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- Voltamos a estudar mais uma parábola registrada apenas por Mateus e que nos
mostra mais um aspecto do reino de Deus. Desta feita, Jesus ilustra o dever de
perdoar, que é um dever indispensável de cada filho do reino.
- No capítulo 16, Mateus revela o grande mistério divino, qual seja, a Igreja, que,
fundada por Jesus, haveria de prosseguir a Sua obra durante a dispensação da
graça. Alicerçada sobre o Cristo, o Filho de Deus vivo (Mt.16:16-18), a Igreja, após
o sacrifício vicário de Jesus, deveria ser o instrumento da reconciliação entre Deus
e os homens, por intermédio de Cristo. A partir de então, o evangelista começa, em
sua narrativa, a indicar características desta Igreja, da agência do reino dos céus,
de que tanto já se falara em seu livro.
- Logo após anunciar a Igreja, dizendo, inclusive, que o inimigo estaria sempre a
batalhar contra ela (prova disso é que Satanás tomou ocasião com relação ao
próprio Pedro, aquele mesmo cuja declaração proporcionara a revelação da Igreja-
Mt.16:18-23), Jesus ensinou os discípulos sobre a renúncia como condição para
uma vida de comunhão com Deus(Mt.16:24-28), como também, a um pequeno
grupo de discípulos, mostrou-lhes a Sua glória, na transfiguração, para comprovar
que a Igreja estaria sob o manto da glória divina(Mt.17:1-13). Em seguida, o
evangelista relata mais um milagre do Senhor (Mt.17:14-23), bem como o
pagamento do tributo pelo próprio Jesus, ainda que de forma miraculosa, para
comprovar que o reino dos céus não nos dispensa das obrigações cívicas(Mt.17:24-
27).
- Esta parábola só é registrada em Mateus, o que, aliás, se explica pelo fato de que
se trata de uma discussão a respeito do limite do perdão, que, apesar de ser,
também entre os judeus (que é o público-alvo deste evangelho), uma virtude das
mais elogiáveis, encontrava certos limites entre os rabinos (os mestres judeus).
Com efeito, tendo por base algumas passagens do livro de Amós (Am.1:11,13;
2:1,6), onde se anunciava a expressão divina “por três transgressões ou por
quatro”, entendia-se que uma pessoa poderia ser perdoada três ou quatro vezes
por alguém, que seria este o limite do perdão a alguém. Alguns, mais “liberais”,
chegaram mesmo a afirmar que o limite do perdão seria de sete vezes, baseando-
se em Pv.24:16, tendo sido, talvez, esta a discussão que levou Pedro a indagar a
Jesus qual o limite de perdões que se deveria dar, adotando, inclusive, a corrente
mais favorável existente. Para sua surpresa, porém, Jesus mostra-lhe que a
dimensão do reino de Deus está bem acima do mais liberal intérprete da lei.
Simplesmente, não haveria limite para o perdão. Não se teria sete perdões, mas,
muito mais do que isto, setenta vezes sete, expressão que não significa,
literalmente, quatrocentas e noventa vezes, mas que tem como sentido “sempre”,
ou seja, não há limite para o perdão entre os filhos do reino.
- É bom que se diga que os judeus não eram avessos ao perdão. A tendência de
alguns é considerar os judeus como contrários ao perdão, contrapondo o perdão
cristão a um suposto “olho por olho, dente por dente” da lei judaica. O judaísmo,
fruto das mesmas Escrituras que compõem o Antigo Testamento cristão, não
poderia deixar de levar em conta o perdão e a misericórdia que, afinal de contas,
são características do mesmo Deus que Se revelou tanto a Israel quanto à Igreja,
Deus que Se mostrou a Israel como Deus piedoso e misericordioso, tardio em irar-
Se (Ex.34:6; Ne.9:17; Jl.2:13; Na.1:3). Jesus, como sempre, apenas deu a
completa dimensão desta concepção judaica, que sempre teve em conta o valor e a
necessidade do perdão.
OBS: “…O perdão, diziam os antigos rabinos, era um aspecto ativo do amor. Exigia da parte do indivíduo o
exercício da contenção moral e força para vencer as emoções mesquinhas e rancorosas nele porventura
despertadas pela conduta hostil dos demais. O perdão estava entre os valores éticos mais louvados pelos
antigos escribas e fariseus – os mestres rabínicos de ética que viveram na Era da Segunda Comunidade na
Judéia.(…). Precedendo de dois séculos o fundador do cristianismo em Seus ensinamentos de amor, humildade,
caridade e perdão, encontramos a seguinte exortação no Testamento de Gad [documento apócrifo judaico,
observação nossa]: ‘ Amai-vos uns aos outros de coração e se um homem pecar contra ti, fala pacificamente
com ele… e se ele se arrepender e confessar, perdoa-o…Mas se ele não se envergonhar e persistir no mal,
mesmo assim perdoa-o.’…” (Nathan AUSUBEL. Valores éticos judaicos. In: A Judaica, v.6, p.903-4).
- Em Seu ensino sobre o reino dos céus, Jesus diz que se pode compará-lo a um
certo rei que quis fazer contas com os seus servos. O primeiro elemento da
parábola, portanto, é o rei, a nos demonstrar que não há como aprendermos a lição
sobre o perdão se não nos voltarmos, em primeiro lugar, para o rei.
- Este rei é o símbolo de Deus. Disto temos absoluta convicção, porque Jesus, ao
término da parábola, faz a aplicação, ao dizer que, assim como o rei tratou o servo
incompassivo, assim Seu Pai haveria de tratar aquele que não perdoasse os seus
irmãos, indicando, deste modo, que o rei outro não é senão o Pai celestial
(Mt.18:35).
- O rei é o soberano, ou seja, aquele que governa sobre os demais e que não tem
pessoa alguma acima de si. Jesus dá-nos a idéia de um típico rei oriental, com sua
corte, que, periodicamente, chama os seus principais assessores para um ajuste de
contas. O rei é a autoridade máxima, cuja vontade é a única lei existente.
- Deus é soberano. É o Senhor da terra e dos céus, ao qual todos nós devemos
prestar contas, no momento que o Senhor quiser. Quem chamou para prestar
contas foi o rei. Deus tem o direito de chamar o homem para o ajuste de contas,
visto que o Senhor é o dono de tudo (Sl.24:1) e o homem, como simples mordomo,
tem de prestar contas ao Senhor.
- Observemos, porém, que este ajuste de contas não é um ajuste de contas geral.
O rei não chamou para este ajuste todos os seus súditos, mas, sim, pessoas que
pertenciam à sua corte. O servo chamado era uma pessoa que gozava de grande
confiança do rei, a ponto de lhe ter sido emprestada uma quantia extremamente
grande do tesouro real. O rei não iria fazer um empréstimo desta natureza a
qualquer súdito, a uma pessoa comum do reino, mas a alguém que gozasse de sua
confiança, a um assessor especial, para nos utilizarmos de uma expressão dos
nossos dias.
- Este servo não era qualquer um, não era um “zé ninguém”. Prova disso é que, ao
se encontrar com o outro conservo, que lhe devia, não só quase o sufocou, ou seja,
usou de violência, o que seria admissível somente para quem tivesse um certo
poderio na sociedade, teve autoridade para lançá-lo na prisão, ou seja, não pediu a
outrem que o prendesse, mas ele mesmo o fez, prova de que possuía uma certa
reputação no reino.
- Outra prova de que o servo não era qualquer súdito, mas um participante da
corte, temos no fato de que, assim que o servo lançou o conservo na prisão, os
outros conservos, contristados, foram, imediatamente, ao encontro do rei para lhe
contar o caso. Ora, os conservos, ou seja, companheiros do servo cruel, eram
pessoas que também tinham livre acesso ao rei, tanto que logo lhe contaram o
acontecido, ou seja, estava-se diante de um servo que era integrante ativo do
corpo de auxiliares do rei.
- Isto nos mostra que este ajuste de contas simboliza o próprio julgamento da casa
de Deus, ou seja, é uma demonstração que os servos do Senhor não estão imunes
ao julgamento, pois isto decorre da nossa própria humanidade, da nossa condição
de mordomos do Senhor, algo que não deixamos de ter com a salvação. A salvação
envolve o perdão dos pecados e o restabelecimento de nossa comunhão com Deus,
mas, de forma alguma, retira a nossa qualidade de homens, de mordomos do
Senhor. Com esta parábola, Jesus enfatiza que o julgamento é uma realidade
também para a Igreja.
- O ajuste de contas é resultado da vontade de Deus. Jesus informa que o rei quis
fazer contas com os seus servos. Nada poderá impedir o nosso ajuste de contas
com Deus, pois isto é resultado da Sua vontade e, sabemos todos, Deus não muda
nem nEle há sombra de variação (Tg.1:17). Ante a realidade da prestação de
contas, cumpre-nos apenas nos preparar para ela, pois a oração do servo do
Senhor deve ser apenas “seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu”.
- O rei, diz-nos a Palavra, apesar de ser soberano, apesar de não haver quem lhe
mandasse, era compassivo. “…O senhor daquele servo, movido de íntima
compaixão…” (Mt.18:27). O rei tem compaixão. Ora, o que é compaixão?
Compaixão é “…o sentimento de pesar que nos causam males alheios…” (Dicionário
Koogan-Larousse), é sentir o sentimento dos outros, é compartilhar o sentimento
alheio.”…É sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem,
acompanhado do desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia
que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor.” (Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa). O rei tinha esta capacidade. Pôde verificar a dor e o
desespero do seu servo ao ver que perderia para sempre não só seu patrimônio,
mas também seus entes queridos que, como mandava a lei daquela época, tinham
de ser vendidos como escravos para que se fizesse caixa para o pagamento da
dívida (cfr. II Rs.4:1). Diante deste sentimento de compaixão, tomou uma atitude
singular: ao invés de dar o prazo pedido pelo servo, resolveu perdoar a dívida. O
rei é compassivo, é misericordioso, vai além da lei e do dever para eliminar uma
dor de um servo seu.
- Esta é a única razão pela qual o homem pode ter esperança: Deus é compassivo.
Deus sente a nossa dor, a nossa aflição, a nossa tristeza. A compaixão de Deus se
intensificou ainda mais com a Sua humanização, na pessoa do Filho, humanização
que se fez com o propósito de exercício desta misericórdia (Hb.2:16-18). É a
Igreja, portanto, uma realidade que nasce desta plenitude de compaixão e de
misericórdia.
- O rei, porém, é justo. Sua misericórdia é sua nota característica, mas isto não
elimina a sua justiça. Ao tomar conhecimento da falta de misericórdia do servo
incompassivo, ao verificar a injustiça cometida, não deixou de exercer a sua
legítima autoridade e, como não havia ainda quitado o débito, determinou que o
servo fosse conduzido à sua presença e o sentenciou, mandando-o à prisão, onde
ficaria até pagar a dívida, ou seja, para sempre, já que a dívida era impagável.
Deus é bom, mas também é justo e, embora seja capaz de perdoar os homens, de
desconsiderar os seus erros, não tem como deixar de dar o devido pagamento ao
pecado, à injustiça, à iniqüidade. Deus é um ser moral e, como tal, tem de ser
justo.
- Muitos insistem que Deus é bom e, por isso, não mandará jamais um ser humano
ao inferno, ao sofrimento eterno. Enganam-se, porém, porquanto o Senhor é bom,
perdoa as nossas faltas, mas, também, é justiça e, no momento apropriado,
chamará os homens que se recusaram a se submeter a Ele para o devido acerto de
contas, quando, então, não lhes restará coisa alguma a não ser o padecimento
eterno, a eterna separação de Deus, “porque o salário do pecado é a morte, mas o
dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm.6:23).
- O rei é alguém que, embora seja soberano, embora detenha o poder, ouve os
seus servos e os atende. Deus é um ser que tem prazer em Se comunicar com o
homem, como nos revelam as Escrituras desde quando o primeiro casal desfrutava
de plena comunhão com o Senhor (Gn.3:8). Nosso Deus não tem Seus ouvidos
agravados para não poder ouvir (Is.59:1). Ele está pronto a ouvir o ser humano,
em especial o Seu povo, ainda que sejam provenientes de quem ninguém ouve,
como o povo escravo no Egito (Ex.3:7,9) ou da estéril e incompreendida Ana (I
Sm.1:13-15).
- Deus é rei, mas não Se importa em descer até o nível do miserável pecador para
Lhe ouvir os pedidos (Sl.40:1). É Deus que Se inclina até onde está o necessitado e
o aflito. Sua soberania não O impede de Se dirigir até onde está o mais humilde
dos homens e de estar atento ao que se lhes faz e pronto a livrá-lo (Sl.72:12).
OBS: “…Só se tem ousadia quando se tem confiança em alguém ou em alguma coisa. E nossa ousadia,
conforme descreve o autor sagrado, advém do merecimento que nos é concedido ‘pelo sangue de Jesus’(…).
Isto sim nos dá ousadia – e devemos colocá-la em prática! Pois através desta confiança que temos no sangue
de Jesus passamos a ter ousadia, não apenas para entrar no santuário e nos dirigirmos a Ele, como também
pra pregar e, acima de tudo, buscar a santificação.…” (Severino Pedro da SILVA. Epístola aos hebreus: as
coisas novas e grandes que Deus preparou para vocês, p.192-3).
- O rei tanto ouviu o servo incompassivo quando este lhe pediu um prazo para
pagar a dívida, dando-lhe muito mais do que o que havia pedido, qual seja, o
perdão de toda a dívida, como também ouviu o clamor dos conservos quando,
indignados, lhe relataram a injustiça cometida pelo servo incompassivo, tomando a
providência que o caso requeria. O rei, assim, sempre ouviu os clamores, mas
tomou a decisão que lhe aprouve tomar.
- Isto nos mostra, também, que o rei está atento ao clamor dos seus servos, mas
que não abre mão do seu direito de decisão. Deus está atento aos nossos pedidos,
ouve-os, mas decide conforme a Sua vontade. Esta realidade, que nos é trazida, de
forma cristalina, pela parábola, tem sido esquecida de muitos que devem atentar
para o ensino que Jesus nos dá. O servo incompassivo pediu um prazo para fazer o
pagamento, o rei lhe concedeu o perdão da dívida. Os conservos declararam ao rei
o que havia acontecido, com certeza tencionando a reparação do erro cometido,
tendo o rei revogado o perdão que fora dado. O rei decidiu conforme a sua
vontade, porque é o soberano, aquele cuja vontade é suprema.
- Devemos, pois, aprender esta lição. Temos todo o direito de pedir a Deus o que
quisermos, temos livre acesso a Ele, já que somos Seus servos. Entretanto, Deus
tem todo o direito de decidir conforme a Sua vontade, pois Ele é o Senhor. O rei
não estava obrigado a perdoar a dívida do servo incompassivo, mas o fez, dentro
do seu poder. O rei também não estava obrigado a manter o perdão diante da
injustiça cometida contra o outro servo e, por isso, revogou-o. Não devia satisfação
a quem quer que fosse, já que havia dado um favor ao servo cruel de sua livre e
própria iniciativa. Não temos “direitos” contra Deus, como ensinam os pregadores
da confissão positiva, pois tudo que recebemos é por graça, por favor imerecido.
Lembremos disto antes que venhamos a “exigir” de Deus alguma coisa.
- A parábola diz que se trata de um dos servos do rei. O rei quis fazer contas com
os seus servos e, por isso, logo no começo, foi-lhe apresentado este servo. A
primeira característica desta personagem, portanto, é que se trata de um servo,
algo que muitas vezes nos esquecemos, até por causa do título tradicional da
parábola, que faz com que nos detenhamos mais no aspecto de ele ser um “credor
incompassivo”.
- O servo foi apresentado diante do rei e sua dívida era de dez mil talentos. Esta
quantia registrada por Jesus tem o propósito de nos mostrar que se tratava de uma
quantia impagável. Pela cotação da Bolsa de Tóquio de 01.04.2005, a quantia seria
de aproximadamente R$ 637.480.000,00 (seiscentos e trinta e sete milhões,
quatrocentos e oitenta mil reais). Para que tenhamos bem a idéia de que Jesus
queria transmitir que se tratava de um valor impossível de ser saldado, observemos
que, segundo R.N. Champlin, o valor corresponderia a cerca de 60 milhões de
denários. Na época de Jesus, o valor dos impostos arrecadados de toda a Galiléia e
Peréia chegavam, quando muito, a 200 talentos e os da Judéia, Iduméia e Samaria,
a 600 talentos, ou seja, o valor da dívida do servo corresponderia a doze anos e
meio de arrecadação de todas as regiões habitadas por judeus na época de Jesus
na Palestina !
- O pecado aqui é representado por dez mil talentos. O profeta Zacarias simboliza o
pecado, ou impiedade, como um talento de chumbo, um peso de chumbo que
fechava a vasilha onde estava a impiedade. Não há como se livrar do pecado, a não
ser por uma operação divina, miraculosa, como a que é efetuada na visão de
Zacarias (Zc,5:8,9). O pecado tem de ser removido, pois o homem não consegue,
por si só, remover o pecado. Foi este o trabalho feito por Cristo, o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo (Jo.1:29b).
- Apresentado ante a sua dívida, o servo não teve como contestá-la. O rei dispunha
de todas as provas a respeito da dívida e do seu valor. Como, então, impugnar ?
Como, então, negar o que se devia? Será exatamente esta a situação de todo ser
humano quando tiver de comparecer perante o Reto e Supremo Juiz, seja perante o
Tribunal de Cristo, seja perante o Juízo do Trono Branco. “…Não há criatura alguma
encoberta diante dEle, antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos
dAquele com quem temos de tratar.”(Hb.4:13). Será que temos consciência disto?
- Cobrado, o servo não tinha com que pagar. O homem nada tem que possa
satisfazer a justiça divina. A Bíblia diz que tudo é do Senhor e, portanto, não resta
coisa alguma ao homem. Nada tendo, como pode saldar a sua dívida diante de
Deus, já que, voluntariamente, decidiu desobedecer-Lhe ? O servo não tinha com
que pagar, o homem não tem com que satisfazer a justiça divina. É, portanto,
mentirosa toda e qualquer solução que seja apresentada para a salvação do
homem. O homem, por si só, não tem com que pagar.
- Dirão alguns que o homem pode, pelas obras, alcançar a salvação. Mas, tudo o
que fizer de bom, não será mérito seu. Por que não? Se der esmolas, estas
esmolas são resultado do seu trabalho, do seu suor. Entretanto, se o homem pôde
trabalhar, se pôde transformar alguns recursos naturais, estes recursos não eram
seus, mas foram criados por Deus. Se o homem pôde trabalhar, é porque estava
vivo, e a vida não é sua, é um dom de Deus. Como podemos verificar, portanto, as
obras são decorrência da atuação divina, são devidas a Deus, não ao homem.
Portanto, as obras não podem resultar em salvação para o homem, pois sua dívida
com Deus não se diminui com as obras, antes são aumentadas, pois decorrentes de
“empréstimos” dados por Deus ao ser humano.
- A lei, portanto, não livra o homem, mas, bem ao contrário, como explica Paulo na
sua carta aos gálatas, torna o homem maldito, porque, inevitavelmente, o
condenará à perdição (Gl.3:10). Por isso, não podemos querer nos apegar à lei,
pois, por ela, jamais alcançaremos a salvação.
- Há quem veja neste pedido do servo já um sinal de seu caráter. Assim entendeu
Martinho Lutero, para quem o servo, ao agir assim, não reconhecia a gravidade de
sua situação e tencionava tão somente ganhar tempo. Assim, entretanto, não
achamos. Cremos que, nesta atitude, o servo fez o que poderia fazer, ou seja,
apelar para a misericórdia, para a compaixão, para a generosidade do rei. Não
tinha como apelar à lei nem aos fatos. Restava como única esperança o sentimento
de compaixão do rei, a sensibilidade do rei, pessoa que era sua conhecida, pois,
durante anos, valeu-se desta bondade para conseguir os seguidos empréstimos que
recebera.
- O servo não era um indivíduo mal-intencionado, não era alguém que buscava um
“jeitinho brasileiro”, um sem-caráter que, sabendo que sua dívida era impagável,
apenas queria ganhar tempo e ludibriar o rei. Sabia que não tinha como enganar o
rei. Tinha plena consciência de que o rei sabia muito bem quanto, porque, como e o
que devia. Restava a ele, tão somente, recorrer aos sentimentos do rei, que,
inclusive, sabia serem nobres. O homem não tem saída enquanto quiser usar da lei
divina para se salvar, enquanto quiser conversar com Deus em termos de “direitos
e deveres”, como fazem os arautos da confissão positiva. A única esperança do
homem está na bondade, na misericórdia, na graça do Senhor. “…pela graça sois
salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef.2:8).
OBS: O jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio, recentemente falecido, dizia que uma das características do
nosso tempo é o fato de a humanidade ter se despertado para o problema do reconhecimento dos direitos
humanos. Parece-nos que o eminente cientista do direito tem razão, pois este discurso inclusive se inseriu na
Igreja e são muitos os servos que, ao contrário do servo incompassivo, ao invés de clamarem pela graça de
Deus, “exigem” os seus direitos. Como estão enganados, e Jesus, nesta parábola, nos mostra exatamente isto.
- O servo, diz o texto sagrado, “reverenciava” o rei, ou seja, caiu aos seus pés,
prostrou-se, adorou-o, suplicando pela sua misericórdia. Não há outro lugar em que
possamos obter a bênção de Deus, a misericórdia de Deus senão a Seus pés. Como
servos do rei, temos livre acesso a Ele. Podemos chegar ali com ousadia e
clamarmos a Ele. Não precisamos de outro intermediário a não ser de Cristo Jesus,
que nos abriu este novo e vivo caminho. É lamentável vermos muitos, nos nossos
dias, correndo atrás de mediadores para ter um encontro com Deus. Não estamos a
falar dos idólatras explícitos, mas daqueles que estão correndo atrás de servos de
Deus para obter as bênçãos do Senhor, daqueles que estão participando de
“encontros” para receber “unções” de A ou de B, ou, ainda, de pessoas que
precisam ver e adorar anjos para terem a certeza de uma comunhão com Deus. O
servo alcançou misericórdia porque se prostrou diante do rei, mesmo depois de o
rei lhe ter mandado, com seus familiares, para a venda, mesmo depois da ordem
de execução. “Vamos adorar a Deus, vamos invocar Seu nome, vamos adorar a
Deus!”.
- O rei, ouvindo o clamor do servo, não se conteve. Como vimos, ele é compassivo,
e, por isso, fez algo que não estava sequer na imaginação do servo. Enquanto o
servo pedia um prazo para fazer o pagamento, prazo que seria mais uma
tolerância, já que a dívida era impagável, o rei resolve, simplesmente, perdoar a
dívida, o que lhe era possível, dada a sua condição de soberano e que não tinha
que dar satisfação a ninguém (hoje, por exemplo, não podem as autoridades
governamentais brasileiras anistiar devedores sem dizer como isto não irá reduzir a
arrecadação).
- Jesus mostra-nos, portanto, que, por vontade unilateral de Deus, pela Sua graça,
alcançamos a possibilidade não de ter um prazo maior para pagamento, não de
adiamento da execução da dívida, mas, muito mais do que isto, temos a
possibilidade de termos a nossa dívida simplesmente perdoada, quitada, paga. O
rei quis fazê-lo, movido de íntima compaixão e, para tanto, mandou Jesus para
morrer em nosso lugar na cruz do Calvário. Por isso, na cruz, Jesus exclamou “está
consumado”, que, no original, significa, “está pago”. Jesus pagou o preço da nossa
salvação, pagou, com a Sua vida sem pecado, a dívida que tínhamos para com
Deus.
- Nesta parábola, Jesus não indica como se realizou o pagamento da dívida, pois
não era este o Seu objetivo. O propósito da parábola é mostrar o valor e o
significado do perdão na Igreja, para o salvo, daí porque não ter adentrado nesta
questão, mas é importante sabermos que o perdão realizado por Deus não se deu
gratuitamente. Para nós, foi de graça, nada custou, mas, para a satisfação da
justiça divina, representou o preço do sangue de Cristo (I Pe.1:18,19).
OBS: Foi, aliás, inspirado nesta passagem bíblica que o Papa João Paulo II, recentemente falecido, defendeu
o perdão da dívida externa dos países mais pobres do mundo, algo que foi considerado como ilegal e imoral por
boa parte dos banqueiros internacionais, mas que não estava fundado em direito nem em legalidade, mas tão
somente na compaixão, na solidariedade internacional. A propósito, a iniciativa papal contou com algum
resultado, pois os principais governos do mundo perdoaram partes consideráveis destas dívidas, principalmente
em relação aos países da África e Ásia.
- O perdão foi decidido, mas não formalizado. O texto sagrado diz que o rei soltou o
servo e lhe perdoou a dívida (Mt.18:27). Entretanto, lembremos, o rei estava
fazendo ajuste de contas com os seus servos e este servo foi apresentado logo no
começo do ajuste. Assim, continuava ocorrendo o ajuste, havia outros servos a
serem cobrados. O rei determinou que fosse solto e decidiu perdoá-lo, mas o
perdão ainda não era definitivo. Para tanto, era necessário que se tivesse a
quitação, ou seja, “…um ato pelo qual ateste inequivocamente que o devedor
pagou…” (Orlando GOMES. Obrigações. 8.ed., p.129). É o que o povo
comumemente chama de “recibo”. Pois bem, segundo a lei judaica, uma obrigação
assumida por escrito, somente seria considerada cancelada quando se destruísse o
documento que a continha, o que, aliás, também se dava na lei romana, o que
explica a figura usada pelo apóstolo Paulo na carta aos colossenses, para dizer que
a nossa cédula (i.e., o documento que continha a nossa dívida) fora riscada e se
encontrava cravada na cruz de Cristo (Cl.2:14). O rei estava ainda em prestação de
contas e não há notícia na parábola de que a cédula havia sido riscada, de que o
perdão havia sido formalizado. Não tinha ocorrido, portanto, a quitação, apesar de
já haver a decisão de perdão, tanto que o servo foi solto e não mandado para a
prisão.
OBS: “…Os sábios distinguiam, por exemplo, entre empréstimos por acordo oral e os feitos com documento
assinado por testemunhas. O último tipo constitui obrigação pública [é o caso da parábola, pois a obrigação foi
cobrada publicamente pelo próprio rei, que mandou trazer o servo à sua presença em ajuste de contas,
observação nossa], e, como, na maioria dos documentos, também havia achraiut nechassim (responsabilidade
por propriedade, isto é, o tomador do empréstimo hipotecava toda a sua propriedade), permitia-se ao
emprestador, no caso de falta de pagamento, tomar da propriedade e bens do devedor uma quantia
equivalente à do empréstimo…” (Adin STEINSALTZ. O Talmud Essencial. In: A JUDAICA, v.7, p.222). Vemos,
pois, que o empréstimo mencionado na parábola é dos que haviam sido feitos por documento e somente
haveria quitação com a destruição do documento ou sua entrega ao devedor, o que não havia acontecido.
- Isto nos fala de que o fato de termos adorado a Deus, aceitado nos submeter a
Ele, assim como o servo fez diante do rei, e, por isso, termos obtido, pela graça de
Deus, o perdão de nossa dívida, isto é, dos nossos pecados, não garante, de
pronto, que nos mantenhamos nesta situação até o final. Com efeito, somos
perdoados e, imediatamente, somos libertos, somos soltos, pois conhecemos a
verdade e a verdade nos libertou (Jo.8:36). Entretanto, isto não significa que não
se possa perdê-lo, pois ainda não houve a quitação, a formalização deste perdão.
“…Jesus, nesta parábola, ensina que o perdão divino, embora seja concedido
graciosamente ao pecador arrependido, é, também, ao mesmo tempo
condicional…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Mt.18.35, p.1426).
OBS: É interessante notar que o costume oriental era, mesmo, o de se fazer documento da dívida. O Alcorão,
por exemplo, recomenda este procedimento, como vemos no versículo que ora transcrevemos: “…Ó fiéis,
quando contrairdes uma dívida por tempo fixo, documentai-a; e que um escriba, na vossa presença, ponha-a
fielmente por escrito; que nenhum escriba se negue a escrever, como Deus lhe ensinou. Que o devedor dite, e
que tema a Deus, seu Senhor, e nada omita dele (o contrato). Porém, se o devedor for insensato, ou inapto, ou
estiver incapacitado a ditar, que seu procurador dite fielmente, por ele. Chamai duas testemunhas masculinas
de vossa preferência, a fim de que, se uma delas se esquecer, a outra recordará. Que as testemunhas não se
neguem, quando forem requisitadas. Não desdenheis documentar a dívida, seja pequena ou grande, até ao seu
vencimento. Este proceder é o mais eqüitativo aos olhos de Deus, o mais válido para o testemunho e o mais
adequado para evitar dúvidas…” (2:282a)
- Nós, também, temos sido libertos pelo Senhor Jesus dos nossos pecados,
devemos, a partir de então, correr com paciência a carreira que nos está proposta,
ou seja, passar a viver de acordo com a vontade de Deus, mantendo-nos separados
do pecado a cada instante, até o fim de nossa carreira, quando, então, seremos
novamente chamados à presença do Senhor, seja por ocasião de nossa morte
(Hb.9:27), seja por ocasião do arrebatamento da Igreja (I Ts.4:17).
- O servo saiu da presença do rei, estava livre e deveria esperar tão somente a
formalização do perdão, mediante a quitação da dívida, o que ocorreria,
certamente, ao término da sessão real de prestação de contas. Eis que, diz-nos
Jesus na parábola, o servo encontrou com um conservo seu, ou seja, com alguém
que também estava sob o governo do rei, com alguém que pertencia ao mesmo
grupo que participava da corte real. Este conservo é identificado por Jesus como
sendo um irmão (Mt.18:35), ou seja, tratava-se de um semelhante, de um outro
ser humano, de um próximo, para nos utilizarmos da expressão bíblica que foi
consagrada por Cristo.
- Não vamos dizer aqui que o “irmão” mencionado por Jesus represente tão
somente os salvos, os “domésticos da fé” (Gl.6:10). Evidentemente que os salvos,
os domésticos da fé estão incluídos aqui. No entanto, o contexto da parábola
indica-nos que Jesus não se restringiu apenas aos filhos do reino. O “irmão” aqui é
todo e qualquer ser humano. Lembremo-nos de que o servo era um pecador até há
poucos instantes atrás e o conservo que encontrou não é diferente. Jesus mostra-
nos que todos os homens são iguais diante de Deus, todos são pecadores
(Rm.3:23; 5:12), de modo que não existe ninguém que seja melhor do que
outrem. O pecado a todos nivela e, se obtivemos o perdão divino, isto não é
decorrência de algum mérito que tenhamos tido, mas fruto único e exclusivo da
graça divina.
- O servo encontrou-se com o conservo, que lhe devia uma quantia irrisória. Jesus
diz que a dívida era de cem denários ou cem dinheiros, quantia correspondente a
cem dias de trabalho de um assalariado, ou seja, três meses e um terço dias de
serviço, valor perfeitamente passível de pagamento por parte de alguém que,
mesmo que não tivesse a posição social do servo perdoado, não era um “zé
ninguém”, já que se tratava também de um servo da corte real. A quantia era,
realmente, insignificante em si mesma. Os intérpretes entendem que a quantia
representava menos de 30g de ouro, ou seja, se adotada a cotação da Bolsa de
Tóquio de 6 de abril de 2005, equivaleria a cerca de R$ 1.111,00 (um mil e cento e
onze reais), um valor que, comparado ao que fora perdoado pelo rei,
corresponderia a 0,00001742799 da dívida perdoada.
- Ao encontrar o conservo, o servo não se conteve e logo lhe foi cobrar a dívida.
Este comportamento, para a ética judaica, já era considerado inadequado. Havia
uma regra tradicional segundo a qual “…os empréstimos nunca devem ser cobrados
dos pobres ou desafortunados. Ainda a respeito dessa posição, o grande moralista
rabínico da Renânia, Judá Chassid, morto em 1217, aconselhava: ‘Se você houver
emprestado dinheiro a um pobre que não pode devolvê-lo, quando o vir aproximar-
se, afaste-se discretamente, para que ele não pense que você vai cobrar…” (Nathan
AUSUBEL. Empréstimos. In: A Judaica, v.5, p.259). Assim, a ética já mandava que
o servo, ao ver o conservo, dele até se distanciasse, para que não causasse a
impressão de que estaria a cobrar o débito, ainda mais quando acabara de ser
perdoado de uma dívida imensamente maior.
- Tem sido este, lamentavelmente, o caminho escolhido por muitos que alcançam a
salvação em Cristo Jesus. Adotam a lei como critério de julgamento, como critério
de relacionamento com os demais homens, esquecidos que, pela lei, estariam
malditos diante de Deus. Não estamos aqui a falar, em absoluto, dos judaizantes,
daqueles que defendem o retorno à lei de Moisés, já existentes desde os primórdios
da história da Igreja, como nos mostram o livro de Atos dos Apóstolos ou as
epístolas paulinas e aos hebreus, mas, sim, daqueles que insistem em estabelecer
um relacionamento legalista com os seus semelhantes, os “modernos fariseus”
mencionados no famoso hino sacro da coletânea Salmos e Hinos, o mais antigo
hinário evangélico brasileiro.
- Muitos salvos têm, logo após o desfrute da graça multiforme de Deus, criado
regras, leis e regulamentos que são impostos a outras pessoas igualmente salvas,
criando um jugo, um fardo que é dificílimo de carregar. Agem sem qualquer
misericórdia, são duros e inflexíveis no relacionamento com as demais pessoas,
sejam ou não crentes. São pessoas que não admitem qualquer tolerância, que não
agem com o coração, mas unicamente com regras, leis e fazem questão de ser
“duros na queda”. Tais pessoas não demonstram, desta maneira, terem
compreendido a salvação que desfrutaram, não revelam estar inseridas na Igreja,
serem ramos da videira verdadeira.
- O salvo genuíno não usa a lei como critério de vida. O salvo genuíno teve
derramado em seu coração pelo Espírito Santo o amor de Deus (Rm.5:5) e, por
isso, vive de acordo com a lei do espírito de vida, em Cristo Jesus, porque foi esta a
lei que o livrou da lei do pecado e da morte (Rm.8:2). “…Ao entrar na comunidade
[de Jesus, i.e., a Igreja, observação nossa], cada pessoa já recebeu do Pai um
perdão sem limites (dez mil talentos). A vida na comunidade precisa, portanto,
basear-se no amor e na misericórdia, compartilhando entre todos esse perdão que
cada um recebeu.…” (BÍBLIA SAGRADA, Edição Pastoral, nota a Mt.18:21-35,
p.1264). “…À medida que entendemos o completo perdão de Cristo em nossa vida,
devemos demonstrar uma atitude de perdão em relação aos outros. Se não o
fizermos, colocamo-nos acima da lei do amor de Cristo.” (BÍBLIA DE ESTUDO
APLICAÇÃO PESSOAL, nota a Mt.18.35, p.1257).
- Jesus ensinou, no sermão do monte, que a medida com que medirmos, seremos
medidos (Mt.7:2) e, ao usar a lei como critério de relacionamento com o próximo, o
servo mal sabia que estava decretando a sua própria sentença de morte, como
veremos na conclusão da parábola de Jesus.
OBS: “…Ainda que não sejam, necessariamente, antagônicos ao meio, é muito mais fácil e aparentemente
mais conveniente unir-se aos extremos do que se unir ao centro. Baseando-se na incompreendida relatividade
geral, segundo Einstein, a energia e o poder emanam do centro que libera a força motora por intermédio da
inércia, portanto, a força é produzida no centro e não nos extremos, que representam apenas a reação (a força
motriz). Ela nunca poderá ser mais importante do que o meio que a produz. Assim também, o bom senso
estará sempre na intermediária, entre uma e outra extremidade está o centro. O bom senso deve ser o fiel da
balança, seja qual for a situação.(…) a maioria das forças extremistas são libertinas e incoerentes com os fatos.
(…). Queremos adverti-los que, na lei de Deus e da física teórica e analítica, os extremos são lugares perigosos,
seja de direita, seja de esquerda. Os extremos são lugares eminentemente inseguros, onde, certamente,
estaremos prestes a cair no vazio e sermos asfixiados pela falta de ar rarefeito suscitado pela velocidade de um
corpo em queda livre, onde, quer se queria ou não, a massa será devolvida ao ponto de partida, pela força
superior da gravitação que atrai todas as massas convergindo ao centro. Se examinar esta nossa suposta teoria
com coerência, verá que, se isso de fato lhe acontecer, seu corpo será projetado num abismo profundo.…”
(Ailton Muniz de CARVALHO. O Cristo Desconhecido, p.209-10).
- O conservo, então, usa das mesmíssimas palavras que o servo havia usado para o
rei: “sê generoso para comigo e tudo te pagarei”. O conservo, aqui, faz a mesma
súplica, só que em condições muito mais razoáveis que as que haviam sido
apresentadas ao rei. O conservo também não discute a dívida, mas pede um prazo.
Este prazo, aliás, era go factível, pois o valor não era elevado e, assim, o
pagamento era possível, diríamos mesmo, bem provável. Não se tratava de uma
medida paliativa, de um simples adiamento de execução, pois havia a ampla
possibilidade de o conservo saldar a sua dívida. O conservo estava a pedir uma
moratória, ou seja, uma dilação de prazo para que saldasse o seu débito. Era um
pedido mais do que razoável e que deveria ser atendido por uma pessoa de bom
senso, mas, como disse o pastor Ailton Muniz de Carvalho, na observação supra, o
bom senso não é companhia dos extremistas…
OBS: Para termos uma idéia da insensatez e da dureza manifestadas pelo servo incompassivo, lembremos
que o Alcorão, conhecido por sua dureza no tratamento das questões legais, determina que se o devedor
estiver em uma situação precária, deve ser concedida uma moratória: “…Se vosso devedor se achar em
situação precária, concedei-lhe uma moratória…” (2:280a)..”
- O servo, entretanto, não era animado pelo amor do rei, não tinha este amor em
seu coração, não tinha a mesma natureza do rei. Completamente esquecido do
benefício que havia obtido há pouco, simplesmente não quis atender o pedido do
seu devedor. Pedira um prazo impossível ao rei e recebera o perdão da dívida.
Agora, nem mesmo o prazo razoável solicitado pelo seu devedor concedia. Agia,
assim, embora rigorosamente dentro da lei, com injustiça, com iniqüidade, pois
tratara uma situação infinitamente menos grave que a sua própria com um rigor
enormemente mais excessivo com o que fora tratado. Iniqüidade e injustiça não se
confundem com legalidade. O servo incompassivo agira no rigor da lei, mas este
rigor representava uma grande injustiça. Injustiça é iniqüidade e iniqüidade é
pecado (I Jo.3:4 “in fine”) e pecado é o que não pode haver entre os integrantes da
Igreja, entre os filhos do reino de Deus.
- O filho do reino de Deus não pode agir segundo a lei, mas sua justiça tem de
superar a lei. É esta a lição que Jesus nos dá no sermão do monte (Mt.5:20). Quem
se contentar em apenas cumprir a lei (como se isto fosse possível, pois só Jesus a
cumpriu), não entrará no reino de Deus. A ética do cristão é algo mais elevado,
mais sublime, pois não nos pautamos pelos critérios humanos, mas pelo critério
divino. Por isso, pouco importa se a legislação civil do país se conforma a
comportamentos mundanos, se aceita valores contrários à Palavra de Deus,
porquanto o cidadão dos céus não vive de acordo com estas regras ou estes
regulamentos, mas de acordo com a vontade do Senhor, expressa na Sua santa
Palavra. Ficamos muito tristes ao vermos alguns “crentes” que buscam justificar
suas condutas antibíblicas com base em permissivos legais, ainda invocando a
máxima “dai a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus”. Devemos, sim,
ser submissos à lei de nosso país, mas Deus exige de nós mais do que isto. Exige
de nós que sejamos submissos à lei do céu, à Sua Palavra. Como afirmou Pedro,
corajosamente, aos membros do Sinédrio judaico, a suprema corte aplicadora da
lei: “mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At.5:29 “in fine”).
OBS: A superioridade da lei de Cristo frente à lei humana está bem demonstrada nestes artigos do
Catecismo da Igreja Romana, que transcrevemos:“…O respeito à pessoa humana passa pelo respeito ao
princípio "que cada um, sem nenhuma exceção, deve considerar ao próximo como 'outro eu', cuidando, em
primeiro lugar, de sua vida e dos meios necessários para vivê-la dignamente" (GS 27,1)[Constituição ‘Gaudium
et Spes’, o segundo mais importante documento do Concílio Vaticano II, observação nossa]. Nenhuma
legislação poderia por si mesma fazer desaparecer os temores, os prejuízos, as atitudes de soberba e de
egoísmo que criam obstáculos ao estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Estes
comportamentos só cessam com a caridade que vê em cada homem um "próximo", um irmão. O dever de
fazer-se próximo de outro e de servir-lhe ativamente se faz mais urgente todavia quando este está mais
necessitado em qualquer setor da vida humana. "Quando fizestes a um destes irmãos Meus mais pequeninos, a
Mim o fizestes" (Mt 25,40). Este dever se estende aos que não pensam nem atuam como nós. O ensino de
Cristo exige inclusive o perdão das ofensas. Estende o mandamento do amor que é o da nova lei a todos os
inimigos (cf Mt 5,43-44). A liberação no espírito do evangelho é incompatível com o ódio ao inimigo enquanto
pessoa, mas não com o ódio ao mal que faz enquanto inimigo.” (arts.1931 a 1933).” (tradução nossa de texto
oficial em espanhol).
- O servo poderia ter atendido o clamor do conservo devedor, mas o texto sagrado
diz que ele não quis. Isto nos mostra, uma vez mais, o livre-arbítrio deixado ao
homem. O servo alcançara a sua salvação, fora liberto dos seus pecados, mas a
salvação dependia de haver continuidade na sua vontade de servir a Deus. O servo
não quis fazer o bem ao seu semelhante, o servo não quis seguir a ética que
determinava a moratória, o servo não quis usar de misericórdia. Deus quer a nossa
misericórdia, Deus quer que nos guiemos pelo amor que Ele derramou nos nossos
corações, mas não somos robôs, não somos autômatos, faremos se o quisermos. O
servo incompassivo perdeu a salvação e não teve mais chance de arrependimento,
não porque Deus seja mau, não porque Deus seja contraditório, mas simplesmente
porque o servo não quis ser salvo, não quis obedecer à lei do amor. Para
alcançarmos a salvação, precisamos perseverar até o fim (M.24:13), ou seja,
precisamos querer ser salvos desde o momento do perdão dos nossos pecados até
o instante de sua passagem para a eternidade, seja pela morte física, seja pelo
arrebatamento da Igreja. Amado(a), você quer ser salvo? Querer não é uma
questão de falar, mas uma questão de agir!
- O que o servo incompassivo não tinha observado é que seu gesto havia
repercutido mal entre os seus companheiros, entre os que serviam ao rei. Eles
haviam, certamente, se regozijado quando o rei perdoara a dívida absurda do
servo, mas, agora, viram como o servo agira mal ao nem sequer dar um prazo para
o conservo devedor, que se encontrava preso. O servo incompassivo esqueceu-se
de que não vivia isoladamente, que tinha responsabilidades junto a sua
comunidade, que pertencia a um grupo e que, portanto, jamais poderia agir de
forma a causar escândalo no grupo. Estes companheiros eram seus companheiros
de serviço, como consta em algumas versões das Escrituras e, portanto, faziam
parte da vida do servo, mas isto fora totalmente desconsiderado.
- O salvo deve viver uma vida de intimidade com Deus, deve ter personalidade
própria, deve ser seguro de sua comunhão com o Senhor, mas esta comunhão com
o Senhor o leva, sempre, a levar em consideração os outros, os seus sentimentos,
as suas aspirações, as suas concepções. Paulo mostra-nos isto, claramente, no
capítulo 14 da epístola aos romanos, ao falar da necessidade que temos de não
escandalizar os nossos irmãos. Faz parte do amor “agape”, a consideração do outro
e a mudança de atitudes com o intuito de não enfraquecer a fé e a caminhada do
nosso companheiro de viagem no caminho estreito.
- O servo incompassivo não levou isto em consideração. Para ele, não importava o
que os outros pensassem ou a repercussão de suas atitudes. Se ele recebesse o
que lhe era de direito (mesmo que não tivesse de pagar o que devia), estava tudo
bem. Quantos não pensam assim hoje nas nossas igrejas locais? Quantos não se
importam nem um pouco com a sensibilidade dos mais humildes, dos mais simples?
Paulo não agiu assim. Apesar de todo o seu histórico contra o legalismo judaizante
na Igreja, em nome do amor, atendeu o pedido dos anciãos da igreja em Jerusalém
e procedeu como lhe foi solicitado (At.21:21-26).
- O rei ouviu a oração dos companheiros e tomou providências. Deus ouve o clamor
do Seu povo, como já tivemos ocasião de dizer ao analisarmos o rei da parábola.
Chamou o servo incompassivo. Talvez, quem sabe, tenha o servo comparecido
certo de que receberia a quitação da sua dívida já perdoada, mas isto era fruto
apenas de sua presunção. O rei o chama de servo malvado. Ele era malvado,
porque havia feito o mal. Fizera o que a lei lhe permitira, mas o fato de estar
acobertado pela lei não retira a circunstância de que ele havia feito o mal. Quem
faz o mal, não tem parte com Deus. Pelos seus frutos os conhecereis, diz Jesus, e
Seus discípulos são conhecidos pelas boas obras que realizam (Mt.5:16). Este
servo, entretanto, havia feito o mal, havia pecado.
- O rei é bem claro ao servo. Não pergunta se o servo tinha ou não direito, se tinha
ou não razão. Afirma que, assim como havia usado de misericórdia, o servo deveria
tê-lo feito com relação ao conservo que fora lançado na prisão. Deus exige de Seus
servos perdoados o mesmo critério de graça, o mesmo critério de misericórdia. A
lei vigente na Igreja é a misericórdia, é a compaixão. O servo, por causa do perdão
recebido, não estava obrigado apenas a dar a moratória pedida pelo conservo, mas
estava obrigado a perdoar a dívida, assim como havia sido perdoado.
- O perdão das ofensas cometidas contra nós não é, no reino de Deus, uma
faculdade, uma permissão dada ao ofendido, como é na lei civil, como é na lei dos
homens, mas um dever do filho do reino. É o perdão a nota distintiva da ética do
reino de Deus e não se pode, portanto, querer pertencer a ele sem que se tenha
esta qualidade de perdoar. Não há, talvez, uma peculiaridade tão relevante da
doutrina de Cristo como o perdão. Como vimos, os judeus enaltecem a figura do
perdão, têm-no como “…o aspecto ativo do amor…” e chegam mesmo muito
próximos aos ensinos de Jesus, mas não são poucos os rabinos que impõem limites
a ele. Entre os muçulmanos, o perdão é, sobretudo, uma atitude divina para com o
homem, mas, quando se fala do relacionamento entre homens, é apresentado
como uma recomendação, como uma atitude elogiável, mas jamais imposta como
conduta obrigatória (às vezes, mesmo, é até justificada a sua negativa). Entre
aqueles que defendem a reencarnação, então, o perdão simplesmente inexiste,
ante a lei do “karma” que impõe a purificação contínua para os erros cometidos. É
no perdão, portanto, que se encontra uma demonstração da excelência de nossa
filiação divina por intermédio de Cristo Jesus.
OBS: Vejamos alguns textos do Alcorão sobre o perdão: (1) o perdão como permissão: “…mas, se o[i.e., o
devedor em situação precária, observação nossa] perdoardes, será preferível para vós, se quereis saber…
(2:280b); “…Ó fiéis, em verdade, tendes adversários entre as vossas mulheres e os vossos filhos. Precavei-vos,
pois, deles. Porém, se os tolerardes, perdoarde-los e os indultardes, sabei que certamente Deus é Indulgente,
Misericordiosíssimo.…” (64:14); (2) o perdão negado justificado: “…E o delito será expiado com o talião; mas,
quanto àquele que indultar (possíveis ofensas dos inimigos) e se emendar, saiba que a sua recompensa
pertencerá a Deus, porque Ele não estima os agressores. Contudo, aqueles que se vingarem, quando houverem
sido vituperados, não serão incriminados. (42:40,41).”
- Esta realidade, aliás, ficou bem evidenciada, nos últimos tempos, nos
pronunciamentos e escritos do ex-chefe da Igreja Romana, recentemente falecido,
que, como verdadeira pedra clamante (Lc.19:40), afirmou, em sua mensagem do
Dia Mundial da Paz de 2002, que “…qual é o caminho que leva ao pleno
restabelecimento da ordem moral e social tão barbaramente violada? A convicção a
que cheguei, raciocinando e confrontando com a Revelação bíblica, é que não se
restabelece cabalmente a ordem violada, senão conjugando mutuamente justiça e
perdão. As colunas da verdadeira paz são a justiça e aquela forma particular de
amor que é o perdão. (…)Mas o que significa concretamente perdoar? E perdoar
porquê? … o perdão, antes de ser um facto social, tem a sua sede no coração de
cada um. Somente na medida em que se afirmam uma ética e uma cultura do
perdão, é que se pode esperar numa « política do perdão », expressa em
comportamentos sociais e instrumentos jurídicos, nos quais a mesma justiça
assuma um rosto mais humano. Na verdade, o perdão é primariamente uma
decisão pessoal, uma opção do coração que vai de encontro ao instinto espontâneo
de devolver o mal com o mal. Tal opção tem o seu termo de comparação no amor
de Deus, que nos acolhe apesar do nosso pecado, e o seu modelo supremo no
perdão de Cristo que do alto da cruz rezou: « Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem
o que fazem » (Lc 23, 34). O perdão tem pois uma raiz e uma medida divinas.
Isto, porém, não exclui que se possa acolher o seu valor também à luz de
considerações humanas razoáveis. A primeira delas deriva da experiência que o ser
humano vive em si próprio quando comete o mal: ele apercebe-se então da sua
fragilidade e deseja que os outros sejam indulgentes para com ele. Deste modo
porque não fazer aos outros aquilo que cada um espera que seja feito a si próprio?
Cada ser humano abriga dentro de si a esperança de poder retomar o percurso da
vida sem ficar para sempre prisioneiro dos próprios erros e culpas. Sonha poder
levantar de novo o olhar para o futuro, para descobrir ainda perspectivas de
confiança e empenho. Como acto humano, o perdão é antes de mais uma iniciativa
individual do sujeito na sua relação com os seus semelhantes. Porém, a pessoa tem
uma dimensão social essencial, que lhe permite estabelcer uma rede de relações
com a qual se exprime a si mesma: infelizmente não só para o bem, mas também
para o mal. Consequentemente, o perdão torna-se necessário também a nível
social. As famílias, os grupos, os Estados, a mesma Comunidade internacional,
necessitam de abrir-se ao perdão para restaurar os laços interrompidos, superar
situações estéreis de mútua condenação, vencer a tentação de excluir os outros,
negando-lhes a possibilidade de apelo. A capacidade de perdão está na base de
cada projecto de uma sociedade futura mais justa e solidária.…” (JOÃO PAULO II.
Mensagem do Dia Mundial da Paz de 2002. clique aqui para acessar o link Acesso em
07 abr. 2005).
OBS: É bom lembrarmos aqui o que, aliás, foi ressaltado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando do
seu pronunciamento sobre a morte de João Paulo II, ao dizer que não se poderia deixar de respeitar um
homem que havia perdoado o seu próprio assassino, como fez o Papa em relação a Mehmet Ali Agca, que
tentou matá-lo em 1981 e que, inclusive, quis, não tendo sido autorizado, comparecer aos funerais do chefe da
Igreja Romana. Podemos dizer que, em nossas vidas, como filhos genuínos de Deus, temos tido condutas de
perdão como a de Karol Wojtyla?
- Sem o perdão, não agiremos como filhos do reino. Sem o perdão, não seremos
Igreja. Sem o perdão, não teremos como dizer que temos parte com Deus. O rei,
ao verificar a falta de perdão por parte do servo, viu nele a ausência da natureza
divina, viu nele a falta de comunhão com o rei. O perdão já não mais lhe servia,
pois havia cometido nova iniqüidade. Não havia entrado no reino de Deus, porque
não havia querido seguir a lei do amor, optara por outros caminhos, que não o
caminho traçado pelo rei. Não perseverara até o fim, antes de receber a quitação,
demonstrara maldade. Por isso, não formalizou o perdão, que revogou.
- Alguém poderá dizer que esta revogação contrariaria o caráter divino, já que Deus
não muda e não Se arrepende. Deus não muda e não Se arrepende, mas,
precisamente, por causa disto, não concedeu a quitação do débito do servo
incompassivo. O perdão, como vimos, dependia ainda de uma formalização, não
havia sido dado no sentido técnico do termo. Como o que estava em jogo não era a
lei, mas a vontade do rei, ele poderia, diante dos fatos, negar o seu favor. Era uma
ação justa, pois o servo incompassivo recorrera à lei, preferira a lei à graça e,
assim, seria julgado conforme a lei que escolhera. O rei não estava preso à vontade
do servo, mas, como soberano, não deve satisfação a pessoa alguma, única e
exclusivamente à sua consciência.
- É importante verificar que, nas legislações antigas, o senhor podia, por ingratidão
do servo, inclusive revogar-lhe a concessão da liberdade. Entre os romanos, por
exemplo, a ingratidão do servo em relação ao seu senhor autorizava o retorno à
condição de escravo (a chamada “revocatio in servitutem”). O servo incompassivo,
reduzido que fora à condição de escravo, deveria ser grato ao seu senhor, não
podia desrespeitá-lo ou ser-lhe irreverente. Foi, precisamente, o que ocorreu. O
servo não agiu segundo a lei que lhe fora dada pelo senhor e, por isso, era
novamente reduzido à condição de escravo. A dívida ainda não fora cancelada
formalmente e, por isso, o servo incompassivo perdeu a oportunidade da quitação.
- Nossa cédula foi riscada e cravada na cruz de Cristo e, por isso, nossos pecados
cometidos anteriormente à nossa salvação não mais são lembrados por Deus, nem
são lançados em rosto(Mq.7:19; Hb.8:12). Mas, se praticarmos o mal, se agirmos
com injustiça, se não perdoarmos, estaremos deixando de fazer o bem, o que é
pecado (Tg.4:7). Ora, quem pratica o pecado é do diabo (I Jo.3:8) e, assim, não
pode ser tido como um servo do Senhor (I Jo.3:6). Por isso, seu destino é ser
lançado aos atormentadores para sempre, pois, como sabemos, não havia como ele
pagar a sua dívida.
- É este o procedimento que Deus terá com aqueles que, perdoados de seus
pecados, não perdoarem as ofensas cometidas contra si pelos homens. “…Não se
trata de legalismo ou de uma tática para amedrontar. Pelo contrário, declara a
seriedade do perdão responsável e demonstra como o não perdoar bloqueia o canal
de comunicação e santificação entre Deus e Seu povo…” (BÍBLIA DE ESTUDO
PLENITUDE, nota a Mt.18.35, p.975).”…Por isso, uma pessoa pode ficar sem perdão
divino por ter um coração cheio de amargura, que não perdoa ao próximo(…) a
amargura, ressentimento e animosidade contra o próximo são totalmente
incompatíveis com a verdadeira vida cristã, e que devem ser banidos da vida do
crente…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Mt.18:35, p.1426).
OBS: “…Quem não sabe perdoar, não merece perdão e nem convertido é.” (Osmar José da SILVA. Lições
bíblicas dinâmicas, v.5, p.71).
- É importante aqui observar que Jesus fala da necessidade que temos de perdoar a
quem nos ofende, como, aliás, já retratara na oração do Pai nosso. Não se trata de
pedirmos perdão a quem tenhamos ofendido, que é também nossa obrigação, até
porque toda ofensa que fizermos ao próximo é, em primeiro lugar, ofensa que
fazemos a Deus. Não obstante, quando somos perdoados dos nossos pecados,
somos perdoados de todos os pecados. O Senhor não Se lembra mais deles e,
portanto, caso tenhamos cometido ofensas contra pessoas que já não mais
existem, não precisamos ficar preocupados com isto, pois Deus já nos perdoou e
isto é bastante. Não tem qualquer respaldo bíblico a prática de regressões ou
outras atitudes tendentes a nos fazer “voltar ao passado” para acertarmos as
contas com nossos antepassados ou com pessoas que já partiram para a
eternidade. Por terem morrido, tais pessoas não têm mais condições de nos
perdoar. A ofensa que persiste é a ofensa contra o rei, o pecado, que nos é
perdoado quando aceitamos a Cristo. Assim, é disto que temos de nos preocupar. O
servo incompassivo foi cobrar a dívida do conservo que encontrou, não de um
conservo que havia morrido. Não nos deixemos enganar por estes falsos ensinos
que nada mais são que introdução do espiritismo no meio do povo de Deus.
OBS: “…Deus requer que o ofensor se arrependa, que haja perdão e que haja reparação pelos danos
causados, sempre que for possível. Essa é uma condição básica. O puro amor de Deus cobre uma multidão de
pecados quando o indivíduo não é capaz de corrigir o erro praticado ou de restaurar o danificado, Rm.5.5-8.
Quando estas condições não podem ser preenchidas, o perdão divino é dado somente se o indivíduo, em
imitação ao Senhor, for gracioso a perdoar a seus ofensores.…” (Osmar José da SILVA. Lições bíblicas
dinâmicas, v.5, p.72).
- Por fim, na conclusão da parábola, Jesus dá uma interpretação autêntica, que, por
isso, já foi analisada ao longo deste nosso estudo. Ficou apenas um pormenor a ser
analisado. Disse Jesus que o Seu verdadeiro discípulo perdoa “do coração”
(Mt.18:35), em algumas versões, “do fundo do coração”, “do íntimo do coração.”
Isto significa que se trata, como aduziu acima a citação feita da mensagem de João
Paulo II, que o perdão deve ser, antes de tudo, uma decisão pessoal, diremos mais
ainda, uma manifestação que venha do interior da pessoa. Muitos se contentam
com o “perdão de boca”, com o “perdão sem esquecimento”, com o “perdão
aparente”, com o “perdão cerimonial”.
OBS: É triste nos depararmos com pessoas cujo espírito vingativo é diretamente proporcional às falsas
lágrimas de crocodilo que distilam em seus gabinetes…
- Entretanto, Jesus não é aquele que Se impressiona com as aparências, mas que
conhece o que há no coração do homem (Jo.2:24,25). De nada adiantam as
encenações, as lágrimas de crocodilo, os choros e as representações teatrais. O
perdão deve ser algo que venha do coração, sem o que valor algum terá diante de
Deus. Deus nos perdoou do Seu íntimo, de Sua própria essência e quer que assim
façamos. Somente este perdão verdadeiro, que lança no mar do esquecimento as
ofensas sofridas, que não tem rancor, receio ou desconfiança, é o perdão que
produz a manutenção de nossa comunhão com Deus. Tudo o mais é hipocrisia que
redundará, inexoravelmente, na entrega aos atormentadores. Aprendamos a
perdoar !