACTERIANA Amoxicilina, claritromicina, metronidazol e tetraciclina

 ANTIÁCIDOS NEUTRALIZADORES:
 COMPOSIÇÃO QUÍMICA, MECANISMO DE AÇÃO E PROPRIEDADES: por meio das reações a seguir,
promovem o aumento do pH, e consequentemente, uma neutralização.
Al(OH)₃ + 3HCl  AlCl₃ + 3H₂O (lenta)
Mg(OH)₂ + 2 HCl  MgCl₂ + 2H₂O (moderada)
CaCO₃ + HCl  CaCl₂ + H₂O + CO₂ (rápida)
NaHCO₃ + HCl  NaCl + H₂O + CO₂ (rápida)

2
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

 FARMACOCINÉTICA: as formulações que liberam H₂O ao invés de CO₂ são mais desejáveis. A
composição com alumínio é mais lenta que a de magnésio. Formulações de suspensão apresentam
melhor capacidade neutralizadora que as formulações mastigáveis.
 USO TERAPÊUTICO: dispepsia isolada ou dispepsia associada ao refluxo gastroesofágico.
 EFEITOS ADVERSOS:
ANTIÁCIDO EFEITOS ADVERSOS
NaHCO₃ Absorção sistêmica:
- Alteração de pH (alcalose);
- Edema – hipertensão;
- Liberação de CO₂ - náuseas, distensão abdominal e flatulência.
CaCO₃ Absorção sistêmica:
- Hipercalcemia;
- Aumento da secreção de gastrina – rebote ácido;
- Liberação de CO₂ - náuseas, distensão abdominal e flatulência.
Al(OH)₃ Relaxamento do esvaziamento gástrico e constipação;
Aumento de fosfato no TGI – hipofosfatemia;
Insuficiência renal pode gerar acúmulo de Al³⁺  osteoporose,
encefalopatia e miopatia.
Mg(OH)₂ Diarreia;
Hipermagnesemia.

 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: os antiácidos alteram o pH gástrico e da urina, podendo interagir


com diversos fármacos (hormônios tireoidianos, alopurinol, antifúngicos imidazolidínicos) por
modificação da dissolução e absorção, biodisponibilidade e eliminação renal. Devem ser
administrados 2 horas antes ou após a administração de outros fármacos.

 ANTAGONISTAS H2: cimetidina, famotidina, ranitidina e nizatidina


 MECANISMO DE AÇÃO: atuam por meio do antagonismo competitivo reversível da histamina nos
receptores H2.
 FARMACOCINÉTICA: possuem a farmacocinética parecida, com exceção da cimetidina. A cimetidina
possui interferência com a ligação da testosterona com receptores androgênicos (ação
antiandrogênica) e interferência com o metabolismo do estradiol. Por esses motivos é menos usada.
 INDICAÇÕES: sua maior indicação, atualmente, é na supressão ácida noturna, pois a histamina é mais
marcante na produção ácida noturna. São usados no tratamento de úlceras gástricas, duodenais,
úlceras por estresse e doença do refluxo gastroesofágico.
 EFEITOS ADVERSOS: ocorrem porque os receptores H2 não estão presentes apenas nas células
parietais. Desconforto abdominal, tontura, cefaleia, etc. A cimetidina provoca o aumento dos níveis
plasmáticos de prolactina, inibição da degradação hepática de estradiol, ginecomastia, galactorréia,
impotência, perda de libido e redução do número de espermatozoides. Esses fármacos atravessam a
placenta, mas não são teratogênicos.
 TOLERÂNCIA: antagonistas H2 podem e vão gerar tolerância. Isso acontece porque, quando há
bloqueio do receptor de H2 na célula parietal, ocorre redução da liberação de ácido pela célula. Essa
redução da acidez é percebida pelas células G, que começam a secretar gastrina. Se há aumento de
gastrina, passa a ter aumento de secreção de histamina (por atividade da gastrina sobre as células
enterocromafins símiles) e, consequentemente, começa a haver tolerância ao fármaco. Isso não
ocorre com inibidores da bomba de prótons. No entanto, a descontinuidade dos antagonistas H2 ou
dos inibidores da bomba de H⁺ pode provocar rebote ácido, ou seja, esse efeito é comum a ambos.

3
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: decorrem, principalmente, da relação com enzimas hepáticas e da


alteração de pH. A principal nesse aspecto é a cimetidina, que altera o metabolismo de:
A cimetidina inibe o metabolismo de:
Benzodiazepínicos (alprazolam, clordiazepóxido, Aumento do efeito sedativo.
flurazepam, prazepam e triazolam)
Derivados da teofilina Agitação, vômitos, tonteiras e arritmias.
Propranolol, matoprolol, labertolol Hipotensão e bradicardia.
Fenitoína Nistagmo, sedação e letargia.
Lidocaína, quinidica, procainamida Sedação, bradicardia e arritmia.
Antagonistas do cálcio Bradicardia, hipotensão e arritmia.
A cimetidina pode aumentar os efeitos da:
Varfarina Sangramentos indesejados.

 INIBIDORES DE BOMBA: omeprazol, esomeprazol, lansoprazol, rabeprazol, pantoprazol


 MECANISMO DE AÇÃO: atuam inibindo a enzima H+/K+ ATPase (bomba de prótons), levando à
supressão ácida gástrica.
 FARMACOCINÉTICA: é a classe mais eficiente, que tem menos efeitos adversos e que produz uma
cicatrização mais rápida das úlceras. Todos são pró-fármacos e precisam do ambiente ácido para
serem ativados, por isso são usados antes das refeições. A eficiência nos casos de H. pylori é melhor
nos esquemas de 10-14 dias, no entanto, podem ser usados por 7 dias, se for observado que a
eficácia está igualmente boa. Geralmente tem duração prolongada, já que se ligam de forma
irreversível nos canalículos das bombas de prótons e outras novas precisam ser sintetizadas.
 INDICAÇÕES CLÍNICAS: tratamento de úlceras gástricas e duodenais, do refluxo gastroesofágico, da
síndrome de Zollinger-Ellison, na prevenção de úlceras em pacientes em uso de AINEs, para redução
dos riscos de úlceras duodenais recorrentes associadas com infecção pelo H. pylori.
 EFEITOS ADVERSOS: decorrem do uso prolongado. A hipocloridria aumenta os riscos de infecções
entéricas; pode haver hipergastrinemia, com hipersecreção ácida de rebote e formação de tumores
GI; redução da absorção de vitamina b12; hiperplasia das células do tipo enterocromafins e
desenvolvimento de tumor carcinóide gástrico (ainda não foi observado em humanos). Obs: o uso
de omeprazol tem sido associado à demência por redução da absorção de vitamina B12
 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: a redução da acidez gástrica pelos IBPs pode reduzir a
biodisponibilidade da ampicilina, do cetoconazol e da digoxina. Somente o omeprazol promove
inibição da CYP2C9 e reduz o metabolismo e eliminação do disulfiram, da fenitoína, do diazepam e
da varfarina, e aumenta a expressão da CYP1A2, que aumenta o metabolismo e eliminação da
imipramina, da teofilina e de vários antipsicóticos. O pantoprazol e o rabeprazol não têm nenhuma
interação importante.

A mucosa gástrica é continuamente exposta a substâncias nocivas, como o ácido clorídrico e a pepsina. Por outro
lado, a manutenção de sua integridade estrutural ocorre por meio de mecanismos de defesa. O epitélio gástrico secreta
uma barreira de proteção que consiste de água, glicoproteínas ou mucinas, bicarbonato, fosfolipídios, fatores trefoil,
prostaglandinas e proteínas do choque térmico. As junções intracelulares do epitélio gástrico e a microcirculação da
submucosa fornecem oxigênio, bicarbonato e nutrientes, enquanto removem toxinas e íons H⁺. A renovação celular
contínua promove uma linha adicional de defesa da mucosa.
A defesa da mucosa duodenal, similarmente, consiste em fatores como a secreção de bicarbonato, a prevenção da
acidificação intracelular, a ativação neuronal e o fluxo sanguíneo. Além disso, a defesa gastroduodenal envolve a
neutralização de espécies reativas de oxigênio, respostas imunes inata e adaptativa e inibição da apoptose.

4
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

Pode-se chamar atenção para o mecanismo de defesa da mucosa gástrica envolvendo a barreira muco-bicarbonato,
uma vez que os fármacos protetores da mucosa disponíveis agem, principalmente, por meio desse mecanismo.

AGENTES PROTETORES DA MUCOSA: misoprostol, sucralato e bismuto coloidal.


 BISMUTO COLOIDAL
 MECANISMO DE AÇÃO: o bismuto coloidal inibe a atividade da pepsina, liga-se aos sais biliares e
aumenta a produção de muco. Também aumenta, de maneira dose e tempo-dependente, a síntese e
a secreção de prostaglandinas no trato gastrintestinal superior, em especial de PGE₂ endógena na
mucosa antral gástrica. Além disso, provoca aumento da secreção de bicarbonato pela mucosa
gastroduodenal.
 EFEITOS ADVERSOS: tontura, cefaleia, náuseas, vômitos, diarreia e distúrbio psicótico. O escurecimento
das fezes também é comum, devido à formação do sulfeto de bismuto. Como eventos raros, temos o
rash cutâneo e o escurecimento de dentes e língua. Os efeitos tóxicos relacionados a uma overdose de
compostos de bismuto incluem encefalopatia, nefropatia, osteoartropatia, gengivoestomatite e colite.
Esses eventos raramente são vistos com o uso de doses terapêuticas de sais de bismuto, uma vez que
apenas pequenas quantidades desses compostos são absorvidos no trato gastrointestinal.

 SUCRALFATO: é um sal complexo de sulfato de sacarose e hidróxido de alumínio.


 MECANISMO DE AÇÃO: o sucralfato tem baixa solubilidade em água e, quando dissolvido, em meio
ácido ou alcalino, é dissociado em sal de alumínio e sulfato de sacarose, formando uma substância
semelhante a um gel de poliânions que se liga com alta afinidade à mucosa normal e lesionada.
Na presença de ácido, o composto libera alumínio que adquire carga negativa e se liga
eletrostaticamente a grupos químicos carregados positivamente, incluindo proteinas, peptideos,
drogas e metais proporcionando a formação de um gel que protege a mucosa contra a ação do ácido
clorídrico, pepsina e sais biliares.
As principais ações do sucralfato que contribuem para a sua eficácia clínica são a inibição da digestão
péptica (especialmente pela pepsina A); os vários efeitos sobre a composição química, estrutura física
e resistência à degradação da barreira gel-muco; a estimulação da liberação de prostaglandinas e,
consequentemente, da secreção de bicarbonato, produção de muco, fluxo sanguíneo e divisão celular;
a estimulação da produção de muco e bicarbonato independentemente de prostaglandinas e os efeitos
sobre o crescimento celular, regeneração e reparo da mucosa (se liga a fatores de crescimento, como
FCFb e PDGF, estimulando a angiogênese, a produção de tecido de granulação, levando à reepitelização
e ao reestabelecimento da integridade da mucosa gastroduodenal).
 INDICAÇÕES CLÍNICAS: é um citoprotetor utilizado para prevenir ou tratar a doença do refluxo
gastroesofágico, a doença ulcerosa péptica e a dispepsia, além de ter se mostrado útil em pacientes
com colite ulcerativa.
 EFEITOS ADVERSOS: é uma droga segura e bem tolerada, e seu principal efeito adverso é a constipação.
Outros efeitos adversos incluem boca seca, náuseas, vômitos, cefaléia, urticária e rash cutâneo.
 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: a absorção e a biodisponibilidade de alguns fármacos podem ser
reduzidas quando administrados em combinação, como fluoroquinolonas, a aminofilina, a teofilina, as
tetraciclinas, o cetoconazol, a fenitoína, a digoxina, a levotiroxina, a cimetidina, a ranitidina e a
amitriptilina

 ANÁLOGOS DA PROSTAGLANDINA – misoprostol (venda proibida no Brasil pelo efeito abortivo. Sua indicação
clínica era prevenção da lesão da mucosa induzida pelos AINEs).

5
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO


Através de estímulos (irritação da mucosa por quimioterápicos, radioterapia, distensão ou infecção aguda), as
células enterocromafins do intestino liberam serotonina, que interagem com duas vias neuronais, a via intrínseca e a
via extrínseca.
Os neurônios da via extrínseca / via ascendente central têm, caracteristicamente, receptores 5HT3R
(serotoninérgicos 3), com aferência vagal central para o núcleo do trato solitário e área póstruma do bulbo. São
neurônios aferentes primários extrínsecos, pois saem do sistema nervoso entérico e vão para o SNC. Obs: a área
póstruma se comunica com a zona de gatilho do vômito.
Já a via intrínseca faz a sinapse entre neurônios aferentes sensitivos presentes na submucosa (também estimulados
por serotonina) e interneurônios, que, por sua vez, se conectam com neurônios motores do sistema nervoso entérico
(por isso é uma via intrínseca, a comunicação é dentro do sistema nervoso entérico). O receptor 5HT4R está presente
nos terminais nervosos colinérgicos do tubo digestivo, e quando ativados, estimulam a liberação de Ach no músculo.
Contrárias a Ach: neurocinina, dopamina e NO.

AGENTES PROCINÉTICOS/ESTIMULADORES DO PERISTALTISMO: são fármacos que estimulam a motilidade do TGI.


Muitos aumentam somente a motilidade, alguns atuam na gastroparesia e outros atuam na pressão do esfíncter
esofágico inferior. Os agentes procinéticos se dividem em grupos: podem ser antagonistas dos receptores μ
opióides, antagonistas dos receptores de dopamina ou moduladores dos receptores da 5-HT.

 ANTAGONISTAS DE RECEPTORES μ OPIÓIDE: metilnatrexona e alvimopam. O efeito característico do opióide é a


constipação, que fica inibida com a ação destes antagonistas.

 ANTAGONISTAS DE DOPAMINA: metoclopramida (Plasil) e domperidona.


 MECANISMO DE AÇÃO: antagonizam os efeitos da dopamina no plexo mioentérico, aumentando a
motilidade e a pressão no esfíncter esofágico inferior. A dopamina é um neurotransmissor que relaxa
o músculo, podendo gerar, portanto, constipação. Com o antagonismo desses fármacos isso não
ocorre, podendo inclusive gerar diarreia.
Possui também efeito antiemético por bloquear receptores dopaminérgicos presentes no núcleo do
trato solitário, que age no centro do vômito.
 EFEITOS ADVERSOS: podem provocar síndrome extrapiramidal (parkinsonismo), já que não são
seletivos periféricos e possuem lipossolubilidade para atuar no SNC.
 INDICAÇÕES: gastroparesia, doença do refluxo gastroesofágico, êmese (principal indicação da classe
atualmente). Obs: a metocroplamida, além de ser antagonista dopaminérgica, é agonista de 5HT4 e
antagonista 5HT3

 MODULADORES DOS RECEPTORES DA 5-HT (AGONISTAS): alosetron, tegaserod, cisaprida, prucaloprida (nome
comercial é Resolor – único presente no mercado). Atuam aumentando a liberação de Ach no plexo mioentérico
por ativar receptores 5HT4 (via intrínseca) e aumento do peristaltismo por ativação sensorial vagal e neurônios
espinais extrínsecos (receptores 5HT3). A prucaloprida é específica para o receptor 5HT4.

OBS: Motilídeos: macrolídeos (claritromicina, azitromicina) – são análogos da motilina, por isso causam diarreia.
Não são utilizados como procinéticos, mas causam esse efeito.

6
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

CONSTIPAÇÃO: é a evacuação com uma frequência inferior a 3x por semana. O “normal” é entre 3x/dia a 3x/semana.
A água constitui 70-85% da massa fecal, sendo que o intestino extrai água e minerais do conteúdo intraluminal. A
redução da motilidade e de líquidos gera fezes duras e impactadas.
 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DA CONSTIPAÇÃO: dieta rica em fibras, ingestão adequada de líquidos,
exercício físico regular, atenção da necessidade natural e evitar fármacos favorecedores da constipação.

 LAXANTES:
AGENTES MECANISMO
Expansores do bolo fecal: Efeito hidrofílico, acúmulo de líquido no lúmen
Farelo, preparações de psyllium, goma caraía, intestinal, aumento de volume e amolecimento
fibras dietéticas, resinas poliacrílicas hidrofílicas e do bolo fecal e aumento de peristaltismo.
derivados de celulose.
Amolecedores do bolo fecal: Alteração de permeabilidade celular, inibição da
Docusato de sódio, cálcio ou potássio absorção ou aumento de secreção de água ou
eletrólitos no jejuno e no cólon.
Lubrificante: Interferência com absorção intestinal de água –
Óleo mineral ação emoliente.
Salinos e osmóticos: Retenção osmótica de água no lúmen intestinal,
Lactulose, hidróxido de magnésio, citrato de estimulação da secreção de fluido e motilidade
magnésio, sorbitol, manitol, glicerina, PEG e induzida por aumento luminal de colecistocinina.
macrogol
Irritantes ou estimulantes: Retenção de água no lúmen intestinal, aumento
Óleo de rícino, derivados de difenilmetano de motilidade, estimulação de secreção de água
(fenolftaleína, bisacodil), derivados antracênicos ou eletrólitos para o lúmen intestinal.
(sene, cáscara sagrada, ruibarbo e dantrona).

OBS: A ingestão excessiva e crônica de laxantes irritantes leva ao intestino preguiçoso e perturba o equilíbrio
hidroeletrolítico

 ATIVADOR DOS CANAIS DE CLORETO: lubiprostona (Amitiza).


 MECANISMO DE AÇÃO: ativando os canais de cloreto do enterócito, o líquido luminal fica rico em
cloreto, levando água junto (há um canal de aquaporina ao lado do transportador de cloreto), o que
estimula a motilidade intestinal e reduz o tempo de trânsito.
 INDICAÇÃO: síndrome do intestino irritável e constipação crônica.
 EFEITOS ADVERSOS: náuseas, cefaleia, diarreia, hipersensibilidade e dispneia.

7
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

ANTIDIARREICOS:
 ANTIDIARREICOS QUE REDUZEM A MOTILIDADE INTESTINAL: loperamida (Imosec), difenoxilato (Lomotil,
Motofen).
 MECANISMO DE AÇÃO: reduzem a motilidade intestinal, pois são opióides que atuam se ligando a seus
receptores da parede intestinal, causando constipação.
 INDICAÇÕES: são usados no tratamento das diarreias moderadas de origem não bacteriana, sem febre
e sem sinais inflamatórios (induzidas por quimioterapia, tumores neuroendócrinos ou vagotomia).
 EFEITOS ADVERSOS: a overdose de loperamida em crianças pode levar à depressão do SNC.

 ANTIDIARREICOS INIBIDORES DE ENCEFALINASES: racecadotril (Tiorfan)


 MECANISMO DE AÇÃO: as encefalinas são opióides endógenos, portanto, levam à constipação. Inibindo
a enzima que degrada as encefalinas, aumenta-se esse efeito clínico.

 ANTIDIARREICOS SEQUESTRADORES DE ÁCIDOS BILIARES: colestiramina e colestipol.


 ANTIDIARREICOS ADSORVENTES: pectina (maçã) e caulim  são adsorventes de bactérias e toxinas, reduzindo
a liquefação das fezes.

ANTIFLATULENTOS: análogos da simeticona, que agem por interações químicas, colapsando as bolhas de gás.

FÁRMACOS ANTIEMÉTICOS:
AGENTES: LOCAIS DE AÇÃO: MECANISMO DE AÇÃO:
Anticolinérgicos: escopolamina Zona de gatilho + núcleo do Diminuição da captação de estímulos na zona do
(Hioscina) trato solitário + aparelho gatilho. Diminuição da estimulação e condução
vestibular + TGI (receptores nas vias vestibulares. Indução da motilidade
muscarínicos). gastrintestinal.
Antihistamínico H₁: Centro do vômito + núcleo do Alteração das vias neurais originadas em
Buclizina, meclizina, dimenidrinato, trato solitário + aparelho labirinto.
ciclizina, hidroxizina, prometazina e vestibular (receptor H₁).
difenidramina
Antidopaminérgicos: Zona de gatilho + núcleo do Bloqueio dopaminérgico. Bloqueio direto da
Fenotiazinas (clorpromazina), trato solitário zona de gatilho. Aceleração do esvaziamento
butirofenonas (haloperidol e Zona de gatilho + periferia gástrico. Contração do EEI.
droperidol), metoclopramida, (receptores dopaminérgicos)
bromoprida e domperidona.
Antisserotoninérgicos: Zona de gatilho + núcleo do Bloqueio direto da zona de gatilho. Interferência
Ondansetrona, granisetrona, trato solitário + estômago e na transmissão de estímulos por vias aferentes
tropisetrona, dolasetrona, intestino delgado (receptores que partem do estômago e intestino delgado.
palonosetrona e ramosetrona 5HT). Ação anticolinérgica.
Antineurocinina-1: Inibição dos receptores da subtância P ou NK1.
Aprepitanto, fosaprepitanto e Aumento da atividade antiemética dos
dimeglumina antagonistas 5HT e corticoides.
Outros: canabinoides Córtex cerebral

8
Farmacologia II João Pedro – 2016.2

OBS: principais quimioterápicos relacionados com risco de êmese, sem profilaxia:


NÍVEL INCIDÊNCIA ESTIMADA DE ÊMESE SEM PROFILAXIA FÁRMACOS
1 – Risco mínimo <10% Bevacizumabe, bleomicina, vincristina
e vinorelbina
2 – Risco baixo 10-30% Cetuximabe, docetaxel, etoposídeo,
metotrexato, mitoxantrona, paclitaxel
e topotecana.
3 – Risco moderado 31-90% Carboplatina, ciclofosfamida,
daunorrubicina, doxorrubicina,
epirrubicina e oxaliplatina.
4 – Risco alto >90% Carmustina, cisplatina, ciclofosfamida,
dacarbazina, estreptozocina.

Você também pode gostar