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Sobre o autor

Maurício Roth Volkweis é formado em Odontologia na


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia
Bucomaxilofacial, Doutor em Estomatologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS).
Realizou estágio no Reino Unido, no serviço de cirurgia e
trauma bucomaxilofacial do Morriston Hospital, na cidade
de Swansea (AO Fellowship)
É Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia e
Traumatologia Bucomaxilofacial, tendo sido presidente de
uma de suas seccionais.
Trabalha no Complexo Hospitalar da Santa Casa e no
Grupo Hospitalar Conceição, ambos em Porto Alegre.
Experiência profissional de mais de 25 anos de atividade,
foi professor de graduação por 9 anos e leciona na pós-
graduação há 18 anos, onde participou da formação de
mais de 120 cirurgiões bucofaciais.

Inicia um novo projeto, o de tornar digital e amplamente


disponível o conteúdo se suas aulas e cursos, mas
principalmente compartilhar o seu entendimento e
maneira de acolher e tratar os pacientes.
Trabalhar o processo de diagnóstico e tratamento como
um grande jogo onde vamos passando etapas até a cura,
explicando como o cenário, os raciocínios e as escolhas
são feitas e revistas.
Porque Curar Transforma.
Introdução

Este trabalho nasceu da convivência diária com


os alunos, residentes e pacientes, na linha de
frente do atendimento ambulatorial e cirúrgico
em dois complexos hospitalares com mais de mil
leitos cada um, nas faculdades de odontologia e
na clínica privada, percebendo a dificuldade em
conduzir o processo de diagnóstico com
segurança, abreviando a angústia natural que os
pacientes sentem quando aguardam uma
resposta de seus cuidadores, mesmo que o
problema pareça simples.

Essa bagagem, somada a convivência com os


grupos profissionais que trabalhamos e aos
brilhantes professores que tivemos em diferentes
instituições, resultou neste material que
compartilhamos a seguir.
Fundamentalmente, reflexões e sugestões para o
processo de diagnóstico das alterações bucais.
FASE 1
O paciente chegou
É importante destacar no início deste estudo
que esse conhecimento permeia todas as
especialidades da odontologia, permitindo
que você amplie seu leque de procedimentos
mas principalmente tenha segurança e
confiança para avaliar seus pacientes. Neste
trabalho o foco será naqueles pacientes que
a queixa principal é algo diferente observado
na própria boca.
Todavia, há um universo maior de pessoas
que tem alterações que desconhecem e cabe
ao cirurgião dentista a busca ativa destas
mudanças, promovendo a saúde integral dos
indivíduos.
Ao identificar situações que o paciente
desconhecia, além de um profissional
consciente e atento, você aumenta a
confiança daqueles que você cuida no seu
trabalho.
Então o primeiro paciente
do dia...

E ele conta que isso apareceu quase que de repente, após


ele mesmo "colar" uma prótese unitária que soltou, indicando uma
evolução rápida.
Ele pede a tua ajuda, está muito assustado.

O segundo paciente do dia...

Esta senhora refere aparecimento repentino das úlceras, com muita dor,
dificuldade para engolir e mais lesões além da língua.
Também pede e espera tua ajuda.
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Se você não sabe o diagnóstico, nem
mesmo por onde começar, uma sequência
de ações vai ajudá-lo neste processo e
permitir que eventuais erros sejam
corrigidos em pouco tempo.
Assim, a conduta será ajustada sem
prejuízo para a saúde do paciente,
buscando tratamento e cura o mais rápido
possível.
Neste momento inicial, há duas opções:
1 - Encaminhar para alguém

ar a q u em ?
Mas p e
m a ne ja r is so
gas qu e s ab em
Há co le
p o nív eis ?
estão dis o?
so re s o lv er iss
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2 - Assumir o caso

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O k, m cio n a o
s o lu o ca s
C o m o d u z ir
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Pod
FASE 2
construindo a solução

curar transforma
Primeiro passo é OUVIR!

Mas não apenas o que o paciente


conta espontaneamente.

Inicie a conversa com questões abertas, para o


paciente poder falar e vá orientando a anamnese com
questões fechadas, esclarecendo pontos obscuros.

Administre o tempo!
Não seja prolixo nem retundante e evite que
o paciente também o seja.

Registre tudo, mas evite se fixar


de forma excessiva na escrita ou digitação.
Sistematize e organize o relato.
Use sempre a mesma metodologia de registro
para padronizar a informação.
Evite siglas, seja claro e objetivo.
Preste atenção ao detalhes.
Filtre as informações que não são relevantes.
Sempre retome o
contato visual.
Preste atenção a outra
pessoa.

O primeiro caso ilustrado neste livro, para sua


solução, dependia do paciente acreditar no
profissional, especialmente na confidencialidade, e
contar algo comprometedor.
Essa confiança precisa ser conquistada!

Evite conversar com o paciente sentado


 na cadeira odontológica.
É intimidador, às vezes constrangedor,
para o paciente.

Deixe o paciente à vontade,


sem perder o profissionalismo,
mas também sem criar barreiras.
Encontre o tom!
Um exemplo:
- Olá, como posso te ajudar?
Ou
- O que houve contigo?
Ou
- Me conte porque você está aqui
(Questão aberta)

- Bom, doutor, apareceu uma ferida na minha


boca e não sei o que pode ser. Já consultei
um colega seu que também não sabe.
- É a primeira vez?
- Muda de lugar?
- Mudou de tamanho desde que apareceu?
- Fez algum tratamento para isto?
- Tens dor?
(Questões fechadas)
- Sim, nunca tive isto antes.
- Não muda.
- Acho que aumentou um pouco.
- Não usei nenhum remédio.
- Não dói.
- Há quanto tempo apareceu?
- Já iniciou com este aspecto
ou está mudando?
(Esclarecendo pontos obscuros)

- Acho que há uns 2 meses


- Era uma bolha que estourou
Formular hipóteses...
Ainda sem propriamente ver o paciente, neste momento
algumas possibilidades podem ser construídas. Isso sem
dúvida requer já alguma experiência com o diagnóstico das
lesões bucais, mas é natural já tentar antecipar o raciocínio.

Só agora o exame físico


Observar atentamente as características clínicas
Tocar na lesão, pressionar, sentir a consistência e observar a
reação do paciente durante a manipulação
Se possível, realizar palpação bidigital
Secar a área com gaze, se indicado raspar a lesão
Medir
Fotografar ajuda na avaliação futura da lesão
Examinar o restante da boca, procurando alterações que o
paciente não percebeu, não fazem parte da queixa principal
Não esqueça de palpar o pescoço, a identificação de
linfonodos ajuda muito na definição da natureza inflamatória
de algumas lesões, sendo muito mais esclarecedores que
linfonodos tumorais.
Registrar todas as observações

É fundamental tocar, manipular,remover as


próteses, procurar áreas de contato, aderências,
fazer a tal semiotécnica, usando todos os sentidos
e não apenas olhar.
Com o tempo, você acumulará um novo universo
de informações que ajudará muito em
diagnósticos futuros
Lembre-se que:
“Mais de 80% dos diagnósticos
em clínicas de medicina geral
são baseados na entrevista”
Epstein et al., Exame Clínico, Artmed

Novamente formulando hipóteses...

Lembrar das "lesões fundamentais" porque podem


ajudar na orientação do raciocínio:
Nódulo - uma formação sólida
Placa - elevação sólida com mais de 1 cm de extensão
Mácula - mancha plana com menos de 1 cm
Mancha - alteração de cor, plana maior que 1 cm
Pápula - elevação sólida menor que 1 cm
Vesícula - elevação com conteúdo líquido menor que 1
cm
Bolha - elevação com conteúdo liquído maior que 1 cm
Use todos os sentidos

E, enfim, decida se
exames COMPLEMENTARES são
necessários.
Eles servem apenas para aquilo que os
seus sentidos não conseguem perceber.
Jamais para triagem de pacientes, muito
menos para mostrar o que você já sabe
porque conversou e examinou
adequadamente.
Imagens
Uma área que avança em velocidade assutadora, não
esquecer os princípios de visualizar toda a área de
interesse, ter imagens nas 3 dimensões (não
necessariamente reconstruções tridimensionais, embora
elas ajudem muito) e solicitar a técnica com menor
radiação que seja satifatória para o caso, poupando o
paciente de exposições desnecessárias.
Com estes critérios, escolha o  que melhor se aplica ao
caso.

Exames hematológicos
Se necessário, o cirurgião-dentista pode solicitar qualquer exame
em receituário simples. Hemograma (eritrograma, leucograma,
plaquetograma), glicose, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, anti-
HIV, sorologia para Lues, TP, KTTP, enfim, o que for pertinente
para o caso.

Exame histopatológico
Também é uma área de evolução vertiginosa, mas não cabe ao
clínico definir as tecnologias. O patologista fará isso para nós,
oferecendo um diagnóstico cada mais vez fidedigno.
Procure alterações
como esta:

Escondidas embaixo da língua

Manipule tentando
encaixar as situações:

Úlcera e bordas
cortantes do dente
se encaixam
FASE 3
Tomando decisões
Diagnóstico
Agora precisa definir, seguir por um caminho:
- Pela experiência você tem ou terá um rol de
hipóteses
OU
- Pode buscar o caminho dos livros clássicos de
patologia, que já agrupam as lesões imaginando que
já há um diagnóstico. Por exemplo, Estomatites e lá
dentro você encontrará as aftas (mas você já sabe
que são aftas?)
OU
- Mais recentemente no estudo das doenças dos
pacientes, já sem ser propriamente uma novidade, a
identificação parte da principal característica clínica
da lesão, dividindo-as em: Lesões brancas, lesões
pigmentadas, vesículo-bolhosas, ulceradas e
elevadas
Mas errei o
diagnóstico.
Acontecerá com alguma frequência que
vai diminuindo com o passar do tempo,
mas nunca será perfeito.
Muitas vezes teremos certeza e mesmo
assim erraremos. Precisamos lembrar
de nossa condição humana.
Mas você não pode errar a CONDUTA.

(Como você sabe que errou?


Esse é um ponto chave no processo, como
veremos adiante)

Que CONDUTA?
A maneira de conduzir o caso.
O passo-a-passo do processo,
que permite perceber o erro e
corrigir com o menor dano
possível ao paciente.
FASE 4
Ação

Tome atitudes
Estabeleça um diagnóstico presuntivo
Determine se exames complementares
e quais são necessários.
Determine um tratamento
Observe em um prazo curto (uma ou
duas semanas) se houve alteração do
quadro.

Este retorno que deverá ocorrer brevemente 


sempre que qualquer conduta terapêutica seja
adotada é que permite correções

Permanecendo dúvida, na grande


maioria das vezes, o procedimento
mais esclarecedor é a biópsia e o
exame histopatológico. São muito
poucas alterações onde ele não será
definitivo.
As modalidades de tratamento são
diversas e dependem do
diagnóstico presuntivo:

Procedimentos odontológicos
Medicamentos
Cirurgia
Laserterapia
Terapia ocupacional
Tratamento psicológico
Radioterapia
Oxigênio hiperbárico
Quimioterapia
etc.
ou
a associação de mais de uma
modalidade
E, muitas vezes, o
procedimento de diagnóstico se
confunde com o procedimento
de cura, porque ao mesmo
tempo que estamos removendo
a lesão para o diagnóstico
definitivo, já estamos curando
o paciente.
Mesmo após a remoção cirúrgica
total da lesão, o esquema continua.
É preciso observar a solução
definitiva do caso até a certeza da
cura.

Tenha determinado um laboratório de patologia para receber


o material e realizar o exame histopatológico. Ele ainda
fornecerá alguns frascos já com formol e fichas de biópsia
para ficarem disponíveis no consultório.
O próprio paciente poderá levar o material até o laboratório.
No formol a 10% não há urgência sob o ponto de vista de
necrose da peça.

O resultado deste exame


naturalmente demora alguns dias
devido ao processamento
laboratorial do material. Esse tempo
ajuda na reavaliação do caso e
possível correções da conduta
FASE 5
A segurança do

processo
O ciclo de segurança
co

Tr
ti

at
ós

am
gn
ia

en
D

to

Acompanhamento
(também chamado proservação)

A sugestão é aplicar
constantemente esse fluxo
Não tenha certeza da cura
sem ver o paciente,
por mais óbvio que pareça
Corrigir a rota

Sempre que necessário.

Insistir no mesmo tratamento e esperar


um resultado diferente não é lógico.
Para que a evolução mude, caso seja
necessário, é também necessário mudar
ou adequar a tratamento.
A propósito, os dois casos iniciais: No primeiro
caso o paciente era usuário crônico de cocaína e
aquela destruição do palato foi provocada pela
droga ao longo de muito tempo. Inicialmente
contou uma história fantasiosa e demorou até
revelar seus hábitos.
A paciente do segundo caso apresentava
mucosite induzida pela quimioterapia para
tratamento do câncer de mama. As lesões bucais
foram tratadas com laserterapia evitando a
interrupção do tratamento do câncer.
FASE 6
A cura
Essa é a meta.
Devolver tranquilidade e qualidade de vida a
nossos pacientes com segurança e rapidez,
dentro do menor tempo possível.
Talvez um dos aspectos mais gratificantes
da profissão.

O próximo passo é construir uma base de


conhecimento de lesões facilmente
identificáveis e ir gradativamente ampliando
esse rol. Assim, a confiança no processo vai
aumentando e mais pacientes são ajudados
evitando múltiplos encaminhamentos
desnecessários e angustiantes.
Porque curar transforma

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