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PRATICANDO

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Conteúdo Paola Pucci


Redação Raquel Fornaziero Gomes
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Terapia do paciente com afasia
predominantemente compreensiva

PRATICANDO
Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

A primeira coisa que fazemos em qualquer caso é avaliar. E por onde


devemos começar uma avaliação? Pela compreensão!

Para avaliar compreensão, começamos sempre pelo mais concreto, ou


seja, pelos objetos. Depois, seguimos para fotos, gestos, mímica,
compreensão auditiva e, por último, leitura.

Se não souber avaliar, não tem como tratar, certo?!

Vamos supor que você tem um paciente e observou na avaliação que ele
não consegue ler, fala só algumas palavras (é apráxico) e tem uma
compreensão limitada ao dia a dia e ao simples; se você começa a falar
de coisas mais complexas ou que são de fora do ambiente dele, ele já
não compreende.

Por onde você começaria a terapia?

A terapia dos pacientes afásicos começa pelas habilidades que você


encontrou alteradas. Portanto, se a compreensão auditiva dele é
moderada e está limitada ao dia a dia e ao ambiente, você vai trabalhar a
compreensão explorando outros assuntos de interesse e relacionar com
o nome das coisas. Vamos sempre trabalhar o que está ruim.

As habilidades comunicativas são nossa ferramenta para diagnóstico e


também para tratamento!

Então, voltando ao caso, vamos imaginar que você está trabalhando


para melhorar a compreensão do paciente, porque é a partir da
compreensão que ele também vai melhorar a expressão.

Mas não podemos esquecer que esse paciente é apráxico! Então, ele
tem um problema para planejar. Ele sabe o que vai dizer, mas na hora de
planejar como dizer, como articular, o plano sai errado e, em vez de falar
“laranja”, ele fala “maçã”, por exemplo; ou ele quer falar “maçã” e nem sai
a primeira sílaba!

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Por que o planejamento do apráxico é um planejamento ruim? Porque


existe uma alteração de memória operacional, ou seja, aquela memória
que vai guardar a sequência dos fonemas, das sílabas... Então, fica
impossível tratar um apráxico, sem fazer treino de memória e sem fazer
treino de planejamento.

“Mas como eu faço treino de planejamento?”

Você pode treinar a articulação do fonema, mostrando como é feito o


movimento, como deve ficar o formato da boca, onde vai a língua etc.
(isso é treinar o planejamento motor da fala); pode treinar como se faz um
café; como sai de casa pra ir ao mercado (o que precisa levar, onde fica o
carro, qual o caminho pro mercado); como escova os dentes... Tudo isso
são coisas que o nosso cérebro planeja antes de a gente fazer.

Vamos, então, pensar como seria o treino do planejamento para escovar


os dentes!

Você vai montar, com o paciente, o passo a passo de tudo que é


necessário acontecer para chegar até escovar os dentes.
Por exemplo:
1. Ir até o banheiro;
2. Pegar a escova de dentes;
3. Colocar pasta na escova;
4. Abrir a boca... E assim por diante.

Você vai escrever esse passo a passo, vai mostrar imagens desses
passos acontecendo e imagens da ação final (pode usar o kit Cartões
Verbais ou pegar cenas de filme/novela).

Sequência logico-temporal adulta é muito importante para trabalhar


planejamento!

“E trabalhando planejamento o apráxico vai falar?”

Vai!!! Não é demais?!

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Ao contrário do que muitos pensam, o treino do paciente apráxico não é


só ficar repetindo; é ler, repetir, falar e escrever. Mas não vamos fazer
isso a sessão inteira, porque precisamos trabalhar tudo que está
alterado.

Às vezes, os alunos me perguntam “Paola, eu vou ficar trabalhando uma


coisa de cada vez e só passo para a próxima quando ele estiver bom na
habilidade que eu estou trabalhando?”.

Não!
Se você tem 40 minutos de sessão, você vai dividir esses 40 minutos
entre todas as alterações que encontrou na avaliação, para que sejam
trabalhadas na mesma sessão. Portanto, se tem 4 alterações, nesse
caso você teria 10 minutos por sessão para trabalhar cada alteração.

“E de quantas sessões eu vou precisar, Paola?”

Tudo depende de como é o seu paciente. Muitas coisas influenciam,


como a extensão da lesão, a idade, a escolaridade... Se o paciente é
atento, se faz os treinos fora das sessões, se tem um humor estável (sem
depressão, por exemplo), se é clinicamente estável (sem convulsões ou
outros eventos neurológicos)... Tudo isso indica um bom prognóstico!
Mas a capacidade do fonoaudiólogo trabalhar a cognição também é
decisiva nesse processo de reabilitação.

Fonoaudiólogo que faz treino de linguagem com material infantil, que usa
treino de cartilha, que não trabalha atenção, memória, planejamento e
execução, com certeza vai ter pacientes com prognóstico pior do que o
fonoaudiólogo que faz o oposto disso.
Portanto, tenha sempre em mente que o seu paciente afásico é cognitivo,
é adulto e vai precisar passar por um processo de reaprendizagem, não
de aprendizagem!

Vamos pensar em estratégias de terapia para o paciente apráxico?


Usando, aqui, algumas sugestões dos alunos:

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

1. Reforçar a rota fonológica, dando a pista inicial das palavras.


Dar pistas não é fazer terapia, a terapia está em trabalhar os fonemas.
Para reforçar a rota fonológica, é importante se concentrar em um campo
semântico por vez, aumentando o número de palavras conforme ele vai
melhorando, até que ele memorize todo o vocabulário dessa categoria.
Depois, isso pode ser trabalhado também na escrita, deixando lacunas
no lugar de alguns fonemas, para que ele complete através da memória
operacional. No começo, quanto mais você restringir, melhor vai ser! Por
exemplo: trabalhar só frutas (um mesmo campo semântico), mas nessa
sessão, trabalhar só as frutas que começam com “ba”. Assim, a gente
restringe o campo e também o engrama fonológico.

2. Método das boquinhas, para trabalhar planejamento motor da fala.


O método das boquinhas é muito útil e agora, com a internet e os
aplicativos de mensagem (como WhatsApp e Telegram), dá para o
próprio terapeuta gravar um vídeo, fazendo o movimento com a boca e
enviar para o paciente; ou usar o FonoSpeak – Aquisição de Fonemas.

3. Escrever os nomes dos objetos que o paciente mais usa e colar


cada um no seu objeto.
Essa é uma estratégia excelente, porque unimos a pista grafêmica às
coisas que ele mais usa ou que ele erra mais. Para deixar ainda melhor,
dá pra colocar os desenhos das boquinhas ao lado da palavra escrita
(não precisa fazer isso em todas as palavras, nem na palavra inteira; dá
pra fazer só com o fonema inicial).

Muita gente me pergunta com qual campo semântico deve iniciar a


terapia. “Começo por coisas de banheiro, por fruta, por onde?”.
Você vai começar sempre pelo que é mais funcional para o paciente.
Então, imagina que ele está internado no hospital e nesse momento o
mais funcional pra ele é saber os nomes das pessoas que visitam, é
saber pedir o controle remoto, pedir pra mudar de posição, pedir o
cobertor... Não tem problema se o mais funcional para o seu paciente
nesse momento for, por exemplo, saber só os nomes dos netos. Tudo
bem! Porque o nosso trabalho deve ser voltado para melhorar a
qualidade de vida dos nossos pacientes.

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Outro ponto importante para se ter em mente é que na terapia de


apraxia de fala, quanto mais input (adulto e de acordo com a realidade
do paciente), melhor! Lembre-se sempre disso.

Uma aluna me perguntou: “Paola, se eu oferecer para o paciente outras


formas de comunicação que não seja a fala, não corro o risco de ele ficar
acomodado e não falar?”.

Essa pergunta é muito importante, porque é o que todo familiar quer


saber! Não só familiar, mas também outros profissionais da equipe.

O que precisamos explicar nesse caso?

A intenção comunicativa funciona de forma involuntária, antes mesmo


de a comunicação acontecer. Para uma comunicação não verbal,
primeiro o paciente precisa ter compreensão do contexto, depois ele
precisa planejar como fazer os movimentos (seja mímica ou gestos)
para se expressar... Ou seja, ele está trabalhando toda a rota cognitiva
da comunicação! Isso é muito melhor do que ficar dois ou três meses
treinando a articulação do fonema “O” com o paciente, pra ele falar “Oi”
para as pessoas. Se eu, como terapeuta, fico presa a treinar só a fala do
paciente, o humor dele vai ficar pior, a atenção dele vai ficar pior, a
expectativa e o engajamento na terapia vão ser ruins (já que tem
paciente com muita dificuldade para falar), e eu não estarei
cumprindo meu papel como fonoaudióloga, que é reabilitar a
comunicação do meu paciente.

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Reabilitar comunicação não é só reabilitar a fala.

Quando eu ofereço gestos para o meu paciente, eu não estou


eliminando a fala, muito pelo contrário! Eu estou, na verdade,
estimulando a oralidade com os gestos. Tenho muitos pacientes que
começaram fazendo um “tchau” com a mão para cumprimentar e depois
de três sessões começaram a falar “tchau”.

Pergunta de uma aluna: “Além de trabalhar as habilidades cognitivas,


eu agora comecei a utilizar o Protocolo Práxico-produtivo da
Giannecchini, que na verdade é para transtorno fonológico. Com alguns
pacientes, tive bons resultados; com outros, nenhuma evolução. Esse é
um protocolo em que ela propõe um tratamento breve, voltado ao
público infantil, com foco em estimular uma área do cérebro que é um
pouquinho mais interna que a área de Broca. Na tese, ela observou que
esse protocolo beneficia muito a área de produção de fala. Uma das
estratégias é fazer uma sequência de movimentos/exercícios e depois
a produção de uma palavra que o paciente já fala (por exemplo: bico,
sorriso, estralo de língua e a produção da palavra). Quero saber se você
já usou e como pode ajudar”.

Quando nós fazemos uma sequência dessa, bucofacial, seguida de


uma fonêmica oral, quais são as habilidades que estão sendo
treinadas? Memória, planejamento e execução. Ou seja, é um treino
cognitivo voltado para a fala. Você sabe que aqui eu não vou sugerir
nem recomendar uso de protocolos, porque meu objetivo é te ajudar a
desenvolver raciocínio clínico. Tendo raciocínio clínico, você pode usar
o material que quiser, porque vai saber exatamente como usar e com
que finalidade. O importante é saber que as coisas que funcionam para
crianças nem sempre funcionam com os adultos, porque na criança nós
estamos trabalhando aprendizagem, enquanto que no adulto é a
reaprendizagem. Quando você me diz “com alguns pacientes deu certo,
mas com outros não”, podemos pensar no seguinte: Quanto mais
próximo da realidade você estiver, melhor para o seu paciente.

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Será que o paciente vai achar legal tomar água na seringa? Pode até ser
que sim, mas é uma coisa que ele nunca fez na vida, nunca precisou se
planejar pra isso. O que eu quero dizer é que quando vamos falar (na
fala espontânea), não fazemos “bico-sorriso-estralo de língua” antes de
cada palavra. Certo? Então, eu acho delicado a gente distanciar muito o
paciente do que ele precisa fazer para só depois trazê-lo para o que ele
realmente vai precisar. Por isso eu acho que não dá certo com todo
mundo. E com isso eu não estou dizendo que o método não é bom ou
que não funciona, estou só dizendo que não vai funcionar pra todo
mundo. Vou explicar por quê!

Se eu tenho um paciente com lesão extensa de hemisfério esquerdo,


que é destro e com ótima pragmática (aquele que conversa com o olhar,
tem boa mímica, iniciativa comunicativa), ele tem o hemisfério direito
muito bom e, provavelmente, se eu usar música como estratégia
terapêutica, ele vai evoluir mais rápido no planejamento do que se eu
utilizar técnica de planejamento de movimentos bucofaciais. Entende?

A própria utilização de neurônio-espelho e do método das boquinhas


precisa ser em cima do que o paciente fala ou falava antes da lesão,
associando sempre à escrita, ao objeto, para o paciente não se perder.
Então, esse protocolo pode ser interessante para o apráxico bucofacial,
pode ser interessante como treino cognitivo, mas não como um treino
linguístico para o paciente adulto. Por isso eu insisto que a alma da
terapia é o raciocínio clínico; você precisa entender o que está fazendo
e qual é seu objetivo com isso, senão acaba utilizando materiais que até
podem ser muito bons, mas de um jeito inadequado, com um objetivo
que ele não pode atender.

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Mais alguns exemplos de estratégia que você pode usar na terapia de


apraxia são: jogo da memória e/ou Genius, para treino de memória
operacional; neurônio-espelho para treino articulatório; uso de música
que o paciente gosta, com lacunas em fonemas ou palavras; gravar a
conversação, para acompanhar a evolução do paciente.

Para gravar a conversação, é interessante que você combine um


discurso bem fechado com o paciente antes. Por exemplo: “Hoje você
vai me contar como você faz café”. Toda sessão você faz esse
combinado e grava o discurso, para tabular a quantidade de palavras
por minuto e avaliar a quantidade de fala. Também dá pra tabular a
quantidade de palavras corretas por minuto e avaliar a qualidade de
fala. Só podemos dizer que a terapia está funcionando, se observarmos
dados concretos.

Mas, como você já deve saber, nem só de apraxia vive o afásico.


Existem outros sintomas que podem ser encontrados. Por exemplo, a
logorreia.

Na logorreia, o paciente fala sem parar, fala “pelos cotovelos”, mas, na


maioria dos casos, fala neologismos! Ou seja, ele fala palavras que não
existem na língua portuguesa. Quando a gente encontra um logorreico
que faz neologismos, qual a chance de a compreensão auditiva dele ser
boa? É alta ou é baixa?

É baixa! Concorda? É como se o paciente não estivesse inserido na


nossa língua. Sabe quando a gente começa a aprender inglês (ou
qualquer outro idioma), aí toca uma música, a gente quer cantar, mas
nem entende direito o que o cantor fala? O que acontece? A gente canta
de qualquer jeito, fala um monte de coisa que nem existe, o famoso
“embromation”. Não é verdade? Nesse caso, é impossível memorizar o
que a gente ouve, porque a gente desconhece, a gente não
compreende aquelas palavras.

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

A antiga “Afasia de Wernicke” (antiga, porque hoje em dia não se usa mais
classificação de afasias) era caracterizada por logorreia, lembra? Isso
significa que a logorreia é uma característica comum em afasias
predominantemente compreensivas.

E como a gente trata logorreia, então, se o problema da expressão está, na


verdade, na compreensão?

Você vai precisar inserir esse paciente no mundo! Pensa nas aulinhas de
inglês para iniciantes. Quando o professor te ensina “bola”, ele mostra a
bola, tem a palavra “ball” escrita, tem alguém falando a palavra (portanto,
tem o som)... São fornecidos todos os inputs para que você aprenda como
é “bola” em inglês.

Para trabalhar afasias predominantemente compreensivas, então, você


vai precisar fazer a mesma coisa, mas com uma diferença: o seu paciente
não está aprendendo uma língua nova, ele está reaprendendo uma língua
que ele já conhece. Então, além de tudo isso, você vai precisar fazer treino
cognitivo!

E o que é treino cognitivo?

ATENÇÃO, MEMÓRIA, PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO!

Certo? Não tem mais como não saber isso a essa altura do campeonato,
concorda?

Outro sintoma bastante comum é a jargonofasia. São aqueles pacientes


que utilizam jargões para se comunicar. Por exemplo:
Terapeuta: Sr. José, quantos filhos o Sr. tem?
Paciente: “Puta merda”, “puta merda”, “puta merda” (contando nos dedos,
mostrando que são três).

Nesse caso, o “puta merda” é o jargão dele e ele usa como comunicação.
Esse é um jargão bastante comum, inclusive, e algumas vezes eles até
conseguem se comunicar, mesmo usando só os jargões.

E o que fazer pra tirar o jargão?

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

Antigamente, alguns terapeutas mostravam um cartão vermelho cada vez


que o paciente produzisse um jargão. Será que isso é eficaz?

Não, né? Porque o problema não está na produção do jargão, esse


paciente não tem problema de expressão. O problema é que esse paciente
não consegue falar outra coisa além do jargão. Portanto, nosso objetivo
não deve ser eliminar o jargão, e sim trazer mais vocabulário para o
paciente.

E o que fazer pra tirar o jargão?

O jargão nada mais é do que uma redução do vocabulário!

Então, de novo, vamos trabalhar palavras com diversos inputs: ele vai
repetir, ler, escrever, ver foto, objeto, sempre um campo semântico de cada
vez. Aos poucos, ele vai substituindo o jargão por “oi”, pelo nome da filha,
vai aumentando o vocabulário e diminuindo o uso do jargão.

Além da logorreia e da jargonofasia, podemos encontrar as parafasias.

A parafasia pode ser semântica, verbal ou fonêmica. No apráxico, é muito


comum a gente ter parafasias fonêmicas, porque o paciente com alteração
no ensaio articulatório acaba trocando alguns sons nas palavras. Então,
em vez de falar Fernanda, ele fala Pernanda; em vez de falar Solange, ele
fala Tolange... E isso pode acontecer de forma sistemática ou não. Como
assim? Ele pode trocar sempre o mesmo fonema ou trocar cada hora um
fonema diferente.

E como trabalhar as trocas fonológicas?

Da mesma forma que a gente trabalha o fortalecimento da rota fonológica,


que já mencionei aqui, quando falei das estratégias. É possível utilizar os
pares máximos e pares mínimos também, para que ele entenda, por
exemplo, que “faca” e “vaca” são coisas diferentes, desde que não seja um
treino infantilizado. Além disso, é fundamental avaliarmos o
processamento auditivo central desse paciente. Sempre que você
encontrar parafasia fonêmica precisa fazer avaliação de processamento!

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Terapia do paciente com afasia predominantemente compreensiva

“Como eu vou fazer isso?”

Você vai colocar, por exemplo: faca, vaca e saca. Aí você fala uma dessas
palavras (sem dar pista visual) e pede pra ele apontar qual você falou. Assim,
você vai conseguir avaliar se ele está escutando a mesma coisa que ele lê. Se
você detectar que ele tem alteração de processamento auditivo, mas uma boa
compreensão, compensa encaminhar para os nossos colegas audiologistas
fazerem um treino em cabine com ele, ok?! É razoavelmente comum isso
acontecer.

E a parafasia verbal?

A parafasia verbal é quando acontece a troca de uma palavra por outra de um


campo semântico diferente. Por exemplo: o paciente quer falar “brinco” e fala
“cerveja”; quer falar “óculos” e fala “pé”.

Muitas vezes, o fonoaudiólogo pode achar que esse paciente tem uma
alteração de discurso, quando na verdade ele tem uma alteração semântica.
E o que fazemos nesses casos?
Nós reforçamos o significado das coisas, para quê elas servem, onde
encontramos... Podemos dar pistas como aquelas que encontramos em
palavras cruzadas, sabe? Você dá a dica e o paciente dá o nome. Por
exemplo: “é um lugar onde a maioria das pessoas gosta de ir no calor, tem
muitas no Brasil, lá tem água salgada”, e o paciente fala “Farmácia”, mesmo
querendo falar “Praia”. Você continua reforçando a parte semântica, mostra
foto, mostra a palavra escrita e ele vai organizando as “gavetas” semânticas
dele.

Se essa é a parafasia verbal, como é a parafasia semântica?

Enquanto na parafasia verbal o paciente faz trocas em campos semânticos


diferentes, na parafasia semântica a troca é dentro do mesmo campo. Em vez
de falar “banana”, o paciente fala “uva”, por exemplo.

Como trabalhamos isso?

Do mesmo jeito. Um campo semântico por vez, usando todos os inputs


possíveis: mostra foto, mostra o objeto, mostra a palavra escrita, produz a
palavra (neurônio-espelho)... As mesmas estratégias. Certo?

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Respondendo dúvidas dos alunos

PRATICANDO
- É possível não conseguir restabelecer a
comunicação de um paciente afásico?
Vou te dizer que é bem difícil isso acontecer, viu?! É mais fácil isso acontecer
por falta de habilidade do terapeuta do que por incapacidade neurológica do
paciente.

Por que eu estou falando isso?

Porque, como eu sempre falo, enquanto há cérebro, há vida; enquanto há


cérebro, há possibilidades!

O que pode acontecer, além da falta de habilidade do terapeuta, é falta de


adesão ao tratamento, por parte do paciente. Aquele paciente que não treinar,
que não estiver engajado, que não se dedicar ao processo de reabilitação, ou
que estiver com quadro depressivo, querendo desistir, esse paciente pode ser
que não evolua. Também acontece de o paciente não gostar do terapeuta,
não ir com a sua cara e aí não vai participar mesmo! Totalmente possível e
todas essas questões podem atrapalhar o tratamento, mas nada disso é
impedimento neurológico. O cérebro continua trabalhando. Compreende?

- Tenho um paciente que tem boa compreensão auditiva, mas toda vez que eu coloco
uma figura, ele se perde. Ele vai melhor na compreensão verbal do que de objetos, por
exemplo. O que eu posso fazer pra melhorar essa percepção de figuras e objetos?
Existe algo chamado negligência. É possível haver negligência dentro de
um quadro de acidente vascular encefálico (AVE), por exemplo. Então, o
paciente tem basicamente quatro quadrantes para olhar: canto superior
esquerdo, canto superior direito, canto inferior esquerdo e canto inferior
direito. Essas áreas precisam ser testadas. A gente parte do pressuposto
de que esse paciente vai ser avaliado por uma equipe multidisciplinar e
bem atenta. Quem avalia negligência é o neurologista e quem trata é o
terapeuta ocupacional. Mas, na realidade, sabemos que nem sempre é
assim que funciona. Por isso, sempre precisamos saber quais são os
profissionais que estão acompanhando nossos pacientes e manter
contato com a equipe inteira, saber o que está sendo trabalhado, o que foi
detectado na avaliação etc.

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No pior cenário, aquele em que estamos sozinhos, que o paciente não está
sendo acompanhando por neurologista, nem terapeuta ocupacional, podemos
fazer um teste simples pra ver se há negligência. Ao avaliar leitura ou
compreensão de figuras, por exemplo, é interessante posicionar as
palavras/figuras nesses quatro quadrantes, para ver se algum está sendo
negligenciado. Muitos pacientes afásicos em treino de leitura começam a ler
da metade da linha para o final, negligenciando o lado esquerdo.

Portanto, o tratamento em conjunto com fisioterapeuta e terapeuta


ocupacional é muito importante porque você alia o treino cognitivo com a
propriocepção do corpo. Quando o paciente tem um AVE com lesão à direita e
ficou com hemiparesia à esquerda, é como se ele se “deslocasse” inteiro para
a direita, como se ele tivesse os dois lados do corpo em um lado só. O
paciente se vê com todos os movimentos de um lado só, entende? Ele não se
vê “faltando um pedaço”, porque senão até o treino de equilíbrio dele seria
mais eficiente, porque ele compensaria. Por isso, o trabalho em conjunto com
outros profissionais é fundamental.

Se você não tem parceiros no tratamento, primeiro precisa explicar para a


família e cuidadores a importância disso. Depois, você pode trabalhar nas
suas sessões a atenção do paciente para esses quadrantes. É importante
avaliar os quadrantes de cada olho (e pra isso você vai precisar tampar um) e
depois dos olhos juntos. Assim, você identifica quais são os quadrantes
negligenciados e pode trabalhar a atenção para essas áreas negligenciadas.
Precisamos estimular e orientar a família a fazer o mesmo (colocando o talher
no campo negligenciado, por exemplo, para ele ser forçado a buscar).

O ideal, que fique claro, é sempre solicitar a avaliação do neurologista e


trabalhar em conjunto com outros profissionais. Qualquer coisa diferente disso
é “quebrar um galho”. Até porque, essa negligência pode ser tanto visual
(periférica, no olho), como no processamento da visão (na região occipital do
cérebro). Se for um problema no processamento visual, o treino vai ser outro!
É um trabalho realizado por neurologista, fisioterapeuta e terapeuta
ocupacional. Entendido? Vamos sempre valorizar o trabalho multidisciplinar!

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