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DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL DOS QUILOMBOS DE


ALELUIA, BATATAL E CAMBUCÁ

Apresentação

O QUIPEA (Quilombos no Projeto de Educação Ambiental) é condicionante do licenciamento


ambiental federal para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural da Shell,
realizadas por suas duas plataformas, uma nos campos do Parque das Conchas, no litoral do Espírito
Santo, e outra nos campos de Bijupirá e Salema, no litoral do Rio de Janeiro, ambas na região da Bacia
de Campos.
Participam do projeto 20 comunidades remanescentes de quilombos, certificadas pela Fundação
Cultural Palmares, que estão presentes em 8 municípios na região da área de influência das atividades
da Shell.
As comunidades participantes são: Sobara (Araruama-RJ); Maria Joaquina, Botafogo, Preto Forro
e Maria Romana (Cabo Frio-RJ); Baía Formosa e Rasa (Armação dos Búzios-RJ); Boa Vista, Bacurau,
Machadinha, Mutum e Santa Luzia (Quissamã-RJ); Aleluia, Batatal, Cambucá, Conceição do Imbé
(Campos dos Goytacazes-RJ); Deserto Feliz (São Francisco de Itabapoana-RJ); Boa Esperança e
Cacimbinha (Presidente Kennedy - ES) e Graúna (Itapemirim-ES).
O principal objetivo do QUIPEA é desenvolver um conjunto de ações de Educação Ambiental
com as Comunidades Quilombolas presentes nos municípios prioritários da área de influência dos
empreendimentos da Shell na Bacia de Campos, contribuindo para a discussão local sobre os problemas
socioambientais e a construção coletiva de soluções e ações mitigatórias para o meio ambiente e para a
sociedade civil naquela região.
Durante a Fase 2 do QUIPEA foi realizada uma atualização de importantes informações sobre
cada comunidade quilombola do projeto, o que chamamos de “diagnóstico socioambiental
participativo”. É um levantamento de informações que deve ser feito junto com as comunidades, para
que possamos juntos planejar melhor as ações da Fase 3 desse projeto. De acordo com o Plano de
Trabalho, depois de fazer o diagnóstico, a equipe deve apresentar e dialogar sobre os dados com cada
comunidade.
Esse documento apresenta um resumo da atualização do diagnóstico socioambiental da Fase 2
do QUIPEA, realizado nos Quilombos de Aleluia, Batatal e Cambucá, em Campos dos Goytacazes, Rio de
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Janeiro. As informações foram levantadas de diferentes formas: a partir de dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), de diagnóstico da Bacia de Campos, de diagnósticos anteriores
realizados pelo QUIPEA, de informações das Lideranças, da Comissão Articuladora e alunos dos Cursos
de Capacitação Comunitária do QUIPEA.

Caracterização

Histórico

A vasta planície entre os rios Macaé e Itabapoana era habitada inicialmente por
índios Goitacás e constituía a Capitania de São Tomé, doada em 1536 por Pero de Góis, a
fim de dar início à colonização da região. Este donatário mandou vir gado e mudas de cana
da capitania de São Vicente, construindo então o primeiro engenho de açúcar da região.

A principal área de interesse da Capitania de São Tomé, a Vila de São Salvador de


Campos, foi a primeira vila a ser criada na região norte fluminense e seu principal centro de
trocas (TOTTI, 2006). Com a cultura da cana-de-açúcar o vilarejo prosperou e foi elevado à
categoria de cidade em 1835 com o nome de Campos dos Goytacazes. Também se
manteve a atividade pecuária para criação de gado de leite, que permanece ainda hoje no
nordeste do município. No século XX a receita municipal recebeu significativo incremento
dos royalties oriundos da exploração do petróleo na Bacia de Campos.

Após a abolição, a maior parte dos antigos escravizados da Fazenda Novo


Horizonte continuou trabalhando como cortador de cana assalariado e morando nas
dependências da usina. O trabalho na fazenda durava até 18 horas.
A Usina faliu em 1984 e antes da sua instalação havia fazendeiros. Um destes era o
Doutor Rui, que explorava o povo no corte de cana. Não se podia comprar nada porque a
dívida com alimentação era grande, tinham que dividir uma lata de óleo com quatro
famílias.
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Por volta do ano 1970 funcionava na fazenda uma bulandeira tocada a aguá,
proveniente das cachoeiras onde muitos trabalhavam, principalmente as mulheres. A
vitória deste povo foi um dia conquistar a terra.
Até 1985 estes quilombos eram caracterizados por rezadeiras e benzedeiras. Por se
tratar de comunidades que passaram por todos os aspectos escravistas, as crianças
morriam e eram enterradas em caixas de feira da roça.
Assim considera-se que a atual comunidade de Conceição do Imbé, Aleluia, Batatal
e Cambucá são remanescentes do passado escravocrata (NEVES e SAGGIO, opus cit.). A
autodenominação identitária de seus membros ocorreu em 2005 (NEVES e SAGGIO, opus
cit.).

O Município de Campos de Goytacazes/ RJ

Tem cerca de 463.731 habitantes.


A maioria das pessoas (90%)
mora na zona urbana
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85,7% da população é

alfabetizada.

Baseado nos indicadores de educação, longevidade e renda, o Índice de desenvolvimento


Humano IDH Municipal é 0,728. O município está situado na faixa de desenvolvimento humano alto
(IDHM entre 0,700 e 0,799).
A contribuição dos royalties representa quase 60% da receita municipal.

Os Quilombos de Aleluia, Batatal e Cambucá

As comunidades estão localizadas às margens da Rodovia RJ 190 e distantes do centro do


município de Campos dos Goytacazes/RJ aproximadamente 45 km. De acordo com a liderança,
atualmente residem 75 famílias na comunidade, que totalizam aproximadamente 350 pessoas.
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Acesso à serviços e Políticas Públicas

Essas comunidades possuem acentuado grau de organização com forte participação no


Sindicato dos Trabalhadores Rurais e no grupo produtivo da agricultura familiar de mulheres, que
trabalham com artesanato e produção de hortaliças em uma horta comunitária. O acesso às políticas
públicas conta com a assessoria técnica da EMATER.
De acordo com a percepção da liderança comunitária poucas pessoas são analfabetas, cerca da
metade dos comunitários possui o ensino fundamental e poucas pessoas possuem Ensino Médio ou
Superior. O acesso ao saneamento básico também é considerado baixo, assim como à saúde, que não
conta com posto de saúde. A unidade de saúde mais próxima fica localizada no Quilombo de Imbé, a
aproximadamente de 11 km de distância.

Acesso à serviços
Saúde Ensino Ensino Ensino Saneamento
Fundamental Médio Superior Básico

Insuficiente Baixo Baixo Baixo Baixo

Quanto aos programas sociais a liderança relatou que a comunidade é atendida pelos seguintes
programas sociais: o Programa Bolsa Família, Renda Melhor e Distribuição Mensal de Alimentos pelo
IDANNF (Instituto de Desenvolvimento Afro Norte Noroeste Fluminense) em parceria com a CONAB
(Companhia Nacional de Abastecimento).

Problemas Ambientais

Durante as atividades do QUIPEA, os problemas ambientais mais importantes apontados pelos


comunitários de toda a região do norte fluminense foram:
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Principais Problemas

• Ausência de saneamento;
• Impactos socioeconômicos e culturais;
• Impactos da poluição
• Falta de saneamento e posto de saúde;
• Desmatamento de áreas verdes.

No 3º Seminário de Formação de Lideranças, realizado em dezembro de 2013, foram apontados


os seguintes problemas ambientais:

• Queimadas da cana;
• Poluição do Rio Imbé;
• Desmatamento da mata ciliar e ocupação irregular da margem do Rio Imbé;
• Uso recreativo do rio causa assoreamento;
• Desmatamento e plantação de cana;
• Falta de planejamento, algumas coisas vão afetar e não é planejado antes (lixo,
agrotóxicos, falta de peixe, etc.).

Desafios e Potencialidades

Em 2011 a equipe do QUIPEA perguntou a comunidade quais eram seus desafios e quais eram
as suas oportunidades:
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Tabela 1. Problemas e Potencialidades em 2011


ALELUIA
Quais são os desafios e dificuldades? Quais são as oportunidades e potencialidades?
 Falta de infraestrutura nas comunidades,  Possibilidade de alavancar as iniciativas existentes
transporte público, acesso às políticas de na área de agroecologia, artesanato e na
saúde, difícil acesso a hospitais e serviço organização comunitária em geral. Formação na área
básico; de associativismo, cooperativismo, cidadania, na
 Pobreza inerente à situação histórica dos área ambiental sobre o SISNAMA, fortalecimento da
remanescentes de quilombos; participação em conselhos de saúde, meio
 Falta de democratização das informações ambiente, entre outros;
relacionadas às políticas públicas;  Potencial para um plano estratégico envolvendo as
 Conflito com o Poder Público Municipal; comunidades (Aleluia, Batatal, Cambucá e Conceição
 Abandono das estradas vicinais para escoar do Imbé. Esse plano pode oferecer roteiro turístico
a produção e deslocamento dos rural com identidade quilombola.
quilombolas em ambulâncias.
BATATAL
 Difícil acesso aos bens públicos, ao  Potencialidade para o turismo rural, resgate das
transporte, ao tratamento de Saúde, ao tradições da cultura negra, trabalho de pequena
sistema escolar acima do fundamental e ao agricultura. Projetos que sustentem os jovens nas
trabalho especializado; comunidades e a manutenção de suas identidades
 O conflito se expressa com o poder público culturais;
municipal mais explicitamente, embora as  Potencial para um plano estratégico envolvendo as
competências das esferas governamentais comunidades de Aleluia, Batatal, Cambucá e
não sejam bem claras para as Conceição do Imbé. Esse plano pode oferecer roteiro
comunidades. turístico rural com identidade quilombola.
CAMBUCÁ
 Pobreza, abandono por parte dos poderes  Essa comunidade possui um ambiente natural muito
públicos; propício à prática de esportes radicais, o que reforça
 Descontentamento com o poder público a ideia de ter um plano estratégico que venha a
municipal. beneficiar a comunidade local e seus jovens.
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Essas mesmas perguntas foram feitas às Lideranças em 2014: será que algo mudou?

Tabela 2. Problemas e Potencialidades em 2014


ALELUIA
Quais são os desafios e dificuldades? Quais são as oportunidades e potencialidades?
• O acesso melhorou, mas continuassem posto • Hoje existem na comunidade o Grupo Produtivo de
de saúde; Mulheres da Agricultura Familiar e de resfriadores de
• Não se alterou; falta saneamento básico; leite;
• O acesso à informação tem aumentado na
•O curso de inglês contribui para a aproximação e
medida em que aumenta o reconhecimento da
organização da comunidade;
identidade quilombola, especialmente entre os
jovens; •Atualmente há a horta comunitária (com participação

•O poder público não reconhece a da comunidade nas decisões sobre comercialização e


comunidade; produção e preservação ambiental). A horta foi

• Transporte público insuficiente no horário desenvolvida no âmbito do projeto Saberes da terra


noturno, que é importante para os jovens Ministério da Educação (MEC, Ministério do
universitários. Desenvolvimento Agrário – MDA e Ministério do

 Falta escola para o segundo ciclo do Trabalho e Emprego – TEM);


ensino fundamental. • O território da comunidade é ambientalmente
preservado, com grande potencial para turismo. Há a
intenção de desenvolver projeto de turismo de base
comunitária com a mobilização dos jovens.

BATATAL
• Permanecem os problemas de acesso à • A comunidade possui duas fábricas de queijos e os
saúde (falta de ambulância e posto de quilombolas são produtores de leite.
saúde); houve melhoria na frequência de • Possuem grupos de dança e teatro religioso.
ônibus desde 2011, no entanto, o • Estão discutindo a questão da educação quilombola via
atendimento permanece insuficiente no PRONERA/ ISEPAM.
horário noturno, que é importante para os •Promoveram, por conta própria, um curso de tratorista
jovens universitários; e operador de retro escavadeira apoiado pela Secretaria
Municipal de Agricultura e Emater.
• Falta escola para o segundo ciclo do ensino
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fundamental

•O poder público não reconhece a


comunidade.

CAMBUCÁ
• Não possuem rede de alta tensão; dependem • O curso de inglês contribui para a aproximação e
dos serviços de saúde de Conceição do Imbé. organização da comunidade;
• Promoveram, por conta própria, um curso de tratorista
• Não possuem rede de abastecimento de água
e operador de retro escavadeira apoiado pela Secretaria
potável;
Municipal de Agricultura e Emater.
• Há um aumento da violência e não existe
estrutura de segurança pública próxima.
• O poder público não reconhece a
comunidade.

Sobre os alunos dos Cursos Comunitários do QUIPEA

O QUIPEA trouxe para as comunidades de Aleluia, Batatal e Cambucá os cursos de Inglês (15
participantes), solda (21 participantes) e eletricista predial (17 participantes), respectivamente. Conheça
um pouco do perfil dos alunos que fizeram os cursos!
A maioria dos alunos tem Ensino Fundamental Incompleto, uma parte considerável possui o
Ensino Médio Completo, poucos possuem o Ensino Médio Incompleto e bem poucos o Ensino Superior
Incompleto.

3,03 %

Primeiro ciclo do Ensino


Fundamental
Segundo ciclo do Ensino 24,24 %
Fundamental 39,39 %
Ensino Médio Incompleto

Ensino Médio Completo 12,12 %

Ensino Suprior Incompleto


21,21 %
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De acordo com a percepção da liderança quilombola, as principais atividades econômicas


exercidas nas comunidades são a agricultura, pecuária e avicultura, promovido pelo Projeto Rio Rural.
Muitos alunos que frequentaram os cursos declararam que não estão trabalhando (25,81%). Entre os
que trabalham, declararam que exercem atividades na agricultura/pecuária, comércio e serviços e
construção civil.
Os alunos também foram perguntados quanto ao encanamento de água e rede de esgoto. A
grande maioria declarou ter acesso à água corrente, vinda da cachoeira, e não ter acesso à rede de
esgoto. Todos os alunos declararam que usam fossas sépticas em suas residências.

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