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O GRAFISMO COMO REPRESENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

DO SER HUMANO
Daniela Emilena Santiago 1; Angelo Furlan Neto 2, Carla Franciele de Souza Campos3, Maria Julia
Rodrigues Batista4, Patricia Tomoko Tardio Matuzaki 5, Thais Soares Freitas Negrão6

1
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Docente dos cursos de Psicologia e Pedagogia.
santiago.dani@yahoo.com.br
2
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Discente do curso de Psicologia.
neto423@hotmail.com
3
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Discente do curso de Psicologia.
carlafranciele.campos@gmail.com
4
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Discente do curso de Psicologia.
majurodrigues290399@outlook.com
5
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Discente do curso de Psicologia. mttzpaty@gmail.com
6
Universidade Paulista (UNIP). Assis, São Paulo, Brasil. Discente do curso de Psicologia.
thais_sfn@hotmail.com

RESUMO

Este estudo, de natureza teórico-prática, foi desenvolvido com o objetivo de promover uma
reflexão a respeito do desenvolvimento do ser humano. Para a construção metodológica,
solicitamos a uma criança e uma adolescente, em contextos específicos, a realização de
desenhos livres, a fim de analisarmos o grafismo expressado em tais. A análise dos desenhos
foi estruturada com base no pensamento de autores como Luquet, Lowenfeld e Piaget.
Concluímos que os desenhos retratam estágios de desenvolvimento do ser humano e também
são representativos da fase de desenvolvimento de sua inteligência.

Palavras-chave: Grafismo, Desenvolvimento Infantil, Inteligência Infantil.

Área de conhecimento a qual pertence o artigo: Humanas.

ABSTRACT

This study, of a theoretical-practical nature, was developed with the objective of promoting a
reflection on the development of the human being. For the methodological construction, we
asked a child and an adolescent, in specific contexts, to make free drawings, in order to
analyze the graphics expressed in such. The analysis of the drawings was structured based on
the thinking of authors such as Luquet, Lowenfeld and Piaget. We conclude that the drawings
portray human development stages and are also representative of the stage of development of
their intelligence.

1
Keywords: Graphics, Child Development, Child Intelligence.

1 INTRODUÇÃO

A partir do grafismo, as crianças começam a se comunicar de forma mais objetiva,


expressando seus sentimentos, desejos, medos, entre outros aspectos. Sendo assim, vários
estudiosos se dedicaram a compreender o grafismo a fim de analisar como se configura esse
processo de expressão infantil, e dentre eles podemos citar Luquet e Lowenfeld. Ancorado no
pensamento destes autores, tem-se as colocações de Piaget, o qual associou a análise do
grafismo ao desenvolvimento infantil, e, assim, ao desenvolvimento da inteligência da
criança.
A incursão por tais assuntos partiu de nossa incitação à disciplina Psicologia
Construtivista, oferecida pelo curso de Psicologia da UNIP, motivando, portanto, a realizar
um trabalho de pesquisa de campo, sob orientação de um docente responsável. Por meio desta
atividade prática, buscamos analisar e refletir sobre o desenvolvimento infantil juntamente ao
desenvolvimento da inteligência da criança. A construção do trabalho ocorreu por meio da
solicitação de desenhos livres para uma criança e uma adolescente. Os desenhos, apresentados
nesse artigo, tiveram os dados de identificação dos participantes da pesquisa suprimidos.
Após a coleta dos desenhos, os mesmos foram analisados recorrendo aos contributos
de Luquet e Lowenfeld. Desse modo, foi possível identificar em qual fase de representação do
grafismo os indivíduos se encontram. Em relação ao pensamento Piagetiano, este foi
necessário e primordial para que pudéssemos relacionar a expressão gráfica infantil ao
desenvolvimento da criança e ao de sua inteligência.
Consideramos que o presente estudo seja interessante para todos que tenham seu
trabalho direcionado à infância, seja por meio de intervenção profissional ou através de
estudos e pesquisas. Da mesma maneira, apresenta-se igualmente relevante para os trabalhos
que transitem por conceitos ligados ao grafismo, ao desenvolvimento da criança e também à
questão da inteligência infantil. Em vista disso, é possível compreender a importância e
necessidade dos estudos que possibilitam a junção entre teoria e prática, uma vez que sejam
abordados os aspectos sobre a infância, a fim de ampliar os conhecimentos científicos nesta
área.

2
A organização do texto foi estruturada da seguinte forma: inicialmente, apresentam-se
informações sobre os teóricos Piaget, Luquet e Lowenfeld. E, na sequência, realiza-se a
análise dos desenhos apresentados pelas crianças.

2 OBJETIVOS

Realizar uma análise do grafismo, com base em Piaget, Luquet e Lowenfeld, tendo
como meta compreender e discutir aspectos do desenvolvimento do ser humano.

3 MATERIAL E MÉTODOS

Solicitamos para que uma criança e um adolescente realizassem desenhos livres, ou


seja, não foi requerido a eles a realização de desenhos específicos. Após o desenho elaborado
pelos participantes da pesquisa os mesmos foram escaneados a fim de que pudéssemos
apresentá-los no formato de texto. A atividade transcorreu antes da epidemia e foi realizada
sob supervisão docente. O desenho foi analisado usando como aporte a perspectiva de Piaget
sobre o desenvolvimento infantil e do desenvolvimento inteligência e com base nos autores
Luquet e Lowenfeld no que concerne ao desenvolvimento do grafismo.
Para a compreensão do conteúdo abordado da melhor maneira possível neste artigo
optamos por apresentar os desenhos e, na sequência, a análise adotada com base nos autores
de referência. Por meio desse construto foi possível elaborar uma fundamentação a respeito
do desenvolvimento do ser humano, desenvolvimento da inteligência e também sobre a
expressão gráfica do ser humano representada por meio de desenhos.

4 DESENVOLVIMENTO

4.1 Piaget, Luquet e Lowenfeld: o que os autores têm a nos dizer sobre
desenvolvimento infantil e sobre grafismo?

Rappaport (1981) nos coloca que Piaget1 contribuiu em grande escala para o estudo do
desenvolvimento cognitivo da criança, visto que reconhece as suas mais variadas fases e

1
Jean William Fritz Piaget (1896 - 1980) foi biólogo, psicólogo e filósofo suíço, dedicou sua vida a estudar o
desenvolvimento e inteligência infantil. Sua contribuição acadêmica foi reconhecida mundialmente, rompendo
com a forma tradicional de ensino e, assim, servindo de base para estudos e pesquisas até os dias atuais.
3
estágios; possibilitando, assim, a constatação de comportamentos específicos e peculiares
presentes em tais processos. Estas fases também são representativas da inteligência
vivenciada pela criança.
O primeiro estágio do desenvolvimento de Jean Piaget, denominado sensório motor, se
inicia ao nascimento e percorre até os dois anos de idade, tendo como símbolo o início da
inteligência em sua forma prática, além dos sentidos e de suas habilidades motoras.
A linguagem se expressa na forma de choros, gritos, sons e das primeiras palavras do
indivíduo. O corpo da criança se move para objetos, como brinquedos e tecidos, e é desta
maneira que a criança consegue compreender o meio, pelos órgãos do sentido. Além disso,
outro fator marcante nesta fase descrita pelo autor é o pensamento prático, aquilo que some do
campo de visão da criança, ou seja, ela acredita que deixou de existir; por exemplo, na
ausência da mãe, pai ou cuidador, muitas vezes a criança chora copiosamente.
O segundo estágio do desenvolvimento de Jean se intitula pré-operatório, o qual
ocorre em torno dos dois aos sete anos de idade e é marcado pela linguagem, semiótica,
simbolismo e egocentrismo.
Pela linguagem, a criança desenvolverá constantemente sua forma oral e sua
capacidade de se comunicar verbalmente e, com isso, estará atrelada à linguagem da
semiótica, tornando-a capaz de representar o meio internamente e o mundo para si só, por
meio de símbolos.
Neste mesmo estágio, há a ausência de entendimento da lógica e a falta de
compreensão das consequências das próprias ações, e pelo caráter egocêntrico da fase, a
criança ainda não terá interação com as outras, ou seja, tenderá a brincar individualmente.
Já o terceiro estágio de desenvolvimento é denominado operatório concreto, que se
desenvolve em torno dos sete aos doze anos de idade. Neste período, observa-se o
desenvolvimento da lógica, da reversibilidade, do concreto e dos conceitos do mundo, além
de ocorrer o desenvolvimento cognitivo, no qual a criança pensa logicamente em eventos
concretos, tais como a matemática, embora ainda não lide com conceitos hipotéticos e
abstrações.
Neste caso, o egocentrismo não é mais um caráter central, e há a socialização em
grupos, de modo que ocorra também uma percepção acerca do papel de liderança, por
exemplo. Ademais, a linguagem já está bem desenvolvida, apesar da não compreensão de
pontos de vista diferentes dos seus.

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O último estágio descrito pelo autor, estágio operatório formal, é quando se inicia o
pensamento lógico dedutivo, isto é, a relação de conceitos e a elaboração de hipóteses lógicas.
A partir dos doze anos de idade, o pensamento se desenvolve em conceitos abstratos e, neste
mesmo pensamento, existe a maturação da inteligência e a linguagem plenamente
desenvolvida, portanto, a consciência está expandida sobre as operações e o meio em que se
vive.
Já Luquet2, apresentou seus estudos orientados à reflexão sobre as fases ou estágios do
desenvolvimento do grafismo. Para ele, a expressão gráfica da criança é estruturada em fases,
nas quais a mesma amplia suas habilidades ao longo de seu desenvolvimento, evoluindo o
traçado de simples rabiscos e desenhos mais elaborados. As quatro fases são: realismo
fortuito, realismo fracassado, realismo intelectual e realismo visual.
O realismo fortuito é a fase inicial da criação gráfica, cujo ponto essencial é o prazer
que a criança tem ao desenhar. Luquet destaca que a criança imita os adultos, ou seja, ao
vê-los escrevendo, elas recriam a mesma ação, e a repetição desta ação é por prazer ao fazê-la.
Ao longo deste percurso, ela percebe que está criando símbolos, relacionando o desenho a
alguns objetos e, desta forma, a criança começa a desenvolver os seguintes processos:
intenção, execução, interpretação e intenção. Nesta fase, desenvolve-se o desenho simples –
que antes era realizado por puro prazer – ao desenho que se assemelha à realidade, por isso
surge a necessidade de dar nomes aos desenhos (PILLOTTO, SILVA, MOGNOL, 2004).
O realismo fracassado, por outro lado, ocorre por volta dos três aos quatro anos de
idade. Nesta fase, a criança faz a relação com a vivência adulta e a transcreve. O nome
Fracassado se dá ao fato de que a criança passa por duas etapas que a impossibilita de
transmitir com clareza seus pensamentos, sendo elas: o obstáculo físico e motor, que atrapalha
na execução do desenho; e o obstáculo psíquico, que se dá ao fato da descontinuidade da
atenção ou incapacidade sintética, que se apresenta quando a criança consegue discernir os
detalhes, mas não consegue executar. Para Luquet, é neste estágio que se encontram os
fracassos e os sucessos da ação de desenhar da criança, que tenta reproduzir formas e curvas,
as quais estão sendo adquiridas durante o processo de aprendizagem.
Pilloto; Silva; Mognol (2004) nos colocam ainda que Luquet destaca o realismo
intelectual que possuímos durante essa fase, que tem início por volta dos quatro anos de idade
e percorre até os dez/doze anos, aproximadamente. Ao contrário do estágio anterior, neste a

2
George Henri Luquet (1876 - 1965) foi filósofo francês, pioneiro na observação e estudo de desenhos infantis.
Apresentando sua tese de que a criança desenha conforme a sua realidade, criou os quatro estágios do realismo:
fortuito, falhado, intelectual e visual.
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criança consegue alcançar um desenho mais realista, transmitindo no grafismo tudo o que já
possui internalizado pelas suas vivências, indo além do concreto. Para o autor, os erros são
essenciais para o desenvolvimento da aproximação com a realidade, enfatizando que é a partir
das falhas que elas conseguem se aproximar do real desejado. Neste período, há o que se
denomina de rebatimento: a planificação, na qual a criança “achata” o desenho para que seja
possível ver todas as partes por igual; a transparência, que pode ser observada em um desenho
que há uma mulher grávida e dentro de sua barriga esteja desenhado um bebê, além das
mudanças de ponto de vista.
Por fim, temos a fase denominada realismo visual, a qual ocorre por volta dos doze
anos de idade e é marcada pelo início das perspectivas e obediência a algumas leis; um
período em que se deixa de utilizar algumas ferramentas, que até então eram necessárias.
Também passa a opacidade de paredes, deixando assim, a transparência, além das mudanças
de ponto de vista que começam a se coordenar, criando portanto uma lógica maior aos
desenhos. Luquet (1969) ainda sinaliza que as etapas não são rígidas, isto é, podem se
prolongar entre uma e outra, dependendo do meio em que a criança está inserida e quais são
as possibilidades que ela tem ao seu dispor para atravessar tais estágios.
Com algumas similaridades ao pensamento de Luquet, temos os contributos de
Lowenfeld3. Lowenfeld também compreendia que a expressão gráfica da criança é
representada em fases ou estágios de desenvolvimento. Estas fases são evolutivas à medida
que a criança vai adquirindo, ao longo do seu desenvolvimento, habilidades que a permitam
dominar melhor o traçado. Para o autor, há as seguintes fases de desenvolvimento: rabiscação
desordenada ou garatuja, figuração pré-esquemática, figuração esquemática e figuração
realista (LOWENFELD, 1976).
A primeira fase, rabiscação desordenada ou garatuja, para Lowenfeld (1976), é a que
tem início por volta dos dois anos de idade. A criança faz rabiscos aleatórios, sem a intenção
de desenhar ou escrever, ou seja, ela faz movimentos instintivos, que são dados à necessidade
motora, por isso são rabiscos longitudinais. Com o passar do tempo, surgem círculos,
quadrados e formas mais precisas, mas sem proporção, podendo se sobressair umas sobre as
outras. É durante este período que a criança mostra e desenvolve sua imaginação e
criatividade: desenhando pessoas, objetos, coisas que se imagina e vivencia; dando nome ao
que desenha. Portanto, é possível notar com maior clareza o que se pretende transmitir, uma
vez que as crianças conseguem reconhecer e compreender para o que servem seus desenhos.

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Viktor Lowenfeld (1903 - 1960), austríaco, foi professor de artes, influenciou vários educadores e desenvolveu a teoria
dos estágios do desenvolvimento do grafismo infantil.
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A fase subsequente, nomeada como figuração pré-esquemática, ocorre por volta dos
quatro aos sete anos de idade. Neste momento, a criança já faz a assimilação de desenho,
pensamento e realidade. Com o uso de formas variadas como traçados, formas ovais ou
círculos, elas são capazes de desenvolver desenhos sobre pessoas, utilizando destas formas
para criarem os braços, pernas e cabeça. Então, ocorre uma distinção das figuras, entretanto
ainda não há uma noção de tamanho, por isso os desenhos tendem a parecer exagerados e com
omissão de certos detalhes. Apesar disso, a fabulação e a narração estão sempre presentes,
enriquecendo, assim, a simbologia da gravura. Para Lowenfeld, a repetição de certas formas
faz com que ocorra um aperfeiçoamento no desenvolvimento infantil.
Já a pintura ainda pertence à fase anterior, pois é feita em forma de rabiscos
desordenados e as cores são escolhidas por um viés emocional – e não por pertencerem a
objetos concretos –, uma vez que a criança escolhe as cores que lhe agradam e lhe dão um
caráter afetivo.
Na sequência, segundo Lowenfeld (1976), temos a fase denominada figuração
esquemática. Esta fase se manifesta dos sete aos nove anos de idade, quando se começa a
desenhar com formas mais definidas, tendo maior noção de espaço e lugar, ou seja, seguindo
uma ordem mais correta. Ademais, carrega em maior escala o contexto sociocultural, o qual
permite desenhar casas, animais, pessoas e objetos que estão diretamente ligados às suas
vivências e ao meio em que se insere.
Também, nesta etapa, a criança começa a fazer uma linha horizontal, atribuindo o
significado de chão, onde desenhará o que quiser. A criança não se preocupa em desenhar
com fidelidade os objetos que a cercam em seu cotidiano, uma vez que utiliza seus símbolos e
detalhes, afinal, para ela, se trata de uma representação simbólica-esquemática. Outro marco
são as figuras geométricas e a superposição com transparência, que possibilita ver os objetos
dentro de casas, carros, entre outros. Ao passo que essa etapa vai se concretizando, nota-se
que o desenvolvimento da criança se encontra bem visível, dado que ela começa a assimilar as
cores com os devidos objetos. Portanto, o que antes era apenas expressão de sua imaginação,
agora tem um significado mais afetivo.
Lowenfeld (1976) nomeia a última etapa pelo termo figuração realista. Esta fase final
ocorre por volta dos nove a doze anos de idade, na qual a criança tende a ser mais detalhista à
medida que desenha tudo o que se vê. Cria-se também uma visão mais autocrítica, podendo
ocultar o que antes era livre, como forma de restringir seus significados defronte aos adultos.
Além disto, para o autor, esta é a idade em que as crianças começam a perceber que os

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trabalhos podem ser feitos de forma coletiva, pois é aumentada a percepção de sociedade e
trabalhos em conjunto. Por fim, gera-se a noção de proporção e tamanho – compreendendo
que o que se encontra atrás (em segundo plano) está menor, e o que se encontra a frente (em
primeiro plano) está maior –, do uso de sombras para distinguir dia e noite, e a diferenciação
de gêneros sexuais.

4.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO


4.2.1 A expressão gráfica da criança: desenhos como representação da
inteligência e do desenvolvimento infantil

Na sequência, apresentamos os desenhos realizados pelas crianças e a análise a eles


vinculada. Como indicado no início do texto, solicitamos que a criança e a adolescente
realizassem um desenho a mão livre, sem tema definido. Os desenhos foram escaneados pelos
autores do texto e inseridos no presente artigo. A atividade foi desenvolvida em uma escola
pública do município de Assis – São Paulo, onde a direção da unidade de ensino indicou os
alunos para participarem da pesquisa. O desenho abaixo é de uma criança com 7 (sete) anos
de idade.

Figura 1 – Desenho de L.

Fonte: Os autores, 2020.

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Ao analisá-lo, é possível perceber que a criança elaborou um desenho com flores, uma
árvore, um chão estilizado pelo traçado verde, e nuvens. Segundo a teoria de Piaget (1976),
notamos que este desenho foi realizado por uma criança que está no período operatório, que
se inicia aos sete anos e percorre até os doze anos de idade, aproximadamente. A teoria
também afirma que a criança, nesta fase, passa a ter ações interiorizadas, isto é, passa a
conhecer o que é real e pensar sobre ele, além de passar a descobrir a relação dos objetos com
as cores e, então, associá-los. Como confirmação deste pensamento do autor, observa-se no
desenho que o traçado de base da criança vai ganhando forma e, consequentemente, acaba por
representar a árvore, as flores, o gramado, as nuvens e a chuva, e todos os itens com suas
respectivas cores. Isto se realiza por meio da interiorização da realidade que permite que a
criança reproduza as imagens no papel.
Se recorrermos ao pensamento de Luquet (1969), podemos inferir que o desenho
acima analisado contém: árvore, flores, nuvens e chuva, portanto, encontra-se na fase do
realismo intelectual, no qual o desenho da criança é sobre o que ela sabe, e não mais sobre o
que ela vê. Sendo assim, ela compreende que o processo da formação da chuva provém das
nuvens e tem como característica o plano deitado, além da transparência como representação
desta chuva a partir das nuvens. Também é visto como um estágio de avanço, pois nele as
crianças alcançam o desenho realista por meio de erros e imperfeições, os quais são essenciais
para o desenvolvimento e aproximação com a realidade.
Seguindo a teoria de Lowenfeld (1976), é viável constatarmos que L. (Figura 1) está
entre a figuração pré-esquemática e a figuração esquemática, de quatro a sete anos de idade, e
sete e nove anos de idade, respectivamente. Podemos notar que a criança utiliza de rabiscos
desordenados em sua pintura, empregando cores reais em alguns aspectos, como na árvore,
que promove a constatação do desenvolvimento infantil. Isto é, o que antes era marcado por
cores mais afetivas para a criança, começa a ter uma conotação real de cor do objeto (por
exemplo, as nuvens acinzentadas devido à chuva). Por último, é perceptível a transição entre
as fases pré-esquemática e figuração esquemática, quando há rabiscos desordenados como
forma de pintura juntamente a cores condizentes com os objetos desenhados, respectivamente.
Já o segundo desenho, de A.G. aos 15 (quinze) anos de idade, apresenta-se abaixo.

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Figura 2 – Desenho de A.G.

Fonte: Os autores, 2020.

Observando esse desenho pode-se dizer que ele foi realizado por um adolescente. Esse
adolescente vivencia o estágio operatório-formal, e, possui no mínimo doze anos de idade, tal
como postula a conceituação de Piaget (1976). Para o autor, é nesta fase que o adolescente
passa a diferenciar o que é real do que é possível, portanto desenvolve um senso crítico e uma
autocrítica, juntamente ao entendimento e utilização de metáforas. Com isso, ao analisarmos o
desenho acima, notamos um nível maior de detalhamento nos traços e de representação de
gênero, além da presença de um aspecto metafórico. Tais pontos estão evidenciados dentre as
características da fase operatório formal, também descrita por Piaget.
Já segundo Luquet (1969), o desenho contempla a última etapa, o realismo visual, que
em contrapartida ao anterior, a criança desenha o que vê e não mais o que sabe. Também é
descrita como fase em que a espontaneidade é perdida e, assim, a figuração se adequada ao
real – este que significa reprodução de desenhos feitos por adultos como ilustrações e
representações. Conseguimos identificar tal fato no desenho quando relacionamos o mesmo a
outro produzido por um adulto, e a um processo de reprodução de personagens presente em
filmes, livros e mídias. O autor ainda descreve a fase como fim do desenho infantil, pois a
partir disto, ocorre um empobrecimento e enxugamento do grafismo.
Para Lowenfeld (1976), a partir dos nove anos de idade, a criança passa a ser mais
detalhista, uma vez que começa a notar e fazer diversas formas e aspectos nos desenhos.

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Cria-se a proporção de tamanho e distância assim como o uso de sombras, pois os desenhos
tomam formas mais reais com características mais realistas de mundo – mesmo que com
desenhos de conto de fadas ou personagens de filmes –, afinal, a forma como é passada para o
papel representa uma visão mais autocrítica e elaborada. Ademais, também é possível notar o
uso de sombras, visto que há mais detalhes expressos do que em outras fases.
Sendo assim, ao analisar os dois desenhos, podemos concluir que as diferenças entre
os mesmos nos levam a constatar, por meio das características representadas, os estágios em
que cada um se encontra. O primeiro faz jus ao que Piaget chama de período operatório;
Luquet, de realismo intelectual; e Lowenfeld, transição entre a figuração pré-esquemática e a
figuração esquemática. Estes estágios são constituídos com as mesmas características
simplistas – cheios de traçados desordenados, com a intenção de expressar o real que é
passível de observação –, ou seja, contemplam as mesmas faixas etárias apresentadas pelos
autores. Já o segundo, condiz com o estágio operatório-formal de Piaget; o realismo visual de
Luquet; e o pseudo-naturalismo de Lowenfeld, isto é, o desenho apresenta detalhes mais
definidos e um traçado mais elaborado, possibilitando-nos identificar a personificação e o
gênero de cada elemento, respectivamente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste estudo, tornou-se possível identificar que a criança expressa sua
percepção de mundo e seu desenvolvimento por meio de desenhos e brincadeiras, visto que
utiliza estas ações como modo de comunicação e como forma de deixar sua marca.
Observa-se também que tal processo se mostra necessário desde o início de nossa espécie,
podendo exemplificá-lo pelos desenhos rupestres. Sendo assim, somos capazes de detectar os
sentimentos da criança, o contexto relacional e social em que ela está inserida, isto é, sua
singularidade, por meio da análise do desenho. Considera-se que nesse texto também
tornou-se possível, uma vez mais, firmar o quão relevantes são essas expressões infantis,
desde que sejam analisadas sob um viés teórico consistente.
O início de um desenho acontece no momento em que a criança consegue transcrever
o que está observando, através de detalhes, de cores, da relação dos objetos e situações, e,
assim, passa para o papel, criando uma obra particular e subjetiva. Com isso, apresentam-se
alterações no desenho, tornando-o cada vez mais aprimorado à medida que a capacidade de
interiorização da criança vai se desenvolvendo. Portanto, é plausível a ideia de que o desenho
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é uma representação da inteligência infantil, dado que demonstra a capacidade do ser humano
de desenvolver operações abstratas cada vez mais complexas.
Piaget, Luquet e Lowenfeld possuem algo em comum: ressaltam a importância de
percebermos a criança como um ser pensante e sensível, o qual se constrói a partir de sua
vivência e percepção do mundo a sua volta, para que assim possamos oferecer a elas um
ambiente propício ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, os autores indicam que o
desenvolvimento infantil somente consegue ser ampliado à medida que é estimulado. O
estímulo, por sua vez, também é importante para que a criança consiga aprimorar
gradualmente o seu traçado, resultando assim em desenhos cada vez mais verossímeis de
como ela representa o real.
Por fim, desejamos destacar que estudos como esse são mostram-se fundamentais para
validar a junção entre teoria e prática, que tem como intuito estimular a reflexão e análise,
neste caso, dos desenhos propostos, usando como aporte a fundamentação teórica discutida
em sala de aula. E, mediante essa junção, obteve-se como resultado a criticidade que foi basal
para a análise respaldada e consciente dos fenômenos, tais quais envolvem o desenvolvimento
do ser humano na sociedade contemporânea. Somente o estudo teórico crítico e bem
estruturado é que permitiu-se analisar os desenhos elaborados e discutidos no presente texto.

6 REFERÊNCIAS

CAVICCHIA, D. de C. O Desenvolvimento da Criança nos Primeiros Anos de Vida.


Univesp. Unesp. São Paulo - SP. Disponível em:
<https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/224/1/01d11t01.pdf> Acesso em 01
mai. 2020.

LOWENFELD, V. A criança e sua arte. São Paulo: Mestre Jou, 1976.

LUQUET, G.H. O desenho infantil. Barcelona, Porto Civilização, 1969.

PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

PILLOTTO, S. S. D.; SILVA, M. K.; MOGNOL, L. T. Grafismo infantil: linguagem do


desenho. In: Revista Linhas. Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC,
Florianópolis/SC, v. 5, n. 2, 2004. Formato do arquivo: PDF/Adobe
Acrobat:< http://revistas.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1219/1033>.Acesso em: 01
mai. 2020.

RAPPAPORT, C. R. Teorias do Desenvolvimento. Vol. 1. São Paulo: EPU, 1981.

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