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AS ATRIBUIÇÕES DO FARMACÊUTICO NA

POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS


FABIANA BURDINI MARGONATO
Farmacêutica – aluna do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR).
Londrina-Paraná-Brasil - e-mail para contato: fabianamargonato@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO Diversos são os setores da sociedade que têm


responsabilidade direta ou indireta sobre a utilização
O consumo de medicamentos, no Brasil, tem de medicamentos: a esfera nacional, a esfera estadu-
dimensões estruturais, políticas, sociais e histórico- al e a esfera municipal de governo, a indústria farma-
culturais. Entender a relação da utilização dos medi- cêutica, os distribuidores de medicamentos, as far-
camentos com estas dimensões é necessário para que mácias, os prescritores (médicos e dentistas), os dis-
se possa garantir à população uma terapêutica racio- pensadores (farmacêuticos), os demais profissionais
nal, segura, com custos acessíveis (BONFIM, 1997). de saúde e o paciente ou usuário de medicamentos.

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Na década de 70, a indústria farmacêutica ins- de medicamentos essenciais (RENAME), a assistên-
talada, no Brasil, cresceu mais de 300% (ROZENFELD, cia farmacêutica, a promoção do uso racional de me-
1989) e estes números continuam se expandindo, até dicamentos e a organização das atividades de vigi-
os tempos atuais. O mercado farmacêutico brasileiro lância sanitária de medicamentos. A seguir, serão de-
tornou-se um dos cinco maiores do mundo com ven- talhadas separadamente as prioridades, enfatizando
das que atingem 9,6 bilhões de dólares/ano, segundo as atribuições do profissional farmacêutico em cada
dados da Organização Mundial da Saúde. uma delas.
O setor é constituído por centenas de empre-
sas, entre produtores de medicamentos e indústrias Elaboração e revisão permanente da Re-
farmoquímicas. Em contrapartida, este cenário é in- name e da Relação Municipal de Medicamentos
fluenciado pela desarticulação da assistência farma- Essenciais (Remume)
cêutica no âmbito dos serviços públicos de saúde
(BRASIL, 2001). A formação de recursos humanos é A elaboração e revisão permanente da Rename
um dos fatores que influenciam tal desbalanço. devem ser realizadas por órgãos competentes do Mi-
Cresce, a cada dia, o número de cursos univer- nistério da Saúde, gestores estaduais e instituições
sitários e de profissionais diplomados que ainda são científicas que atuem na área de medicamentos (BRA-
formados sem a percepção da realidade que os espe- SIL, 2001).
ra. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, estima- Uma lista de medicamentos essenciais é uma
se que, no ano 2010, o Brasil terá mais de 135.000 das prioridades para a obtenção de cobertura da po-
farmacêuticos (FERNANDES, 2003). Entretanto, a ca- pulação. Ela deve conter medicamentos de eficácia
tegoria dissemina-se no setor privado, sem aprovei- comprovada e riscos aceitáveis, para atender às ne-
tamento devido no setor público, especialmente quan- cessidades de prevenção e tratamento das doenças
do se fala em assistência farmacêutica. mais freqüentes. Devem ser selecionados produtos
Medidas políticas que vão desde mudanças cur- farmacêuticos que tenham dados científicos obtidos
riculares até alterações operacionais nos serviços de por ensaios clínicos controlados, que satisfaçam as
saúde são ferramentas imprescindíveis para melhori- normas de qualidade, incluindo a biodisponibilidade,
as. Na tentativa de obter tais melhorias, a Política com informação objetiva, exata e completa sobre os
Nacional de Medicamentos foi aprovada pela porta- medicamentos de acordo com fontes imparciais (DU-
ria nº3.916 de 30 de outubro de 1998, com o propó- PIM e RIGHI, 1997).
sito de garantir a necessária segurança, eficácia e Atualmente, os cursos de Farmácia nas insti-
qualidade de medicamentos, a promoção do uso ra- tuições de ensino superior (IES) brasileiras fornecem
cional e o acesso da população àqueles considera- noções de farmacologia (farmacodinâmica e farma-
dos essenciais. cocinética), farmacotécnica, boas práticas de fabri-
Esta política integra os esforços voltados à con- cação de medicamentos e insumos farmacêuticos, que
solidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e contri- tornam os farmacêuticos aptos fornecedores de in-
bui para o desenvolvimento social do país (BRASIL, formações sobre medicamentos, o que pode ter gran-
2001). Assim, este trabalho teve como objetivo avali- de utilidade na elaboração e revisão das relações de
ar as prioridades da Política Nacional de Medicamen- medicamentos essenciais. Assim, a participação des-
tos, enfatizando as atribuições do profissional farma- tes profissionais na seleção, pode reduzir os gastos
cêutico na implantação e efetivação desta política. no setor, já que suas aptidões facilitam racionalizar a
aquisição dos produtos, avaliando-se com critérios
METODOLOGIA mais precisos a relação custo-benefício.
O incentivo ao desenvolvimento de Centros de
Realizou-se consulta à Política Nacional de Me- Informação de Medicamentos (CIM) é uma das ferra-
dicamentos, no item denominado “prioridades” (BRA- mentas para a elaboração de uma lista de medica-
SIL, 2001). Após a obtenção das prioridades da polí- mentos essenciais mais efetiva. Os CIMs são centros
tica, verificaram-se quais as atribuições da profissão constituídos por equipes de farmacêuticos que res-
farmacêutica que poderiam facilitar sua implantação pondem a perguntas, revisam a utilização de medica-
e a efetivação. mentos, produzem boletins, fornecem cursos com
temas específicos da farmacoterapia, realizam ativi-
RESULTADOS E DISCUSSÃO dades de pesquisa, fornecem informações toxicoló-
gicas e coordenam programas de farmacovigilância
São prioridades da Política Nacional de Medi- (VIDOTTI, 1997).
camentos a revisão permanente da relação nacional No entanto, na maioria dos municípios a parti-

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cipação destes centros (quando existem) na elabora- mulário terapêutico nacional que oriente a utilização
ção da Remume custa a sair do papel. Isto se deve a dos medicamentos, estudos de farmacologia e ações
dois fatores principais: falta de incentivo ao desen- de farmacovigilância e adequação dos recursos hu-
volvimento de CIMs e algumas vezes, falta de interes- manos (BRASIL, 2001).
se do próprio farmacêutico pelo serviço público no A adequação dos medicamentos genéricos é
campo das informações de medicamentos e na cons- um passo fundamental na racionalização do uso de
trução das listas de medicamentos essenciais. medicamentos (SANTOS, 1998). Para a adoção e fun-
cionamento efetivo de uma política de medicamen-
Assistência Farmacêutica tos genéricos, é relevante a participação ativa e cons-
ciente dos profissionais responsáveis pela sua pres-
A Política Nacional de Medicamentos (PNM), na crição e dispensação.
assistência farmacêutica, prioriza garantir a aquisição Neste contexto, o farmacêutico deveria ser o
e a distribuição de forma descentralizada pelos muni- principal conhecedor no que tange a dispensação de
cípios e sob a coordenação dos estados, de medica- medicamentos, precisando estar atualizado e instruí-
mentos necessários à atenção básica à saúde de suas do para proceder a intercambialidade ou substitui-
populações (BRASIL, 2001). ção de medicamentos de referência por genéricos com
Compreende-se por assistência farmacêutica o eficácia e credibilidade. Entretanto a atual realidade
conjunto de ações e serviços com vistas a assegurar destes profissionais deixa a desejar.
a assistência terapêutica integral, a promoção e a re- Em um estudo realizado por SANTANA e cols.,
cuperação da saúde, nos estabelecimentos públicos 39% dos farmacêuticos entrevistados não souberam
e privados que desempenham atividades de pesqui- informar com precisão o que é um medicamento ge-
sa, manipulação, produção, conservação, distribuição, nérico, enquanto apenas 23% respondeu corretamen-
garantia e controle de qualidade, vigilância sanitária te o que é um processo de intercambialidade (SAN-
e epidemiológica de medicamentos e produtos far- TANA et al., 2003). Estes resultados demonstram a
macêuticos (BRASIL, 2001). necessidade de encontrar novos caminhos para que
O farmacêutico ou atendente de farmácia é o os profissionais formados sejam mais bem prepara-
último contato do paciente e/ou usuário de medica- dos para exercer a profissão, de modo que o farma-
mentos com o serviço até o próximo retorno. A dis- cêutico comprove sua importância para a sociedade.
pensação é o ato de fornecimento ao consumidor de Quanto aos estudos farmacoepidemiológicos
drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e cor- e as ações de farmacovigilância, estes são campos
relatos. O desempenho desta função é uma atribui- que necessitam ser trabalhados para a detecção dos
ção do farmacêutico, já que este profissional é for- problemas relacionados a medicamentos, e são tam-
mado teoricamente com aptidões de fornecer infor- bém extremamente carentes de profissionais farma-
mação aos doentes sobre a utilização correta de me- cêuticos no Brasil. O termo farmacoepidemiologia
dicamentos para o uso racional e aconselhamento aos contém dois componentes: fármaco e epidemiologia,
doentes sobre o uso de medicamentos não prescri- ou seja, denomina o estudo da utilização de drogas
tos de venda livre (auto-medicação responsável) (AR- em uma população (STROM, 2000).
RAIS, 1997). Já a farmacovigilância, é o conjunto de proce-
Neste contexto, é essencial que a classe far- dimentos de detecção, registro e avaliação das rea-
macêutica reflita sobre suas atribuições, suas apti- ções adversas para a determinação de sua incidên-
dões, estabeleça consensos e tome decisões que cia, gravidade, e relação de causalidade com a forma
possam trazer melhorias como a inclusão do farma- de dosificação de um medicamento, com o objetivo
cêutico nos serviços públicos. Medidas neste senti- último da prevenção, com base no estudo sistemáti-
do, poderão trazer progressos na utilização de medi- co e pluridisciplinar das ações dos medicamentos (NU-
camentos, efetivando ações que tenham resultados NES, 2001).
concretos na qualidade de vida da população, garan- O que os gestores devem saber, é que, se fo-
tindo integralidade da assistência farmacêutica. rem incentivados os serviços farmacêuticos no setor
público proporcionando o desempenho de farmaco-
Promoção do uso racional de medicamentos epidemiologia e farmacovigilância, a economia com a
diminuição de custos com efeitos adversos de medi-
Esta prioridade da Política Nacional de Medi- camentos será bem maior do que os gastos com pes-
camentos envolve as seguintes medidas: elaboração soal, com uma melhora exponencial da qualidade de
de campanhas educativas, estímulo ao registro e uso vida dos pacientes positivando e muito, os valores
dos medicamentos genéricos, elaboração de um for- desta matemática.

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Vigilância sanitária de medicamentos buições favorecedoras à consolidação de tais priori-
dades. Entretanto é necessária ainda muita reflexão
A vigilância sanitária de medicamentos é ainda por esta classe profissional sobre os seus direitos e
um campo com escassez de profissionais farmacêuti- deveres perante a sociedade na luta coletiva pelo uso
cos. Como atividade pertinente neste contexto, apli- seguro e racional de medicamentos por todos.
ca-se a revisão dos procedimentos de registro de me-
dicamentos de marca e similares. O farmacêutico, REFERÊNCIAS
sendo o profissional do medicamento, deve estar apto
e atualizado para realizar atribuições tais como infor- ARRAIS, P.S.D.; COELHO, H.L.L.; BATISTA, M.C.D.S.; CARVA-
mar sobre produtos registrados, sua composição, in- LHO, M.L.; RIGHI, E.; ARNAU, J.M. Perfil da automedicação
no Brasil. Rev. de Saúde Pública, São Paulo, v.31, n.1, p.
dicações principais e formas de comercialização, co-
71-77. 1997.
nhecer os produtos retirados do mercado , trabalhar
BONFIM, R.A.B. Os dédalos da política de medicamentos. In:
no controle da venda de psicotrópicos e entorpecen-
BONFIM, R.A.B.; MERCUCCI, V.L. (Org). A construção da
tes, no controle da propaganda de medicamentos de política de medicamentos. p. 21-37, São Paulo: Huci-
venda livre e participar da regulamentação e controle tec. 381 p.
de propaganda realizada pelos fabricantes de medi- BRASIL. Política Nacional de Medicamentos 2001/ Ministério
camentos junto aos prescritores (BRASIL, 2001). da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento
O comércio e a distribuição de medicamentos de atenção básica – Brasília. Ministério da Saúde, 2001.
no Brasil é um dos problemas mais sérios que afetam DUPIM, J.A.A.; RIGHI, R.E. Medicamentos essenciais nos siste-
as farmácias e contra os quais a classe farmacêutica mas locais de saúde. In: BONFIM, R.A.B.; MERCUCCI, V.L.
vem protestando ao longo dos tempos (ZUBIOLI, (Org). A construção da política de medicamentos. p.
1992). A propaganda de produtos é um fator que po- 138-154, São Paulo: Hucitec. 1997. 381p.
tancializa as deficiências no setor da assistência far- FERNANDES, Z.C. Hora da reação. Pharmacia Brasileira. nº
macêutica em serviços públicos e privados. 39, p.4-9. Set/out 2003.
O marketing de medicamentos muitas vezes en- LEXCHIN, J. Uma fraude planejada: a publicidade farmacêutica
cobre calamidades tais como o excesso de represen- no terceiro mundo. In: BONFIM, R.A.B.; MERCUCCI, V.L.
(Org). A construção da política de medicamentos. p.
tantes com escassez de conhecimentos, suborno, e
269-292. São Paulo: Hucitec. 1997. 381 p.
falsos ensaios clínicos (LEXCHIN, 1997). Torna-se in-
ROZENFELD, S. O uso de medicamentos no Brasil. In: LAPOR-
contestável que o farmacêutico, como profissional do
TE, J.R.; TOGNONI, G.; ROZENFELD, S. Epidemiologia do
medicamento, tem o dever de se manifestar, partici- medicamento. Princípios gerais. P. 21-41, São Paulo: Hu-
pando das ações de vigilância sanitária de medica- citec. 1989. 264 p.
mentos para favorecer o uso seguro e racional de SANTANA, A.D.; LYRA Jr., D.P.; NEVES, S.J.F. Qualidade da infor-
medicamentos com custos acessíveis para toda a mação farmacêutica na dispensação dos medicamentos ge-
população. néricos. Infarma. V. 15, nº 9-10, Brasília: Esdeva, set/out
2003.
CONCLUSÕES SANTOS, J.S. Genéricos: uma questão de humanidade. Phar-
macia Brasileira. nº 8, p.5-8. jan/fev/mar 1998.
A Política Nacional de Medicamentos é abran- STROM, B.L. What is pharmacoepidemiology? In: STROM, B.L.
gente, que, se colocada em prática, poderá trazer ao (Org). Pharmacoepidemiology. P. 3-15. 3. Ed. England:
setor de saúde, no Brasil, melhorias exponenciais na British Library. 2000. 871 p.
qualidade de vida da população. As prioridades esti- VIDOTTI, C.C.F. Centro Brasileiro de Informações sobre Medi-
puladas por esta política são a revisão permanente camentos (CEBRIM). In: BONFIM, R.A.B.; MERCUCCI, V.L.
(Org). A construção da política de medicamentos. p.
da relação nacional de medicamentos essenciais (Re-
158-163. São Paulo: Hucitec. 1997. 381 p.
name), a assistência farmacêutica, a promoção do uso
racional de medicamentos e a organização das ativi- ZUBIOLI, A. O controle no exercício da farmácia. In: Pro-
dade de vigilância sanitária de medicamentos. fissão: farmacêutico. E agora? p. 63-76. Curitiba:
O farmacêutico é um profissional apto com atri- Lovise. 1992. 165 p.

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