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Rui Magalhães
Numa altura em que os ventos de mudança no ensino superior deixam antever uma cada
vez mais grave menorização das Humanidades, a comemoração do Dia Internacional da
Filosofia só pode ser aproveitado para chamar a atenção para o papel absolutamente
essencial que as Humanidades em geral, e a filosofia em particular, têm para o
desenvolvimento cultural, mental e espiritual do indivíduo e do cidadão.
O apelo necessário a uma cultura filosófica não se confunde – como tantas vezes se vê –
com nenhuma forma de alternativa entre uma visão científica e uma visão não científica
do mundo. Pelo contrário, a filosofia mantém uma íntima relação com o pensamento
científico, consistindo, frequentemente, numa tentativa de compreender mais
amplamente os seus fundamentos e consequências. Simultaneamente, é necessário
sublinhar que as diversas filosofias surgiram, quase sempre, na esteira das principais
conquistas científicas. Veja-se, nomeadamente, as relações de Platão com a matemática,
de Kant com Newton, de Bergson ou Deleuze com a física contemporânea, para me
cingir, apenas, a clássicos.
Na verdade – talvez com a excepção de Hegel – nunca os filósofos tiveram uma atitude
anti-científica, sendo certo que, muitos deles, se dedicaram, simultaneamente, ao cultivo
da filosofia da ciência. Descartes e Leibniz constituem exemplos suficientes.
Simultâneamente, a filosofia possui, para além da sua vertente mais teórica, uma outra,
eminentemente prática, em que todo o pensamento, seja ele de que natureza for, é
convocado em ordem a uma mais correcta compreensão da existência humana. De
Sócrates e os Estóicos, passando pelo existencialismo, até às mais recentes correntes de
filosofia clínica, do que se trata é de compreender a especificidade da relação do homem
com o mundo e consigo mesmo, visando uma existência mais feliz, em última instância,
o único objectivo com sentido.
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A filosofia mantém, ainda, uma relação extremamente íntima com as artes e a literatura,
possibilitando planos e intensidades distintos e, frequentemente, mais profundos de
perspectivar a experiência artística.
Mais do que uma área específica de conhecimento, a filosofia é, pois, um modo reflectido
e raciocinado de abordar o conhecimento e as múltiplas experiências humanas.
A verdadeira revolução do ensino – cada vez mais urgente – deverá seguir uma
orientação radicalmente oposta àquela que tem seguido, e que é inteiramente
responsável pela degradação contínua a que assistimos, e que conduzirá, seguramente,
a uma total erradicação daquilo a que durante séculos, foi considerado cultura.
Na verdade, a filosofia – com este ou com outro nome qualquer – não é senão aquilo
que permite dar consistência e profundidade à própria existência humana.
Não será despropositado terminar com uma citação do poeta Novalis que nos fornece a
verdadeira dimensão das relações entre o pensamento científico e o pensamento
filosófico: “O que de melhor há nas ciências são os seus ingredientes filosóficos, como a
vida nos corpos orgânicos. Desfilosofizem-se as ciências e o que resta? Terra, ar e água”.
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