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Mariela Castro
Fevereiro de 2013
Opera Mundi: Qual era a situação das minorias sexuais em 1959, após o triunfo da
Revolução em Cuba?
Mariela Castro Espín: No início dos anos 1960, a sociedade cubana era o reflexo de sua
herança cultural, principalmente espanhola. Cuba tinha uma cultura “homoerótica”,
patriarcal e, portanto, homofóbica. Naquela época, o mundo inteiro era patriarcal e
homofóbico, tanto os países desenvolvidos como as nações do Terceiro Mundo. Em
todas as culturas ocidentais baseadas na religião católica dominante essas
características estavam estabelecidas nos códigos culturais da relação homem/mulher.
MCE: A homofobia era a regra. O que se considerava anormal era o respeito a quem
havia escolhido uma orientação sexual diferente. Mas, repito, não era algo específico de
Cuba. A homofobia institucionalizada dos primeiros anos da Revolução refletia essa
realidade e estava em consonância com a cultura da época. Zombar dos homossexuais
era algo normal, assim como depreciá-los ou denegri-los. Era normal discriminá-los no
mercado de trabalho, em sua vida profissional, e esse era o aspecto mais grave.
OM: Entre 1965 e 1968, o Estado Cubano elaborou as Unidades Militares de Ajuda
à Produção, as Umap, às quais os homossexuais foram integrados à força. Você
poderia falar sobre esse obscuro episódio?
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MCE: Primeiro, convém precisar que as Umap afetavam todos os homens em idade de
entrar no serviço militar, não só os homossexuais. Alguns, inclusive, falaram de campos
de concentração para homossexuais. Não creio que seja necessário exagerar, é preciso
ser fiel à verdade histórica. As Umap afetaram a todo, menos aos que podiam justificar [a
não integração] com um emprego estável. Os estudantes tinham que colocar entre
parênteses a carreira universitária para fazer o serviço militar.
MCE: Como todos deveriam participar na defesa do país, grupos marginais, como os
hippies, por exemplo, e os filhos da burguesia que haviam se acostumado com uma vida
de ócio e não trabalhavam, pois tinham recursos, tiveram que se integrar às Umap.
Grupos que não se sentiam comprometidos com o processo de transformação social
iniciado em 1959 e preferiam um papel de observador tinham que se integrar e trabalhar
nas fábricas ou na agricultura.
O exército criou então as Umap para apoiar os processos de produção. Mas a realidade
foi outra. O Ministério do Interior tinha a tarefa de identificar esses grupos e integrá-los à
força, pois o serviço era obrigatório.
Essas pessoas não tinham uma boa imagem na sociedade cubana, que os rechaçava
por sua falta de comprometimento na construção da nova nação revolucionária, e os
considerava parasitas.
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terrível cada vez que isso acontecia e me esforçava para fazer tudo o que os demais
faziam, rechaçando todo tipo de privilégio ou de favoritismo. Nunca suportei esse
qualificativo, que era muito depreciativo.
MCE: Convém recordar que o procedimento era arbitrário e discriminatório. Houve vozes
na sociedade cubana que se opuseram a essas medidas, entre elas a Federação de
Mulheres Cubanas, assim como muitas personalidades. As denúncias que algumas
mães fizeram desataram esse movimento contra as Umap.
Não resta a menor dúvida de que o processo de criação e de funcionamento das Umap
foi arbitrário. Por isso, essas unidades foram fechadas definitivamente três anos depois.
Mas, repito, a situação dos homossexuais no resto do mundo era similar, às vezes pior.
Isso, evidentemente, não justifica em nada as discriminações das quais os
homossexuais foram vítimas em Cuba.
MCE: Fidel Castro é como o Quixote. Sempre assumiu suas responsabilidades como
líder do processo revolucionário. Em razão de seu cargo, considera que deve assumir a
responsabilidade de tudo o que ocorreu em Cuba, tanto os aspectos positivos como os
negativos. É uma posição muito honesta de sua parte, ainda que me pareça não ser
justo, pois não deve assumir sozinho todos esses excessos, o que não aproxima da
verdade histórica. Era uma época na qual emergia uma nova sociedade com a criação
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de novas instituições, em meio a agressões, traições, ameaças contra sua vida. Fidel foi
vítima de mais de 600 tentativas de assassinato. Não podia cuidar de tudo e, portanto,
delegava muitas tarefas.
MCE: Fidel Castro não desempenhou um papel nesta criação. Na realidade, o único
vínculo dele com as Umap foi quando decidiu fechá-las, após numerosos protestos da
sociedade civil, e a investigação levada a cabo a pela polícia das Forças Armadas, que
concluiu que muitos abusos foram cometidos. A partir dessa data, decidiu-se não incluir
os homossexuais no serviço militar para evitar discriminações em uma força marcada
pela homofobia, não apenas em Cuba, mas no resto do mundo. Também se poderá
argumentar que se tratava de uma nova discriminação em relação a eles, mas sua
incorporação às forças armadas foi tão nefasta por conta dos preconceitos, que resultou
nessa decisão.
MCE: Falei muitas vezes sobre esse tema com meu pai e ele me explicou que era
extremamente difícil eliminar os preconceitos sem uma política de educação. Por outro
lado, o universo militar continua sendo muito machista em Cuba. Lamentavelmente, é
notório que, em nossas sociedades, rechaçamos tudo o que se mostra diferente. Imagine
então no contexto dos anos 1960. A esse respeito, o Cenesex lançou um programa de
pesquisa sobre as Umap e estamos recolhendo os testemunhos das pessoas que
sofreram com essa política.
MCE: O ostracismo do qual foram vítimas os homossexuais neste período foi muito pior
que o sofrido nas Umap e teve um impacto terrível na vida pessoal e profissional dos
homossexuais. No Congresso Nacional de “Educação e Cultura”, em 1971, foram
estabelecidos parâmetros exclusivos contra pessoas com orientação sexual distinta do
que se considerava a regra.
Apesar de poderem encontrar emprego em outros setores, não podiam integrar esses
dois campos e, por conseguinte, eram discriminados. Foi uma experiência muito dura
para eles. Imagine o caso de uma pessoa que desejava ser professor, por vocação, mas
seu acesso a esse mundo era proibido por conta do sectarismo, da intolerância de
alguns dirigentes e burocratas.
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Proibir um estudante de ser médico ou outra coisa em razão de sua orientação sexual é
inaceitável para quem acredita nos valores de liberdade e justiça. Isso durou muitos
anos. Eles eram lembrados sistematicamente de sua condição de minoria sexual. Alguns
vivenciaram essa situação melhor que outros, mas muitos sofreram ostracismo e
discriminação.
MCE: Até 1976, data em que foi criado o Ministério da Cultura. Com a adoção da nova
Constituição naquele ano, essa resolução que separava homossexuais dos mundos da
educação e da cultura foi declarada inconstitucional e eliminada. Foi então adotada outra
política em nível educacional e cultural.
OM: Como?
MCE: Assim era a situação em um dado momento. Imagine a situação terrível para a
pessoa em questão, que não apenas descobre a infidelidade da esposa, mas também se
encontra excluído do partido precisamente por esse motivo, ao mesmo tempo em que é
vítima da situação. Para permanecer como membro, era preciso mostrar caráter viril e se
divorciar da mulher. Caso contrário, era excluído das fileiras do partido.
MCE: É claro que não, pois vivíamos em uma sociedade machista na qual as faltas dos
homens eram consideradas normais. A boa esposa devia suportar as infidelidades do
marido, mas este não podia aceitar semelhante reciprocidade. O homem recuperava a
dignidade deixando sua mulher infiel. Se ele adotava o comportamento que se
considerava válido para a mulher, ou seja, perdoar a infidelidade pontual, perdia toda a
consideração. Tais eram os critérios da época. Era completamente absurdo!
MCE: Essa política foi eliminada no fim dos anos 1970, pois era verdadeiramente injusta.
Lembro que ingressei na universidade em 1979, no Instituto Pedagógico, e ouvi falar de
um de meus professores, vítima dessa situação. Haviam acabado de excluí-lo do partido
porque sua mulher foi infiel.
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que chamaram de “aprofundamento da consciência revolucionária” ou alguma coisa
assim, algo ridículo. Eram organizadas reuniões intermináveis e inúteis para analisar o
caráter exemplar dos militantes da Juventude Comunista (UJC). Que perda de tempo era
aquilo! Se escutávamos música norte-americana, nos renegavam. Se usávamos
camiseta com a bandeira dos EUA, também. Você não pode imaginar o nível de absurdo
a que essas reuniões chegavam.
MCE: Desde cedo me opus a isso, mas imediatamente os extremistas da UJC, que não
concebiam o “perdão” como algo construtivo, me taxavam de homossexual. Como se
alguém tivesse que ser absolvido por escutar os Beatles! Eu não podia me opor de modo
mais virulento porque corria o risco de que esses mesmo sectários me excluíssem da
UJC. Imagine então o tratamento reservado aos homossexuais.
Então era preciso observar a situação e avaliar minha margem de manobra. Todos os
casos de disciplina passavam pelo Comitê da UJC, à qual eu pertencia. Queriam excluir
da UJC vários homossexuais e lésbicas por sua orientação sexual. Durante uma reunião
desse Comitê, no fim de 1979, eu me lembro de ter feito uma oposição muito vigorosa a
isso. Não podia suportar tais injustiças. Levantei a mão e fui uma das poucas vezes que
utilizei a figura do meu pai, Comandante da Revolução, Ministro das Forças Armadas,
irmão de Fidel Castro, o líder da Revolução. E, além disso, contei uma mentira!
MCE: Lembro-me de ter dito o seguinte: “Está sendo cometido um grave erro. Perguntei
a meu pai se era justo e me respondeu que não, que havia um problema de má
interpretação, que não se podia excluir uma pessoa da UJC por sua orientação sexual e
que era preciso deixá-los em paz”. Também acrescentei: “Além disso, durante a luta
contra a ditadura de Fulgencio Batista, na Sierra Maestra, havia homossexuais entre os
rebeldes do Movimento 26 de Julho”. Na verdade, eu não tinha a menor ideia. Inclusive
me atrevi a afirmar, com muita convicção, o seguinte: “Atualmente, há homossexuais na
Direção da Revolução”. Também neste caso, eu não sabia absolutamente nada a
respeito.
OM: Tudo isso era uma mentira e seu pai nunca havia disso aquilo?
MCE: Ninguém se atreveu a se opor ao que se pensava ser a vontade do meu pai.
Assim, o único lugar em que os homossexuais puderam escapar das medidas
discriminatórias foi o Instituto Pedagógico.
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MCE: Disse a ele naquele mesmo dia, ao voltar para casa. Expliquei tudo para meu pai e
para minha mãe, Vilma Espín, que naquela época era Presidenta da Federação de
Mulheres Cubanas. Pensei que meu pai fosse me repreender fortemente não apenas por
usar seu nome e seu cargo, mas também por mentir.
MCE: Ele me parabenizou e disse que eu havia feito o que era certo ao me opor ao que
ele também considerava arbitrário e injusto. Lembro que ele disse algo como: Que
estupidez! Confesso que fiquei atônita, pois realmente pensava que passaria por um
momento pouco agradável. Mas não foi o caso. Ao contrário, recebi parabéns.
OM: Então você conseguiu impor seu ponto de vista no Comitê disciplinar da UJC.
MCE: Sim, mas não foi fácil, pois tive que usar a figura do meu pai. O dirigente da UJC
do Instituto era um homofóbico obstinado. Era o mais virulento de todos os membros do
Comitê, queria sancionar todo mundo. Tentei explicar para ele que a ideologia não tinha
nada a ver com a sexualidade, mas ele não queria saber de nada.
Mais tarde, descobri que era bissexual, que havia tido uma aventura com uma pessoa
que logo emigrou para o Canadá. Era um homofóbico refoulé [reprimido]. Nessa mesma
época, ocorreu o êxodo de Mariel e muitos desses extremistas, que pediam sanções
exemplares contra homossexuais e lésbicas, que pretendiam ser mais revolucionários
que os revolucionários, que pensavam que eram o anti-imperialismo personificado e
abandonaram o país rumo aos EUA. Lênin tinha razão quando afirmava que, por trás de
cada extremista, havia um oportunista. Os homossexuais e as lésbicas a quem queriam
sancionar, a quem consideravam contrarrevolucionários, ficaram em Cuba, apesar das
dificuldades e do sectarismo contra eles. Os dogmáticos e sectários foram os primeiros a
abandonar o barco quando lhes foi apresentada a possibilidade. Veja a contradição.
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Era difícil abordar a homossexualidade naquela época. Tratava-se da problemática em
alguns cursos, pois a Associação Americana de Psiquiatria, muito adiantada em relação
ao seu tempo, deixou de considerar a homossexualidade uma doença em 1974.
MCE: A partir de meados dos anos 1970, o Cenesex começou a publicar obras de
autores da Alemanha Oriental, país que também estava adiantado nesta questão, com o
objetivo de lutar contra o preconceito e a discriminação.
Mas essa realidade não era conveniente para muita gente. Tanto que, na segunda
edição do livro, o capítulo sobre a homossexualidade foi eliminado. Minha mãe foi
tomada por uma fúria terrível e garantiu que o editor passasse, sem dúvidas, pelo pior
momento de sua vida. Ele suprimiu o capítulo de maneira arbitrária sem consulta prévia.
Como homofóbico, não suportava a ideia de que a homossexualidade pudesse ser
considerada algo natural no ser humano, e mais, por um pesquisador da Alemanha
Oriental, comunista como nós. Minha mãe, que tinha lutado para conseguir o
financiamento necessário para a publicação do livro, viu sua obra sabotada pelo
sectarismo e pela homofobia de um indivíduo, com um dado poder, incapaz de aceitar a
ideia de que os homossexuais pudessem se beneficiar dos mesmos direitos que ele.
MCE: Fortes. No início dos anos 1980, quando solicitamos ao Ministério da Educação
que o assunto fosse debatido nas escolas e universidades, a possibilidade foi negada de
maneira categórica. No máximo, aceitaram trabalhar em um programa de educação
sexual aprovado em 1996 graças à nossa perseverança. Estabelecemos um programa
para todos os níveis, do pré-escolar ao pré-universitário. A partir desse documento, o
ministério elaborou seu próprio programa.
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MCE: Atualmente, graças justamente às iniciativas do Cenesex, as coisas estão
mudando de modo positivo. Somos considerados uma instituição terciária de saúde e
somos responsáveis pelos assuntos de sexualidade e por assessorar o mundo político.
Agora os políticos levam mais em conta os direitos dos homossexuais e das pessoas
transexuais.
Partimos do raciocínio de que não fazer nada para os homossexuais era em si um ato
político. Era imprescindível colocar um fim nisso. Então, nos propusemos a elaborar uma
política explícita de atenção aos homossexuais e uma política de luta contra as
discriminações de quais fossem vítimas.
MCE: Devemos reconhecer que houve mudanças positivas desde a criação das
Jornadas contra a Homofobia, que acontecem no dia 17 de maio desde 2007, com a
proposta de um militante francês que se chama Louis-George Tin. Ele também está
envolvido na luta contra o racismo e todo tipo de discriminação. Propôs que o dia 17 de
maio fosse o Dia Mundial contra a homofobia, pois nesta data, em 1990, a Organização
Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade um transtorno mental,
cerca de 20 anos depois da Associação Americana de Psiquiatria.
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MCE: De fato. Ele sempre se mostrou receptivo a este problema. Implementamos essa
excelente ideia. Era algo inesperado que um ministro da envergadura de Prieto, muito
apreciado entre os intelectuais e artistas, desse uma sugestão assim. Recebemos o
apoio da União Nacional de Escritores e Artistas cubanos, a Uneac, e de outros
organismos.
MCE: Primeiro houve Cara oculta a la luna (A cara oculta diante da lua), que trouxe o
assunto e provocou debate. Agora, há várias telenovelas que abordam a diversidade
sexual, de modo muito mais aberto e de excelente qualidade. Dignificam a figura do
homossexual e lhe dão a palavra. As primeiras séries que trataram do tema eram de
qualidade bastante medíocre. Agora, estão muito bem feitas.
MCE: Sim, efetivamente, mas não tem sido fácil. Lutamos para ter acesso à mídia
nacional. Temos uma revista de sexologia, que sai três vezes por ano e distribuímos para
as bibliotecas. Tem uma tiragem de oito mil exemplares. Uns dois mil são para o
Ministério da Educação, e nós difundimos seis mil. Enviamos a ministros, dirigentes do
partido e deputados da Assembleia Nacional, para sensibilizá-los. Temos tido muito
sucesso, os últimos dados estão em nosso site. O Fundo de População das Nações
Unidas financia a impressão. Nossos colaboradores são voluntários e não recebem
compensação financeira por suas reflexões. Médicos e pesquisadores usam com
frequência nossa revista como fonte.
MCE: Sim, e é um motivo de satisfação, ainda que sejamos conscientes de que há muito
trabalho a fazer. Notamos uma mudança desde a celebração da primeira Jornada contra
a Homofobia. As críticas e comentários são muito menos virulentos e os preconceitos
desaparecem pouco a pouco, mas ainda não conseguimos eliminá-los totalmente. A
população inclusive se apropria de uma linguagem científica específica para esta
problemática e analisa o assunto sob uma perspectiva diferente.
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MCE: De fato, criamos um Conselho Jurídico para defender vítimas de atentados contra
direitos fundamentais devido à orientação sexual. Oferecemos nosso apoio e as
acompanhamos seus trâmites jurídicos. Como não dispomos de uma sede jurídica em
cada província, informamos diretamente os juízes municipais, provinciais e do Tribunal
Supremo, para que se encarreguem deste tipo de assunto.
MCE: Os casos mais frequentes que chegam a nossos serviços são discriminação no
mundo profissional, com violações do direito trabalhista. Alguns veem sua carreira
estancada pelo comportamento homofóbico de seus superiores na hierarquia. Também
há famílias rejeitam alguns de seus membros por conta de sua orientação sexual.
Também há discriminação em relação aos transexuais por parte da polícia. É um caso
interessante, pois temos podido avaliar nossa eficácia a esse respeito. Havia muita
perseguição por parte das forças de ordem, com controles sistemáticos.
MCE: Não houve violência física porque a polícia não se atreveria a chegar a esse
ponto, mas tinha uma perseguição constante e prisões arbitrárias. De fato, durante uma
discussão muitas vezes acalorada, a polícia usava o “desacato” como pretexto e levava
a pessoa para a delegacia por algumas horas.
Em 2004, começamos a trabalhar com foco nesse tipo de discriminação depois de uma
reunião com um grupo de travestis. Juntos, elaboramos uma estratégia global para
melhorar a imagem dessa comunidade. Trabalhamos com prevenção da Aids e os
formamos como militantes dos direitos sexuais. Apresentamos o projeto ao PC, que
facilitou o diálogo com a polícia, que agora é muito mais respeitosa.
MCE: Nem sempre. O problema é que somos iguais perante a lei, mas não diante dos
juízes. Tivemos um caso em que a vítima teve que enfrentar um juiz cristão, que aplicou
sua homofobia religiosa, e foi condenada.
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OM: E com a imprensa?
MCE: Muito menos que antes. Agora, fica difícil assumir sua homofobia porque esta é
uma atitude considerada reacionária e, portanto, contrarrevolucionária. A homofobia não
é uma questão de geração, mas sim de mentalidade e de cultura. O diálogo e a reflexão
são fundamentais para lutar contra a homofobia.
MCE: A situação das pessoas transexuais é difícil não apenas em Cuba, mas no resto
do mundo. É preciso aceitar como uma realidade a identidade de gênero que não é
feminina nem masculina, como é o caso da transexualidade. Convém aceitar a ideia de
que existem pessoas que podem mudar de identidade de gênero, que estão em conflito
com sua identidade de gênero, e que podem dispor dos mesmos direitos que todos. Não
deve ser um motivo para privá-las de seus direitos e discriminá-las.
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Também propusemos trabalhar sobre uma linguagem de gênero com o Partido
Comunista, pois cabe a ele situar-se na vanguarda da sociedade e apresentar as ideias
mais avançadas e mais emancipadoras. É o que esperamos e exigimos como militantes
deste. À medida que o partido desenvolver essa política, o Estado terá que seguir e
tomar as medidas necessárias, adotando leis.
OM: Quantas pessoas foram beneficiadas pela lei que permite que transexuais
mudem de sexo, com um financiamento total da operação pelo seguro social?
Como se desenvolve esse processo?
MCE: Se minha memória não falha, foram realizadas 15 operações de mudança de sexo
em Cuba. A primeira em 1988, ou seja, há mais de um quarto de século. Logo, a partir
de 2007, o Ministério da Saúde voltou a implementar esse procedimento. Existe uma
Comissão Nacional de Atenção Integral a transexuais desde 1970. Recebemos cerca de
200 petições desde essa data e a cifra vai aumentar à medida que os meios de
comunicação nacionais divulgarem a existência desse serviço.
OM: Existe uma verdadeira política de luta contra todo tipo de discriminação em
Cuba?
OM: Uma palavra sobre a prostituição em Cuba. O auge do turismo desde os anos
1990 está na origem de um fenômeno que quase havia desaparecido da sociedade
cubana. Qual é a situação hoje em dia?
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recursos tem a possibilidade de adquirir certo número de coisas, incluindo o sexo, e ele é
humilhante para a pessoa que é vítima. A compra de um serviço sexual é degradante
para a condição humana, pois é uma subordinação do outro, um rebaixamento do
próximo. É uma forma de escravidão desprovida de qualquer componente democrático
na relação sexual. Transforma o ser humano em mercadoria e, por conseguinte, o priva
de seus direitos. A prostituição se baseia no sistema de exploração patriarcal e classista.
Raciocino a partir do princípio de que toda pessoa é livre para usar seu corpo. No
entanto, falei com muitas prostitutas em todo o mundo e é possível assegurar que
nenhuma delas realiza essa atividade por prazer, mas por necessidade. Não há uma
escolha na prostituição, mas uma imposição, seja de uma pessoa ou da sociedade. Por
isso, sou contra a prostituição e não desejo que essa atividade seja reconhecida como
um trabalho como as demais. Os Estados devem garantir aos cidadãos opções de
trabalho que lhes permitam alcançar a dignidade plena e duradoura, como disse nosso
herói nacional José Martí.
MCE: Sou muito favorável e acho que as medidas adotadas pela Suécia deveriam ser
generalizadas para o mundo todo. É o cliente que está na origem da demanda e faz com
que se explorem outros seres humanos e os convertam em mercadorias. É ele que
estabelece o abuso de poder com sua capacidade financeira.
Agora, é verdade que a crise dos anos 1990, o “Período Especial”, ocasionou um
ressurgimento desse fenômeno social, com novas características, já que a prostituição é
vinculada ao turismo internacional, com a presença de clientes que pagam para obter
serviços sexuais. Creio que as políticas atuais destinadas lutar contra esse fenômeno
não são suficientes. Seria preciso realizar um trabalho qualitativo muito mais profundo
para dispor das ferramentas e das pistas necessárias para fazer frente à problemática da
prostituição. É necessário penalizar o cliente, já que essa política demonstrou sua
eficiência na Suécia.
OM: Em que fase se encontra o projeto de lei destinado a permitir a união dos
casais homossexuais?
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MCE: Os especialistas do Ministério da Justiça e da União Nacional de Juristas de Cuba
analisaram o projeto de lei destinado a modificar o Código da Família. Ele será logo
debatido no Parlamento. Espero que nossos deputados adotem uma política de não
discriminação no que se refere à orientação sexual e à identidade de gênero e
contribuam de fato para por fim aos preconceitos na sociedade. O Parlamento tem o
dever de reconhecer e proteger os direitos de todos os nossos cidadãos.
A sociedade cubana está pronta para aceitar o casamento homossexual. Cabe a nossos
políticos colocarem-se à altura do povo. Em Caibarién, no centro da ilha, José Agustín
Hernández, apelidado de Adela, é um enfermeiro transexual de 48 anos e foi eleito
delegado da Assembleia Municipal. É a primeira vez na história do país e isso demonstra
que nosso povo está pronto. Mas você poderia citar muitos países nos quais foram
eleitas pessoas transexuais? Por acaso, há pessoas assim na França, Estados Unidos
ou Brasil? Não temos certeza disso.
MCE: O papel de minha mãe foi fundamental. Ela sempre rechaçou todas as formas de
injustiça. Desde cedo, ela se opôs às Umap e ao Quinquênio Cinza. Era uma mulher do
futuro. Quando o Código da Família foi elaborado em meados dos anos 1970, foi
proposto que se definisse o casamento como a “união de duas pessoas”. Não se queria
especificar o sexo, já que se tinha em mente a problemática do casamento homossexual
e que os direitos conquistados com o Triunfo da Revolução Cubana em 1950 deveriam
ser os mesmos para todos, sem distinção alguma de raça, gênero, classe ou orientação
sexual.
MCE: Meu pai não compartilhava da homofobia que reinava naquela época, já que
minha mãe o sensibilizou sobre essa realidade. Cresceu em uma sociedade patriarcal e
homofóbica, mas conseguiu se liberar de seus preconceitos graças à ela. Mas não é isso
o que ocorre à sua volta, onde lamentavelmente há muitas pessoas homofóbicas. Mas
não perdemos a esperança.
OM: Alguns se espantam pelo fato de uma mulher heterossexual como você,
casada, com filhos, defender o direito à diversidade sexual.
MCE: Por acaso é preciso fazer parte de uma minoria ética para combater o racismo?
Por acaso é preciso ser uma mulher para defender as mulheres? Por acaso é preciso ser
deficiente para defender os direitos dos deficientes? Por acaso é preciso ser um
trabalhador para defender os direitos da classe trabalhadora? Por acaso é preciso ser
um trabalhador rural para defender os direitos dos sem terra? José Martí era um grande
intelectual e sempre defendeu a causa do povo. Marx também. A luta pela igualdade e
contra todas as injustiças é um dever universal que deve implicar a todos os cidadãos.
Nota:
Mariela Castro é filha do atual presidente de Cuba, Raul Castro. Licenciada em
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Psicologia e Pedagogia, com mestrado em sexualidade, Mariela tornou sua a causa dos
homossexuais, bissexuais, lésbicas e transexuais e possibilitou que essas comunidades
saíssem da marginalidade na qual fora colocada pela sociedade, como diretora do
Centro de Educação Sexual (Cenesex), cuja atuação tem sido coroada com êxitos.
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