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Casa de letrinhas – Metodologia ESSI de Alfabetização

Módulo Pré alfabetização – Aula 9

Desenvolvimento das habilidades sensoriais: audição e memória.

Leitura em voz alta

Para entender a importância e a relevância da leitura em voz alta é preciso


responder uma questão: quando a criança está alfabetizada?

Ela estará alfabetizada quando for capaz de ler com compreensão e fluência, ou seja,
ler com rapidez, precisão e expressão adequada (National Reading Panel, 2000).
Alligton (1983) argumentou há décadas atrás que, embora a fluência seja essencial
para a criança estar alfabetizada essa foi a habilidade de leitura mais negligenciada, e
ainda hoje, em 2021, observando o cenário brasileiro preciso concordar com o autor. A
fluência está relacionada com a velocidade e que nos estágios iniciais de instrução
tende a ser lenta e até trabalhosa e apresenta uma melhora gradual ou incremental
por meio da prática (Samuels, 1979). Será através da prática que a fluência ocorrerá,
portanto, antes de ser fluente a criança precisa aprender a ler. No método fônico a
leitura se dará inicialmente pela rota fonológica, nesse caso a pronúncia da palavra é
construída segmento a segmento por meio da aplicação de regras de correspondência
grafofonêmica, e assim será predominantemente pelo primeiro ano da alfabetização
(Sebra e Capovilla, 2010). No segundo ou terceiro ano, a depender do
desenvolvimento da criança, a pronúncia da palavra passa a ser resgatada como um
todo a partir do léxico, acessada quando a palavra já está pré-armazenada no léxico
mental ortográfico, para isso a criança precisa ter tido acesso prévio as palavras pela
rota fonológica por diversas vezes, repetidamente, e a rota fonológica vai se tornando
mais eficiente e mais rápida conforme a criança já conheça as palavras que ela está
decodificando. Nesse ponto é crucial que criança tenha vocabulário prévio. Ao
decodificar uma palavra pela rota fonológica a criança conseguirá fazer isso mais
rapidamente conforme ela já tenha tido contato prévio com essa palavra, através da
linguagem oral. Ela será capaz de acessar o significado da palavra mais rapidamente
e quanto maior contato prévio com palavras, ou seja, quanto maior o seu
vocabulário, maior será a sua capacidade de ler com maior velocidade, mesmo pela
rota fonológica. Nesse ponto que o vocabulário prévio se encontra com a
alfabetização.

Thais Melissa Lauton Honório - melissalauton@msn.com - IP: 45.180.3.121


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Atenção: há décadas não se nega a importância instrucional na leitura, porém nem só


de vocabulário se vive um bom leitor. Para acessar esse vocabulário prévio esse leitor
precisa primeiro aprender a ler essas palavras. Mas, destaca-se aqui que o vocabulário
acidental que pode ocorrer, por exemplo, com a leitura em voz alta em sala de aula,
bem como a leitura em voz alta em família diariamente, é de grande valia para
subsidiar o aumento do dicionário léxico e nos anos em que se consolida a
alfabetização é essencial já ter tido acesso a diversas palavras e ter um vocabulário
rico. Quanto maior e mais rico o vocabulário maior a chance de se compreender o
que se lê (Brasil, 2019).
A prática da leitura em voz alta é ainda mais relevante, pois estudos demostram e
foram apontados por Morais et al (2013): "que o vocabulário de uma criança de um
meio sociocultural desfavorecido é muito inferior ao de uma criança de um meio
favorecido, mesmo antes de iniciar a leitura. É sabido que a leitura é um poderoso
instrumento de valorização e ampliação do vocabulário. Como a criança do meio
sociocultural mais favorecido adquire mais rapidamente do que a outra as
competências necessárias para aprender a identificar as palavras escritas, ela vai ler
melhor, vai praticar mais a leitura e, por conseguinte, a lacuna entre as duas vai ser
cada vez maior. Isto implica que uma criança de meio socialmente desfavorecido corre
sete a oito vezes mais riscos de se tornar má leitora do que uma criança de meio
favorecido.”
Estudos mostram também que as ações no seio familiar são mais importantes para o
sucesso escolar do que a renda ou escolaridade da família. Isso é válido para crianças
de diferentes etapas da educação básica, quer a sua família seja rica ou pobre, quer
seus pais tenham ou não terminado o ensino médio. Ou seja, ao aplicar efetivamente
as práticas de leitura em voz alta, as diferenças sociais e econômicas podem ser
diminuídas. Sem isso a defasagem no vocabulário entre crianças de 4 anos em famílias
de classe baixa a famílias de classe média a alta é de 30 milhões de palavras (BRASIL,
2019).
Além da justificativa da importância do vocabulário para as crianças vou deixar aqui
também duas frases motivadoras para essa prática, retiradas do Guia de Literacia
Familiar (BRASIL, 2019).
“Um bom leitor é antes de tudo um bom ouvinte”.
“A compreensão oral precede a compreensão textual”.

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Se além do vocabulário as famílias desejam que as crianças compreendam bem os


textos que terão acesso ao longo da sua vida, com início na alfabetização, é importante
que a leitura em voz alta seja praticada e que seja estimulada a escuta atenta e ativa
de histórias pela criança, desde a mais tenra idade. O Painel de leitura dos EUA de
2000, com apontamentos ainda atuais e validados pela ciência da leitura até 2021,
destaca que quanto maior a participação dos pais na educação formal dos filhos, maior
o sucesso no processo de alfabetização e ao longo da vida.
Nesse cenário de extrema importância da participação da família a pergunta que
precisa ser respondida é:

Como praticar a leitura em voz alta?

1 – Apresente o livro: mostre a capa, o nome do autor, ilustrador, tradutor (se tiver),
local que o livro foi escrito.

2 – Apresente o sistema de escrita: passe o dedo nas frases enquanto realiza a leitura,
isso desenvolve a consciência de impressão na criança. Que é a consciência de que a
escrita ocorre numa direção estabelecida, da esquerda para a direita e de cima para
baixo.

3 – Leia com boa entonação e fluência: mude a voz a cada personagem, pronuncie
corretamente as palavras e respeite a pontuação. Uma alternativa para a prática da
leitura em voz alta é a utilização de audiobooks, há, por exemplo, uma coleção
disponível na internet chamada: Conta pra mim do MEC. Mas, utilize essa abordagem
para incrementar a prática da leitura em voz, ou no início enquanto você está
aprendendo como ler para uma criança em voz alta. Nada melhor do que a interação
humana real ao invés da mediação de uma tela ou um áudio.

4 – No final da leitura faça algumas perguntas, como:


 Qual foi a coisa mais divertida que aconteceu no livro?
 Qual foi o seu personagem favorito e o que ele fez?
 Onde estava acontecendo essa história que acabamos de ouvir?

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Com essas perguntas você estará demonstrando interesse pelo que acabaram de ler e
em ouvir a criança. Estará também evidenciando que em toda história há um
personagem que faz alguma coisa em algum lugar.

5 – Incentive a leitura compartilhada: Em alguns momentos da leitura em voz alta


aproveite para perguntar o que a criança acha que acontecerá em seguida, ou alguma
pergunta pertinente quanto à história, aproveite para dialogar. Alterne essa prática
com a leitura em voz alta que a criança só escuta atentamente também. Assim, você
pode utilizar diversas abordagens durante a leitura.

6 – Incentive a narração da história: outra forma de abordar a leitura em voz alta é


pedir para a criança narrar o que acabou de ouvir. Antes explique que isso ocorrerá e
como ela deve fazer. Que ela deverá ouvir atentamente a história lida por você e
depois contar o que aconteceu com a maior riqueza de detalhes que conseguir.
Lembre-se de dar o exemplo para ela antes de como ocorre essa narração. Comece
lendo histórias curtas e com poucos personagens, como é o caso das fábulas.
Leia um exemplo de uma fábula retirada do livro – Moral da história – fábulas de
Esopo de Rosane Pamplona:
A pomba e a formiga
Uma formiga, ao beber água num riacho, distraiu-se e foi levada pela correnteza.
- Socorro! – gritava ela, debatendo-se. – Por favor, alguém me ajude!
Uma pomba que voava por ali ouviu os gritos e mais do que depressa atirou um
pequeno galho para a formiga, que pôde assim chegar à terra firma e se salvar.
- Muito obrigada! – agradeceu ela à pomba. – Nunca me esquecerei do seu gesto.
Dias depois, a pomba estava distraída num galho catando bichinhos e nem percebeu
que um caçador fazia mira para mata-la.
Nesse exato momento, passava por ali a formiga. Ao ver o perigo que sua benfeitora
corria, imediatamente picou com força o tornozelo do caçador. Com a picada, ele se
assustou e errou o tiro.
A pomba, advertida pelo barulho, escapou para bem longe.

Veja que essa fábula é curta e com poucos personagens o que ajuda a criança a
recontar a história. Assim, a criança deve ser estimulada a contar o que ouviu e citar os
personagens, bem como que aconteceu. Não é preciso cobrar o entendimento dela

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quanto a moral da história, você pode ajuda-la nisso. Nesse momento o objetivo é
desenvolver a atenção, escuta atenta e capacidade de recontar histórias e fortalecer a
sua memória. Se essa prática for realizada no ambiente domiciliar, uma ideia é que
vocês tenham um livro de narração. Onde a criança poderá narrar o que ouviu e você
irá escrever o que ela acabou de narrar. Depois pode ler para ela a sua própria
narração. Assim, a criança vai percebendo que o que ela diz tem uma relação com algo
a ser escrito. Essa prática costuma ser divertida e as crianças se envolvem com seus
cadernos de narração. Quando ela estiver alfabetizada essa prática pode ser
continuada por ela, escrevendo com suas próprias palavras o que acabou de ler.

7 - Avalie se a criança está atenta ouvindo a história: escolha um livro que a criança já
conhece a história e promova algumas mudanças nas frases, troque, por exemplo, o
nome de um personagem ou a ação que ele fez. Perceba a reação da criança, esse
momento tende a ser divertido e a faz despertar para a escuta atenta durante a
leitura. Isso é importante, sobretudo para crianças acima de 3 anos, que já podem
concentrar a sua atenção na atividade da leitura em voz alta. Para crianças menores
lembre-se que o tempo de atenção dela é curto e que a simples exposição a leitura já é
uma prática muito benéfica.

Sem dúvida a leitura em voz alta é a prática mais importante e mais eficiente no
ambiente domiciliar. Ela é considerada uma importante facilitadora no processo de
alfabetização e preditora para o seu sucesso (BRASIL, 2019; TRELEASE, 2013). Será
através dessa prática desde cedo que a capacidade de compreensão oral emergirá,
bem como a compreensão do sistema de escrita, introdução ao ambiente leitor,
ampliação da imaginação e, sobretudo do vocabulário. A partir dela outras atividades
podem ser desenvolvidas, como o incentivo à escuta atenta e ativa da criança com
objetivo dela realizar narrações do que acabou de ouvir, conforme explicitado
anteriormente e há também a possibilidade de promover a memorização de poesias
ou parlendas. Para isso você deve escolher leituras curtas de parlendas ou poesias que
possuem uma sonoridade natural durante a leitura e facilita a memorização.

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Como praticar a memorização?

Faça a leitura do texto corrido. Depois leia o texto acumulando as palavras como no
exemplo do vídeo. O poema lido no vídeo segue abaixo. Lembre-se que no início a
memorização é difícil e a criança precisará de exposição e treino. Parlendas
usualmente são mais fáceis e curtas para iniciar a prática de memorização e seguem
abaixo também.

A bailarina

Esta menina

Tão pequenina

Quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré

Mas sabe ficar na ponta do pé

Não conhece nem mi nem fá

Mas inclina o corpo pra cá e pra lá

Não conhece nem lá nem si,

Mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar

E não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu

E diz que caiu do céu.

Esta menina

Tão pequenina

Quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,

E também quer dormir como as outras crianças.

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Parlendas

“Sou pequenina

Da perna grossa

Vestido curto

Papai não gosta”

“Bão, balalão,

Senhor capitão,

Espada na cinta

E dinheiro na mão!”

“Dedo mindinho,

Seu vizinho,

Pai de todos,

Fura bolo, mata piolho”

“Lá em cima do paino

Tem um copo de veneno

Quem bebeu morreu o

Culpado não fui eu”

“Rei, capitão

Soldado, ladrão

Moça bonita

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Do meu coração”

“Sou pequenininha

Do tamanho de um botão,

Carrego papai no bolso

E mamãe no coração”

“O macaco foi à feira,

Não teve o que comprar

Comprou uma cadeira

Pra comadre se sentar

A comadre se sentou.

A cadeira esborrachou.

Coitada da comadre,

Foi parar no corredor”

“Hojé é domingo,

Pede cachimbo.

O cachimbo é de barro,

Bate no jarro,

O jarro é de ouro,

Bate no touro.

O touro é valente,

Chifra a gente.

A gente é fraco,

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Cai no buraco.

O buraco é fundo,

Acabou-se o mundo.”

REFERÊNCIAS

Allington, R. L. (1983). Fluency: The neglected reading goal in reading instruction. The
Reading Teacher, 36, 556-561.

Brasil. 2019. Ministério da educação: Secretaria de alfabetização. Conta pra mim: Guia
de literacia familiar. Disponível em: http://alfabetizacao.mec.gov.br/images/conta-pra-
mim/conta-pra-mim-literacia.pdf

National Reading Panel. 2000. United States of America. Disponível


em: https://www.nichd.nih.gov/sites/default/files/publications/pubs/nrp/Documents/
report.pdf

Samuels, S. J., Miller, N., & Eisenberg, P. (1979). Practice effects on the unit of word
recognition. Journal of Educational Psychology, 71, 514-520.

Trelease, J. 2013. The Read-Aloud Handbook: Seventh Edition. Penguin Books.

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