mil indígenas vivam no território brasileiro. E qual é a perspectiva dessas populações para o futuro? Isso dependerá de como o poder público e a sociedade brasileira veem essas populações e de elas serem consideradas protagonistas de sua A jovem Hamangaí Pataxó, ativista pelos direitos dos povos indígenas, própria trajetória, garantindo-lhes durante o Encontro de Jovens Ativistas em Genebra, na Suíça, em dezembro de 2019. direitos que, na prática, ainda são pouco respeitados. Quando portugueses e espanhóis, além de outros europeus, chegaram à América, encontraram no continente inúmeras sociedades, constituídas por milhões de indivíduos organizados em diversos grupos, cada qual com seu modo de vida, sociedade, divisão de trabalho, cultura e tradição. Por muito tempo, esses indivíduos, chamados genericamente de “índios”, foram vistos e representados como “primitivos” e “atrasados”, o que reproduzia o olhar eurocêntrico dos conquistadores diante de uma realidade diferente da sua. Apesar de a maior parte não conhecer a escrita, as populações indígenas possuíam seus próprios modos de compreender e organizar o mundo e de traduzir ideias em falas e ações, o que podemos considerar como um genuíno “pensamento ameríndio”. A humanidade e o projeto civilizador A ideia de que em algum lugar do mundo existia um paraíso terreno, uma região da bem-aventurança que poderia ser alcançada ao superar perigos e provas, como monstros e demônios, é antiga e predominou em toda a Idade Média e no início da Idade Moderna. Está presente nos relatos das quatro viagens de Colombo, Diários da descoberta da América, e de inúmeros viajantes. As crônicas dos viajantes do século XVI sobre a América estavam repletas desse imaginário e descreviam os nativos de maneira contraditória, pois, ao mesmo tempo que exaltavam seus corpos e sua beleza, estranhavam seus costumes e modos de ser. Nessas narrativas, os “ descobridores” (invasores?) e, depois, os colonos portugueses viam os povos originários da Terra de Santa Cruz (Brasil) como seres dotados de uma humanidade diferente ou inferior, que precisavam ser civilizados ou salvos de sua condição. Que condição seria essa? Seu jeito de estar no mundo. Cabia aos portugueses educar os indígenas, levando-os a assimilar os ideais e o fazer da civilização europeia. Assim, os povos originários do território posteriormente chamado Brasil tinham de ser destituídos de suas características e de sua identidade. O jardim das delícias terrenas, pintura do artista holandês Hieronymus Bosch, 1504, é um tríptico que expressa o imaginário do artista e de sua época sobre a história do mundo, sua criação, o paraíso terrestre e o inferno. Muitas narrativas são constituídas misturando símbolos da utopia, da religião e da realidade terrena. Já na carta de 1500 ao rei Dom Manuel, Pero Vaz de Caminha ressaltou a formosura da nudez dos indígenas, destituídos de vergonha, sua pureza e inocência, ponderando, ao final, que a salvação dos nativos era o melhor fruto da semente que o rei deveria lançar sobre a nova terra. Antecipava, assim, o que seria a colonização brasileira: um empreendimento econômico e evangelizador. Demonização dos povos indígenas Demonização dos povos indígenas