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Odisseia do desenvolvimento humano 63

3 recém-nascido geralmente é colocado de cabeça para baixo e cai do útero


para o mundo. Em muitas culturas, em que o parto acontece em posição de
agachamento, o bebê literalmente cai em um buraco preparado no chão.'

I':ssa "queda" é um dos temas centrais da cultura humana. É a história de


Primeira infância Adão e Eva caindo em desgraça e seu exílio do Jardim do Éden. É a história
da humanidade caindo da Era Dourada, como se conta nos mitos gregos,
p rsas, sumérios e indianos. É a queda do indivíduo no budismo tibetano,
a queda Ifastando-se da Luz Clara da Realidade Primeva e entrando na grande
c' nfusão de seus feitos cármicos no renascimento. E também é a história da
queda da alma do bebê nas restrições da existência material. O espírito, que
Interiormente era tão livre para vagar, agora se encontra preso, tendo que
r-nfrentar todo o tipo de forças internas e externas sobre as quais não tem
qualquer controle. O processo de crescer a partir do corpo consiste em
ipr nder como controlar em algum nível essas forças materiais e descobrir
rorno encontrar seu caminho em um mundo que tem suas próprias razões
Felizes tempos de outrora! Quando eu t' circunstâncias a serem dominadas.
resplandecia em minha infância angelica!.
Antes de entender este lugar
Destinado a meu segundo morar
reunião de· mãe e filho
Ou ensinar minh'alma desejo nenhum
Além de um alvo pensamento celeste
É necessário Il(uito trabalho e cuidado para realizar essa tarefa de se
Henry Vaughan' h-vnntar da matéria 15rutanas etapas iniciais do desenvolvimento humano. Se
VII(' tivesse nascido elefante, poderia sair correndo com a manada pouco
111 pois de nascer. Tivesse nascido foca e conseguiria nadar em alto mar com

o mestre sufista Hazrat Inayat Khan observou certa vez que o bebê é um , i.' s manas de idade. Mas, como nasceu humano, entrou no mundo muito
exilado do paraíso, e é por isso que sua primeira expressão na terra é chorar. 1111)(' ndente de outros. Em um certo sentido, todos os seres humanos nascem
Como tantos poetas, místicos e outros "lembradores", Inayat Khan acreditava II1c maturamente. O psicanalista Adolph Portmann sugeriu que os seres
que o bebê desce do espírito antes de nascer em um corpo humano. Ele estava 1IIIII111nOS foram projetados para um período de gestação de 21 meses, dos
ciente de que a maioria das pessoas considera a primeira infância como uma ti" ris nove acontecem dentro do útero e mais um ano de desenvolvimento
época de ignorância, mas acreditava que os bebês "conseguem perceber ou ",'Xl rnuterino" necessário para que o bebê atinja um estado mínimo de
receber impressões de seres humanos com muito mais prontidão do que os 1IIIIOssuficiência(e, é claro, muitos mais anos para a independência total)."
adultos". Ele também observou que os bebês têm uma apreciação pela música l lá boas razões evolutivas para esse sistema. Como observamos no
que vai muito além da maioria dos adultos. "O bebê é a própria música", Idl IIlO capítulo, o cérebro maior dos seres humanos serviu como um recur-
screveu. "No berço, mexe os braços e as pernas em um determinado ritmo. 11 qunnd foi necessário ser inteligente para se adaptar ao ambiente em
to: quando nossa música cai nos ouvidos de um bebê, seu caráter é muito 11.1111 forma ão, mas representou um problema de outra ordem no momento de

inf rior ao daquela à qual que ele está acostumado.'? O bebê, na visã de 1111 ('('1': <'0111 passar a cabeça grande pelo canal do parto. Em média, o crânio

Inayat I<ban, desceu das estrelas e.está ouvindo a Música das Esferas. 11111111110 quando nascemos representa 101,8% do tamanho do canal do parto.

Porém, no parto, sua alma d scende à matéria e a m móría d um I Illt I' ()da nru ur za foi retardar parte do desenvolvimento cerebral até depois
vkln c 1 srial diminui. Durnnu o PIO('('SSO do pari' proprium nl( dito, o IIIIII I1C'lllwnIO. N50 ap nas isso irnp diu que a cabeça adquirisse o tamanho de
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uma melancia no momento do parto, mas também significou que seu cérebro Inpatia e expressões de entendimento dela. A sensação de seu toque, a carícia

poderia continuar se desenvolvendo fora do útero. Ile suas mãos, o som de sua voz e o sabor do leite que saía de seus mamilos

Isso permitiu que a estrutura de seu cérebro pudesse ser adaptada até II ravam hormônios que o confortavam e acalmavam. Sua mãe também
certo ponto, segundo o ambiente específico em que você nasceu. A natureza 111 oduzia substâncias químicas que estimulavam sentimentos nela. Na verdade,
essencialmente trabalhou de forma que uma grande parte do cérebro, II m smo neuropeptídeo que produz a amnésia (oxitocina) e que pode ter feito
principalmente áreas em seu neocórtex, pudessem ficar "descomprometidas" I I nn que você se esquecesse de suas origens espirituais ao nascer serviu, nos

na primeira infância, e assim esperar para ver o que iria acontecer no II 18 e semanas posteriores ao parto, para estimular os próprios comportamentos
ambiente externo antes de se completarem as conexões. A pesquisa cerebral di' uidado de sua mãe em relação a você. As pesquisas demonstram, por
nos últimos 30 anos tem demonstrado que a estimulação ambiental pode I x( mplo, que as mães ratas que recebem um droga para bloquear sua produção

fortalecer conexões entre células cerebrais nos seres humanos, principalmente 11 uural de oxitocina cessam todos os comportamentos de cuidado."
nos primeiros anos e, por outro lado, que a privação ambiental pode fragili- É uma observação comum que muitas mães têm uma capacidade sofis-
zar ou eliminar essas conexões." A natureza proporcionou esse cenário I I Ida de sentir as necessidades dos bebês. Sua audição parece ser aguçada e
conveniente, em parte para que, dependendo do que você necessite para II I capacidade de diferenciar distintos tipos de choro - irritado, machucado,
sobreviver em seu ambiente, seu cérebro consiga manter essas conexõe. 1 sustado - é lendária. Mães sintonizadas parecem saber quando os bebês
neurais que promovem sua sobrevivência e elimine as ligações que não e) urinar ou defecar, ou chorar para pedir comida. Um psicanalista, Jan
fossem importantes para seu crescimento. Essa propriedade de plasticidad , I' 111 nwald, chegou a sugerir que as origens da Percepção Extrassensorial
como se chama, tem vantagens distintas sobre espécies cujas conexõ S ( III':S) estão nas primeiras experiências de comunicação entre mãe e filho. Ele
acontecem ao nascer e, portanto, não conseguem se adaptar a mudanças d I pl' ula que a PES evoluiu como forma de mãe e bebê se alertarem para
circunstâncias no mundo exterior. Dizendo de forma mais direta, se tívés III'I'('S idades utgentes de sobrevivência antes de o bebê desenvolver a
semos sido programados para responder ao mundo de forma fixa no mo I .lp I idade de se comunicar usando a linguagem verbal.'
mento de nascer, como alguns de nossos ancestrais primitivos, seríam s A mãe - e, em, menor grau, o pai e outros cuidadores - serve como
como fósseis em algum leito de lago antediluviano! 11111,1 spécie de paráchoque psíquico para o bebê contra todas as impre-
Em nenhum lugar essa interação entre cérebro e ambiente é mai: I ilidades do mundo: todos os sacolejos do ambiente externo, além de
importante do que na relação mãe/filho na primeira infância. Desde o mo ""1, umidade, frio, medo e fome do mundo interior do corpo do bebê.
mento do nascimento, sua mãe - ou seu cuidador principal - foi o lócus d . I IlId S sugerem que o vínculo seguro entre mãe e bebê durante os primeiros
mediação entre seu cérebro e o mundo. Ela tinha a maior responsabilid lI' 11111. I vida proporciona um anteparo ou uma espécie de vacinação emo-
por estimular seu cérebro e, assim, as melhores condições para ajudar lia. '"Iliil ontra eventos estressantes posteriores. Crianças maiores que têm
conexões neurais que lhe permitiriam sobreviver e crescer nas circunstân in. 1111111 s seguros na primeira infância, por exemplo, produzem menos cor-
singulares de seu entorno. Milhões de anos levaram a esse moment 11(1 1\ 111 (um hormônio do estresse que pode causar danos físicos e psicológicos
tempo e dotaram você e sua mãe de uma capacidade extraordinári de I p 111ir da exposição crônica) do que as que não estabeleceram esses VÍn-
sintonizar um com o outro e fazer o sistema funcionar. IltllI seguros com suas mães. Elas também têm mais autoestima, índices
Seus grandes olhos sonhadores e sua testinha protuberant f01'1I 11I 1111 IIClI S d psicopatologias e desfrutam de relacionamentos mais bem su-
projetados pela natureza para gerar em sua mãe comportam nt li de I ti dos' m seus pares, além de sucesso acadêmico."
cuidado biologicamente baseados. Sua miopia ao nascer (visão 20/1110)
ra muito adequada a seu relacionamento com ela, já que você só nSl'gll I
v r cerca de 15 centímetros ao seu redor, uma circunferên ia que .olu I. o que bloqueia o berço
p nas o rosto e o corpo de sua mãe.
Ao olhar para o rosto de sua mãe, você via a si mesm /\ ,'111101110 m ional nos primeiros anos de vida parece ser a cola
S IIS humor s, e suas en r ius I '01'11 1 s nas car tas" ni. 111 1111 \I 10 !'I o 11 cI cio unin I a mã ao b b
111l111do, a criança que cresce a
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todos os relacionamentos posteriores na vida, incluindo seu próprio futuro I'xtensões delas próprias em vez de seres pequenos com vidas indep n

papel como pai ou mãe. Uma olhada na situação mundial, contudo, revela e1I n tesoMahler escreveu sobre uma mãe que "amamentava orgulhosam nt
muitos rasgões e rupturas nesse tecido socioemocional. Divórcio, desaven- (LI bebês, mas só porque era conveniente (. ..) fazia com que ela se s n-
ças, rixas, conflitos, crimes, guerras e catástrofes que se avizinham, todos I se bem-sucedida e eficiente" .12 Independentemente de como ocorr O
ameaçam a harmonia de nossas vidas e inclusive a continuidade da exis- I ornpimento entre mãe e bebê, as consequências do contato deficient
tência de nossa espécie. O fracasso do vínculo, o rompimento do sofisticado e 111 re mãe e filho no primeiro ano de vida podem ser devastadoras. Os
plano da natureza para conectar um bebê a sua mãe, pode estar no centro pc', quis adores vincularam os transtornos de vínculo durante a primeira
de muitos desses problemas sociais e merece nossa atenção cuidadosa 111', ncia a uma longa lista de problemas posteriores na vida, incluindo d -
pelo que pode nos ensinar sobre a cura de marcas emocionais precoces
antes que elas se tornem feridas psicossociais enormes na vida posterior.
Próximo ao final da Segunda Guerra Mundial, os cientistas descobri-
ram as devastadoras consequências da falta de cuidado emocional na
I" essão, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares e transtornos
e I, onduta, violência, crimes sexuais, transtorno de personalidade border-
I " " doenças físicas, suicídio, alcoolismo e abuso de drogas.
A relação entre problemas de vínculo nessa etapa e o comportament
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primeira infância. O psicanalista René Spitz comparou crianças criadas vlnl nto posterior é especialmente problemática. O defensor das crianças
institucionalmente em um orfanato de Guerra com as que foram criadas ur-uropsicólogo James W Prescott tem sido particularmente eloquente a
pelas mães, em uma enfermaria de prisão. As primeiras - que eram alimen- e le'. Iacar essa conexão. Ele desafiou o sistema de justiça penal a "encontrar
tadas e vestidas, mas que ninguém pegava no colo e com quem ninguém 11111 assassino, um estuprador ou viciado em drogas em qualquer instituição
brincava ou conversava - tinham maior incidência de doenças físicas, difi- , e" I ional nos Estados Unidos que tenha sido amamentado por 'dois an s
culdade de ganhar peso, perturbações emocionais e mortalidade infantil." 1111 mais', como recomendado pela Organização Mundial da Saúde.':"
Anos mais tarde, o psicólogo John Bowlby examinou como bebês O .autor sugere que, se déssemos mais tempo, dinheiro e atenção ,
cronicamente abandonados respondiam a experiências frequentes d [u ornoção das interações saudáveis entre mães e filhos durante os primeir s
separação. Ele observou que um bebê passa por três etapas distintas d ,Ie 1 Il anos de vida, poderíamos ter um sucesso consideravelmente maior no
ansiedade de separação: primeiro, protesta contra a separação chorando, I"(IV nção do crime em nossas comunidades. Em uma escala mais ampla, li
gritando e se agitando. Se não recebe ajuda, passa a uma etapa de desespero, I e 1i n ia da guerra pode ter suas raízes identificadas não apenas nas exp

com redução de atividade, choro monótono e retraimento gradual. Por fim, 1 lidas negativas de um líder despótico ao nascer, mas também no abuso quo

com negligência continuada, tem início uma etapa de distanciamento, em I Ir 'ofreu como bebê. Um tirano ou ditador, afinal de contas, é, em muito
que ele se torna passivo, indiferente e "emocionalmente morto" mesmo I 11 ('I s, simplesmente um bebê que foi agitado cronicamente até um SIIIt!o
quando o cuidado acaba chegando.'? Ele entra na esfera da Terra Desolada IllIOd nal de raiva em relação a uma enorme humilhação por part ti' lIlIl
de T. S. Eliot, "onde (. ..) a árvore morta não mais abriga"." .111' I ai ou um cuidador, e agora tem o corpo, mente e habilidades de UIII
Inicialmente, os transtornos de vínculo eram examinados em am 1111111 ) - além de toda a estrutura de adultos infantis igualmente enraiv cido:
bientes institucionais impessoais, como hospitais e orfanatos. Mas no úl 11".1 ajudá-lo a se vingar do que sofreu com os outros."
timos 30 anos, tem havido muita pesquisa clínica mostrando com o,
problemas para estabelecer vínculos se manifestam nas interações cou li"
nas entre mãe e filho. A pesquisadora e psicanalista infantil Margau-t I) olhos de um bebê
Mahler observou os comportamentos das mães com seus bebês e d I rlu
muitas patologias subjacentes; entre elas, mães que não conseguiam tol! ( I r c sso de identificar na primeira infância as origens da ti I'A n I I
rar a rejeição de seus bebês a elas porque isso as lembrava da r j i<;1() de 011 li líd res levanta questões mais amplas sobre o mundo int ri I do
:"11S
suas próprias mães quando elas eram pequenas; mães qu nã d ix iv.uu I" h ,Afinal, ual é realment a xp riência subjetiva de um b b ? J od('
seus bebês explorarem o mundo em função d seus pr pri s 111 '10 de I Ih('1 com c rt za? Essas p 1HIIIlI \ r p u a v 7. f ram fitos I istO!k I
perda e abandono, e as que narcisisticarn nt trat VOI11 os h 11 '('(IIIIel 1111'1111' plllqlH S( 'onsid('1 IV 1'1111' 11 1)(h nfí tinho xp ri n 'In' pdlllll,'
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11 I homas Armstrong Odisseia do desenvolvimento humano 69

() filósofo inglês John Locke considerava a mente do recém-nascido como Nijinsky, cujos diários, que mal tinham coerência, refletem seu próprio
U111'\"tábula rasa" esperando passivamente para receber impressões do -stado profundamente fragmentado, mas cujas danças frenéticas podem
mundo exterior. O filósofo e psicólogo norte-americano William James cha- I 'r expressado a vitalidade reluzente de um bebê. Nijinsky escreveu: "Ira-
mava a experiência do recém-nascido de "uma enorme e ruidosa confusão". halho com minhas mãos e pés e cabeça e olhos e nariz e língua e cabelo e
, mo vimos no último capítulo, Freud via o recém-nascido como um narci- p le e estômago e intestinos ... ".2o
sista absorto em si mesmo, totalmente alheio ao mundo exterior. Ainda nos A melhor metáfora com a qual caracterizar a experiência de um
anos 80, muitos médicos nos Estados Unidos supunham que os bebês não hobê pode ser a fusão criativa de alguns dos elementos acima, que acontece
Unham um sistema nervoso sofisticado o suficiente para sentir dor," Iior meio de uma combinação de expressão física, visual auditiva e
Nos últimos anos, contudo, os pesquisadores desenvolveram uma 1'111cional, uma espécie de ópera wagneriana pré-verbal Gesamkunstwerke
vi ão muito diferente da vida interior do bebê, sugerindo que ele busca (Us(ntese das artes"). Pesquisas recentes sobre a primeira infância sugerem
conscientemente entender o mundo desde o nascimento. Por meio de qlll' os bebês não separam suas percepções em ver, ouvir, cheirar, saborear e

xperimentos engenhosos que medem os padrões com que a criança suga 10l'ar, mas que experimentam uma fusão de sentidos. Em um estudo, bebês
leite, vira a cabeça e olha (os bebês passam mais tempo prestando aten- ,I, Ir s semanas de idade foram vendados e receberam uma chupeta lisa e
ção a coisas que lhes interessam), os cientistas conseguiram demonstrar 1111 IIas com textura. Depois de os bicos terem sido retirados e as vendas remo-
as preferências desde o momento do nascimento. dos dos olhos, os bebês puderam olhar os dois tipos. Os resultados demons-
Os estudos sugerem, por exemplo, que o recém-nascido tem inclina- II,11um que os bebês olhavam mais tempo para a que tinham chupado, indi-
N s para olhar para objetos curvos em vez dos retos, padrões visuais em , .11\(10a unidade subjacente em seus canais cinestésico e visual-perceptivo.
v z de campos lisos e rostos humanos em lugar de objetos inanimados." A Os bebês também demonstram a capacidade de associar experiências
maioria dessas preferências é altamente adaptativa, direcionando a atenção IIttl'lkais com visuais. Em um estudo relacionado, os bebês olharam suas
do bebê aos seres humanos que podem cuidar dele. Como diz o pesquisador 11111.1.' quicando em ritmos diferentes, sem fazer qualquer som. Depois,
d bebês Daniel Stem: "Quase que desde o momento do parto, [o bebêl uclnram corretanjente um som "boing, boing, boing" à bola visual que
I !TI capacidade de percepção, e uma competência cognitiva que lhe possi- I IV' [uicando em sincronia com aquele padrão musical específico. Ou-
I ilita iniciar intercâmbios afetivos interativos com sua mãe"." I I I p('sqllisa mostrou que os bebês podem assistir a um vídeo silencioso de

Mas como é isso do ponto de vista do bebê? Com certeza, é impossív I 1\11loSI "expressando o som ah ou o som ii e associar a gravação correta
-xpressar em palavras, já que ele vive em um mundo pré-verbal. A palavra 1\ 11),to orrespondente" Y
il 1 sa infant (bebê) literalmente significa "incapaz de falar". Os artistas I':ss unidade dos sentidos pode ocorrer porque os bebês experimentam
lU trabalham com meios não verbais chegam mais perto, talvez, de x I I I, ISna forma de energias em vez de objetos específicos condicionados

pr ssar algumas das experiências subjetivas do bebê. Ao escrever sobr n I I" 1('111(10espaço kantianos e envolvidos em pacotes sensoriais diferen-
Sonata em Lá Menor para piano de Mozart, por exemplo, o biógrafo Maynard I li\. I' J Dani 1Stem emprega o termo vitalidade na tentativa de descrever
Sol mon ouve, na justaposição de passagens calmas e dissonantes 11" I" 1 nela ubjetiva do bebê, sugerindo que, como não se pode conhecer
purt andante, representações de "um éden/primeira infância de b I ''I. I 11 I 111"1111ri r, temos que "inventá-Ia" da melhor maneira possível. Nessa

insuperável, mas também um estado completamente vulnerável aos l rro I', o hoh xp rimenta mudanças constantes de energia que podem ser
n's da separação, e mesmo temores de aniquilação potencial"." Da m 'SI11I I I I I' por t -rrnos como "aumentan d o,"" mure h an d""
I o, passan d o," "ex-
rOIma, o pediatra e psicanalista infantil D. W. Winnicott observou nos 1I 11111111110", "cresc ndo", "decrescendo", "estourando" e "desaparecendo'V'
I1 110. grotescos e deformados do artista britânico contemporân rrnl1Cl1 111II(H iu 1 n r conheceria a experiência de sentimentos de vita-
1Ii\("O!1 um tentativa de expressar a experiência do bebê ao v r S 'I vl.'llI I 11.11d, pu si' ap na ai uns minutos brincando com um bebê. Nossa
pOI sua mãe. Ele escreve: "Bacon (. ..) está se vendo no ro to d . lia 111'" I !l\l'1 I 11\1pio '; () ao r gistro d um adulto normal, passando a uma
111I' , m alguma distorção n I ou nela, que nlouqu tanto " (,I, tlllI' 11I. nuxluln, vibro, solx (' d se .rudo s und in tinto: "óó6ó!
1111 IlItO ti 11 $".19 Por fim, I'sl 'C) I S munho do I nilru il1(l IW;,'() V,L,II 1111111:,11110ti, IlI'h I" No,. o tO 10 g.tllh.t vi 1\ '0111lima d -rnons
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tração gesticulada de expressões, arreganhos, beiços, caretas e olhares de v rln. Sua vida de bebê não estava marcada pela passagem sequencial de
surpresa ou perplexidade. Nosso corpo também se movimenta de outra I VI n os específicos que acontecem no espaço euclidiano. Não havia qual-

forma, muitas vezes em conformidade com nossa voz e nosso rosto à me- '1111'1" memória autobiográfica real, razão pela qual suas mais antigas me-
dida que vamos ganhando intensidade rumo ao bebê, com ambos explo- 1111')1ias comuns da vida raramente se estendem até lá. Você experimentava
dindo juntos em riso ou surpresa. 11 mundo quase como se tivesse caído em um parque de diversões per-

Você se sente sintonizando com as emoções do bebê - fazendo care- 111 111 nte, com túnel do amor, montanha russa e casa dos horrores, tudo

tas quando ele as faz, rindo quando ele ri - e naturalmente refletindo suas di lima vez só.
próprias ações nas dele. Essas nossas atitudes multissensoriais que pare- Imagine ser arrancado de repente por um rosto que fica cada vez
cem sair do nada oferecem evidências diretas de como a natureza nos 111 I or: todo perfumado e gorduroso, mas pelo qual você tem um sentimento

equipa com os comportamentos necessários para promover o bem-estar 111101" so que também machuca um pouco, e depois ser jogado no ar e
positivo e a sobrevivência final dos bebês sob nosso cuidado. 1.11 g Ido de volta no chão, e deixado para trás na poeira, E enquanto todas

Você também provavelmente já testemunhou adultos que carecem I • I.' .oisas "externas" se desenrolam, os eventos estão acontecendo com
desses comportamentos instintivos em suas interações com bebês: indivíduo I 1111 I fúria no seu "interior" e você não tem nem muito clara a diferença
com o que eu gosto de chamar de T.D.S.B., ou "Transtorno de déficit d '1111( nmbas. Uma sensação de inchaço começa a acontecer nas suas partes

sintonia com bebês," um transtorno que tem potencial para extinguir a lI. hnixo, que é boa por um tempo, mas depois começa a ser como um
espécie. Essas pessoas sorriem tranquilas enquanto o bebê se esvai em pran- I louro e você chora, mas ninguém vem e então explode e aí "ahhhhhh ...",
to e têm uma característica artificial em sua voz quando falam com o beb , I ,) bom, quentinho e macio, mas mesmo assim ninguém vem, e fica frio

como se estivessem tentando fazer o que é certo, mas tudo sai forçado ou 'OIlIPça a d ar uma sensaçao - d e "ar d er ""e gru d"ar ,e voce ch ora, e na da de
A

estranho: "O be-bê qué bo-la-chi-nha?". Ou fazem com que ele se conform . 11 tI!-Iu m, e você se sente como um abelha encalhada, presa em um tapete

a seus humores em vez do contrário, como se estivessem dizendo al I. , .nume de vaca úmido, e ninguém vem e você começa a sentir fome,
como: "Olha, bebê, estou muito triste hoje, você pode me consolar?". Ou 111110 H \ um burace cheio de sanguessugas inquietas estivesse em sua bar-
o •
são como um encontro às cegas muito ruim, em que a mulher acidentalmente ,I' I, " ninguém vem, e parece que é o seu inferno astral, e mesmo aSSIm,
bate com o cotovelo no homem, que derruba o buquê de flores e pisa no p 11 II V 111 ninguém.
dela quando vai recolher, e se acabou toda a química. Talvez mais devastado I, I': quando finalmente aparece ajuda, ela não vem na forma de pes-
em vez de tentar "dançar" aos ritmos do bebê, os adultos com T.D.S.B. mul " I 11<1ividuais como as conhecemos na idade adulta e sim como entidades

tas vezes ignoram, insultam ou tentam deliberadamente suprimir sua sin 111 I 1111 S do que a vida, que poderiam ser comparadas com deuses, deusas
fonia ou vitalidade. Imagine esse tipo de dissonância continuando por dins, IIIIIIOS, res sobrenaturais da Odisseia de Homero. Entra Circe, que joga
semanas ou meses seguidos, com o bebê vivendo em meio a pais ou cuidn 11 olh li sedutores sobre você e, em vez de limpá-lo e dar seu peito que

dores terrivelmente fora de sintonia: não é difícil de entender o tipo d dw 1111111 ,I'IlV nena-o e o transforma em uma besta estridente. Ou entram os
.que isso deve causar - dor que é transmitida ao resto do mundo quando (I I. 1I XIII'S, s canibais que comem os homens de Odisseu, que ameaçam
bebê chega à idade adulta. 111"111111 ê V com uma tragada. Ou talvez seja seu dia de sorte e a deusa
1IIIII'nlr no quarto, coloque você sobre linho branco e o limpe e con-
I 11 10, d uses, enquanto Deméter (a deusa grega da Terra) oferece
Os bebês no mundo mítico 111111 ~ 10 ele S U corpo fecundo. Também é possível que venha o pai Zeus
I' 1111 111 nul \1' um raio e um trovão de raiva, enquanto a música das sereias
Como sugerido antes, as experiências dos bebês não estão bloquo li I I 1111111 I 110 nr para lembrá-lo de onde você veio antes de se meter nessa

m categorias bem organizadas de desenvolvimento social, 11l()(, un 11. I I 11111 11 rhnrn d de corpo ffsico."
.ognitívo, perceptivo e moral, e me angustia ver livros li Inl i('o,' 01111 '1\01111:1 m m nt qu as vrirlns Ia ta. qualidad .traços, spiraçõ
I s nv lvim nto d bebês organizados m torno d ss: s ('IlI('POIII. ,1'111 I 1111I" IÍHI Ir IS I mIl(' I' p" I 1It1 I nflo )1'01 assimila !ns n 111 (' n n
,
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tenadas pela percepção do bebê em algo que se pudesse chamar de ser



Por fim, mais ou menos aos 15 meses, o bebê desenvolve um self
humano na idade adulta. Em vez disso, ele vê os diferentes aspectos da v rbal e começa a entender que a linguagem pode tomar o intercâmbio de
mãe e pai fundidos como experiências holísticas. O politeísmo d'A odisseia li ejos, necessidades, sentimentos e ideias muito mais fácil do que o uso de
é, na verdade, uma boa comparação com a vívida diversidade e as trans- xlunhidos, gestos ou mesmo a PESl*. O bebê descobre que há uma espécie
formações caleidoscópicas que acontecem na experiência do bebê em ti magia e força nas palavras. Simplesmente dizendo "Lá!", por exemplo,
relação a outras pessoas. Lembre-se, também, de que o bebê não está ven- ,I pode realizar mudanças milagrosas em seu ambiente exterior, fazendo
do essas criaturas míticas animadas dançar na sua frente como um desenho I'Om que um dos pais lhe pegue nos braços e o alimente, conforte e ame.
animado de sábado de manhã. Essas primeiras experiências com os outros Ao mesmo tempo, há um aspecto de distanciamento em relação ao
costumam ser chamadas na literatura psicanalítica de "objetos" ou "ima- dI, nvolvimento da linguagem que separa o bebê da vibrante imediação
gens," mas isso pode ser enganador, pois elas não são realmente coisas 111 eptiva da experiência. Daniel Stem escreve em seu livro The Interper-
nem percepções visuais." São mais como eventos "sinestésicos/ emocio- IIl1al World of the Infant:
nais/visuais/musicais/tudo ao mesmo tempo". Faz com que nos pergun-
temos como o bebê aguenta um surto tão intenso de experiências, uma Suponha que estamos considerando a percepção que um bebê tem de uma
sucessão tão rápida de imagens emocionais poderosas ou ter de se defender faixa de luz amarela do sol na parede. A criança irá experimentar a
do impacto de demônios ou deidades que são particularmente horripilantes intensidade, o calor, a forma, o brilho, o prazer e outros aspectos amodais
ou devastadoras. dessa faixa. O fato de que a luz é amarela não tem grande importância - se
é que tem alguma (...) [Então] Alguém entra no quarto e diz, 'Veja aquela
A resposta a essa questão está na existência de uma força integradora
luz de sol amarela!'. Palavras neste caso separam exatamente aquelas
que os psicólogos chamaram de "ego" ou "self'. Eu gostaria de sugerir que
propriedades que ancoram a experiência a uma única modalidade de
esse self pode estar intimamente relacionado à alma que descende do espírito
s nsação. Ao prendê-Ia a palavras, elas isolam a experiência do fluxo
que o bebê tem, uma alma presa na lama da materialidade, por assim dizer, arnodal em que foi originalmente experimentada. A língua, portanto, pode
mas que busca fazer com que sua luz brilhe para fora da areia movediça e fraturar a expéríêncía amodal global. Uma descontinuidade na experiência
suba pelo redemoinho da existência. Desde o momento inicial da vida esse introduzida.ê?
princípio integrador aparece e começa a ordenar o surto incontrolável de
eventos da vida que se desenrolam no corpo do bebê e em tomo dele. A riqueza da percepção do bebê, de acordo com Stem, começa en-
Daniel Stern estudou as diferentes etapas do desenvolvimento d I.' .r soterrada, e só emerge mais tarde (se é que emerge) como uma
self durante os dois primeiros anos de vida." Segundo o autor, do nasci- I" II ncia artística, contemplativa ou emocional. 28
mento aos dois meses de vida, o self do bebê tenta concatenar muitas da
diferentes experiências de sua vida em todos unificados, um proces o
apontado anteriormente como "unidade dos sentidos". Desde cerca dr c n da do herói bebê
dois meses de idade até sete ou nove meses, o bebê desenvolve um sel]
central que reconhece que ele é a fonte de suas próprias ações, e que c n ) qu eu acredito que estamos vendo no desdobramento do self na
1'1 1111' I I infe ncia é o começo - ou talvez a continuação a partir da etapa pré-
tinua a existir mesmo quando outros saem de cena. Essa pode ser um"
11 11,11 (11 "[omada do herói" descrita tão bem por Joseph Campbell." Contra
razão pela qual os bebês dessa idade experimentam uma excitação If o
11111.1 I plobabilidades, esse Odisseu em miniatura, minúsculo e vulnerável,
grande quando outras pessoas brincam de esconder o rosto e voltar. .U
1111111 I urnv S d inúmeras aventuras apenas (espera-se) para se tomar
meçando mais ou menos aos nove meses, segundo Stem, o bebê c !TI • I ,
111 I ICIIII • mais sábio por seus feitos. 3D Depois de emergir da cova do
d s nvolver um sentido de self e passa a reconhecer que ele tem s u pr I I i( I
mundo de experiências diferentes das dos outros. É em tomo d ssa p cn <1111 , ," 'I" 1111 P 111, h rói bebê deve agora enfrentar, integrar-se e sobreviver
11111 I' 11\11' () Ir dlvíndad s qu são manif stações de diferentes emoções,
S b bês começam a olhar para suas mães depois d t r f it oI li m I li I
I ncuna, qu r ndo qu elas particij m da xp ri n ia.
74 Thomas Armstrong Odisseia do desenvolvimento humano 75

pulsões, intenções, aspirações e desejos inconscientes do bebê, da mãe e de , ifasta da mãe-monstro Cila com cabeça de hidra, e a cada golpe de sua

outros membros importantes do seu universo. I P Ida, mais duas cabeças são decepadas. A concepção de self da própria
No momento, nosso Odisseu bebê está gritando para que a ajuda I I In a pode se fragmentar da mesma forma.
sobrenatural- talvez de seu anjo da guarda, Atena - o resgate da inanição. Não conseguir integrar imagens de si e de outros, contudo, nem sem-
Em outro momento, ele estará ocupado tranquilizando, com sorrisos 1'" predispõe um bebê a doenças mentais posteriores. Episódios de frag-
murmúrios agradáveis (os amuletos de seu negócio), o obscuro e raivoso 1111 111ação resultantes de crises podem ter suas próprias dimensões positivas.
Deus Poseidon, o pai do Cic1ope, que ameaça aniquilá-lo. À medida qu r I 11 'I analista Sándor Ferenczi observou em seu trabalho clínico o fenômeno

desenvolve os poderes da locomoção, ele começa árduas viagens por


terras-tapete e encontra armários cavernosos, vãos de escada abismais
I" I "1> bê sábio" - um segmento saudável do self que, durante um trauma

1"1 ('O e, desvencilha-se da cena do crime e tenta curar a parte atingida. (É


montanhas-mobília em sua peregrinação ao sagrado Monte Olimpo. Por 1111' r ssante observar que o nome "Odisseu" na verdade significa "o filho da
fim, eleva-se acima da planície da terra, como um sacerdote subindo em tI,II",) Ferenczi escreve em seus Selected Papers: "Tudo se passa verdadei-
um antigo zigurate, e caminha pela primeira vez. Nenhum herói dos I uuente como se, sob a pressão de um perigo iminente, um fragmento de

tempos modernos - nem Neil Armstrong nem Sir Edmund Hillary - pode 1111 r \ I ismos se cindisse sob a forma de uma instância psíquica autoperceptiva

competir com a alegria que um bebê deve sentir quando ascende a essn 11'11 11uer acudir em ajuda, e isso acontece, talvez, desde os primeiros anos
atmosfera rarefeita onde gigantes habitam enquanto ele dá seus primeiros -ti I IIr ncía"." A formação precoce de um mestre selfinterior pode ser a ba-
passos no Planeta Terra. , tio desenvolvimento adulto para os "curadores feridos" encontrados em
Porém, talvez a realização mais impressionante do bebê seja 1Ii1 I 111111. profissões de ajuda e para a capacidade de resiliência que certas
capacidade de encontrar o fio condutor de seu próprio ser em todas es 111' I" CI IStêm para superar a adversidade na vida."
errâncias e conseguir estabelecer os alicerces para uma relação estável I':ssefenômeno pode ser o equivalente psíquico do sistema imunológico
com o mundo e, em particular, com as vidas de outras pessoas. Como dito \, II '11 po que vem ajudar a lidar com o perigo. Um teórico, o psicólogo Larry

anteriormente, desde o começo da vida há um princípio integrador denu o V mdervert, sugeriu que as imagens-esquemas primitivas da primeira
do bebê que Daniel Stern chama de "self emergente". Esse self busc I 111, nela (aquelas e~periências amodais do tipo "tudo de uma vez" descritas

ordenar as experiências e estabilizar as imagens dos outros, particularm 11Ic 11I11 I) são, na verdade, esculpidas a partir de redes neurais no cérebro cujo

as de sua mãe, já que sua capacidade é tão vital à continuação de sua xl 11 I 1111 evoluiu de circuitos que possibilitaram aos primeiros vertebrados
tência. É provavelmente uma ruptura nesse self precoce durante os pr i d" ,'vlver em ambientes altamente dinâmicos e perigosos."
meiros meses de vida que faz surgir as formas mais graves de do rll.; I I~:possível, portanto, que os arquétipos da primeira infância - as
mental: as psicoses. Em alguns transtornos psicóticos, as experiênci s. C' I 11 I. , Circes, Cilas, Zeuses, Poseidons e outros seres transcendentais -
paradas de mãe - como Circe, Deméter, Atena, Cila, Teosa (a Mâ ti 11 I'" ont m uma espécie de "mapa-múndi" mitológico de estrutura pro-
Cic1ope) e o resto - não estão integradas no todo de uma pessoa cuid: dCII I I I 11ti I, m nível neurológico, que dá ao herói-bebê uma matriz de orien-
que também tem imperfeições. I 11 I' diferentes referências que ele pode usar para encontrar seu ca-
O bebê não tem uma experiência unificada daquilo qu 1). W 11111110 n mundo. Essas referências possibilitam que o bebê reconheça e
Winnicott chama de "a mãe boa o suficiente". Em vez disso, algumas 11 I 1I1 "pr dadores" (por exemplo, aspectos dos pais ou de outras pessoas
imagens particularmente apavorantes de uma mãe ou outras p SSOIl. 1111 1111 '11111 uma ameaça ao desenvolvimento) e que busque e una forças
portantes permanecem não integradas em função de seupotenciaJ imp te ICI 1111 11' .uídadores (por exemplo, dimensões saudáveis dos pais e de
I strutivo, e continuam a ter vida própria. Essas imagens pod rn p( r 111 I 111111 ) que ão necessários para sua sobrevivência.

11 -cer adormecidas por anos, para surgir em momentos post ri r •.· ti I vi Illcl(lp nd ntemente do que a natureza deu em termos de ajuda, o
ela 'orno alucinações auditivas, comportamentos viol nto úbitos, 11111111 li. ,1'01110 diss u, ainda tem que fazer escolhas fundamentais para r s-
plu: p rsonalidades, episódi . rnaníaco-depressivo li 1I1r'\SrOI 111 I d, Illlllt I dO,' ('V ru d vida. A id in d um organismo passivo int r n
d(lllnl gr ã p íqui • 011 "pn C". o", N s tip I J1' tio, (I h 'I> 11 1111 ,ti" 1'1'\1 evnlu 'li pr ra r 'SPClIlcI('1 ,'dr mstân ias d r rmn fixa nego n
,.
76 Thomas Armstrong Odisseia do desenvolvimento hum no 77

nossas profundezas permanece uma centelha desse vigor infantil, ainda ano

preciosa faísca de divindade que pode estar tentando fazer com que seu
brilho saia do escuro e atinja maior liberdade e autonomia. Mesmo quando siando para dançar em êxtase aos ritmos eletrizantes da vida.
Odisseu recebe ajuda de forças celestes do alto, queima dentro dele um
forte desejo de voltar para casa em Ítaca. O mesmo acontece com o bebê. O
Formas de explorar e apoiar a primeira infância
teólogo Martin Buber escreve: "Ele saiu das trevas incandescentes do caos
para a luz refrescante da criação, mas ainda não a possui; antes, precisa
Para você
sacá-Ia verdadeiramente para fora, transformá-Ia em realidade para si,
encontrar seu próprio mundo ao vê-Ia, escutá-Ia, tocá-Ia e moldá-Ia"." • Reconstrua como pode ter sido sua relação com sua mãe quando você
era um bebê, usando fotos antigas, descrições de parentes e amigos,
lembranças e outras fontes. A seguir, escreva uma narrativa em primeira
pessoa, como se fosse aquele bebê vivendo hoje em dia.
o dom da primeira infância: vitalidade
• Dê abraços frequentes em parentes e amigos (com a permissão deles, é
claro!) e marque sessões de massagem terapêutica para nutrir sua ne-
A maior fonte de energia do mundo não é o petróleo, o gás, o hidrogênio
cessidade de ser tocado.
nem a energia nuclear. É a primeira infância. Pais exaustos de todo o
• Escute canções de ninar ou outro tipo de música tranquilizante enquanto
mundo podem dar testemunho do fato de que os bebês são feixes de poder
se embala em uma cadeira de balanço ou em uma rede, para estimular
maiores do que qualquer fonte de energia renovável que a ciência possa
os sentimentos de ser cuidado como um bebê.
proporcionar. Sua capacidade de orquestrar um crescendo emocional a
partir da mais escura agonia até um êxtase brilhante, em apenas alguns
segundos, equivale à taxa de aceleração da maioria dos automóveis de alto
Para amigos e parentes
desempenho. O cérebro desproporcionalmente enorme de um recém- • Ofereça informações sobre os benefícios e métodos de aleitamento ma-
nascido tem mais fluxo sanguíneo e consumo de oxigênio do que o cérebro terno a uma parente ou amiga que esteja por dar à luz e cujas preferências
de um adulto. Diz-se que os bebês são mais fortes em seus músculos das em relação J amamentação pós-parto se inclinem à fórmula tradicional.
pernas, em relação a seu peso, do que os bois. Um bebê representa verda- • Ofereça-se como voluntário para cumprir tarefas fora de casa para a mãe
deiramente a maior expressão de vitalidade que já engatinhou sobre a fa- de um bebê, para aliviar sua sobrecarga.
ce da terra. • Incentive parentes que tenham bebês a restringir seu acesso a compu-
O bebê ainda reluz em nosso interior, a ponto de sermos verdadeiramente tadores, televisão e outros meios de comunicação de massas (a American
intensos na idade adulta. Para descobrir se é esse o caso, precisamos nos, Academy of Pediatrics recomenda que crianças de menos de dois anos de
perguntar: "Como demonstro minha vitalidade?". Se nos vem uma resposta idade não assistam TV), e usar esse tempo para brincar livremente com
clara, podemos ter certeza de que ainda estamos conectados a essa preciosa brinquedos adequados a seu desenvolvimento.
fonte de energia. Nossa vitalidade se expressa por muitas vias: esportes,
hobbies, trabalho, criação dos filhos, relacionamentos, sexo, causas sociais e Para sua comunidade
vida espiritual, entre outras. Em momentos de máximo envolvimento em
• Apóie financeiramente programas de vacinação e reidratação oral de
qualquer dessas experiências, sentimo-nos revigorados pelo mundo. Se não
bebês em países do terceiro mundo por meio de organizações como a
temos claro o que nos anima pessoalmente, precisamos interrogar: "Como
UNICEF ou USAID.
posso alimentar e cuidar da minha vitalidade?". Pode ser que precisemos
• Seja voluntário em um programa de aprendizagem sobre bebês como o
fazer exercícios, comer melhor, prestar atenção a nosso mundo de sonhos,
Early Head Start, que ofereça intervenção em casa para famílias de baixa
passar a produzir arte ou buscar orientação. Ou, talvez, só precisemos sair
renda com bebês.
do caminho batido e fazer alguma coisa radicalmente diferente para devolv r
• Adote ou seja pai substituto de um bebê que tenha sofrido de abuso e
o brilho a nossa existência cotidiana, tão enfadonha. Como quer que d cida-
n glig ncia, ou dif uldad s mentais e físicas.
mos nos revitalizar, precisamos ter em mente qu , muito tempo atrás, fomo
mbrulhos vivaz. s d dois anos de idade, qu .j 111\ 11 P imvam qui l s, '1\1
78 Thomas Armstrong Odisseia do desenvolvimento humano 79

Notas 15 Beth Azar, "Research Seeks to Soothe Infant Pain", American Psychological Associa- •
tion Monitor, December, 1996, p. 21.
1 De Henry Vaughan "The Retreate," em Grierson, Herbert J. c., ed. Metaphysical Lyrics 16 Alison Gopnik, Andrew N. Meltzoff, e Patricia K. Kuhl, The Scientist in the Crib:
& Poems ofthe 17th c. Oxford: The Clarendon Press, 1921; Bartleby.com, 1999. www. What Ear/y Leaming Tells us About the Mind (New York: Perennial, 2001).
bartleby.com/l05/ [November 8,2006]. 17 Daniel Stem, "The Infant's Subjective Experience of Its Objects," Zeitschrift fur
2 Inayat Khan, Hazrat. The Sufi Message of Haxrat lnayat Khan, Volume 3, (London: psychoanalytische Theorie and Praxis, 1997, voI. 12, no. 1, pp. 8-21. ,
Barrie and Jenkins, 1971), p. 27. 18 Maynard Solomon, Mozart: A Life (New York: HarperCollins, 1995), p. 191. Acre-
3 Em Bali, contudo, nem se permite que o bebê toque o chão por alguns meses depois do dito que alguém possa ouvir o mesmo tipo de êxtase/ansiedade crescendo no
parto. Como os balineses acreditam que o bebê desceu da morada dos deuses, ele é conhecido "Estudo in Mi Maior", op. 10, no. 4, de Chopin.
tratado como um deus durante os primeiros meses de sua vida, mas em tomo dos seis 19 D. W Winnicott, Playing and Reality (London: Routledge, 1991), p. 114.
meses de idade, começa a perder seu status semelhante ao de um deus e deve descer 20 Joan Acocella (ed.). The Diary of Vaslav Nijinsky (New York: Farrar, Straus and
à terra para se juntar à raça humana. Ver B. Eiseman, Jr. Bali: Sekala & Niskala: Volume Giroux, 1999), p. 44
l: Essays on Religion,Ritual, and Art. (Hong Kong: Periplus Editions, 1990), p. 94. 21 Alison Gopnik et aI., The Scientist in the Crib, p. 69.
4 Citado em Erich Neumann, The Child (New York: Harper, 1973), p. 7. 22 Daniel Stem usa a expressão percepção amodal, em vez de unidade dos sentidos, para
5 Ver Marian Diamond e Janet Hopson, Magic Trees of the Mind (New York: Dutton), descrever a capacidade do bebê de assimilar informações por uma modalidade sensorial
1998. e traduzi-Ia para outra. Ele escreve: "Não sabemos como eles fazem isso. A informação
6 Natalie Angier, "Illuminating How Bodies Are Built for Sociability", The New York provavelmente não é sentida como se pertencesse a um determinado modo sensorial.
Times, April30, 1996. É mais provável que ela transcenda modos ou canais e exista em alguma forma
7 Jan Ehrenwald, The ESPExperience:A Psychiatric Validation (New York: Basic Books) supramodal." Daniel Stem, The Interpersonal World ofthe lnfant: A Viewfrom Psychoa-
1978. ' na/ysis and Developmental Psychology (New York: Basic Books, 2000), p. 51.
8 Ver Beth Azar, "The Bond Between Mother and Child", American Psychological :&! Daniel Stem, The Interpersonal World of the lnfant, p. 54.
Association Monitor, September, 1985, p. 28; A. H. Schore, "The Effects of a Secure :&!4 Circe era uma sacerdotisa na Odisseia de Homero, que podia transformar homens
Attachment Relationship on Right Brain Development, Affect Regulation, and em bestas. Atena era a deusa grega da sabedoria, das artes, da guerra, da justiça e
Infant Mental Health", lnfant Mental Health Joumal, 2001, VoI. 22, pp. 7-66; e Jaak da habilidade. DeJf1eter era a deusa grega da colheita.
Panksepp, "The LongTerm Psychobiological Consequences of Infant Emotions: Grande parte da literatura psicanalítica sobre desenvolvimento na segunda infância,
Prescriptions for the 1\ventyFirst Century", lnfant Mental Health Joumal, 2001, Vol. incluindo a obra de W. Fairbaim, Melanie Klein e D. W. Winnicott, tem usado uma
22,nos. 12,pp. 132-173 terminologia mecanicista para descrever a psicodinârnica da fantasia, empregando
9 R. A. Spitz, 1945. "Hospitalism: An inquiry into the genesis of psychiatric conditions lermos como "objeto," "objeto-parte" e "seio bom/mau". Ver W. Fairbaim, Psychoa-
in early childhood". Psychoana/ytic Studies ofthe Child 1:53-74, 2: 113-117. nalytic Studies of the Personality (London: Routledge, 1994); Melanie Klein, Love,
10 Ver a série em três volumes de John Bowlby;Attachment and Loss: Voz.IAttachment, Guilt, and Reparation: And Other Works 1921-1945 (The Writings of Melanie Klein,
1969; Vol. 2: Separation: Anxiety and Anger, 1973; e Vol. 3. Loss: Sadness and De VaI. 1, New York: Free Press, 2002); D. W. Winnicott, Playing and Reality (London:
pression, 1980, todos publicados por Basic Books. Routledge, 1982). Esse emprego de linguagem profissional especializada, ainda
11 De "The Waste Land", em T. . F.liot, Collected Poems 1909-1962 (New York: que possa ser útil de um ponto de vista clínico, parece pouco adequada a bem
Harcourt Brace and Company; 1 I), p. 53 I screver uma etapa pré-verbal da vida que combina emoção, percepção, sensação
12 Margaret Mahler, Fred Pine, e Anni B rgman, The Psychological Birth of the Humun outras categorias da experiência humana em eventos holísticos. A terminologia
lnfant: Symbiosis and lnâividuation. (N w York: Basic Books, 2000), p. 49 mitológica da psicologia junguiana, embora limitada (os bebês não veem literal-
13 Jim Prescott, "Essential Brain Nutri nts: Breastfeeding for the Developrn nt 01 111 nte deuses gregos), se aproxima mais, acredito eu, de captar o espírito dessa

Human Peace and Love", em Tauclt lhe Future, Spring, 1997, p. 14. Ver,tamb 111, ,'c 11 (1'0 a da vida. Ver, por exemplo, Erich Neumann, The Origins and History of Cons-
artigo, "The Origins of Love and Viu I '11 : An Overview", em http://ttfuI ur . rw, r!CJu,m 55 (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995) e The Great Mother: An
J4 Para um olhar sobre conexões ntrc p bl mas nas interaçõ s ntr pais filho ( AI/(r/ysis oJ the Archetype (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1972).
a Guerra, ver: Alice Miller, For Yrm,' OWII (;ood: Hidd n Crueuy in hildHenrillp. 11I11/ 'li 1)tlnl 'I t m, The Interpersonal World ofthe Infant, pp. 371-82.
the Roots ofViolence (New York: Noolld (y Pr S , 1990); amlr ouiu, n I J 11.('"" , " I) IlIlt'I I 111, The lnterpersonal World of the lnfant, p. 176.
Punarnaki, e Eyad al Sarraj, "MOI/t,., Chile! I\xpr sston of DIslrl' N In W Ir '1\ 11111I \", '/I () f 110 ti '«u [l I r pção arnodal do b b pode ressurgir na própria linguagem se
CUlli ai Chi/d Psychology and I' v,IIIr,,, ,'mO!,. vof. 10, no, • , pp, I :I!, I !t(r, IIb t I v r 1'('1)('1 Idl1s Vei",('N ruu vld IN dI' C'Ntl'itOl'S tal ruosos. om r IA ão a p rc pção


,
80 Thomas Armstrong

de cor, o escritor Vladimir Nabokov escreveu: "Para mim, as tonalidades ou as cores


de, digamos, uma raposa, um rubi, uma cenoura, uma cereja escura, uma bochecha
ruborizada, são tão diferentes como o azul é do verde e o púrpura real do sangue
(Fr. pourpre) é diferente do sentido de azul-violeta do inglês. Acho que seus alunos,
seus leitores, devem ser ensinados a ver as coisas, a discriminar tonalidades visuais
como faz o autor e não amontoá-Ias em rótulos arbitrários como 'vermelho'." Citado
nas notas a Vladimir Nabokov, The Annotated Lolita, Alfred Appel, Jr. (transl.) (New
York: Vintage, 1991), p. 364.
29 Joseph Campbell, The Hero with a Thousand Faces: Commemorative Edition
(Princeton, NJ: Princeton University Press, 2004).
30 O ensaio de Carl Jung, ''The Psychology of the Child Archetype" dá uma descrição
simbólica particularmente vívida do enfrentamento e da superação muito difíceis por
parte do bebê ou da criança vulneráveis, in TheArchetypes and the Collective Unconscious,
The Collected Works of C. G. Jung, VoI.9, Part 1 (NewYork: Pantheon, 1959).
31 Sandor Ferenczi, Selected Papers: Voz. III. Final Contributionsto the Problems and
Methods of Psycho-Analysis (New York: Basic Books, 1955), p. 136.
32 Ver David Sedgwick, The Wounded Healer: Countertransference from a Jungian
Perspective (London: Routledge, 1995); e S. Luthar e E. Zigler, ''Vulnerability and
Competence: A Review of Research on Resilience in Childhood", American Joumal
of Orthopsychiatry, 1991, voI. 6, pp. 622.
33 Larry R. Vandervert, "The Evolution of Mandler's Conceptual Primitives (Image-
Schemas) as Neural Mechanisms for SpaceTime Simulation Structures," New Ideas
in Psychology, 1997, vol. 15, no. 2, pp. 105-123. Isso está de acordo com a crença
de Jung de que o arquétipo (ou imagem primordial, como ele chamou originalmen-
te) é fundamentalmente um instinto ou, como ele indicou, a percepção do instin-
to de si mesmo. Carl Jung, "Instinct and the Unconscious," (1919), em R.EC. Hull
(trans.) The Collected Works ofC G. Jung (VoI.8) (Princeton, NJ: Princeton University
Press, 1981), p. 137
34 Martin Buber, I and Thou (2nd ed). (New York: Charles Scribner's Sons, 1958),
pp.25-26.

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