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SALA DE AULA ‘GAMIFICADA’ E ADOLESCENTES

Cláudia Menezes Nunes 1 - SEEDUC-RJ.


Maria Rachel Fernandes Klaym 2 - SEEDUC-RJ.

Grupo de Trabalho - Psicopedagogia


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Da neuroplasticidade até a resiliência psicológica, o sistema nervoso humano vem se


fortalecendo e se transformando ‘aos trancos e barrancos’ diante de exigências e necessidades
do mundo moderno. O problema parte da percepção do excesso de informação e a velocidade
com que as informações são acessadas. É importante oferecer ferramentas pedagógicas que
favoreçam a integração aprendente com os conteúdos curriculares. Uma das possibilidades
apresentadas é a inserção da mecânica dos jogos (gamificação), principalmente no período da
adolescência. A ação da gamificação é um ‘curinga’ à ideia de ensinar; é interventivo;
promove novos equilíbrios internos; ilustra a realidade dos sentimentos particulares; expõe
determinadas comorbidades intelectuais; e é a exposição do que realmente o aprendente é ou
como suas experiências o fizeram ser. Como objetivos pretende-se o entendimento da
funcionalidade do sistema nervoso; o envolvimento qualitativo do professor no processo de
aprender do adolescente; o estímulo adolescente para autoaprendizagem ou aprendizagem em
conjunto a partir do jogo. No processo metodológico bibliográfico, autores como Marta
Relvas (neurociência), Suzane Garrido (gamificação), Vitor Fonseca (cognição), Ysmar
Vianna (jogos), Daniel Chabot (pedagogia emocional) e Claudio J. P. Saltini (afetividade). E
o resultado é que, a partir do entendimento de como o adolescente aprende, propostas de
ensino ‘gamificadas’ estimulam mais a criatividade e a constituição da autonomia emocional,
cognitiva e motora própria e/ou dentro do grupo, além de tornarem a sala de aula muito mais
interessante. Nesta perspectiva, a atividade ‘gamificada’ deve levar o aprendente a pensar
estrategicamente e a raciocinar a partir de hipóteses a fim de solucionar problemas, construir
relações, ter equilíbrio emocional, conviver com as diferenças dentre outras ferramentas
cognitivas e sociais.

Palavras-chave: Aprendizagem. Emoções. Ensino. Adolescência. Gamificação.

1
Mestre em Educação pela UNIRIO. Especialista em Tecnologia Educacional, em Psicopedagogia e em
Neurociência Pedagógica pelas Faculdades Integradas Vez do Mestre/UCAM (RJ). Conteudista e tutora da
Empresa wPós - Pós-graduação a distancia em Neuroeducação. Professora Titular de Língua Portuguesa do E.E.
Luís de Camões (SEEDUC-RJ). Email: ciaclaudia@gmail.com.
2
Especialista em Educação: Ensino de Ciências e Biologia para o Ensino fundamental e Médio e Educação
Ambiental pelas Faculdades Reunidas São Judas Tadeu. Especialista em Enzimologia pelo IbqM da UFRJ.
Coordenadora Pedagógica do C.E. General Carlos Caetano Miragaya (SEEDUC-RJ) e Professora Titular de
Biologia – Ensino Médio/Pré-vestibular do Colégio Santa Mônica (Unidade Taquara – RJ). Email:
rachelklaym@gmail.com.br.

ISSN 2176-1396
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Introdução

Os aprendentes do século XXI romperam com os diferentes paradigmas escolares,


aceleraram o processo de repensamento das práticas de ensino e estão se oferecendo ao
desenvolvimento dos estudos neurocientíficos com muito mais força. Em contrapartida,
observa-se a elevação das taxas de ansiedade, receios, inabilidades e dificuldades na própria
construção do pensamento, das relações, dos comportamentos e das emoções.
O mundo foi atravessado pela informação automática e pela instantaneidade das
reações: há uma sociedade em crise. Violências, desequilíbrios, fragilidades, os aprendentes
estão solitários em seus processos de maturação neuro/bio/psicológicos e, por consequência,
estão mais reativos, impulsivos, desejosos e ansiosos em suas relações, necessidades e
percepções.
A cognição, a emoção (afetividade) e a parte motora estão convergindo
desordenadamente e sem tempo de reflexão. Círculo virtuoso e vicioso em choque e em
xeque. Mas, ainda assim, os cérebros-aprendentes mantém suas performances biológicas
tradicionais (neuroplasticidades analógicas) em prol de outra tríade: seleção, adaptação e
sobrevivência. Ou seja, os cérebros mantêm suas funcionalidades se equilibrando entre
vivências extragenéticas (sociais) e constantes adaptações e readaptações intragenéticas
(pessoais).
Da neuroplasticidade até a resiliência psicológica, o sistema nervoso humano vem se
fortalecendo e se transformando ‘aos trancos e barrancos’ diante de exigências e necessidades
do mundo moderno. A ideia principal do processo de ensino, então é oferecer ferramentas de
acesso às cognições e emoções que favoreçam a integração aprendente com os conteúdos e no
cotidiano, mesmo em velocidade. Ou seja, transformar metodologias (práticas de ensino) e
formas de avaliação.
Quando este texto foi pensado, observava-se o período da adolescência como um
importante território de expectativas de aprendizagem e também de habilidades particulares às
novas estratégias de ensino. A tríade ‘emoção, significado e proatividade’ tornou-se
fundamental à aprendizagem neste período do desenvolvimento humano e, pensando nisso,
além da percepção da velocidade, para o agenciamento dos interesses e das atenções,
trabalhou-se com o conceito de ‘gamificação’ (do original em inglês ‘gamification’) que
“corresponde ao uso de mecanismo de jogos orientados ao objetivo de resolver problemas
práticos ou de despertar engajamento entre um público específico” (VIANNA, 2013, p.13).
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A mecânica dos jogos, em educação, envolve a reconstituição de objetivos, planos,


planejamentos e práticas docentes diante dos novos comportamentos cognitivos e emocionais;
é entendido como dinâmica de estimulação aprendente à vontade de estar e de aprender na
escola; e tornou-se uma abordagem interessante e provocativa na sala de aula. De pronto,
reconhece-se: para ensinar a aprender ou para aprender a aprender necessita-se de
reprogramação cerebral, ou seja, gatilhos emocionais (provocações, desafios, estímulos
diferenciados), atividades contextualizadas, momentos focais e elevado nível de curiosidade,
principalmente junto aos adolescentes.
Como escreve Moraes (2009, p.123), a mecânica dos jogos, em sala de aula, toca a
humanidade sensível do aprendente e esta começa na biologia: “o córtex motor envia sinais de
‘ações’ que contraem os músculos (via medula espinhal e nervos motores); ao mesmo tempo,
ações conscientes envolvem zonas cerebrais frontais ‘superiores’, incluindo os córtices motor
suplementar e pré-motor” inaugurando a vontade de realizar e de encontrar soluções para as
atividades propostas individualmente ou em grupo. É por onde começa a motivação e o
pensamento estratégico.
Na utilização da mecânica dos jogos em sala de aula, encena-se subliminarmente a
ação em conjunto do cérebro triuno humano: cérebro primitivo (cerebelo e tronco encefálico),
cérebro emocional (amígdala, hipocampo e hipotálamo) e o cérebro pré-frontal (neocórtex).
Nessa convergência, o corpo entra em um movimento focado e interessado: por interesse e
prazer, há coordenação, precisão e harmonia. Base importante: ter um cerebelo saudável
(córtex motor), amígdalas em harmonia emocional e boa experiência de pensamento.
Há aqui o reconhecimento de que seja possível se construir mais qualidade tanto nas
formas de ensinar, quanto nas maneiras de aprender, quando observadas, em ação, duas
mecânicas3: a plasticidade cerebral e o movimento do corpo, a partir das dinâmicas de ensino
propostas. É uma ideia de ‘gamificar’ as práticas pedagógicas‘ (desafios) e transformar
processos cognitivos, articulando os sistemas de recompensa e as conexões neuronais
aprendentes com liberdade de expressão e descobertas individuais. É o jogo como território
das liberdades emocionais em cujas observações, o docente pode perceber e compreender as
várias inabilidades relacionais e dificuldades de aprendizagem, além de determinar novas
mediações e interações sociais, cognitivas e motoras. É potencializar timings precisos aos

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A palavra ‘mecânica’ aqui está sendo significada como estudo do movimento dos corpos em conjunto com os
estímulos dos sentidos a este mesmo movimento.
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circuitos cerebrais (e cerebelares) estimulando respostas (e seu controle) conscientes ou


inconscientes.
Portanto, a estrutura da gamificação pode gerar um contínuo de estímulos aos cérebros
aprendentes nas dimensões atencionais, perceptivas e interpretativas, ou seja, é a mecânica
dos jogos como possibilidade de se criar espaços de estímulo à autonomia, à disciplina e à
participação dos aprendentes, ao corpo e à mente, em sala de aula, a partir da ideia de
reprogramações dos sistemas cerebrais à construção do conhecimento.

O século XXI e seus repensamentos convergentes

No século XXI, conhecimento está voltado à inovação (criatividade). Mesmo com


crise geracional, social e econômica, os processos cognitivos e comportamentais estão
alterados. O paradigma que envolve os sujeitos sociais está sofrendo pequenas, mas
aceleradas mudanças, em algum ponto da constituição tridimensional humana, no caso,
cognição, emoção e motora. Além disso, muitos valores, hábitos e costumes estão em choque
conceitual e em xeque social em suas práticas diárias. Basicamente há uma crescente
necessidade de ‘repensamentos’ sobre tudo, inclusive, sobre as formas de agir, pensar,
aprender, ser e fazer de todos com todos: é o literário ‘um por todos e todos por um’.
Saltini (2008, p.16) afirma que “todo o conhecimento começa com um sonho.” Mesmo
no século XXI, há um aprendente com uma biologia efervescente (e em expectativa) até a
maturidade. A emoção não é mais observada como elemento desorganizador do corpo e seus
movimentos no social; é a emoção “dos desejos, das faltas e das ausências que cada ser
humano é levado a ter vontade de buscar e, para tanto, pensar” para integrar, interagir e
imergir em seus múltiplos territórios. Há uma gestação em processo cujo intuito iluminar
corpo e mente para o procedimento de aprender. E adolescentes são energia em ligação e
contradição intensa, mas também, e, principalmente, fonte de sobrevivência. É o
entendimento de que emoção pinça memórias, mobiliza o corpo e é determinante na evolução
mental, principalmente quando o sistema de recompensa cerebral (límbico) é desafiantemente
estimulado, ao longo da vida, às decisões, às mudanças e às superações. Sendo assim, como
afirma Saltini (2008, p.19), todo educador deve ser ‘parteiro de ideias’.
Segundo Saltini (2008, p.62), “o homem vale pelo que conseguiu relacionar, agregar e
construir, resolvendo problemas e desafios e não por ter descoberto uma informação, ao
lançar um olhar à natureza”, portanto, é pela emoção que o organismo se liga ao social e, por
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consequência, estimula potencialidades e habilidades sobre e para seu contexto. Desta forma,
é importante entender que

[...] cada tipo de habilidade ou comportamento pode ser bem relacionado a certas
áreas do cérebro, em particular. Assim, há áreas habilitadas a interpretar estímulos
que levam à percepção visual e auditiva, à compreensão e à capacidade linguística, à
cognição, ao planejamento de ações futuras, inclusive de movimento, e assim por
diante. (RELVAS, 2009, p.14).

Em atividades coletivas em sala de aula ou em projetos pedagógicos mais amplos, a


questão da agradabilidade e do prazer dão o ‘tom’ das participações, exposições, dificuldades
e atitudes dos aprendentes. Mas isto só ocorre caso os recursos escolhidos se estabeleçam a
partir de levantamentos baseados no respeito aos saberes e interesses singulares dos
aprendentes; na compreensão das regras, objetivos e estímulos relacionados aos recursos; e
com base em estudos relacionados ao funcionamento do sistema de recompensa e das funções
executivas do cérebro humano, plataformas a que os sentidos acorrem e atingem quando os
aprendentes são desafiados em seus processos de aprender a sentir, a pensar, a agir e a fazer,
por ele mesmo ou em grupo.
Nesse caso, a opção da gamificação (utilização da mecânica dos jogos) torna-se uma
oportunidade de se rever os processos de aprender, além de se criar nichos interventivos ao
intuito de se restabelecer e/ou se reabastecer de informações significativas às mentes
aprendentes. Porém, atenção: não há ‘receitas de bolo’! Ao se levar em consideração a
emoção no processo de gamificação da sala de aula, é preciso que se compreenda que esta é
dolorosa. Agir fora dos padrões; pensar diferente; ou sair da zona de conforto é doloroso. A
emoção do jogo como meio de inauguração de novas formas de aprender (ser, ver, pensar) é,
em princípio, estressante, explora receios e medos; e podem surgir resistências
surpreendentes.
Na perspectiva da mecânica dos jogos, após um momento de desorganização, há a
oportunização de uma nova vivência da realidade: e isso não é prazeroso. É uma mudança
cortical e emocional intensa. É uma reatualização da memória procedimental e dos processos
cognitivos. Daí, de pronto, o professor precisa entender a importância da experimentação, do
erro e das novas tentativas enquanto o aluno realiza a tarefa solicitada. Alunos e professores
estarão em processo de transformação, por exemplo, das memórias afetivas e de longo prazo
em prol da atividade em grupo ou não.
A ação da gamificação é um ‘curinga’ à ideia de ensinar; é interventivo; promove
novos equilíbrios internos; ilustra a realidade dos sentimentos particulares; expõe
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determinadas comorbidades intelectuais; e é a exposição do que realmente o aprendente é ou


como suas experiências o fizeram ser. É preciso lembrar sempre que o prazer se institui
também através da sensação de estranhamento relacionado às solicitações do mundo
extragenético (contexto): o prazer não é uma instância sempre positiva!
Em consequência de determinados estímulos, o processo de aprender alcançará e
talvez ultrapasse dores, memórias afetivas reprimidas e as dificuldades. De acordo com
Fonseca (2008, 139-140),

os indivíduos com dificuldades de aprendizagem, portadores de um potencial


intelectual dito médio, sem perturbações visuais ou auditivas, motivados em
aprender e inseridos num processo de ensino eficaz para a maioria, revela
‘dificuldades inesperadas’ em vários tipos de aprendizagem, sejam: de índole
escolar e/ou acadêmica, isto é simbólica ou verbal, como aprender a ler, a escrever e
a contar; e de índole psicossocial e/ou psicomotora, isto é, não simbólica ou não
verbal, como aprender a orientar-se no espaço, a andar de bicicleta, a desenhar, a
pintar, a interagir socialmente com os seus pares, etc..

Em meio a essa gama teórica, no primeiro semestre de 2015, em uma turma de terceiro
ano, do Ensino Médio público, do Rio de Janeiro, realizou-se um campeonato de jogos de
tabuleiro (dama, xadrez, loto, dominó) cujo objetivo principal era estimular os pensamentos
estratégicos e o desenvolvimento da metalinguagem que favorecesse as interpretações de
textos. A partir da organização das equipes e da seleção dos jogos, a docente observou: o
processo de alfabetização e letramento (precário); os mecanismos do aprender a aprender e a
fazer (estratégias); o controle cognitivo e muscular (lento); a flexibilidade global (dura); a
motivação e a movimentação (individualista); as dificuldades de interação corporal e
intelectual (claras); os retraimentos sociais, físicos e emocionais; o surgimento das
impulsividades (reações/agressividades) (às vezes incontroláveis); os desequilíbrios e
retraimentos (desorganização espaço-temporal); as experiências sociais e emocionais
(expressividades); e a falta ou a perda dos limites, apesar das mediações.

Adolescer e o jogo de aprender

Numa escola pública do Rio de janeiro, turno noturno, ensino médio, a professora de
português e literatura decidiu realizar um projeto de jogos em sala de aula (campeonato). O
objeito era oferecer a oportunidade de os adolescentes se integrarem aos conteúdos
(interpretação de textos realistas) com mais facilidade. Nas primeiras reuniões, houve
discussões acaloradas para decidir os jogos e as dinâmicas. Depois novas discussões
ocorreram para promover a separação da turma em grupos e quais itens do projeto cada grupo
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iria pesquisar e desenvolver: pesquisa, construção, organização, estratégias e escolha das


duplas dos jogos. Em todos os itens, a temática girava em torno do Realismo, contexto
histórico, características e principais autores.
Mais do que jogar os jogos, os objetivos eram fortalecer a memória sobre o conteúdo e
fazê-los compreender que há diferenças de comportamento diante de um mesmo problema;
que é preciso ter ética para gerenciar outras pessoas; que é importante escutar cada colega em
suas maneiras de pensar; e que os resultados são divididos entre todos, sem privilégios. Mais
do que jogar os jogos e vencer, a professora queria que interpretassem processos, posições,
reações, gestos etc. próprios e dos colegas. O conteúdo servia como link a tudo isso.
Da adolescência à vida adulta, muitos tropeços nas três dimensões humanas
(cognitiva, emocional e motora) são naturais e tem valor de experiência, principalmente, à
formação de particulares resiliências. Há o entendimento de que tropeços são formas de
adaptação aos ambientes ou às pessoas a que imergem cotidianamente. Mas da adolescência à
vida adulta, os aprendentes ‘sofrem’ picos de mudanças, inclusive com o aumento (e
diminuição) das conexões entre diferentes partes do cérebro.
Em muitos casos e no caso do projeto, houve o surgimento desses descontroles:
desentendimentos entre eles; imposição de regras pelos gritos; tentativas de burlar regras;
dificuldade de entender as perdas etc. A mediação docente, através de ‘paradas’ para pensar
atitudes e recompor o processo, foi fundamental, além de constantes feedbacks. A professora
percebeu a profunda falta de traquejo em torno do erro / falhas do processo, algo sempre
sentido como muito negativo. Em cada etapa dos jogos, quando perdiam uma ou duas
partidas, perdiam a noção de colaboração e entravam, rapidamente, no quesito competição
exacerbada.
No final, houve um seminário sobre a temática e sobre todas as situações pelos quais
passaram entre eles e entre eles por causa do projeto. Era o ponto de/da realidade a que
professora fundamentou a escolha do projeto. Algumas análises foram aceitas de comum
acordo: para que a atenção fosse constante, as práticas precisavam ser desafiantes e possíveis;
para os adolescentes, é importante participar do processo de levantamento e escolha dos
jogos; sem os feedbacks, a possibilidade de fracasso do projeto era sempre clara; todos
precisavam se respeitar para que o resultado fosse positivo; e, no caso do conteúdo
(interpretação de textos realistas), segundo a professora, a psicologia dos personagens dos
textos ficou mais objetiva e esclarecedora quando foram levados a pensar em suas razões (dos
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personagens e próprias), como fora feito no desenvolvimento do projeto junto aos colegas;
dentre outras linhas de pensamento.
A professora, em seu relatório final, observou que, neste período do desenvolvimento
humano (adolescência), fatores como postura, sensibilidade, psiquismo, motricidade,
sensações e tônus já estão estratificadas como referências e condutas neurofisiológicas,
anatômicas e, principalmente, sociais; mas estas precisam ser engatilhadas vez por outra pelos
docentes como forma de se criar a sensação de pertencimento entre eles e entre eles junto ao
espaço escolar, mesmo que haja resistência inicial. Adolescentes são cérebros em franca
ebulição pela transformação hormonal e grande experimentação social / grupal.
Quando se entende a perspectiva de Vianna (2013) entende-se que submeter-se a um
processo de gamificação não significa necessariamente participar de um jogo, mas sim
apoderar-se de seus aspectos mais eficientes (estética, mecânicas e dinâmicas) para emular os
benefícios que costumam ser alcançados com eles. Neste seguimento há uma preocupação em
conviver com o outro respeitando todas as eficiências; e há incentivos à criação ou adaptação
das experiências do aprendente relacionada à aprendizagem ou ao seu próprio processo de
aprender. Sendo assim, “a intenção é despertar emoções positivas, explorar aptidões pessoais
ou atrelar recompensas virtuais ou físicas ao cumprimento de tarefas.” (VIANNA, 2013,
p.17).

Imagem construída pela Profª Ma Claudia Nunes, 2014.

E neste aspecto, pode-se pensar em outros objetivos às atividades ‘gamificadas’ em


sala de aula, como: sugerir envolvimento colaborativo; sugerir formas de se encontrar
informações; estimular emoções ‘sem querer’; estimular pequenas atitudes diferentes;
introduzir outros focos sobre a realidade; aumentar os níveis de responsabilidade cognitiva;
estimular criatividade nos procedimentos; proporcionar feedbacks contínuos; introduzir
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limitações no processo; convocar mudanças nas etapas; eliminar e customizar padrões de


pensamento; desafiar com jogos reconhecidos; apresentar limites e regras possíveis; dentre
outros.
Do cerebelo ao córtex pré-frontal, passando pelos centros da linguagem e sinapses
sensórias ligadas às emoções, ao desenvolvimento do pensamento complexo e à tomada de
decisões, o ‘adolescer’ humano é referência às mais diversas desestruturações e reestruturação
do sistema nervoso. Difícil ter equilíbrio emocional, consistência perceptiva e organização
sensorial. É um momento de crise e de muitos riscos. Como os adolescentes estão ‘hormonal
mente’ alterados, suas potencialidades precisam de extravasamentos. Jogos ou inserção de
ações gamificadas tornam-se importantes ferramentas para exposições, discussões, liberdades,
demonstrações etc. A emoção estará no ar mesmo!
Curiosos, os adolescentes entendem a experiência, primeiro como brincadeira, mas
depois, quando o processo imersivo se instaura, a brincadeira ‘vira’ coisa séria, significativa e
desafiante. É ‘brincar’ com pensamentos, palavras, corpo no intuito de presentificar
(revivenciar e retrabalhar) as experiências singulares de cada um. Por isso, relembramos: isso
não é prazeroso! Mas, segundo Winnicott (apud LEAL, 2011), esta é a forma mais saudável
de encarar a vida e elaborar conflitos em qualquer idade, principalmente, pela liberdade de
expressão.
Os cérebros aprendentes adolescentes precisam ‘brincar’, no sentido de se libertar, em
espaços diferentes, das suas sensações e emoções. A gamificação da sala de aula é uma
abordagem que investe na vontade como potencia do prazer, da satisfação e do bem-estar; é
possível tornar os aprendentes menos vulneráveis, mais extrovertidos, mais disciplinados,
mais corajosos; mais cientes de seu papel social (até das próprias dificuldades); menos tensos;
menos intransigentes; mais observadores; e mais equilibrados.
Em todo o projeto (campeonato), todos precisaram agir nas possibilidades, nas
incertezas, o que torna difícil a manutenção da motivação e da atenção, principalmente, no
caso de adolescentes estabelecidos em área de risco ou de violência em ascensão. Para cada
jogada, o ‘espírito’ de competição exacerbada, palavras de baixo calão, deboches e medo,
sim, muito medo: medo de perder, de parecer ‘menor’ frente aos colegas; medo de tentar;
medo do erro; medo de perder o respeito (principalmente os meninos).
No projeto escolar, a proposta de jogar e de aprender foi interessante e surpreendente
para eles; mas a ideia de jogar e perder causava estranhamento e desconfiança ao processo.
Mas era importante tocar / sentir as emoções, era importante tocar os sentidos adolescentes ao
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ponto de fazê-los superar a si mesmos e a trabalhar também emoções secundárias e sociais em


relação à escola.
No século XXI, as práticas de ensino potencializam a possibilidade de o docente a
montar o quebra-cabeça do cérebro aprendente em seu processo de aprender integralmente,
mesmo se houver a percepção de que este mesmo aprendente se apresenta com dificuldades
ou transtornos diversos. O que não pode haver é imobilismo docente baseado em
preconceitos, pré-julgamentos e senso comum. Tal fato só favorece aos mecanismos de
exclusão.

Considerações Finais

Escola e sala de aula são territórios férteis para experimentações sociais, cognitivas e
emocionais tanto dos aprendentes, quanto dos professores, quando estão estimuladas sinapses
diferentes e a liberdade responsável. Trabalhar com projetos educacionais, principalmente,
interdisciplinares é trabalhar com as emoções à flor da pele. É um momento de múltiplas
interações, mas também do surgimento de muitas barreiras e sentimentos controversos em
sala de aula e sem passividades. É um momento de socialização e jorro de interesses / saberes.
É espaço de troca de trabalho, atenção, concentração e memória, além de conter a
possibilidade de exposição.
Aprender é o resultado do prazer de se identificar e se integrar no mundo extragenético
com equilíbrio intragenético. Aprender é saber ser feliz apesar dos estranhamentos da vida.
Aprender é exercício de relação envolvendo todas as eficiências. Então se entende que, para
suportar as etapas naturais relacionadas aos processos de mudanças orgânicas, psicológicas e
sociais, é necessário que o aprendente ‘ganhe’ alternativas; ‘tenha’ ferramentas; e ‘use’
determinadas estratégias singulares e coletivas em seu cotidiano.
Mesmo inconscientemente, a humanidade, linearmente ou aos saltos, vem evoluindo
através das experiências e vivências do jogo e dos mecanismos do jogo com e sem amarras
sociais e emocionais, sempre visando sobrevivência e conhecimento. Esta também é a tônica
da curiosidade em que, quando algo chama a atenção, cria-se um desejo / vontade de ver e
saber apesar de. É o momento do ‘a-prender’, do viver ‘sem prisões’, incutidas nos
comportamentos à revelia pelo ‘outro-no-mundo’ (alteridade). É a possibilidade de simular
determinadas repressões e circunstâncias com pequenas seguranças.
Nesta perspectiva, a atividade ‘gamificada’ deve levar o aprendente a pensar
estrategicamente e a raciocinar a partir de hipóteses a fim de solucionar problemas, construir
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relações, ter equilíbrio emocional, conviver com as diferenças etc. E, no caso deste trabalho, a
experiência de ‘gamificação’ provocou as memórias e estabeleceu outros rumos às
aprendizagens. No fim, entendeu-se que, quando os conteúdos são adequados a propostas
lúdicas (prazerosas, diferentes), hoje, experimenta-se a vivência da criatividade até a
constituição de uma autonomia emocional, cognitiva e motora própria e/ou dentro do grupo.

REFERÊNCIAS

CHABOT, Daniel & CHABOT, Michel. Pedagogia Emocional: sentir para aprender. São
Paulo: Sá Editora, 2005.

FONSECA, Vitor da. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: abordagem


neuropsicológica e psicopedagógica. 2ª edição. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

GARRIDO, Susane. ‘Neuro’Gamification. Palestra conecta 2013. Disponível em:


http://conecta.firjan.org.br/noticias/palestras-neurogamification-jogo-conhecimento. Acessado
em 20.dez.2014

LEAL, Gláucia. Carta da Editora (p.03), In Brincar é coisa de gente grande. Revista Mente
Cérebro (psicologia/psicanálise/neurociência). Ano XVIII, nº. 216.

MEDINA, Bruno et alli. Gamification Inc.: como reinventar empresas a partir de jogos. Rio
de Janeiro: MJV Express, 2013.

RELVAS, Marta. Neurociência e Educação: potencialidades dos gêneros humanos na sala


de aula. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2009.

SALTINI, Claudio J. P. Afetividade e Inteligência. 5ª edição. Rio de Janeiro: WAK Ed.


2008.

VIANNA Ysmar; VIANNA, Maurício; MEDINA, Bruno; TANAKA, Samara. Gamification,


Inc.: Como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de janeiro: MJV Press, 2013.
Disponível em: http://www.mjv.com.br. Acessado em 20.dez.2014.

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