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Artigo Verdade Mentira Direito Norma 02
Artigo Verdade Mentira Direito Norma 02
A
DIREFERENÇA ENTRE O BEM E O MAL / A VERDADE E A MENTIRA. O
BEM E O MAL: OU O ETERNO COMEÇO
1
_ O Direito e a Vida dos Direitos. 1° Volume. Tomo I. São Paulo: Ed. Max Limonad. 1960. P. 97.
2
_ DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 4ª Ed. – São Paulo: Ed. Saraiva. 2022. P. 118.
3
_ Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Método. 2007. P. 25/28
1
ii. Causa final: é o propósito do direito. Pode-se dizer que esse propósito
é a Justiça, em suas variadas acepções (comutativa, distributiva, geral
e social), sempre preocupada em garantir liberdades e igualdade e a
consecução do bem comum;
ii.i. É aqui que o direito possui certo cruzamento com a moral, já que
ambos possuem um fundamento ético (tanto que, como relembra
Kumpel, é normal que normas éticas sejam convertidas em regras
jurídicas), pois não se pode admitir um direito imoral, cujo propósito
seria a injustiça;
2
Não por acaso, o filosofo grego Cícero4 já defendia que, para conhecer o
Direito, deve-se conhecer o homem, sua essência e natureza, pois são elas que revelarão
a natureza e intersubjetividade que o homem busca.
Como visto, a essência do direito está no próprio homem. Não por acaso,
o direito ampara o ser humano desde o momento em que é concebido, ainda nascituro,
após o nascimento, durante a vida e até a morte, concede-lhe proteção quanto a aspectos
necessários a esse desenvolvimento, como a liberdade e a integridade física e moral e
regula suas relações diversas na sociedade, inclusive com sua família e trabalho.
Não por acaso, Noberto Bobbio defende que a vida se desenvolve com em
um mundo de normas5 e Vicente Raó, com a clareza que lhe é própria, esclarece:
O conceito supra revela que, na visão de seu autor, a origem do direito está
na natureza do próprio homem e em sua essência social, já que é um ser gregário por
natureza, que prefere coexistir em conjunto a existir individualmente (daí sua tendência
à aglutinação social)7, cabendo ao direito criar a proporção necessária para que haja
harmonia na sociedade.
4
Citado em RAÓ, Vicente. Ob. Cit. P. 61.
5
_ Teoria da Norma Jurídica. 6. Ed. – São Paulo: Edipro, 2016. P. 26
6
_ Ob. Cit. P. 39.
7
_Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º Volume: teoria geral do direito civil. 24ª Ed.
Ver. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007. P. 5.
3
seres humanos, sendo que o limite do direito de cada um é o direito dos outros, o que um
fundamento verdadeiro da ordem social.
É muito comum que, ao ser indagado, o leigo responda que o Direito é Lei
ou o conjunto de leis ou normas.
Para o Professor Eduardo Vera Cruz, o Direito não está reduzido à lei ou
simplesmente ao produto da vontade das maiorias que, por terem sido vencedoras de uma
eleição, criam a Lei11. Para ele, o que ocorre é justamente o oposto, pois é o Direito que
cria a Lei e não contrário, pois:
“O Direito é que está na base da criação legislativa. E quem cria o Direito são
os juristas, com critérios de objetividade e rigor muito exigentes e fundados em
regras consensualmente aceites; isto é, aqueles na sua comunicação são
8
_ RAO, Vicente. Ob. Cit. P. 42.
9
_ DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit. P. 5;
10
_ RÁO, Vicente. Ob. Cit. P. 42.
11
_ PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito. Cascais: Ed. Princípia. 1ª Ed.
2010. P. 188.
4
reconhecidos como tendo um saber fundado na experiência e aplicado com
equilíbrio, bom senso e sentido de justiça. Logo, só o Direito pode regular
limitando o exercício do poder legislativo e, assim, dos outros poderes do Estado
que obedecem às leis.” .12
Mas, apesar de tudo isso, não se pode negar que a norma jurídica ocupa
papel relevante no Direito. É necessário, porém, que se compreenda no que consiste a
norma jurídica e qual é seu papel no Direito.
12
Ob. Cit. P. 20.
13
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20 P. 191
14
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20 P. 21/23
15
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 9.
16
_ Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 20. P. 36
17
_ REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 18ª Ed. ver. E atual. – São Paulo: Saraiva P. 93.
5
No que diz respeito ao conceito de norma, cabe relembrar que Reale aponta
que alguns autores, influenciados por Kelsen, sustentam que norma jurídica é consiste em
juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato que se ligará a uma consequência.
Por exemplo, “Se F é, deve ser C”, de modo que toda vez que se implementar o fato
enunciado pela norma (F), deverá advir a consequência (C) nela prevista, que na teoria
do Kelsen é quase sempre uma sanção18.
Por isso, entende que o conceito de norma jurídica não pode ser reduzido
a uma simples proposição hipotética, devendo ser compreendida como “uma estrutura
proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta que deve ser
seguida de maneira objetiva e obrigatória”19.
18
_ Reale, Miguel. Ob. Cit. P. 93
19
_ Reale, Miguel. Ob. Cit. P. 95
6
Helena Diniz, pronuncia a norma jurídica como um “imperativo-autorizante. A
imperatividade revela seu gênero próximo, incluindo-a no grupo das normas éticas, que
regem a conduta humana, diferenciando-a das leis físico-naturais, e o autorizamento
indica sua diferença, distinguindo-a das demais normas.”. 20
Reale relembra que “Toda norma enuncia algo que deve ser, em virtude
de ter sido reconhecido um valor como razão determinante de um comportamento
declarado obrigatório. Há, pois, em toda regra um juízo de valor, cuja estrutura mister
é esclarecer, mesmo porque ele está no cerne da atividade do juiz ou do advogado”23.
Diante dessa íntima relação do Direito com a ética, não se pode admitir
que o Direito, ou ainda que as normas jurídicas, preocupem-se na simples ordenação.
Devem, ao contrário, buscar a satisfação dos bens individuais e do bem comum.
Lembrando que o bem comum não é apenas a soma dos bens individuais, mas consiste
naquilo que ”cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio”24 ou, nas lições de
Luigi Bagonoli “uma estrutura social na qual sejam possíveis formas de participação e
de comunicação de todos os indivíduos”25.
20
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 34.
21
_ Reale, Miguel. Ob. Cit P.39
22
Pinto, Vera Cruz. Ob. Cit. P. 27/28
23
_ Reale, Miguel. Ob. Cit P.34
24
_ Reale, Miguel. Ob. Cit. P.56
25
Bagolini, Luigi, apud in Reale, Miguel. Ob. Cit. P.59/60.
7
Essa também é a posição de Maria Helena Diniz, que defende que, para
ser jurídica, a norma deve estar atenta à sociedade política na qual inserida, sob pena de
ser incapaz de atender a um de seus principais propósitos, que é o de garantir a
organização social e equilíbrio das relações humanas, permitindo que a pessoa humana
se autorrealize26.
26
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 7.
27
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 7.
28
_ Diniz, Maria Helena. Ob. Cit. P. 9.
29
_ Pinto, Vera Cruz. Ob. Cit. P. 27/28.
30
_ Ibidem. P. 36.
31
_ citado em Reale, Miguel. Ob. Cit. P. 60.
8
positivista, sem associar-se o direito a seus fins, propósitos e à necessidade de preservação
do homem.
Por fim, cabe apenas fazer uma ressalva, que, apesar de o Direito estar
relacionado à ética, já que, voltado às relações exteriores (seu viés é intersubjetivo), e
com propósito é atender ao bem comum (ou seja, de seus indivíduos e da sociedade), não
se perfilha a tese de que o Direito constitui um mínimo ético ou mínimo moral.
32
_ ASCENSÃO. José de Oliveira. Introdução à ciência do direito. 3. Ed. ver. E atual. Rio de Janeiro:
Renovar. 2005. Pg. 94/95
33
_ Ob. Cit. P. 45/46
34
_ REALE, Miguel. Ob. Cit. P. 65.
9
certo fim ou objetivo; e uma regra ou norma que pauta promove a integração entre o fato
e o valor.
3. A VERDADE E A MENTIRA.
35
_ REALE, Miguel. Ob. Cit. P. 67
36
_ CHAUÍ, Maria Helena. Convite à Filosofia. Ob. Cit.: Ed. Ática. 2000. Pg. 122.
10
depende de que a realidade se manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se
esconda ou se dissimule em aparências.
Veritas se refere aos fatos que foram, de modo que as teorias que apoiam
essa concepção afirmam que o critério da verdade é dado pela coerência interna ou pela
coerência lógica das ideias e das cadeias de ideias que formam um raciocínio, coerência
que depende da obediência às regras e leis dos enunciados corretos. A marca do
verdadeiro é a validade lógica de seus argumentos.
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que aquilo que foi
prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer. Emunah é uma palavra de mesma
origem que o amém, que significa: assim seja, de modo que a verdade é uma crença
fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que será ou virá. Sua forma
mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais perfeita é a profecia.
11
Emunah se refere às ações e as coisas que serão. Segundo Marilena
Chauí37, para aqueles que adotam essa teoria, a verdade se funda, portanto, consenso e na
confiança recíproca entre os membros de uma comunidade de pesquisadores e estudiosos
Chauí relembra ainda que todos esses três conceitos permeiam nossa ideia
de verdade até hoje38, inclusive com repercussões no direito. Palavras como verificar
(constatar a veracidade de algo passado, como no conceito grego), pronunciar um veredito
(firmar uma verdade atual, como no conceito latino) e verossimilhante (confiança de que
aquilo que se diz é e será verdadeiro, como no conceito grego), revelam isso.
Essa ideia de mentira foi relevante para teologia cristã, eis que se à
intenção do sujeito determinante para apresentar-se a verdade ou mentira, é possível
associar a mentira ao livre-arbítrio e a fraqueza do homem que incorre no erro.
37
_ Ob. Cit. P. 123.
38
_ Ob. Cit. P. 124.
12
A intenção de mentir como fator determinante para caracterização da
mentira é extraída das lições de Santo Agostinho39: “Portanto, é a partir da opinião de
sua mente, e não das próprias coisas, que deve ser julgada a verdade ou a falsidade
daquele que está mentindo ou não. E, assim, aquele que enuncia o falso no lugar do
verdadeiro, julgando ser o falso verdadeiro, pode ser considerado errôneo ou temerário,
mas não pode ser tido, de maneira isenta, como mentiroso, porque, ao enunciar, não tem
um coração duplo, nem deseja enganar, mas é enganado. Porém, a culpa do mentiroso é
o desejo de mentir enunciado em sua própria alma: ou quando engana, caso se dê crédito
àquilo que ele diz, ou não engana: seja quando não se acredita nele seja quando enuncia
uma verdade que pensa não ser verdadeira com a intenção de enganar. Porque, quando
se crê nele, em todo caso, não engana, embora desejaria enganar: somente engana na
medida em que se julga que ele sabe ou pensa como enuncia.
39
_Sobre a mentira (Vozes de Bolso). Editora Vozes. Edição do Kindle. P. 10.
13
jurista o tutele, ainda que se trate de eventos fundados na lei, assim como obriga-o (o
Direito) a agir para evitar que situações semelhantes se repitam.
Para isso, defende-se que, primeiro, o ensino jurídico deve ser pautado na
ética, contra aquilo que ele denomina como “indecência antropológica” que decorre do
negacionismo, principalmente porque esse negacionismo, em si mesmo, já é contrário ao
direito.
Além disso, defende que o Holocausto deve ser objeto do ensino jurídico,
como forma, principalmente, de prevenção. Essa defesa tem relação especial com o fato
de que, para o Professor Vera Cruz, o Holocausto representa o mal absoluto da
humanidade, a verdadeira contradição com o direito, pois, assim como outros genocídios,
representa ruptura com o compromisso que o Direito tem de defender a pessoa e as
comunidades, devendo servir, assim, como exemplo da necessidade de o direito agir
contra a lei injusta e contra a própria política de Estado, se necessário, em separação clara
do bem e do mal.
Mas, não é a todo custo que essa separação e vencimento do mal deve
acontecer, pois o jurista deve buscar caminhos não violentos para superar o injusto, uma
vez que uma revolução violenta pode implicar resultados muito piores.
Além disso, o professor defende que se socorra à Ética, como recurso para
evitar o Mal, pois, “Logo, num recurso àquilo que se designa como ética, o que se faz é evitar
que seja o Direito, só ele, a definir uma linha divisória clara entre o bem e o mal, em situações
extremas que ameaçam a pessoa humana. Falam na ética os que exercem o poder, para aqueles
que não exercem a seguirem. O Direito, e só ele, pode travar com êxito a luta pela Justiça no
sentido de Paz.”40
40
OB. Cit. P. 176.
14
verdadeiro sacerdote da justiça, empenhado na defesa da pessoa humana e de sua
dignidade.
É importante ter em vista que o professor Vera Cruz não defende o mal
com algo meramente ambivalente, mas que se conheça sua causa e compreenda que a
escolha pelo bem e o mal é algo estruturante da própria liberdade humana. E restringir a
liberdade seria aplicar o direito injusto.
E realmente assim deve ser, porque o direito, que, como visto, tem
fundamento na pessoa humana e na ética, não pode sustentar regimes ou práticas que
violem a própria essência da pessoa humana ou busquem a eliminação de povos.
15
Admitir a prevalência e negação de crimes como estes seria uma
verdadeira derrota ao direito, uma negação à justiça, motivo pelo qual deve o Direito
combater àquilo que se mostrar contrário à sua essência e às liberdades individuais.
Essa distinção, segundo Vera Cruz, não pode estar baseada em alguma
filosofia moralista clássica, nem em imperativos de caráter absoluto que questionam a
verdade como base ou fundamento da solução jurídica que se pretender apresentar, pois
o tema não diz respeito à filosofia do Direito. Na verdade, ele afirma que “A verdade não
resulta da vontade humana em a encontrar, nem de um complexo de jogos teóricos, a
verdade situa-se mais no plano da fé e da construção do Humano, de uma forma
eternamente aberta para o homem, como fixou Pilatos, face à certeza de Cristo (Deus-
Homem): O que é a verdade?”41.
Noutro passo, o Mal deve ser aferido tomando como base o referencial de
degradação do homem, pois “O humanismo atual impõe como axiomas: que nenhuma
pessoa humana pode ser sacrificada na sua vida, dignidade e personalidade por uma
41
_ Pinto, Eduado Vera Cruz. OB. Cit. P. 202
16
ideia ou instituição; e que o sofrimento das pessoas não pode ser pensado em função da
política e da história”.42
42
_ Ibidem. P. 204
43
_ Aquino, Tomás de. Suma Teológica: (Obra Completa) Edição do Kindle. (p. 2056).
17
restringir direitos ou atribuir deveres em virtude de características genéticas é
absolutamente contrário ao Direito. Nem a Virtude e nem o Mal podem ser tratados como
biológicos.
A bondade, por sua vez, deve ser entendida como um dos elementos da
fruição da dignidade da pessoa humana. No nosso estado de coisas, de grande degradação,
devemos nos empenhar para traçar barreiras entre bem e mal, lícito e ilícito, legítimo e
ilegítimo, do legal e do legal.
44
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Ob. Cit. P. 208
45
_ Ibidem. P. 209
46
_ RIPERT, Georges. La Règle Morale dans les Obligations Civiles. P. 5/7 apud. RAÓ, Vicente. Ob. Cit. P.
71/72
18
do Direito. O jurisprudente deve comprometer-se com o bem face à comunidade e seus
respectivos integrantes. Ou seja, há uma obrigação de entender o eu em cada um dos
outros, com abertura ao dialógico, reciprocidade e afastada a ideia de individualismo.
Deve haver empenho em separar o que está bem, do que está mal, tomando
o Bem como referência, de uma ideia oposta de Mal.
6.1. A EQUIDADE
6.1.1. DEFINIÇÃO
47
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. P. 87/88.
48
_ Ibidem. Pg. 88
19
alcance situações não previstas inicialmente, seja porque o legislador não as anteviu, seja
porque elas não existiam quando de sua edição.
Assim, para a Raó, são funções da equidade (i) adaptar a lei aos casos em
que deva ela incidir, ainda que não previstos textualmente, com igual rigor (expressos ou
não); (ii) aplicar a lei considerando todos os elementos que circundam o caso concreto
(pessoais e reais); (iii) suprir lacunas; e (iv) garantir a aplicação da lei com benignidade
e humanidade49.
Não por acaso, Ascensão52 nos lembra que deve haver cautela no
deslocamento das decisões dos casos da lei à equidade, com o propósito de
individualização da solução jurídica, pois, embora isso possa sugerir uma maior justiça
relativa, isso pode custar a segurança jurídica, dada a evidente falta de previsibilidade da
forma pela qual a situação será resolvida.
49
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. Pg. 88.
50
_ Conforme relembra Ascensão (Ob. Cit. P. 295).
51
_ Raó, Vicente. Ob. Cit. P. 95
52
_ Ob. Cit. P. 238/239.
20
como se ele mesmo tivesse feito isso. A interpretação corretiva, para ele, seria uma
manifestação da equidade.53 (P. 408)
A interpretação corretiva, portanto, seria cabível, para evitar que, por ter o
legislador emitido declaração de vontade ampliativa demais, que não considera sua
efetiva consequência, cuja aplicação estrita violaria o bem comum e os princípios
fundamentais, é permitido ao intérprete corrigir e restringir o alcance da lei, para evitar
resultados nefastos.
A interpretação corretiva, contudo, não servir para violar a lei, mas apenas
corrigir seu rumo naquelas hipóteses que não integram o próprio núcleo e propósito da
Norma, nas quais sua aplicação fiel representaria ofensa ao bem comum54.
Um dos reflexos dessa eticidade foi positivado no art. 422 do Código Civil,
segundo o qual “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
53
_ OB. Cit. P. 408
54
_ OB. Cit. P. 409/410.
55
_SCHEREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de Janeiro: Renovar.
2005. P. 81
21
A primeira função exige que, ao interpretar qualquer negócio jurídico,
privilegie-se aquele sentido que for mais aderente à honestidade e lealdade entre as partes,
vedando-se que se acolha sentidos maliciosos ou prejudiciais a uma das partes. É isso,
aliás, que dispõe o art. 113 do Código Civil, que estabelece que “Os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
56
Ibidem. P. 82
57
Tartuce, Flavio. Manual de Direito Civil, 2. Ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012. P. 548
22
outra parte” 58; e da surrectio: que implica a ampliação do contrato ou no surgimento de
um direito em razão das práticas e condutas adotadas pelas partes no curso de sua relação.
58
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A supressio e o direito à prestação de contas in Revista Luso-Brasileira, Ano
1, 2015, nº 02, p. 1197-1214.
23
devem ser interpretadas de forma isolada, mas sim de forma sistêmica,
notadamente quanto aos negócios jurídicos que possuem como vetores de
interpretação, entre outros, os usos do lugar de sua celebração e a boa-fé,
consoante se depreende dos artigos 113 e 422 do Código Civil. 2. A melhor
interpretação do 476 do CC é de que, embora seja – em regra - defeso a exigência
de implemento contratual antes de cumprir a sua obrigação, o cumprimento da
obrigação principal do contrato não retira da parte que estiver de boa-fé e tiver
agido com probidade, o direito ao recebimento dos valores devidos pelo
cumprimento da obrigação. Logo, a perda do direito de receber o avençado
apenas se dará em caso de prejuízo efetivo a parte adversa ou no caso de evidente
má-fé, a exemplo de entrega de produto em quantidade menor do que o contrato
ou de qualidade diversa da contratada. 3. A vedação do da exigência do
implemento da obrigação contratual antes de cumprida a sua obrigação deve ser
interpretada segundo a cláusula geral da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do
CC, de modo que a proibição que imposta pelo art. 476 do CC é aplicável para
inadimplemento absoluto da obrigação e posturas de má-fé, ou seja, que
lesionem interesse da parte contrária, tais como entregar produto diverso do
contrato, ou em local diferente, faltar com a verdade, entre outras que venham a
afetar os deveres de colaboração e lealdade recíprocos. 4. No caso concreto,
restou comprovado que o vendedor [apelante] agiu de boa-fé e conforme prática
já existente entre as partes, pois, a empresa compradora [apelada] em contratos
pretéritos não exigia a entrega de certidão negativa de penhora para efetuar o
pagamento pelos produtos. Além disso a empresa apelada recebeu a totalidade
do produto, motivo pelo qual o recorrente tem direito ao pagamento. 5. Sentença
reformada. 6. Recurso provido. (TJ-MT 10017973920188110015 MT, Relator:
SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 05/04/2022, Primeira
Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/04/2022)
7. CONCLUSÕES
24
individual desse homem, assim como o bem coletivo (cuja satisfação é importante para
que o próprio homem se desenvolva).
59
_ https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/05/jacarezinho-1-ano-apos-28-mortes-10-
de-13-investigacoes-do-mp-foram-arquivadas.ghtml
25
Por isso, tem razão o Professor Vera Cruz quando diz que o direito não
pode calar a verdade, nem admitir a cumplicidade com a mentira em submissão a qualquer
Poder Político, máxime porque, como visto acima, o dogmatismo é uma tendência natural
humana, que costuma aceitar que aquilo que vê e percebe é verdadeiro e bom, de modo
que se a mentira for reiteradamente apresentada às pessoas, elas tenderam a acreditar
nelas, fazendo com que o mal prevaleça, seja pela sua repetição, seja por isentar os
malfeitores de qualquer consequência.
26
À vista disso, apesar de não adotar uma posição extremista, como aquela
apresentada por Alf Ross, que aponta que não cabe ao jurista avaliar a retidão da lei60,
não nos parece que seria adequado o juiz simplesmente deixar de aplicar a lei porque não
a considera justa ou adequada ao bem comum, pois, se o fizesse, estaria substituindo seu
Juízo ao do legislador, que é aquele que congrega, no Estado Democrático de Direito, o
papel de editar as normas que prescreverão os comportamentos sociais.
Aliás, por vezes, o juiz sequer pode aferir se, ao fazer o bem, não está
fazendo verdadeiramente um mal. Em causas envolvendo a saúde, por exemplo, o juiz
faz o bem atendendo a qualquer pedido de medicação formulado pelo autor? É bom evitar
o despejo de uma família que não terá condições de habitar outro local? Em ações
previdenciárias, é bom flexibilizar o que dispõe a lei para ofertar benefícios a quem
solicitar?
60
_Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2ª ED. 2007. P. 421.
27
BIBLIOGRAFIA
BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma Jurídica. 6. Ed. – São Paulo: Edipro, 2016.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática. 2000. Pg. 116.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico Universitário. 4ª Ed. – São Paulo: Ed.
Saraiva. 2022
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º Volume: teoria geral do
direito civil. 24ª Ed. Ver. Rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007. P. 5.
KUMPEL, Victor Frederico. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Método.
2007. P. 25/28
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito. Cascais: Ed.
Princípia. 1ª Ed. 2010.
RAÓ, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 1° Volume. Tomo I. São Paulo: Ed.
Max Limonad
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 18ª Ed. ver. E atual. – São Paulo:
Saraiva
RIPERT, Georges. La Règle Morale dans les Obligations Civiles. apud. RAÓ,
Vicente. Ob. Cit.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. Bauru: EDIPRO, 2ª ED. 2007
SCHEREIBER, Anderson. A Proibição do Comportamento Contraditório. Rio de
Janeiro: Renovar. 2005.
Tartuce, Flavio. Manual de Direito Civil, 2. Ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2012
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A supressio e o direito à prestação de contas in Revista
Luso-Brasileira, Ano 1, 2015, nº 02.
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