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Farmacognosia

Aula Nº 1

Sumário: Introdução à disciplina e apresentação do Programa.


Conceito de Farmacognosia e seu início. Ciências relacionadas com a
Farmacognosia.
Alguns conceitos de interesse e critérios de classificação dos fármacos.

Bibliografia: Farmacognosia. Aloísio F. Costa. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa.


2002, p 1-18.

Com o progresso registado no estudo das substâncias naturais utilizadas na preparação


dos medicamentos, nos seus diversos aspectos relacionados com a origem,
identificação, conservação e análise pelos métodos mais adequados, houve necessidade
de denominar esta nova ciência, já autónoma, de uma forma conveniente.
O termo Farmacognosia, derivado de Pharmakom, com o significado de substância
medicinal e de Gnosis de conhecimento, com a terminação ia, que determina a
acentuação grave da palavra.
Ainda no começo do século XIX, no alvorecer das ciências, as substâncias medicinais
provinham dos três reinos da Natureza, mas, em breve, com o desenvolvimento da
Química, isolaram-se deste conjunto os fármacos minerais; depois foram reduzidos os
de origem animal, pouco a pouco, a um número escasso. Entretanto apareceram novas
substâncias medicinais de origem biológica e preparadas por síntese química, mas
simultaneamente surgiram novas actividades científicas que rapidamente se
desenvolveram e do mesmo modo justificaram novas disciplinas nos quadros de ensino:
os soros e vacinas, os fermentos, as vitaminas, as hormonas, etc., estudados em
Bacteriologia, Criptogamia (plantas que não dão flores ou que têm os órgãos de
reprodução ocultos) e Fermentações, Química Orgânica e Biológica, Farmacodinamia,
etc.
Estas limitações à Farmacognosia, inicialmente dedicada a todos os simples adequados
à preparação de medicamentos, reduziram-na ao estudo das plantas medicinais e a um
número escasso de animais e seus derivados (órgãos e produtos de secreção).
Limitado assim o seu âmbito pode desenvolver-se o conceito desta ciência da seguinte
forma:
A Farmacognosia é a ciência que tem por objectivo o conhecimento dos fármacos,
limitados aos provenientes dos dois reinos vivos da Natureza e em particular aos de
origem vegetal. Pretende realizar o seu estudo nos diversos aspectos, da origem, cultura,
colheita, preparação e conservação, identificação pelos seus caracteres macroscópicos e
microscópicos, composição química, pesquisa de falsificações, actividade
farmacológica relacionada com os métodos de aferição, usos diversos; por vezes,
também sob alguns outros aspectos, o histórico, o económico, etc., na separação dos
seus constituintes activos, isolamento de secreções ou grupos de princípios imediatos e
estabelecimento das relações bioquímicas (corpos gordos, óleos essenciais, resinas, etc.)
Principalmente tudo o relacionado com identificação e análise.
As plantas medicinais utilizavam-se, quase exclusivamente, da flora espontânea, mas
posteriormente se estabelece a cultura a partir de bases científicas, que permitem
apreciar a actividade dos fármacos nos laboratórios com a utilização de métodos
experimentais. As exigências criadas por certas industrias não eram satisfeitas pelas
plantas espontâneas e houve necessidade de organizar a sua cultura, como no caso da
dedaleira, beladona, lírio, etc. Aida hoje se aproveitam algumas plantas aromáticas da
flora espontânea de alguns países, quando crescem em quantidades compatíveis com a
sua exploração, mas a industria dos óleos essenciais preferiu estabelecer certas culturas.
Os terrenos preparam-se conforme as plantas, o seu porte (erbáceas ou arbóreas) e se
corrigem com adubos químicos, a composição química do solo influencia no
desenvolvimento das diferentes plantas. Certos produtos químicos lançados nos terrenos
podem favorecer o enriquecimento dos seus princípios químicos como também a
influência provocada pelos factores climáticos e as diferentes pragas que destroem as
culturas, pois podem modificar a composição química das plantas.
A colheita se subordina como é natural, à maior riqueza de princípios activos, e depois,
ao estado de desenvolvimento das plantas, realizando-se em períodos determinados. As
raízes, rizomas e tubérculos recolhem-se em Primavera ou Outono, no caso das folhas,
algumas espécies permitem mais de uma colheita em cada uma, as flores colhem-se em
botão, depois o se valor diminui depressa, os frutos apanham-se na maturação, as
sementes aproveitam-se só quando completamente maduras.
Na preparação das plantas, a quantidade de água varia consoante aos tecidos, mas
sempre atinge valores muitos elevados, a sua presença impede a conservação dos
fármacos, pois as bactérias e os bolores depressa os destroem. Desde sempre se
recomendou eliminar esta água, pelo menos reduzi-la a uma quantidade para minimizar
as reacções enzimáticas. O processo prático para atingir este objectivo é a secagem,
obtida por diversos processos para desidratar as plantas, de modo a conservarem os
correspondentes fármacos, os seus caracteres e respectivos componentes químicos.
Os fármacos bem preparados conservam-se durante períodos de tempo variáveis, mas
nunca dilatados, consoante a natureza dos seus constituintes activos. Nos armazéns em
sacos, caixas, fardos comprimidos em prensas mecânicas e nas farmácias usam, frascos
de vidro ou louça bem rolhados, mais geralmente acondicionam-se em caixas de
madeira e de lata, e em sacos de papel e de material plástico, devem ser extraídos da
acção da luz e da humidade, também do calor, poeiras, etc.

A Farmacognosia aproveita os ensinamentos de várias ciências para o estudo dos


fármacos, distinguindo-se a Botânica, a Química e a Farmacodinamia adquirindo um
carácter científico.
A Botânica, utilizada resolvendo os problemas da origem e da descrição dos caracteres
da planta ou dos órgãos. A Histologia melhorou o conhecimento dos fármacos,
definindo mais exactamente os seus caracteres de pureza e permitiu fixar as regiões
onde se localizam os seus constituintes activos e secreções (matérias resinosas, gomas e
mucilagens, óleos essenciais, etc.).
A Química é, sem dúvida, a ciência de maior importância relacionada com a
Farmacognosia. Diversos problemas resolvem-se, ainda, graças ao concurso desta
ciência, já no momento da colheita dos vegetais, ao qual corresponde uma maior riqueza
de princípios activos, também na conservação, por fixar as circunstâncias que evitam
alterações. Durante a secagem e morte das células, os princípios activos alteram-se
devido particularmente aos fermentos, produzindo-se outros compostos de actividades
farmacodinámicas. Consegue-se a estabilização dos fármacos, por meios físicos (frio,
calor, radiações infravermelhas, desidratação) ou químicos (formol, sulfato de amónio,
etc.). A indústria química consegue isolar as substâncias activas de muitos fármacos
naturais, a terapêutica também as prefere por ser exacta a dosagem, pela constância da
actividade farmacológica e, ainda, por serem mais precisas as suas associações com
outras bases medicamentosas e mais fácil a administração, Ex. A quinina e outros
alcalóides. Ainda extrai outros constituintes vegetais que depois transforma em novos
medicamentos, como antibióticos, saponósidos, compostos terpénicos, etc.
A Bioquímica abriu novos rumos à investigação científica na bio-síntese dos
constituintes químicos, problemas que também interessam à Farmacognosia, os estudos
biogenéticos permitem conhecer as circunstâncias que determinaram a formação dos
princípios activos e que sendo satisfeitas, pela administração dos produtos
intermediários da sua síntese, concorrem para o enriquecimento das espécies medicinais
e facilita a escolha e classificação das espécies medicinais, distinguidas pela natureza
química dos seus constituintes.
A Farmacologia presta também contribuição valiosa, orientando a análise química,
distinguindo, em particular, os constituintes activos dos inertes, sucessivamente
isolados. A actividade de um fármaco vegetal não depende unicamente do constituinte
predominante isolado, que foi referido como princípio activo, pois outros compostos
conjuntos análogos ou diferentes na sua composição química, podem modifica-la,
qualitativa e quantitativamente. A Farmacognosia caracteriza-se pelo seu interesse no
isolamento de todos os constituintes e a Farmacodinamia o estudo de cada um de per si
e no seu conjunto. Os métodos biológicos distinguem-se dos químicos por utilizarem
reagentes particulares: animais e os seus órgãos vivos. Possuem poderes de reacção
limitados e sensibilidades diferentes, variáveis com numerosas circunstâncias
intrínsecas (sensibilidades diversas dos animais relacionadas com a espécie, idade, sexo,
época do ano, etc.) e extrínsecas (condições do meio, temperatura, pH, alimentação,
etc.) Os métodos toxicológicos, determinam a dose mortal mínima da substância capaz
de produzir a morte de um ou de todos os animais. Num outro grupo de métodos
biológicos aprecia-se uma actividade específica (métodos sintomáticos). Comparam-se
as intensidades de acção, em animais de laboratório, do fármaco em ensaio e de um
padrão constituído por uma substância conveniente, em regra um produto químico puro,
sobre um aparelho o uma função (circulação, respiração, etc.), quando se produzirem
efeitos idênticos nos animais sujeitos às duas séries de ensaios, serão também iguais os
conteúdos de substâncias activas nos produtos administrados. É este o fundamento do
processo já muitas vezes experimentado com numerosos fármacos.
É já só da competência médica o estudo do emprego terapêutico das substâncias
medicinais, mais o farmacêutico é o responsável pela execução das fórmulas
medicamentosas, inclusivamente pelas quantidades de substâncias medicinais activas
nelas referidas.

Outros aspectos no estudo dos Fármacos

Farmacoergasia: Relaciona-se com a cultura, colheita, preparação e conservação dos


fármacos. Conhecem-se muitas circunstâncias favoráveis ao enriquecimento dos
princípios activos de varias espécies, pelo fornecimento de adubos de composição
química adequada e que irão a facilitar as respectivas sínteses biológicas. Os
conhecimentos de genética e selecção beneficiaram largamente a industria química
relacionada com o cultivo de plantas medicinais. Desenvolve-se, actualmente, o estudo
das raças fisiológicas das plantas medicinais, graças aos métodos analíticos muito mais
sensíveis.
Farmacopatologia: Estuda as alterações observadas na fisiologia normal das plantas e
os efeitos verificados na preparação dos fármacos. Geralmente resultam prejuízos mas
ou menos graves e outras resultam de transformações aproveitadas pelo homem.
Farmacogeografia: Compreende os problemas de esta ciência relacionados com a
geografia.
Farmacoempória: Estuda o comércio da produção, exportação, consumo das plantas.
Fármaco-história: Estuda os fatos relacionados com o conhecimento dos fármacos
através dos tempos até aos nossos dias, os registos das fontes de informação, os dados
relativos às suas utilizações e ao seu estudo científico.
Farmacoetnologia: É a utilização e conhecimento do origem, nos mas variados povos
do mundo, das drogas medicinais e tóxicas na cura das suas doenças, na caça, na guerra,
na administração da sua justiça, na prática de esconjuros para afastar os espíritos maus,
de fumigatórios e unções nas cerimónias religiosas. No uso de masticatórios, fumo e
bebidas estimulantes e ate como moeda de troca.

O número de espécies medicinais está hoje reduzido a algumas escassas centenas e o


uso de muitas delas só persiste na medicina popular. O exame crítico confinou-as dentro
de limites estreitos, fixados consoante os conhecimentos adquiridos sobre as suas
actividades farmacológicas e composição química; depois, excluíram-se as espécies
análogas para evitar repetições que não ofereciam vantagens, sendo mais fácil a
identificação dos fármacos e diminuíram as possibilidades de confusões e falsificações.
A Fitoterápia está substituída quase por completo pelos produtos químicos, por vezes
das próprias plantas, é a tendência actual. Muitas vezes o organismo humano tolera
melhor as drogas vegetais, pois actuam com suavidade, ao contrario dos produtos
químicos, mais tóxicos e provocando fenómenos de intolerância. A medicina popular
continua a usá-las, por serem mais baratas e de colheita fácil, apesar do empirismo de
seu emprego. Estas limitações são transitórias, pois renovam-se constantemente as
provisões dos fármacos vegetais. O arsenal terapêutico enriquece-se regularmente com
novas drogas e seus princípios activos.
A Farmacognosia toma novos rumos sem perder a sua própria estrutura, continuando
interessada no estudo químico e farmacológico das plantas, na esperança de encontrar
novos princípios activos. Melhorar os métodos de identificação e análise dos fármacos;
estabelecer novos processos de isolamento dos constituintes com valor na terapêutica e
na indústria, concorrendo assim para o desenvolvimento científico e económico; estudar
as grandes matérias-primas do reino vegetal de algum modo ligadas à sua própria
orgânica, como de plantas aromáticas, resinosas, oleaginosas, taníferas e tantas outras.

Critérios propostos para a classificação dos fármacos:

- Por ordem alfabético, carece de valor cientifico pêro tem carácter pratico é seguida
pelas Farmacopeias.
_O critério morfológico determina o agrupamento dos fármacos consoante as
respectivas regiões das plantas: talos, raízes, cascas, bolbos, lenhos, folhas, flores,
frutos, semente, plantas e ramos floridos, tubérculos, etc. Utiliza-se particularmente nos
livros com carácter laboratorial, que emprestam maior desenvolvimento ao estudo da
morfologia dos fármacos.
- O critério taxonómico botânico (e zoológico) é o mais simples e cómodo, um sistema
natural de classificação dos vegetais (e de animais), não há mais do que colocar os
fármacos no lugar dos respectivos táxones.
- O critério farmacológico baseia-se no conhecimento da actividade fisiológica dos
medicamentos sobre o organismo humano nos diversos aspectos próprios. Observam-se
dificuldades que resultam da actividade múltipla de cada constituinte sobre os diversos
órgãos e sistemas animais; ainda, da existência de vários constituintes químicos no
mesmo fármaco possuindo propriedades farmacodinâmicas diferentes.
- O critério químico de classificação agrupa os fármacos consoante a natureza dos seus
constituintes. É sem dúvida o que melhor se adapta ao estado de evolução actual da
Farmacognosia, baseada no conhecimento dos seus constituintes, com referência
particular àqueles que justificam as suas propriedades farmacológicas. Este critério
oferece vantagens sobre os anteriores, relaciona os fármacos pelos seus constituintes e
consequentemente pelos métodos de identificação e dosagem utilizados na sua análise,
facto de maior importância para o farmacêutico.

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