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NO BENIN
1 INTRODUÇÃO
Falar ainda hoje sobre políticas agrícolas, apoio, orientação ou proteção dos
agricultores no continente africano pode parecer provocativo. No entanto, em muitos
países do continente, principalmente os países da África subsaariana como o Benin,
ainda não existem políticas agrícolas estatais de longo prazo realmente efetivas. Foram
desmantelados ao longo dos anos, todo o sistema de apoio agrícola: os fundos de
estabilização (conselhos de comercialização), que deveriam garantir os preços das safras
de exportação, assim como os raros sistemas de equalização de preços do arroz foram
apagados; as subvenções aos insumos (adubos, pesticidas e inseticidas) desapareceram
quase completamente em todos os lugares; as distribuições gratuitas de sementes
melhoradas para os agricultores também desapareceram; as empresas de
desenvolvimento regional foram liquidadas ou privatizadas, mesmo que ainda fossem
rentáveis; as empresas que gerenciam os recursos hídricos se apressaram em "transferir"
para grupos de agricultores a responsabilidade pela manutenção dos mesmos; etc.
(ALAIN, 2006).
O que resta atualmente das políticas agrícolas nacionais adotadas logo depois as
independências nos países, dos sistemas de financiamentos agrícolas, dos serviços de
formação, de extensão rural e de pesquisa agrícola? Quais são as capacidades
regulatórias dos Ministérios de agricultura e pecuária na gestão e organização fundiária
ou no trânsito de rebanhos nos países, sem falar dos preços dos alimentos ou das
reservas alimentares de segurança? O "desarmamento aduaneiro" não permitiu
principalmente ao trigo americano e europeu, às aves com hormônios congeladas e às
carnes de baixo custo competir com o sorgo 1 do Sahel, os “poulets bicyclette”2
"galinhas bicicletas" ou a carne de zebu criada localmente?
Será que essa medida de choque teve o efeito de impulsionar a produção familiar
e tornar mais competitivos os pequenos produtores que ainda constituem a maioria dos
60% dos agricultores africanos? Se houve uma certa retomada do mercado alimentar
urbano com as desvalorizações (notadamente do franco CFA), as culturas de exportação
africanas ainda têm dificuldades em encontrar compradores no mercado mundial. O
cacau, o café, o chá e o algodão africanos perdem participação de mercado para países
ocidentais e raramente conseguem remunerar os milhões de pequenos produtores que
trabalham com suas famílias (ALAIN, 2006).
1
O sorgo é tradicionalmente produzido perto de pontos de água permanentes (leitos dos rios
Senegal, Níger, etc.). Na África, vem em 3º lugar depois do milho e do arroz. No Sahel, ocupa o primeiro
lugar com milheto. Essas duas culturas juntas ocupam de 50 a 70% das áreas cultiváveis. O seu sucesso
está ligado à sua utilização na alimentação básica das populações do Sahel. Ao contrário de países
desenvolvidos como os Estados Unidos, onde é utilizado principalmente na alimentação animal, o sorgo é
geralmente consumido na forma de grão integral ou transformado em farinha para fazer mingaus, cuscuz,
pães e bebidas alcoólicas (não vínicas), etc. (CHANTEREAU ET AL, 2013).
2
“Poulets bicyclette” é uma expressão em francês popular na África subsaariana para se referir
as galinhas criadas tradicionalmente, sem hormônios, não congeladas e não importadas.
áreas rurais e obtêm sua pequena renda principalmente da agricultura. (BANQUE
MONDIALE, 2019).
Assim, desde 1990, uma nova constituição foi promulgada, tornando o Benin,
um país unitário com um sistema presidencialista (o Presidente da República é eleito
por sufrágio universal direto por um período de cinco anos, renovável uma vez) 4. O
Presidente é chefe de Estado e chefe de governo. O poder executivo está nas mãos do
governo, o poder legislativo é compartilhado entre o governo e o parlamento. O
judiciário é independente dos dois primeiros. A organização do país é descentralizada.
A cidade de Cotonou é a capital econômica, Porto-Novo a capital administrativa e
Abomey a capital histórica (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO BENIN, 1990).
Geograficamente, o país faz parte dos países da África Negra, conhecida como
"África subsaariana". Está localizado precisamente na África Ocidental. Com uma área
3
A palavra Vodoun designa o que é misterioso para todos, independentemente da hora e do
local, portanto, o que é divino (MAUPOIL, 1943, p. 54).
4
Artigo 42º da Lei nº 90-32, de 11 de dezembro de 1990, que estabelece a Constituição
da República de Benin.
de 114.763 km2 e uma população de cerca de 13 milhões de habitantes em 2021 (49,9%
são mulheres), compartilha uma fronteira com o Togo a oeste, com a Nigéria a leste,
com Burkina Faso e Níger ao norte. Ao Sul, tem 121 quilômetros de costa ao longo do
Golfo da Guiné (INSAE, 2022). O território beninense é dividido em 12 departamentos
e 77 municípios. As principais disposições relativas à organização territorial são
estabelecidas pela lei 97-028, de 15 de janeiro de 1999, relativa à “organização da
administração territorial da República de Benin” (BENIN, 2020).
Desse modo, dada sua importância estratégica para o país, o setor agrícola é
marcado por diversos sistemas de apoio à agricultura ao longo do tempo. É importante
mencionar que, se durante o período colonial a intervenção no setor era da exclusiva
responsabilidade da metrópole para satisfazer os seus interesses em matérias-primas, a
partir da independência em 1960, a intervenção no setor passou a ser responsabilidade
de vários atores. São o próprio Estado, parceiros bilaterais e multilaterais, doadores,
organizações de ajuda internacional, organizações regionais e sub-regionais 5, ONG
(GLIN, 2014).
5
A sub-região é a divisão da uma região que agrupa países vizinhos com características
geográficas, culturais, econômicas e políticas comuns. Exemplo: a sub-região da África Ocidental é uma
divisão da região da África Ocidental que agrupa países vizinhos com características geográficas,
culturais, econômicas e políticas comuns como: Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim,
Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e
Togo. Essa região compartilha características geográficas, culturais, econômicas e políticas comuns.
No nível regional, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO) desenvolveu políticas agrícolas para promover o desenvolvimento da
agricultura na sub-região. O Benin, como membro da CEDEAO, adotou essas políticas
e as integrou em seu próprio plano de desenvolvimento agrícola (ECOWAP, 2020). Por
fim, a nível sub-regional, a Conferência dos Ministros da Agricultura da África
Ocidental e Central (CMA-AOC) elaborou estratégias para desenvolver a agricultura na
sub-região. O Benin participou também dessas discussões e adotou algumas dessas
estratégias para seu próprio desenvolvimento agrícola (BENIN, 2019b).
“Se os anos 1960 foram marcados por uma grande esperança de ver o início
de um processo irreversível de desenvolvimento em todo o chamado Terceiro
Mundo e particularmente na África, nosso tempo é o da desilusão. O
desenvolvimento está parado, sua teoria em crise, sua ideologia em dúvida. O
acordo para constatar a falência do desenvolvimento na África é,
infelizmente, geral. A desilusão não é apenas dos povos do Terceiro Mundo,
mas também de seus amigos, especialistas e militantes que, com sinceridade
e convicção, acreditaram em uma revolução tranquila da sociedade mundial”
Assim, exceto a África do Sul, a ajuda pública ainda não está ajudando os países,
principalmente da África subsaariana a passar da ajuda, ao contrário, ela tornou os
países cada vez mais dependentes dos doadores até as simples ONG. Como
consequência, apesar das diferentes mudanças ao longo do tempo, as políticas agrícolas
pareçam ainda, de acordo com Papa Nouhine (2008): uma sinfonia inacabada. Os países
ainda não conseguiram ter uma verdadeira política agrícola de Estado, vista como um
conjunto coerente de visões e objetivos que tem base constitucional e adoptados a longo
prazo. As políticas públicas são caraterizadas pela uma fragmentação (descontínua) das
políticas públicas, com muitos programas governamentais não alinhados entre si. As
intervenções dos governos no setor agrícola têm sido muitas vezes baseadas em
declarações de boas intenções, na vontade dos doadores e em estratégias e ações
desconexas e díspares.
6
On retrouve ce motif dans la plupart de ses interventions devant des bailleurs de fonds, avec la
justification suivante : « 852 millions de femme, d’hommes et d’enfants se couchent le soir en ayant faim.
95% de ces personnes vivent dans les pays en développement, la plupart en zone rurales, et sont
dépendant de l’agriculture pour leur survie » (allocution de Jacques Diouf au Dansk Landbrugspresse
Copenhagen, 6 June 2005 (traduire et adapter)
No entanto, mais de 60 anos depois da independência, a agricultura do país
continua ser principalmente uma agricultura de subsistência e quase exclusivamente de
sequeiro; uma agricultura de corte e queima extensiva e itinerante, com forte
predominância de culturas de algodão, uma cultura de exportação associada as culturas
de alimentos como milho, mandioca, arroz, sorgo, legumes, feijão, frutas, etc (BENIN,
2022). A grande maioria dos agricultores são pequenos proprietários, cuja produção se
destina a atender às necessidades das suas famílias e as vezes dos mercados locais
(BENIN, 2022). Segundo o relatório do PNA-Benin (2022), 85% dos agricultores
possuem menos de cinco hectares, e o tamanho da maioria das superfícies cultivadas é
de um a dois hectares (BENIN, 2022). O setor é caracterizado ainda por uso de
ferramentas tradicionais. A mão de obra continua a ser quase exclusivamente familiar.
A força de trabalho é apenas parcialmente valorizada (BANQUE MONDIALE, 2020).
Entre o século XVI e o século XIX, as sociedades ocidentais passaram por uma
série de transformações que deram origem a uma nova forma: o Estado. O surgimento
do Estado leva à transição das sociedades territorializadas para as sociedades
setorizadas, onde as funções sociais se especializam. Assim, segundo Muller (2009), a
origem das políticas públicas remonta a essa transição das sociedades territorializadas
para as sociedades setorizadas.
A) Nos países onde o fenômeno é mais precoce (na Europa, são a França e a
Inglaterra), é antes de tudo para lutar contra os efeitos do mercado que as
primeiras políticas serão implementadas. Karl Polanyi (2009) destaca os
efeitos de "deslocamento" que a expansão do mercado e a industrialização
têm sobre a sociedade. É por isso que as primeiras políticas públicas
visavam, prioritariamente, a gestão da questão social. Como demonstrado
por Robert Castel (1999), essa noção não tem verdadeiramente sentido em
uma sociedade territorial, porque o problema dos pobres e das classes
marginalizadas está "encastrado" em relações de proximidade. É tratado
localmente através da caridade ou da assistência. No entanto, com o
surgimento do salariado, desenvolvem-se novas formas de solidariedade que
resultarão, a longo prazo, no que chamamos de Estado de Bem-Estar
(GOSTA, 2007, 2008). O "social" então se desenvolve como setor específico
sujeito a políticas específicas. Outras políticas surgirão na mesma época,
dependendo da situação específica de cada país, como por exemplo a política
agrícola na França (MULLER, 2013).
No entanto, para Lemieux (2002, p. 1-2): "uma política pública não é entendida
da mesma maneira conforme se é um ator governamental e um pesquisador
universitário". Enquanto os atores governamentais tentam circunscrever claramente as
ações que afirmam ser políticas públicas, alguns pesquisadores (Dye,1978 e Secchi,
2016), as definem como “tudo o que o Estado decide fazer ou não fazer”. De acordo
com esses pesquisadores, uma política pública evidencia claramente a responsabilidade
do governo, que deve intervir como ator central no desenvolvimento de políticas
públicas.
Políticas públicas são decisões que envolvem questões de ordem pública com
abrangência ampla e que visam à satisfação do interesse de uma coletividade.
Podem também ser compreendidas como estratégias de atuação pública,
estruturadas por meio de um processo decisório composto de variáveis
complexas que impactam na realidade. São de responsabilidade da autoridade
formal legalmente constituída para promovê-las, mas tal encargo vem sendo
cada vez mais compartilhado com a sociedade civil por meio do
desenvolvimento de variados mecanismos de participação no processo
decisório.
Desta forma, as políticas públicas não são respostas naturais ou evidentes para
um problema, uma demanda simples ou apenas para uma eleição: são o resultado de
atividades complexas, um "fenômeno social e político" que deve ser estudado como tal
(THOENIG, 2004).
Por sua vez, Lemieux (2002) define, a partir de uma perspectiva sistêmica, uma
política pública como “composta de atividades voltadas para a solução de problemas
públicos num ambiente, e isso, por atores cujas relações são estruturadas, o todo
evoluindo no tempo” (Lemieux, 2002, p. 5). O interesse desta definição reside no seu
enriquecimento em comparação com as definições de Dye (1978) e Jenkins (1978). Os
problemas são, assim, concebidos como estímulos aos quais um grupo de atores busca
responder, e as políticas públicas representam o meio de responder a eles (LEMIEUX,
2002 P. 5).
Outras autoras como Rua e Romanini (2013), diferenciam uma política pública
da ação política ou decisão política. Para elas, uma política pública envolve mais do que
uma decisão isolada e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para
implementar as decisões tomadas. Já, a decisão política, corresponde a uma escolha
entre várias alternativas. Assim sendo, embora uma política pública implique decisão
política, nem toda decisão política chega a constituir uma política pública.
É num universo cuja origem não se conhece, mas cujos fulgores mais antigos
vindos até a nossa era fazem pensar que está em expansão há 15 bilhões de anos, é
também em um sistema solar e em uma terra constituídos há 4,6 bilhões de anos que a
vida começou a se desenvolver, em mais ou menos 3,5 milhões de anos. Desde então, a
evolução produziu centenas de milhares de espécies vivas, das quais muitas
desapareceram no curso do tempo. Em primeiro lugar, os vegetais dos quais se
conhece mais de 500.000 espécies e os animais dos quais foram identificados,
aproximadamente, um milhão de espécies que vivem ainda hoje (MAZOYER;
ROUDART, 1933).
“como uma linha de ação pública dos governos voltada principalmente, mas
não exclusivamente, para os problemas agrícolas, para os problemas das
comunidades rurais, para os problemas de consumo de alimentos e para os
problemas agroindustriais”.
Para tanto, esses autores apontaram que uma política agrícola deve fazer parte de
uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, concebido como uma parceria global
para o desenvolvimento economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente
saudável não só para o presente, mas também para o futuro (ADÉGBOLA et al 2005).
Deste ponto de vista, uma política agrícola visa contribuir de forma sustentável para a
satisfação das necessidades alimentares da população, para o desenvolvimento
económico e social; e para a redução da pobreza. Em outras palavras, uma política
agrícola visa promover "o crescimento econômico, a distribuição equitativa da renda
entre os atores que de uma forma ou de outra participaram do processo produtivo, a
melhoria da segurança alimentar, a preservação do meio ambiente e dos recursos
naturais, etc.” (KONE, 2017).
Pode se dizer nesse contexto que, se as políticas públicas agrícolas podem ser
percebidas como indicado acima, a análise das políticas públicas, oferece a
possibilidade de compreender as estratégias e orientações dos atores e os efeitos por elas
induzidos neste setor. Ela fornece informações sobre as práticas desenvolvidas, as
decisões tomadas por atores, instituições e administrações públicas diante dos
problemas de desenvolvimento do setor (agrícola no caso desta pesquisa).
No entanto, a análise das políticas públicas por muito tempo ignorou (e muitas
vezes ainda hoje ignora) a dimensão histórica de seu objeto, ou seja, a ação pública.
Para que a análise das políticas públicas se abrisse para abordagens históricas, precisa
aguardar o progressivo questionamento do positivismo dominante e a abertura da
"policy science" para investigações mais teóricas.
Na literatura francesa, foi durante os anos 2000 que as questões relacionadas aos
instrumentos de ação pública (IAP) e à instrumentação da ação pública foram
desenvolvidas (Halpern, Lascoumes, & Le Galès, 2014a; Lascoumes & Le Galès,
2004a; Le Galès, 2011). Estes instrumentos reúnem, de fato, os “meios e técnicas reais
que os governos têm à sua disposição para implementar políticas públicas e entre os
quais devem fazer escolhas para elaborar políticas” (RAMESH; HOWLETT, 2003).
Assim, de acordo com Halpern et al. (2014b, p. 15), um dos interesses dos
questionamentos em termos de instrumentação é de reintegrar a questão das técnicas de
governo e da sua materialidade na discussão das políticas públicas, deslocando o foco
de uma abordagem exclusivamente centrada em atores, ideias e instituições ou jogos de
atores: pois, "a ação pública é um espaço sociopolítico construído tanto por técnicas e
instrumentos quanto por objetivos, conteúdos e projetos de atores" (LASCOUMES; LE
GALÈS, 2004b, p. 12).
Segundo Michael Howlett (1993), essas escolhas são feitas de acordo com os
setores de ação pública, com base em duas variáveis fundamentais: a capacidade de
intervenção do Estado na área e a complexidade do alvo definido (o problema e os
atores envolvidos). Em um trabalho em 2005, Ringeling segue essa abordagem e
identifica três critérios principais para a escolha de instrumentos: adequação ao
contexto, aceitabilidade normativa e grau de viabilidade legal possível. Além disso, há
uma perspectiva alternativa que se concentra na dimensão cognitiva no
desenvolvimento de instrumentos e nos processos de escolha (TREBILCOCK, 2009).
Com base em tudo isso, pode-se dizer que, ao permitir o estudo da trajetória
histórica das políticas setoriais, compreender a reapropriação e renegociação das
questões em jogo, e apreender as discrepâncias entre a formulação e a implementação
das políticas públicas, a abordagem por meio da instrumentação representa, neste
estudo, um foco heurístico que permitirá analisar a (trans)formação estatal em relação à
política agrícola no Benin. Ela abrirá, assim, as caixas-pretas dos processos de
formulação e implementação das políticas públicas, e permitirá renovar a compreensão
das dinâmicas políticas e institucionais do Benin particular e em algumas medidas, das
sociedades e dos Estados africanos nuns contextos de extroversão. Essa reflexão sobre a
interface entre instrumentação da ação pública e formação do Estado também pode
contribuir para os debates atuais sobre a legitimidade da ajuda ao desenvolvimento.
Lasswell foi um dos primeiros autores a propor, no final da década de 1950, uma
análise estruturada do processo político, sugerindo sua decomposição em fases
sucessivas, relacionadas umas às outras de maneira lógica e sequencial. Isso parte da
abordagem sistêmica das políticas públicas de Easton para a construção do modelo
Policy Cycle ou modelo das etapas, propondo que as políticas públicas sejam analisadas
como resultado de um ciclo político que se desenvolve por etapas, buscando assim
“abrir a caixa preta” do sistema político. Assim, o modelo de ciclo político sequencial
permite explorar e estudar o processo de políticas públicas, reduzindo sua
complexidade. Ao dividir esse processo em etapas ou categorias de análise, torna-se
mais fácil compreender o conjunto das políticas públicas (LASSWELL, 1956).
AGENDA
Assim, é uma ação pública dividida em uma sequência de atividades que vão
IMPLEMENT
desde o surgimentoAÇÃO
de um problema até o “término da ação”. Para o autor, o objetivo
deste método é desenvolver um ideal-tipo da ação pública e de seu funcionamento,
construir um quadro estável e suficientemente geral para que possa ser aplicado a
FORMULAÇÃO
qualquer política, estruturar e racionalizar E das políticas públicas. Como
a própria análise
PROCESSO DE DECISÃO
ele mesmo afirmou (Jones, 1970, p. 9), « unravel how the policy process works »
(“desvendar como o processo político funciona”) é o principal objetivo da análise; trata-
se tanto de esclarecer o mistério da ação pública quanto de desenredar seus fios.
Tal abordagem tem sido alvo de muitas críticas: as fases são difíceis de
distinguir na realidade, são por vezes invertidas e têm muitos efeitos de feedback entre
elas. Ela é também criticada por se basear numa metodologia de análise muito restrita, e
por criar uma visão artificial do processo político.
7
A expressão "jogar o bebê fora com a água do banho" é reconhecida como equivalente a "to
throw the baby out with the bath water". Ela significa "rejeitar algo negativo em bloco, sem considerar
seus aspectos positivos".
Sobretudo, podemos fazer um uso mais distanciado da segunda etapa que é a da
agenda, da terceira etapa relativa à formulação e ao processo de tomada de decisão, bem
como da quarta fase relativa à implementação que constituirão, portanto, o cerne da
nossa pesquisa para analisar as políticas agrícolas no Benin. Pois, mais do que
momentos de ação pública, essas fases podem ser abordadas como questões específicas
sobre a condução da ação pública no setor agrícola no país. Evocar uma política pública
na perspectiva da agenda, por exemplo, não é apenas identificar um determinado
momento, é também questionar a ação pública de forma mais transversal a partir das
preocupações, dos sujeitos de atenção, dos poderes públicos (MULLER, 2010).
Em conclusão, pode-se dizer que, apesar das críticas à análise sequencial das
políticas públicas, ela permanece fundamental pelo fato de que essa visão esquemática,
mesmo que não possibilite a explicação completa de uma política pública, ainda assim
permite compreender certas etapas específicas. Nessa pesquisa, essa desconstrução
analítica pode permitir isolar os momentos-chave como a definição da agenda, a
formulação e implementação no processo das políticas agrícolas e focar nas interações
entre os diferentes atores envolvidos.
Contudo, uma das questões que surge cada vez é: essas abordagens podem ser
aplicadas na análise de políticas públicas num contexto não-ocidental, principalmente
africano?
No continente africano, foi somente no início dos anos 1980 que a pesquisa se
concentrou em políticas públicas no campo do desenvolvimento subsaariana (Kübler e
Maillard 2009, p. 10). A partir de então, a pesquisa, nesta área, experimentou um
período inicial dominado por uma aceitação normativa (de Sardan, 2001;
Brinkerhoff 1999; Brinkerhoff et Crosby, 2002) e depois crítica (Escobar, 1952
[1995]; Mosse, 2005; Fergusson, 1994; Murray Li, 2007) das políticas públicas de
desenvolvimento. Porém, a transferência da caixa de ferramentas conceituais e
metodológicas da subdisciplina para situações extra ocidentais, notadamente na África,
é objeto de muitas críticas.
8
A política do estômago é um conceito que designa uma forma de exercer a autoridade com
preocupação exclusiva com a satisfação material de uma minoria. Foi desenvolvida por Jean-François
Bayart no seu livro L'Etat en Afrique : la politique du ventre, Fayard, collection « espace du politique ».
Paris 1994
Mengueleguele, (2002) por sua vez escreveu que nas condições de “crises
institucionais”, “criminalização do Estado” e ausência de debates políticos por meio de
um espaço público pluralista, é difícil pensar na ação pública. “Existem políticas
públicas na África?” questiona mesmo Yves Alexandre CHOUALA (2006), um autor
camaronês. Mengueleguele (2006), um eminente jurista, ex-membro do júri do concurso
de agregação, não hesita em criticar severamente “os africanistas que se aventuram na
análise das políticas públicas, quando não há mais Estado na África, quando o público e
o privado se confundem neste continente e quando os recursos são principalmente
externalizados...”
Na segunda fase da coleta, a fim de obter uma visão mais ampla do problema de
estudo que nos permita ter elementos suficientes para compreender o processo de
elaboração das políticas públicas agrícolas, realizaremos uma pesquisa de campo na
qual entrevistáramos alguns grupos de atores como agricultores, as autoridades (atuais e
passadas) do Ministério da Agricultura e também algumas organizações de ajuda
financeira. Para tanto, será utilizado como instrumento de coleta de dados um roteiro de
entrevista com questões abertas (de opinião) para coletar a opinião desses atores sobre a
história, determinantes momentos da elaboração das políticas e sua implementação,
pontos fortes e fracos das políticas agrícolas no Benin.
Código Informante-chave
A Representante do Ministério da Agricultura (autoridade atual)
B Representante do Ministério da Agricultura (autoridade passada)
C Representante do programa FAO
D Representante do Banco Mundial e FMI
E Representante da Agência Francesa de Desenvolvimento- AFD
F Representante do Programa Alimentar Mundial-PAM
G Representante do Sistema das Nações Unidas (UNS) e Representante
Residente do PNUD no Benin
H Representante de ONG agrícolas
I Representante do Sindicato dos Trabalhadores agrícolas
Os dados serão analisados por meio da análise do conteúdo das respostas dos
questionamentos, de modo a compreender o que está por trás das narrativas, por meio da
obtenção de categorias analíticas. (SILVA; FOSSÁ, 2015). Trata-se do método mais
empregado para tratamento e análise de dados qualitativos (MINAYO, 2000), “muito
utilizado na análise de comunicações nas ciências humanas e sociais" (CAPELLE;
MELO; GONÇALVES, 2003, p. 03). Por fim, os resultados obtidos serão discutidos
com aqueles provenientes de outras pesquisas científicas, de modo a verificar avanços
na área do conhecimento. O quadro que segue descreve cada uma das fases de
operacionalização da pesquisa.
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