Você está na página 1de 7

HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue. Antropologia do ciborgue.

Belo Horizonte:
Autêntica, p. 33-118, 2000.

“A medicina Moderna também está cheia de Cyborgs, de junções entre organismo e máquina,
cada qual concebido como um dispositivo codificado em uma intimidade e com um poder que
nunca antes existiu na história da sexualidade”.

Essa perspectiva Cyborg trazida pela Donna é uma perspectiva de adjetivação, e quando se fala
em Cyborg automaticamente a gente pode se reportar ou lembrar de filmes de ficção científica
tipo blade Runner. Mas quando ela fala sobre a filosofia e a perspectiva ciborgue não
necessariamente é só reportar do a tecnologia, mas sim sempre ligado às relações sociais
mediadas por esse processo de informática, de eletrônica, é nessa perspectiva que ela traz.

Ela fala que essas relações são mediadas por relações de poder. E sempre numa perspectiva
codificada. Ela disse que essa relação essa mediação ela acontece por meio do que ela chama
de uma orgia Cyborgana, e essa orgia Cyborgana é codificada por uma fórmula: C³I (comando
controle comunicação mediado pela inteligência), essa fórmula atravessa todo o postulado
presente no manifesto ciborgue.

C³I = comando-controle-comunicação mediado pela inteligência

algumas referências que foram utilizadas pela Donna no livro manifesto ciborgue:

Monique Wittig
Luce Irigaray
Julia Kristeva
Foucault
Audre Lorde
Teresa de Lauretis

Ela fala que essa perspectiva Cyborgana só pode acontecer quando se romper Três Fronteiras
específicas:

Fronteira entre o humano e o animal: essa Fronteira específica vai continuar nos estudos
posteriores da Donna.

Fronteira seria entre o animal humano e a máquina:

Fronteira entre o físico e o não físico (o real e o virtual, o digital e o analógico)

E a dona também ela não se furta de fazer a crítica ao sujeito do feminismo.

Quem seria o sujeito do feminismo? O senso comum nos faria dizer que se trata da mulher,
ainda usaria a categoria no singular. Mas que mulher seria essa? Qual mulher seria privilegiada
nos debates sobre feminismo?

Quando você universaliza, quando qualquer pessoa faz pesquisas, inferências, postulados
sobre uma perspectiva universal ele está fazendo uma análise sobre uma identidade fraturada.
A Judith Butler fala da perspectiva do rompimento de identidades fixas.
Donna - Storytelling [Antropoceno,
Capitaloceno y Chtuluceno]
https://www.youtube.com/watch?v=5H4PELQ7fSk

0’0” Mas eu não tenho escolha, nós não temos escolha, o antropoceno está em jogo, é uma
palavra boa o suficiente, há muito trabalho bom o suficiente [...]

Eu proponho o cthulhuceno, claro que isso é de certa forma uma piada porque isso ameaça ser
muito grande também. [...] A crítica ao capitalismo que pode nos tornar pessoas estúpida
porque nos faz acreditar que não há mais nada possível no mundo, o tipo de estupidez que
vem da repetição constante da versão cada vez mais recente, cada vez mais inteligente, até o
minuto mais recente. A crítica do capital, a mais inteligente possível [...] Marxismo que eu
realmente não vou abandonar, e me recuso a deixar o Bruno dizer que não precisamos dele.

2’01” Acho que precisamos do nosso marxismo e de um monte de outras coisas também, mas
como fazer com que isso faça parte do que é adicionado ao berço do gato dessa maneira
inteligente, por que o estúpido é ficar tão hipnotizado pela inteligência das últimas análises do
capital, que a gente perde toda a noção de que o que é realmente importante no mundo e a
única razão de fazer essas análises para fazer esse trabalho analítico, é aprender a contar outra
história e construir para aprender a somar no trabalho de quem já está contando, caso
contrário a única coisa possível de fazer no mundo como abita moça é nos revoltar. [...] Como
se fosse uma insurreição. É uma insurreição que se recusa a paralisia da crítica que o mundo
acabou porque sabemos como funciona, e você é estúpido porque não sabe como funciona e
você é apenas um ativista ou você é apenas uma bruxa ou você é apenas algo que você
acredita em todas essas coisas estúpida, se você é cristão você realmente é estúpido se você é
muçulmano você realmente é estúpido ou se você é pagão você realmente é estúpido. Nós
sabemos como o mundo realmente funciona. Esse tipo de arrogância que é arrogância dos
estudiosos, arrogância dos intelectuais, é o nosso veneno, é aquilo com que envenena mozi
exatamente aquilo que pensamos que estamos fazendo, pensamos que estamos contribuindo
para a construção de uma história diferente e estamos alimentando-a com veneno por nós
mesmos implacável, sendo mais inteligente do que todos os outros com a versão mais recente
da nossa teoria, temos que praticar a guerra, e temos que ser a favor de alguns mundos e não
de outros, somos contra algumas maneiras de fazer o mundo, somos realmente contra a
construção do oleoduto fundamental e a sucção da Terra, seca de combustíveis fósseis e de
muitas outras coisas.

3’58” é realmente importante estar em revolta, por isso, para alguns modos de vida e não
para outros, é uma espécie de guerra dos mundos, mas é uma guerra do mundo como parte da
proposta de paz, da proposta arriscada. Então eu acho que isso é que há uma mudança, é claro
que há uma mudança no mundo, depois temos um pouco de tempo. Nós, ou seja, lá o que for,
estamos vivendo em um período de tempo curto, longo, eu sei que não é instantâneo, mas
talvez não demore muito. Há um pouco de tempo para fazer a diferença. Talvez não muito,
depois do qual as consequências do que provocamos não apenas nós, no sentido humano, mas
significativamente, não sei, não é o antropos, eu realmente acho que é muito, não é só
capitalismo. Claro não é só capitalismo, mas se pudéssemos ter apenas um nome, você
conhece os últimos 500 anos sugando a Terra até secá-la na forma de recursos para a extração
como riqueza na forma de capital. Esta é uma análise muito boa do que estes últimos 500 anos
fizeram a esta Terra e temos pouco tempo para herdar novamente as consequências e um
tempo para ver se a paz é possível.

No texto Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes,


Donna Haraway diz:

“Precisamos de um nome para as dinâmicas de forças e poderes sim9-chthonicas em curso, das


quais as pessoas são uma parte, dentro das quais esse processo está em jogo. Talvez, mas só
talvez, e apenas com intenso compromisso e trabalho colaborativo com outros terranos, será
possível fazer florescer arranjos multiespécies ricas, que incluam as pessoas. Estou chamando
tudo isso de Chthuluceno – passado, presente e o que está por vir”.

Em nota de rodapé: O sufixo “-ceno” prolifera! Arrisco esta superabundância porque estou no
encalço dos significados da raiz de “-cene/kainos”, a saber, a temporalidade do “agora”
espesso, fibroso e irregular, que é antiga, mas não é.

“Estes espaços-tempos reais e possíveis não foram nomeados após o pesadelo racista e
misógino do monstro Cthulhu (note diferença na ortografia), do escritor de ficção científica H.
P. Lovecraft, e sim após os diversos poderes e forças tentaculares de toda a terra e das coisas
recolhidas com nomes como Naga, Gaia, Tangaroa (emerge da plenitude aquática de Papa),
Terra, Haniyasu-hime, Mulher-Aranha, Pachamama, Oya, Gorgo, Raven, A’akuluujjusi e muitas
mais. “Meu” Chthuluceno, mesmo sobrecarregado com seus problemáticos tentáculos gregos,
emaranha-se com uma miríade de temporalidades e espacialidades e uma miríade de
entidades em arranjos intra ativos, incluindo mais-que-humanos, outros que-não-humanos,
desumanos e humano-como húmus (human-ashumus). Mesmo num texto em inglês-
americano como este, Naga, Gaia, Tangaroa, Medusa, Mulher-Aranha, e todos os seus
parentes, são alguns dos muitos mil nomes próprios para uma linhagem de ficção científica que
Lovecraft não poderia ter imaginado ou abraçado – ou seja, teias de fabulação especulativa,
feminismo especulativo, ficção científica e fatos científicos”.

Donna Haraway apresenta uma linguagem peculiar, característica de seu estilo de


escrita, que mistura elementos científicos, filosóficos e especulativos. Ela propõe o termo
"Chthuluceno" como uma forma de nomear as dinâmicas de forças e poderes que estão em
curso na Terra, das quais os seres humanos são uma parte integrante. Este termo é construído
a partir da raiz "Chthulu", que evoca uma série de poderes e forças tentaculares associadas à
Terra e a várias entidades mitológicas e espirituais.

Seu conceito está enraizado em uma miríade de temporalidades e espacialidades que se


entrelaçam em arranjos intra-ativos, incluindo seres humanos e outras entidades mais-que-
humanas.

Haraway sugere que seu conceito é influenciado por uma ampla gama de diferentes tempos e
espaços. Isso pode incluir não apenas o presente, mas também o passado e o futuro, assim
como diferentes localidades ou lugares ao redor do mundo. Essas diferentes temporalidades e
espacialidades estão interligadas e interdependentes. Elas não existem de forma isolada, mas
estão conectadas e influenciam umas às outras. Essas interações e relações dinâmicas ocorrem
entre diferentes elementos, sejam eles humanos, não-humanos, físicos, sociais, etc. Esses
arranjos não são apenas interações externas, mas são constituídos internamente pela interação
entre seus elementos. A compreensão de mundo de Haraway leva em consideração a
complexidade e a interconexão de diferentes tempos, espaços e agentes, destacando a
necessidade de abordar essas relações de forma integrada e dinâmica.

“Chthuluceno é uma palavra simples. É um composto de duas raízes gregas (khthôn e kainos)
que juntas nomeiam uma espécie de tempo-lugar para aprender a lidar com os problemas de
viver e morrer em resposta à habilidade em uma terra danificada. Kainos significa agora, um
tempo de começos, um tempo para continuidade, para frescor. Nada em kainos deve significar
passados, presentes ou futuros convencionais. Não há nada nos tempos de começos que
insista em apagar o que veio antes, ou, de fato, apagar o que vem depois. Kainos pode estar
repleto de heranças, de lembranças, e cheio de chegadas, de nutrir o que ainda pode ser. Ouço
kainos no sentido de uma presença densa e contínua, com hifas 1 infundindo todos os tipos de
temporalidades e materialidades”2.

“Nós temos um trabalho de mamífero a fazer com os nossos colaboradores e co-trabalhadores


sim-poiéticos, bióticos e abióticos. Precisamos fazer parentes sim chthonicamente, sim-
poieticamente. Quem e o que quer que sejamos, precisamos fazer com – tornar-com, compor-
com – os “terranos” [...]. Nós, pessoas humanas em todos os lugares, devemos abordar as
urgências sistêmicas intensas (2016A, p. 141);

O termo "sim-chthonico" refere-se a forças e poderes que estão juntos ou conjuntamente com
a Terra ou com o que é terreno. O prefixo "sim-" indica essa ideia de "junto, conjuntamente",
enquanto "chthonico" vem da palavra grega "chthon", que se refere à terra, à terra fértil ou ao
submundo. Portanto, "sim-chthonico" sugere uma relação de colaboração ou interdependência
com as forças e poderes terrenos ou da Terra.

1
Hifas são estruturas filamentares encontradas em fungos, que compõem o corpo principal do fungo
conhecido como micélio. As hifas são responsáveis pela absorção de nutrientes do ambiente, pois
crescem e se ramificam através do substrato em que o fungo se desenvolve. Elas desempenham um
papel crucial na nutrição dos fungos, permitindo-lhes extrair nutrientes do solo ou de outros materiais
orgânicos em decomposição. As hifas também são importantes para a reprodução dos fungos, uma vez
que podem se fundir com outras hifas de fungos da mesma espécie para formar novos micélios e
estruturas reprodutivas. “Os filamentos simples ou ramificados que formam o micÈlio s„o denominados
hifas” (2009, p. 400). MOLINARO, Etelcia Moraes; CAPUTO, Luzia Fátima Gonçalves; AMENDOEIRA, Maria
Regina Reis. Conceitos e Métodos para a Formação de Profissionais em Laboratórios de Saúde. Rio de
Janeiro: EPSJV; IOC, 2009.
2
Chthulucene is a simple word.2 It is a compound of two Greek roots (khthôn and kainos) that together
name a kind of timeplace for learning to stay with the trouble of living and dying in response-ability on a
damaged earth. Kainos means now, a time of beginnings, a time for ongoing, for freshness. Nothing in
kainos must mean conventional pasts, presents, or futures. There is nothing in times of beginnings that
insists on wiping out what has come before, or, indeed, wiping out what comes after. Kainos can be full
of inheritances, of remembering, and full of comings, of nurturing what might still be. I hear kainos in
the sense of thick, ongoing presence, with hyphae infusing all sorts of temporalities and materialities
(2016, p. 2).
“Os chthonic ones são seres da terra, tanto antigos quanto modernos. Eu imagino os chthonic
ones como repletos de tentáculos, antenas, dedos, cordas, caudas de chicote, pernas de
aranha e cabelos muito desarrumados. Os chthonic ones se divertem em húmus multi-criatura,
mas não têm relação com os Homo que observam o céu. Os chthonic ones são monstros no
melhor sentido; eles demonstram e executam o significado material dos processos terrestres e
das criaturas. Eles também demonstram e executam consequências. Os chthonic ones não são
seguros; eles não têm relação com ideólogos; eles não pertencem a ninguém; eles se
contorcem e se deleitam em formas e nomes múltiplos em todos os ares, águas e lugares da
terra. Eles fazem e desfazem; eles são feitos e desfeitos. Eles são quem são. Não é de admirar
que as grandes monoteístas do mundo, tanto em suas formas religiosas quanto seculares,
tenham tentado exterminar repetidamente os chthonic ones. Os escândalos das eras
chamadas de Antropoceno e Capitaloceno são as forças exterminadoras mais recentes e
perigosas dessas. Viver e morrer potencialmente juntos no Chthuluceno pode ser uma resposta
feroz aos ditames tanto do Anthropos quanto do Capital3” (2016, p. 2).

O termo "sim-poiético" também é construído com o prefixo "sim-", indicando uma ideia de
"junto, conjuntamente", e com o sufixo "-poiético", que vem da palavra grega "poiésis",
significando criação ou produção. Assim, "sim-poiético" refere-se a processos ou dinâmicas que
ocorrem de forma colaborativa ou co-criativa, onde múltiplas entidades participam na
produção ou na criação de algo. Esse termo destaca a interdependência e a co-produção entre
diferentes seres e elementos, incluindo humanos e não-humanos.

“Uma maneira de viver e morrer bem, como seres mortais no Chthuluceno, é unir forças para
reconstituir refúgios” (2016A, p. 141).

3
Chthonic ones are beings of the earth, both ancient and up-to-theminute. I imagine chthonic ones as
replete with tentacles, feelers, digits, cords, whiptails, spider legs, and very unruly hair. Chthonic ones
romp in multicritter humus but have no truck with sky-gazing Homo. Chthonic ones are monsters in the
best sense; they demonstrate and perform the material meaningfulness of earth processes and critters.
They also demonstrate and perform consequences. Chthonic ones are not safe; they have no truck with
ideologues; they belong to no one; they writhe and luxuriate in manifold forms and manifold names in
all the airs, waters, and places of earth. They make and unmake; they are made and unmade. They are
who are. No wonder the world’s great monotheisms in both religious and secular guises have tried again
and again to exterminate the chthonic ones. The scandals of times called the Anthropocene and the
Capitalocene are the latest and most dangerous of these exterminating forces. Living-with and dying-
with each other potently in the Chthulucene can be a fierce reply to the dictates of both Anthropos and
Capital.
HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women: The reinvention of nature. New York:
Routledge, 2013.

p. 184

In any case, social constructionists could maintain that the ideological doctrine of scientific
method and all the philosophical verbiage about epistemology were cooked up to distract our
attention from getting to know the world effeaive/y by practising the sciences. From this point
of view, science - the real game in town, the one we must play - is rhetoric, the persuasion of
the relevant social actors that one's manufactured knowledge is a route to a desired form of
very objective power. Such persuasions must

p. 185

take account of the structure of facts and artefacts, as well as of language mediated actors in
the knowledge game. Here, artefacts and facts are parts of the powerful art of rhetoric.
Practice is persuasion, and the focus is very much on practice. All knowledge is a condensed
node in an agonistic power field. The strong programme in the sociology of knowledge joins
with the lovely and nasty tools of semiology and deconstruction to insist on the rhetorical
nature of truth, including scientific truth. History is a story Western culture buffs tell each
other; science is a contestable text and a power field; the content is the form.3 Period. The
form in science is the artefactual-social rhetoric of crafting the world into effective objects. This
is a practice of world-changing persuasions that take the shape of amazing new objects -like
microbes, quarks, and genes.

Em qualquer caso, os construtivistas sociais poderiam argumentar que a doutrina ideológica do


método científico e toda a verborragia filosófica sobre epistemologia foram inventadas para
distrair nossa atenção de conhecer o mundo efetivamente praticando as ciências. Sob essa
perspectiva, a ciência - o verdadeiro jogo na cidade, aquele que devemos jogar - é retórica, a
persuasão dos atores sociais relevantes de que o conhecimento fabricado é um caminho para
uma forma desejada de poder muito objetivo. Tais persuasões devem levar em conta a
estrutura de fatos e artefatos, bem como dos atores mediados pela linguagem no jogo do
conhecimento. Aqui, artefatos e fatos são partes da poderosa arte da retórica. A prática é
persuasão, e o foco está muito na prática. Todo conhecimento é um nó condensado em um
campo de poder agonístico. O programa forte na sociologia do conhecimento se une às belas e
às ferramentas desagradáveis da semiologia e da desconstrução para insistir na natureza
retórica da verdade, incluindo a verdade científica. A história é uma história que os
entusiastas da cultura ocidental contam uns aos outros; a ciência é um texto contestável e
um campo de poder; o conteúdo é a forma4. Ponto final. A forma na ciência é a retórica
artefactual-social de moldar o mundo em objetos eficazes. Esta é uma prática de persuasões
4
Para uma elucidação elegante e muito útil de uma versão não-cartoon deste argumento, ver White
(1987). Eu ainda quero mais; e o desejo não realizado pode ser uma semente poderosa para mudar as
histórias.
que mudam o mundo e que assumem a forma de novos objetos incríveis - como micróbios,
quarks e genes.

Você também pode gostar