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INTELEGERE

Kaley Moreira de Oliveira e

Filipe de Jesus

(PUC)

RESUMO

O presentesquib se propõe a refletir sobre a justificativa de uma regra consagrada pela


gramática normativa, a colocação pronominal que proíbe o início de sentença por
pronomes ditos átonos. Estesquib deseja conduzir o leitor a compreender, não apenas o
porquê desta regra ter a sua justificativa inconsistente, mas, também, analisar de
maneira crítica em que, de fato, se baseia esta proibição. Baseando-se em conceitos
fonéticos trazidos por Thaís Cristófaro,conceitos de ensino da língua propostos por
Costa Val e críticas a sociedade brasileira por Nelson Rodrigues. Todas estas análises e
reflexões visam apenas um objetivo: refletir de que maneira esta regra influenciaquanto
a atuação do revisor de textos.

Palavras-chave: revisor;colocação pronominal; átono; tônico; gramática normativa.

Introdução

O revisor, em seu trabalho, deve estar atento a distinção entre língua escrita e falada,
dentre esta distinção destaca-se à colocação pronominal. De acordo com a gramática
normativa, os pronomes oblíquos átonos (me, te, se, o, os, a, as, lhe, lhes, nos e vos)não
devem iniciar período (Lima, 2010).Contudo, os falantes não aplicam esta regra em sua
fala, apesar da justificativa da regra ser baseada na oralidade, como prova-se pelos
termos átono e tônico. Tal determinação gramatical se baseia no português lusitano e,
para eles, faz sentido, porque tal regra manifesta-se na realidade oral de seu idioma, os
pronomes ditos átonos, de fato, são átonos.

Todavia, no português do Brasil, diferentemente de Portugal, os pronomes que são


classificados como desvozeados, na verdade, são vozeados. Ou seja, a justificativa da
regra não se aplica ao contexto da língua portuguesa. Portanto, a norma não é
transparente e perceptível, o que conduz muitos autores a descumpri-la e exige que o
revisor se atente.

A palavra inteligência é proveniente do latim,intelegere, que significa notar a realidade.


Assim sendo, como os falantes aplicarão uma regra de natureza oral na escrita sendo
que esta regra não se justifica ou se revela por meio da realidade de sua língua oral em
seu uso diário?! Essa dificuldade que os escritores possuem com a colocação
pronominal não é proveniente da falta de inteligir, mas da ausência deste real, que, na
verdade, é um ideal em equiparar duas línguas distintas.

O renomado poeta e escritor Oswald de Andrade já colocava em pauta esta discussão


em um de seus poemas no século XX, como nota-se abaixo:

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

De acordo com a gramática normativa, “me dá um cigarro” estaria incorreto, porque a


frase é iniciada por pronome “átono”. Contudo, apenas professores e alunos no contexto
estritamente acadêmico-escolar aplicam esta regra e, acrescenta-se, os revisores, como
demostra Andrade: “Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do
mulato sabido”. Tendo em vista este poema, nota-se que o brasileiro não faz o uso da
regra em seu cotidiano. Caso usasse, soaria pedante e, certamente, causaria
estranhamento.
Os conceitos definidos por Taís Cristófano demonstram que, em termos básicos, a vogal
é o núcleo da sílaba, recebendo o acento primário (tônico), ou secundário (átono). As
sílabas não acentuadas (átonas), são aquelas produzidas com um jato de ar mais fraco
em comparação as sílabas tônicas (ou acentuadas), por sua vez, são produzidas por um
jato de ar mais forte. As sílabas tônicas referem-se aquelas pronunciadas de maneira
mais alta, no sentido de falar alto. Algo que é uma expressão da natureza da fala, uma
condição de caráter oral. Em termos pragmáticos, definimos os conceitos acerca de
pronomes átonos e tônicos, de tal modo que, pronomes átonos são aqueles pronunciados
com menos intensidade (me, nos, te, vos, os, as, se, lhe), sendo, no caso dos pronomes
me, te, nos, vos e se - empregados como objeto direto ou objeto indireto. Os pronomes
tônicos são aqueles pronunciados com mais intensidade. Como mim, nós, ti, vós, ele (s),
ela (s), si. Destaca-se, que são sempre acompanhados de preposições.

Segundo o escritor pernambucano Nelson Rodrigues, na revista Manchete Esportiva, em


1958, o brasileiro possui uma síndrome de vira-lata que a o faz se colocar,
voluntariamente, como inferior as outras etnias. Diante disso, a todo momento o
brasileiro despreza os artefatos próprios de sua cultura e busca, a todo custo, o modo de
viver, falar e produzir europeu. Isto prova-se por meio da regra de colocação
pronominal que nada tem a ver com a realidade brasileira, mas portuguesa. Assim, de
acordo com Rodrigues, tal regra só pode ser oriunda da síndrome de vira-lata.

Percebe-se, então, que o revisor tem de lidar em seu ofício com regras ilógicas,
injustificáveis. Segundo Costa Val, autora do livro “Gramática do Texto, no Texto”, o
docente quando se propõe a ensinar uma regra gramatical para um aluno deve partir do
real para o abstrato, da prática para o conceito. Pois, a regra só existe em função da
realidade. Diante disso, nota-se que o revisor atua com uma regra que não se estabelece
no real, ou seja, na oralidade, mas, apenas, no abstrato, que é a realidade idiomática de
outra nação, Portugal, o que dificulta o seu ofício. Como observa-se no excerto abaixo:

O que estou propondo, portanto, é o abandono da metodologia


que leva a expor um conceito teórico ou uma regra, ilustrar com
alguns exemplos, propor exercícios de fixação e avaliar numa prova
sua memorização. Minha proposta é a inversão desse caminho
tradicional – teoria–exemplo–exercício –, de modo que o trabalho
comece da prática para chegar à teoria, vá do concreto para o
abstrato, parta do que é conhecido pelo aluno para depois lhe
apresentar desafio do desconhecido. (Val, 2002, p. 119)

Ademais, Costa Val afirma que por meio da observação e trabalho com o sistema
linguístico é possível chegar à conclusão de regras gramaticais sem que estas sejam
ensinadas. Mas, a regra de colocação pronominal que proíbe o início da sentença por
pronomes classificados erroneamente como átonos não se materializa na oralidade. O
revisor tem que aplicar uma regra que possui uma justificativa falaciosa em seu
trabalho. Ao revisor não é possível partir da realidade para se chegar à regra, porque a
regra não se manifesta na realidade. Logo, esta regra é ininteligível, segundo o conceito
de inteligência do latim apresentado anteriormente. E, infelizmente, o revisor tem que
aplica-la.

criar oportunidades inteligentes de observação e análise


de fatos lingüísticos, através das quais os próprios estudantes vão
inferir as regularidades do sistema e formular uma descrição teórica
adequada, pode-se chegar aos conceitos e regras consagrados pela
gramática tradicional. (Val, 202, p. 127)

Este squib não propõe que a regra seja revista porque os falantes, por falta de
escolaridade, competência ou instrução, não sabem aplicá-la na escrita. Aqui não há
uma tentativa de nivelar por baixo, e por baixo se refere a mediocridade e não classe
social. Tampouco se propõe à utopia de fundir fala e escrita. Todavia, se propõe a
reflexão porque a justificativa da regra não se sustenta! Os pronomes ditos átonos pela
gramática normativa da língua portuguesa, reitera-se, são tônicos. Se são tônicos, logo,
podem iniciar sentença.
REFERÊNCIAS

Complexo de vira lata: a síndrome do brasileiro, segundo Nelson Rodrigues. Brasil


Paralelo, fev. 2023. Disponível em:
https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/complexo-de-vira-lata-a-sindrome-do-
brasileiro-segundo-nelson-rodrigues. Acesso em: 27 out. 2023.

LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José


Olympio, jul. 2010. ISBN-10: 8503010224.

Val, Maria da Graça. A Gramática do Texto, no Texto. Revista de Estudos da


Linguagem, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, v. 10, n. 2, p. 119-
127. 2002.

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