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Decifra-me ou te devoro.
O mesmo Dilema da Esfinge é o que as empresas em todo mundo enfrentam hoje
quando o assunto é Transformação Digital. Além de precisarem encarar o processo que vai muito
além da adoção de novas tecnologias, passando por mudanças profundas de processos e cultura,
há o medo do erro e a necessidade de apresentar resultados de curto prazo.
É fato que o comportamento da economia brasileira, nos últimos anos, não ajudou que
investimentos efetivos fossem feitos nesta área. Mesmo assim, avanços ocorreram. “Apesar de
um ambiente difícil, o Brasil está avançando na Transformação Digital. Quando perguntados se
tinham uma iniciativa de gestão ou programa de transformação para tornar os negócios mais
digitais, 81% dos CEOs deram uma resposta afirmativa (acima dos 52% do ano passado),
comparável aos 82% globais deste ano (acima dos 62% do ano passado)”, detalha Berntz.
Para Tomasini, será somente em 2021 que as empresas vão acelerar sua Transformação
Digital buscando melhorar o atendimento ao cliente “A demora do movimento pode prejudicar
a competitividade das empresas brasileiras no mercado externo”, afirma.
Além da conjuntura econômica, outro fator que impacta na decisão das empresas a
adotarem a nova forma de pensar é o medo de errar. Segundo uma pesquisa da McKinsey, as
estratégias de Transformação Digital dão errado em aproximadamente 70% das empresas isso
ocorre, principalmente, pela falta de um planejamento eficiente que priorize aspectos que vão
muito além dos processos simplesmente, mas que englobam uma forte mudança cultural, tanto
do coletivo quanto do individual, escolhas corretas quanto a perfis de profissionais,
conhecimento técnico, análises de consumidores e concorrentes, e parceiros de negócios que
detenham um conhecimento profundo do segmento.
A falta de mão de obra qualificada para fazer a Transformação Digital é um dos grandes
impasses. “As empresas precisam investir em preparar colaboradores. Além disso, há a
dificuldade grande de reter talentos. Sem as pessoas certas não é possível fazer, mesmo que a
empresa tenha a melhor tecnologia”, detalha Tomasini.
Primeiros passos
Não há receita de bolo sobre como se tornar uma empresa digital de sucesso, mas
algumas pistas são dadas em relação aos primeiros passos. “Difícil dizer. Cada organização tem a
sua própria jornada e nem uma ou outra estão certas. Podem estar certas em diferentes vieses”,
lembra o líder de Transformação Digital da KPMG no Brasil, Oliver Cunningham.
Como não poderia ser diferente, o empresário, deve primeiramente, entender onde está
pisando, ou seja, observar como o seu negócio será impactado pela digitalização da economia.
Neste sentido, algumas perguntas são válidas. O que significa escalabilidade para uma indústria
de ar condicionado ou qualquer outra? O que significa monetização de conhecimento?
Há uma série de características do mundo digital que não estão claras para a realidade
do empresário. “É verificar o que você faz e as tecnologias que estão disponíveis e que podem
modificar o seu negócio. É preciso fazer um trabalho interno que modifique a forma de pensar.
Uma coisa que tem que se colocar na cabeça é de que tudo pode ser automatizado. Como
qualquer arma, a eficácia da tecnologia é determinada pela mão que a utiliza. Esse é o grande
ponto”, destaca Fernando Flauto, da Crowe Auditoria e Consultoria.
Ao definir que rumo tomar, a empresa passa a ver quais as ações que deve lançar mão
para atingir o seu objetivo. “Há muita gente pensando no como, o que também é válido. Mas
não pode faltar direção e rigidez no controle do processo”, observa Flauto.
Para Cunningham, a primeira fase pode não ser a resposta sobre como se vai chegar lá,
mas simplesmente o que a empresa deseja ser. “A Transformação Digital é um caminho. Não é
igual a um projeto em que se coloca metas no tempo, em dois ou três meses. Pelo contrário, é
um processo de inovação intensiva, constante e de alto impacto”, complementa.
Muitas empresas que buscam adotar a Inteligência Artificial para a análise de seus
dados, por exemplo, ainda não têm sistemas digitalizados ou transformados digitalmente.
“Normalmente a Transformação Digital passa por três grandes ondas. A primeira é a digitalização
da operação que significa sair do mundo analógico, do offline para o online. Aqui quando falamos
para ir para o mundo online falamos da mesma experiência do consumidor que ele tem no
mundo offline para o mundo digital”, explica o diretor da Neurotech, Rodrigo Cunha. Sair do
analógico para o digital requer um armazenamento apropriado dos dados para que se possa, no
futuro, usar a Inteligência Artificial de forma adequada e aprimorar a experiência do cliente em
todo seu ciclo de relacionamento com a empresa.
A segunda onda, denominada de business inteligence, consiste em, a partir dos dados
armazenados, contar com um analista que proverá os primeiros relatórios gerenciais a partir do
cruzamento das informações. “Isso pode até ser feito manualmente com o objetivo de encontrar
padrões. Se começa a amadurecer a operação a partir do momento em que se faz esse
cruzamento de variáveis e informações”, explica Cunha.
A terceira onda é marcada por uma grande quantidade de variáveis para analisar. É nesta
fase que entra Inteligência Artificial. A máquina trabalha em cima dos dados e gera insights para
o ser humano. “Há uma série de técnicas de IA aplicadas em cima dos dados para que a partir
desse cruzamento de infinitas possibilidades voltem insights para os seres humanos. Então ele
vai descobrir que a combinação de 60 variáveis irá fazer com que ele venda três vezes mais.
Assim, a ordem inverteu e você acaba otimizando esses insights”, diz Cunha.
Para Tomasini é preciso acrescentar valor na jornada do cliente para garantir que ele vá
ser bem atendido em toda sua experiência com a organização. “É mais do que algo somente
operacional. Muitas vezes, a pessoa é atendida por diversas áreas da empresa e grande parte
das organizações é formada por departamentos. Há o silo de marketing, o da operação
comercial, o financeiro... O cliente navega em vários. Você pode fazer uma jornada comercial
espetacular, porém pode cair numa área financeira que não está nem um pouco preocupada
com a experiência dele e detona tudo”, diz.
Portanto, a empresa que quiser entender o cliente não deve focar somente na área que
tem mais contato com ele. “O que acontece muitas vezes é que a gente faz essa parte de
experiência do usuário e uso de dados, porém somente na área de marketing e comercial. Isso
é internalizado pela empresa que precisa adotar modelos de atendimento que não são mais
hierárquicos, mas que trabalham de forma coordenada para atender a jornada”, explica.
Uma transformação assim pode demorar de 5 a 8 anos e, apesar de não ser linear, pode
significar a diferença entre a vida e a morte, mesmo que esta não venha imediatamente. “O que
aconteceu com os taxistas no Brasil e agora o que acontece com o Uber quando você coloca
patinetes elétricos? O Uber está perdendo as corridas de baixo distância, com a disrupção dos
patinetes Tanto que comprou uma startup em São Francisco que já tinha roubado 25% do
mercado dele. Não importa se você é uma empresa tradicional ou da nova economia, a jornada
do consumidor tem que estar na agenda. Não é mais o peixe grande que come o peixe pequeno
é o peixe rápido que come o peixe lento”, ressalta Tomasini.
Para ser o peixe ágil, é preciso que a empresa quebre as estruturas internas e monte
uma cultura de agilidade com foco no cliente. “Esse é o final da jornada digital. Criar produtos e
serviços é só o primeiro passo da jornada. Os outros consistem em entender toda a jornada do
consumidor em todas as áreas da empresa e elas se voltarem para isso. Poucas empresas estão
preparadas para isso”, alerta o executivo da PwC.
O papel do RI
A bolsa induz os investidores a olharem para os resultados trimestrais, quando
acontecem as teleconferências com os RIs e gestores. “Isso leva os investidores a terem uma
visão de curto prazo e a Transformação Digital não é algo que ocorra logo. Uma empresa de
capital aberto é gerenciada para ter resultados no curto no médio e no longo, mas a
transformação é algo que vai muito além da automação e da ansiedade do acionista”, diz
Cunningham.
O maior problema é que o risco de não fazer nada na era da Transformação Digital é
maior de todos e mesmo quem busca inovar e transformar não tem garantia de que vá acertar.
“Pelo contrário, a garantia é de que você vai errar. Isso traz uma questão de quão bem uma
companhia de capital aberto pode aprender a errar, visto que ela tem parâmetros de
performance muito curtos e as métricas que os investidores estão costumados a ver, muitas
vezes, na transformação digital, podem não capturar o sucesso da transformação”, explica
Cunningham.
Pode ser que numa primeira curva a empresa se depare com certa perda de receita,
mesmo que esteja se preparando para vir muito mais forte num segundo momento. “Há o caso
clássico da Adobe, que deixou a vender CD para vender assinatura. Eles passaram meses
explicando que haveria perda de receita momentânea, mas retomada num segundo momento.
Mesmo assim, a companhia teve perda num primeiro momento e depois retomou seu valor de
mercado”, observa.
Ao mesmo tempo, hoje em dia, muitos investidores têm olhado para o outro lado, com
a preocupação com sustentabilidade dos negócios no longo prazo. “Se você não é capaz de fazer
um projeto de Transformação Digital e anunciar, também será penalizado de qualquer forma.
Porque os investidores estão esperando que você se adapte ao novo momento. O problema é
que uma empresa não digital se transformar em uma empresa digital é uma “dor de barriga”
imensa e raramente simples e tranquila”, diz Cunningham.
“Empresas de capital aberto muitas vezes têm investidores com pouca paciência para a
obtenção de resultados financeiros. Isto contrasta com os investimentos tidos como
especulativos em empresas que não parecem focar-se em lucros e sim em crescimento, como a
Amazon. Ademais, a grande maioria dos indicadores financeiros é do tipo ‘lagging’, focados em
posições finais, como que olhando no retrovisor, em vez de ‘leading’, focados em medir eventos
ou atividades que precedem resultados financeiros e com os quais tem relação causal, por
exemplo, em captura de mercado”, diz Berntz da Gartner. Em sua visão, o profissional de RI pode
desempenhar um papel importante na educação dos investidores sobre o período de maturação
de investimentos digitais e os progressos obtidos até o momento.
Para Cunningham, a transformação digital oferece uma oportunidade do profissional de
RI influenciar também as atividades de dentro da companhia. “Há uma questão que chamamos
“teatro da inovação”. Existem empresas que fazem todo o movimento de inovação. mas não
permitem que o core do negócio seja reposicionado. O RI se torna um termômetro. Se ele
enxergar que a inovação não esteja sendo feita de forma aprofundada, ou seja, se há o “teatro
da inovação” que gera somente a percepção da inovação sem provocar impacto real no tempo,
isso vai penalizar a empresa”, alerta. Neste caso, o mercado vai multiplicar por dois sua
desconfiança da organização. “O profissional que deve ir além do óbvio, pois existe uma
percepção rasa de Transformação Digital que, na verdade, não vai muito além do que a gente
chama de automação, que é o que fazemos há anos. O profissional de RI deve ser capaz
comunicar tanto para dentro, qual é a perspectiva do mercado, quanto para fora os movimentos
realizados”, afirma.
Para 2030, a PwC antecipa que a tecnologia permanecerá o setor mais importante nas
ofertas públicas. Segundo a pesquisa, historicamente, o mercado dos EUA tem sido o ambiente
mais atraente para empresas de tecnologia, com melhores avaliações e uma base de investidores
mais informada, atraindo parte dos IPOs de tecnologia chinesa, incluindo o IPO de US$ 25 bilhões
recorde do Alibaba em 2014. No entanto, o aumento dos esforços para conquistar tais empresas
continuarão a intensificar a concorrência entre Nova York e China.
A China inaugurou, ao final de julho deste ano, a bolsa “Star Market”, com foco em
ciência e tecnologia. Ao todo participam 25 empresas e, no primeiro dia de negociações, algumas
ações dispararam mais de 500%. "O importante papel da nova bolsa é fornecer um canal de
captação de recursos para a inovação científica e tecnológica da China", declarou à imprensa
local o economista Lu Zhengwei, do Industrial Bank, em Xangai.
“Os IPOs de maior valor continuam sendo de empresas de tecnologia. A relevância da
tecnologia no mercado de capitais é bastante grande. O setor financeiro está vinculado com o
novo mundo digital e o modo como as instituições operam está sendo revolucionado pela
fintechs”, resume Kieran McManus, sócio da PWC.
Todos estes fatores fazem parte de um debate estratégico que precisa entrar na agenda
do Conselho. “O papel do Conselho e do corpo diretivo da empresa é como incluir a inovação
dentro deste debate. É isso que precisa acontecer”, destaca Valéria Café. Para cumprir este papel
é preciso que o Conselho seja composto por pessoas diversificadas e que tenham a visão de olhar
da Transformação Digital. “O Conselho não pode ter apenas o financeiro. Tem que ter, por
exemplo, a pessoa de tecnologia, com o olhar do consumidor. Quanto mais diverso for o
Conselho, melhores serão os resultados que ele terá. Tem que ter várias idades e uma
diversidade para conseguir construir e pensar de forma inovadora”, diz. No entanto, a realidade
ainda está longe disso.
A executiva destaca ainda que novos indicadores de desempenho que abranjam as novas
ideias precisam ser construídos. “Os indicadores de desempenho atuais estão muito ligados ao
curto prazo e, às vezes, inovar também é falhar. É errar para também aprender em cima do erro.
Os investidores, principalmente os institucionais, vêm pedindo para as empresas mais
diversidade e um olhar mais sustentável e inovador. A resposta é: diálogo! As empresas precisam
melhorar o diálogo com os investidores. Eles ficam pedindo isso”, observa.