Aftersun: materialidade, ausência e o afeto pelas imagens que desaparecem
A ideia de memória e arquivo como parte da constituição da memória cinematográfica
passa por análises que abordam o filme como uma pele (MARKS, 2000). Quando este alude a referências materiais e resíduos da ancestralidade. Ou à repetição do gesto da performance, reconstituindo memórias e ausências, face ao trauma e ao esquecimento (TAYLOR, 2009). Aftersun (2022, Charlotte Wells) engendra a montagem narrativa da imagem cinematográfica como uma pele sensível onde a memória projeta seu resíduo. Com uma montagem que lida com mídias, texturas e sobreposições que recriam uma atmosfera de perda e reencontro com o passado. O tempo fílmico sobreposto surge como um sinestésico potente. Evidente seja na exibição dos segundos da revelação de uma polaroide sobre a mesa - aquela instância que cristaliza dois sorrisos no pedaço de papel. Sejam nos vinte anos que separam a protagonista de um último encontro com seu pai, em um still projetado numa parede, relicário de uma imagem que impede os gestos dele de desaparecerem completamente. As escolhas de direção de Wells nos colocam dentro de um arquivo sensorial, no qual a ausência e o desaparecimento são encenados como uma alegoria da perda. Laura Marks (2000), alude à ideia de reconstituição de um afeto perdido em seu ensaio Amar uma imagem que desaparece, fala sobre como uma fita VHS corrompida resgata a perda de sua amante, de modo lacunar, com seus chiados e dispersões físicas da imagem. Em Aftersun, analisamos como a direção usa a materialidade do filme para uma composição de ausências, encontros e desaparecimentos próprios ao trauma, atravessando de forma afetiva a mise en scène.
for disappearing images The idea of memory and archive as part of the constitution of cinematic memory goes through analyzes that approach the film as a skin (MARKS, 2000). Alluding to material references and residues of ancestry or the repetition of the performance gesture, reconstituting memories and absences, in the face of trauma and oblivion (TAYLOR, 2009). Aftersun (2022, Charlotte Wells) engenders the narrative montage of the cinematic image as a sensitive skin where memory projects its scars. With a montage that deals with media, textures and overlaps that recreate an atmosphere of loss and reunion with the past. The filmic time appears as a powerful synesthetic. Notable in the display of the seconds of the outline of a polaroid picture on the table - that crystallizes two smiles on the piece of paper. And also in the twenty years that separates the protagonist from a last meeting with her father, in a still projected on a wall, a reliquary of an image that prevents his gestures from disappearing, as an allegory of loss. In Aftersun, we analyze how the direction uses the materiality of the film to create a composition of absences, encounters and disappearances typical of trauma, crossing the mise en scène in an affective way.Keywords: archive, performance, Aftersun, trauma