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Workshop da Motility Oral®

Estudo de Caso Clínico de Disfagia Orofaríngea Neurogênica: da


Avaliação ao Desfecho

Camila C. Pereira
Fonoaudióloga CRFa 5-3110-6
Doutoranda em Neuropsicologia
Mestre em Fonoaudiologia
Especialista em Motricidade Oral e
Fonoaudiologia Hospitalar
Workshop da
MOTILITY ORAL®
❑ Saber avaliar

❑ Saber diagnosticar

❑ Saber discutir o caso clínico

❑ Saber fazer uma evolução

❑ Saber entender os limites terapêuticos

❑ Saber encaminhar

❑ Saber tratar

❑ Saber conduzir o caso do início ao fim


Estudo de Caso Clínico
HISTÓRIA CLÍNICA COMO/QUANDO ELE CHEGOU ATÉ A MIM?

❑ M.V.A.F, 63 anos, viúvo


❑ Avaliação Inicial: 28/07/21

❑ Profissão: empresário
❑ Traqueostomizado
❑ AVCi (Sist. Carotideo - TC revelou extenso
❑ Em uso de GTT
comprometimento do território da artéria

❑ Consciente / orientado
cerebral média direita) como complicação da

infecção por COVID-19 ❑ Comunicação áfona

❑ Data internação: 20/04/21


❑ Hemiplégico mas em boa recuperação (SIC fisio)
❑A circulação cerebral é suprida,
basicamente, por dois sistemas
vasculares principais: o sistema carotídeo
(responsável pela irrigação dos 3/4
anteriores dos hemisférios cerebrais) e o
sistema vértebro-basilar (responsável
pela vascularização do tronco cerebral,
cerebelo e a porção posterior dos
hemisférios cerebrai)

❑ A localização do AVC, bem como a sua


extensão, apresentam relação direta com
as manifestações clínicas e prognósticos
Essa representação difusa explica por que qualquer insulto cortical ou subcortical pode causar disfagia
Controle Neural da Deglutição

O controle cortical pode iniciar, inibir e modular a deglutição

Estruturas corticais / subcorticais múltiplas e bilaterais parecem estar envolvidas no controle da


deglutição (córtex sensóriomotor, parietal posterior, ínsula anterior, córtex temporal, córtex cingulado
anterior, gânglios da base, tálamo e cerebelo)

Esta complexa ativação central prova que engolir não é um simples reflexo; em vez disso, requer a
interação de muitas estruturas corticais e subcorticais como qualquer função mental superior

Ertekin C, Aydogdu I. Neurophysiology of swallowing. Clin Neurophysiol 2003; 114: 2226-2244.


Mistry S, Hamdy S. Neural control of feeding and swallowing. Phys Med Rehabil Clin N Am 2008; 19: 709-728.
Smithard DG. Swallowing and stroke. Neurological effects and recovery. Cerebrovasc Dis 2002; 14: 1-8.
A recuperação da deglutição está fortemente relacionada a um aumento na excitabilidade cortical no
hemisfério não danificado

As terapias futuras para restaurar a deglutição após o AVC podem resultar de intervenções destinadas a
influenciar o córtex motor intacto
MAPAS TOPOGRÁFICOS DA FARINGE de 3 pacientes que tiveram um AVC (cada par de mapas representa os hemisférios direito e esquerdo.
O hemisfério afetado em cada caso é indicado pela moldura cinza. A escala representa a amplitude de resposta máxima percentual em cada
paciente)
A: Não disfágico durante todo o estudo; B: Disfágico na apresentação, mas recuperou a deglutição com 1 mês; C: apresentou disfagia
persistente ao longo do estudo.
Na A e C, há pouca mudança na representações faríngeas em qualquer hemisfério ao longo do tempo, enquanto que em B, reorganização
marcada da representação faríngea pode ser vista no hemisfério não afetado ao longo do tempo, com pouca mudança no hemisfério
afetado.
OS QUATRO
PILARES DA
ATUAÇÃO NA
FONOHOSPITALAR

AV INDIRETA
ANAMNESE

DESFECHO
AV DIRETA
Queixa Principal:

“Ele quer comer, quer tirar esta traqueostomia, quer voltar a trabalhar”
❑ Quem irá cuidar? Tem relação afetiva?

❑ A condição motora impacta negativamente no prognóstico?

❑ A cognição pode comprometer a aderência e as orientações


da terapia?

❑ Qual o significado que a comida tem para o paciente?

❑ Quais são as circunstâncias clínicas do paciente (estável, flutua, crônico ou progressivo)? Tais
informações trarão informações sobre o prognóstico
OS QUATRO
PILARES DA
ATUAÇÃO NA
FONOHOSPITALAR

AV INDIRETA
ANAMNESE

DESFECHO
AV DIRETA
Nordic Orofacial Test - Screening (NOT-S)

❑ A função orofacial é o resultado de atividades integradas complexas do sistema nervoso central e do sistema neuromuscular

❑ É um instrumento de triagem confiável e válida para avaliação de disfunção orofacial, de fácil execução para diferentes profissionais
da saúde, sem equipamentos especiais

❑ Consiste em uma entrevista estruturada e exame clínico tendo como apoio um manual de figuras ilustrando as diferentes tarefas do
exame

❑ A entrevista reflete seis domínios, (I) Função sensorial, (II) Respiração, (III) Hábitos, (IV) Mastigar e engolir, (V) Babar e (VI) Secura da
boca, e o exame incluiu seis domínios que representam (1) A face em repouso e tarefas relativas a (2) respiração, (3) expressão
facial, (4) músculo mastigatório e função da mandíbula, (5) função motora oral, e (6) fala
NOT-S

❑ Se a resposta a uma das questões ou o desempenho em uma das tarefas


atender ao critério de função prejudicada, o item deve ser registrado como
“sim”

❑ Qualquer "sim" em um domínio pontua um ponto, indicando uma disfunção


no domínio pontuado

❑ A pontuação total de NOT-S mais alta é 12


DADOS DA AVALIAÇÃO INDIRETA ❑ Cânula de traqueostomia D.I. 9,0mm com cuff insuflado

❑ Disfunção orofacial: NOT-S 8 pontos ❑ Secretivo (++), sendo aspirado 2-3 vezes/dia

❑ Hemiplegia e hemianopsia à esquerda ❑ Secreção esbranquiçada

❑ Boa higiene oral com perda dentária 25 e 26 ❑ Sinais vitais estáveis / eupneico

❑ Frequência de deglutição diminuída ❑ Afebril / boas condições pulmonares

❑ Sialorreia (Escala de Greenberg – nível 4) ❑ Bom sistema imunológico (exames laboratoriais)

❑ Elevação laríngea reduzida ❑ RASS 0 (calmo e alerta) / ECG 15T (consciente e orientado)
Escala de Thomas Stonell Greenberg

Na presença da sialorreia, é necessário quantificar a frequência e gravidade da sialorreia, assim como o seu impacto na
qualidade de vida não apenas do paciente, mas também dos seus cuidadores (n° de toalhas/paninho de boca que usa
em média em um dia)

Escala de Thomas Stonell Greenberg

SEVERIDADE (S) FREQUÊNCIA (F)


1- Seco: sem sialorréia 1- Sem sialorreia
2- Úmido: apenas lábios úmidos 2- Ocasional
3- Moderado: lábios e pescoço 3- Frequente
4- Severo: compromete roupas 4- Constante
5- Profuso: roupas, mãos, objetos -
O que seria este desfecho?

✓ Indicar a melhor via de alimentação

✓ Indicar a consistência mais segura

✓ Aplicar medidas imediatas

✓ Sugestionar algumas orientações

✓ Propor plano de tratamento


❑ Qual a expertise do fonoaudiólogo para estabelecer uma conduta frente ao “emaranhado” de

informações colhidas?
A traqueostomia interrompe o sistema fechado, causando alterações mecânicas e fisiológicas:

✓ Redução do reflexo de adução das ppvv (ocasionando lentidão e incoordenação do fechamento das ppvv)

✓ Alteração da elevação laríngea (fechamento da VA por tempo insuficiente)

✓ Comprometimento da sensibilidade laringofaringea

✓ Atrofia muscular por desuso

✓ Falha na coordenação respiração x deglutição

✓ Redução do reflexo de tosse

✓ Diminuição da pressão subglótica, ocasionando estase na região supraglótica

Bonanno PC. Swallowing dysfunction after tracheostomy. Ann Surg. 1971


✓ A perda da pressão subglótica pode dificultar a deglutição e
favorecer a aspiração traqueal

✓ A oclusão do traqueostomo causa melhora na eficiência da


deglutição e diminuição da aspiração

Gross RD, Mahlmann J, Grayhack JP. Physiologic effects of and closed tracheostomy tubes on the
pharyngeal swallow. A Otol Rhinol Laryngol. 2003
Desinsuflar cuff
Tem indicação para isso?
CHECKLIST PARA DESINSUFLAR O CUFF:

✓ Qual o papel do cuff?

✓ Como está a característica da secreção?

✓ Como está o sistema imunológico e a higiene oral?

Mills, R. H., & Ashford, J. R. (2008). A methodology for the in- clusion of laboratory assessment in the evaluation of dysphagia. SIG 13 Perspectives on
Swallowing and Swallowing Disorders, 17(4), 128–134. https://doi.org/10.1044/sasd17.4.128
SESSÃO

ANAMNESE (discutido caso anteriormente com neuro) + AVALIAÇÃO INDIRETA +


DESINSUFLAÇÃO DO CUFF + INTERVENÇÃO PASSIVA / IMEDIATA

❑ Tolerou desinsuflar cuff na 1ª tentativa

❑ Orientação: higiene bucal 3X/dia e mobilização

❑ Fotobiomodulação + bandagem + exercício isométrico de língua


❑ Modulação salivar

❑ Performance muscular de lábios

✓ Seguido de bandagem em orbicular

❑ Performance muscular de língua

✓ Seguido de exercício de contra-resistência de língua

✓ Seguido de aplicação de bandagem em milohióideo (↑ frequência

de deglutição)
FOTOBIOMODULAÇÃO

✓ CAE (1 ponto): luz direcionada para parótida

✓ Glândula parótida (2 pontos): luz irradiada exatamente

no ponto, aparelho em 90°

✓ Glândula submandibular (1 ponto): aparelho em 90°

✓ Glândula sublingual (1 ponto): aparelho inclinado


❑ A força de elevação da língua é detectada como uma força que pressiona a língua contra o palato. Essa ação é causada
pela elevação do hioide que atua em conjunto com os músculos suprahioideos

❑ Desse modo, o treinamento de força de língua pode aumentar a força desse grupo muscular resultando em melhores
mecanismos de deglutição

❑ Para que haja manutenção e/ou aumento da força muscular é crucial respeitar um treinamento de exercício: tipo de
contração, tempo total do programa, frequência por semana, carga do exercício, tempo de sustentação do exercício,
numero de repetições por sessão, número de sessões por dia, intervalo de descanso
SESSÃO

❑ Após 24 horas de cuff desinsuflado, realizado teste de oclusão do traqueostomo: não tolerou

❑ Solicitado redução de D.I para 8.0mm

❑ Realizado estimulação tátil-vibratória em musculatura de rima bucal e em pontos motores da face

❑ Mantenho modulação salivar: fotobiomodulação

❑ Mantenho performance muscular com Fotobiomodulação seguida de bandagem elástica

❑ Mantenho exercício de língua: isometria


SESSÃO

❑ Realizado troca de cânula por calibre menor sem cuff

❑ Após 5 dias da troca, foi realizado teste de patência

❑ Paciente tolerou oclusão com voz audível, porém com característica molhada

❑ Melhora instantânea na saturação de oxigênio

❑ Ocluido tqt e iniciado avaliação com chip de gelo*


Protocolo de Ice Chip

Ocluir a cânula ou adaptar


válvula de fala: será possível?
Desinsuflar cuff
Tem indicação para isso?
Ice Chip Protocol
O protocolo Ice Chip é um método seguro e bem-sucedido
para avaliar a capacidade de deglutição e “acordar” o
sistema deglutitório em pacientes com disfagia grave que
não recebem nada por boca
The Ice Chip Protocol
❑ É um protocolo seguro e bem-sucedido tanto para a AVALIAÇÃO quanto para a

REABILITAÇÃO de disfagia

❑ Traços de aspiração de água não representam um risco sério de pneumonia

❑ Lascas de gelo são a melhor maneira de iniciar uma avaliação para pacientes que

apresentam “uso reduzido” ou “não uso” da deglutição

❑ O tamanho da lasca de gelo sugerida é 5 × 7 mm / bolo coeso / permite envolvimento da fase preparatória oral

❑ Podemos controlar facilmente a quantidade do bolo assim como a quantidade ingerida pelo paciente

❑ O acesso a pedaços de gelo é significativamente associados à melhoria da qualidade de vida (Karagiannis & Karagiannis, 2014)

❑ Pequenos pedaços de gelo são benéficos porque são relativamente benignos se aspirados
→ REALIZADO COM CÂNULA OCLUIDA

❑ Apresentou tosse DURANTE a deglutição

❑ Tempo de trânsito oral aumentado

❑ Não alterou sinais vitais


SESSÃO

❑ Ocluido tqt com micropore e iniciado avaliação com chip de gelo* (tosse DURANTE a deglutição; TTO ↑)

❑ Realizado estimulação tátil-vibratória em musculatura de rima bucal e em pontos motores da face

❑ Mantenho modulação salivar: fotobiomodulação

❑ Mantenho performance muscular com Fotobiomodulação seguida de bandagem elástica (alternando as

aplicações, contudo mantendo os mesmos grupos musculares)

❑ Mantenho exercício de língua: isometria

❑ Mantenho traqueostomo aberto


SESSÃO

❑ Ocluo TQT e avalio preditivos para Protocolo de Decanulação

❑ Não passou: tosse ineficaz, ausculta cervical ruidosa e ausência de gerenciamento de secreção

Posso manter traqueostomo ocluído mesmo não passando nos preditivos?


PARTE II

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