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mais ou menos radicais de alteração e, do outro, a defesa mais ou menos acirrada
do legado normativo de 1976.
Ora, se durante os primeiros anos que se seguiram à sua aprovação, uma tal
querela possuía uma base objectiva, na medida em que a Constituição de 1976
apresentava, no seu texto originário, feições atípicas num contexto europeu ocidental,
pelo menos a partir da revisão de 1989 a persistência dessa controvérsia —todavia
mantendo-se e renovando-se durante muito tempo e ainda hoje suscitando
anacrónicas irrupções pontuais— perdeu objectivamente razão de ser, de tal forma o
texto constitucional saído das revisões de 1982 e de 1989 conformou definitivamente
a Constituição em vigor como Constituição de Estado de Direito em nada
estruturalmente distinta das demais Constituições dos países que nos são próximos.
Se se quiser, dessas duas revisões saiu um texto constitucional consagrando
as formas políticas típicas de um Estado de Direito social e democrático, com forma
de governo republicana, forma de Estado unitário com regiões autónomas, regime
político de democracia representativa, sistema de governo semipresidencial, sistema
eleitoral proporcional, pluripartidarismo e jurisdição constitucional onde pontifica um
Tribunal Constitucional.
Naturalmente, como qualquer outra Constituição, a Constituição de 1976 é
susceptível ou até carente de alterações parciais, de adaptação, de correcção de
aspectos pontuais, pelo que, sobre essas questões, toda a discussão é legítima e
desejável. Diferente, e destituído de qualquer fundamento objectivo, é considerar a
Constituição como dificuldade, como como algo que de alguma forma perturbe o
normal desenvolvimento da vida política e social, como problema que careça de ser
resolvido. Essa é uma mistificação construída e artificialmente mantida sem qualquer
apoio na realidade.
Não seria, pois, adequado enquadrar o tema das revisões constitucionais na
Constituição de 1976 com base no pressuposto de que persiste entre nós uma
qualquer questão ou querela constitucional. De resto, o ciclo que presentemente
atravessamos, sem qualquer alteração do texto constitucional ao longo de quinze
anos e sem que se suscite qualquer comoção a propósito, é a demonstração mais
eloquente da inexistência dessa querela, o que nos permite abordar com a exigível
objectividade as sete revisões entretanto verificadas.
Verificar-se-á, quanto ao conteúdo das revisões, que também em termos dos
temas que mobilizam as iniciativas de revisão, se podem igualmente distinguir dois
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períodos. Um primeiro, concluído na revisão de 1989, em que se pode dizer que
existia uma necessidade absoluta de rever o texto constitucional: sem a revisão, a
própria existência e estabilização de um Estado de Direito democrático corria riscos,
uma vez que a necessidade de pôr um termo ao período de transição e a necessidade
de adaptação da organização económica haviam tornado essas duas revisões
indispensáveis.
Já após a revisão de 1989, as posteriores revisões, independentemente das
melhorias introduzidas e das adaptações que se tornaram necessárias, apresentam
uma lógica e um sentido mais dificilmente apuráveis. Pode-se dizer que, em geral, as
posteriores revisões ordinárias (1997 e 2004) combinam, em síntese, uma resposta
de resultados duvidosos a um vago apelo à reforma do sistema político e, num plano
de maior pragmatismo político, um aprofundamento sensível e contínuo da autonomia
regional.
Por sua vez, as revisões extraordinárias (1992, 2001 e 2005) têm quase
exclusivamente uma motivação directamente relacionada com as vicissitudes da
integração europeia e das relações internacionais que, assumidas pelo Estado
português, colocam, por vezes, problemas complexos de compatibilização que pode
obrigar ou aconselhar alterações pontuais no texto constitucional.
Abordamos, em seguida, cada uma das revisões constitucionais ocorridas
durante a vigência da Constituição de 1976, distinguindo, em termos de
sistematização, as revisões ordinárias das revisões extraordinárias, e salientando,
para cada uma das revisões, as alterações mais significativas.
II
AS REVISÕES CONSTITUCIONAIS ORDINÁRIAS
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Cf. Primeira Plataforma, B, 3; Segunda Plataforma, 5.4.
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correspondeu à presença transitória dos militares no exercício do poder,
precisamente, até à primeira revisão constitucional; essa presença fez-se
essencialmente através do Conselho da Revolução, órgão político-militar acolhido
como órgão de soberania no texto originário da Constituição de 1976.
Logo, o termo do período de transição, que exigia dos militares o seu regresso
aos quartéis, pressupunha a extinção do Conselho da Revolução e,
consequentemente, a redistribuição dos poderes que até então lhe estavam
atribuídos.
Realizando integralmente o que havia sido previsto, a revisão de 1982
assinalou o termo desse período de transição, reconduzindo plenamente a
arquitectura constitucional ao modelo típico de uma Constituição de Estado de Direito
democrático.
Para além desse significado importante, a revisão de 1982 estabeleceu ainda,
de forma definitiva, pelo menos quanto aos seus elementos essenciais, a
configuração constitucional ainda hoje vigente nos planos do sistema de governo, do
sistema de fiscalização da constitucionalidade e no próprio sistema dos direitos
fundamentais.
Esta revisão teve, portanto, uma relevância ímpar, podendo ser mesmo
considerada de realização imprescindível para a plena institucionalização da nova
ordem constitucional inaugurada com a Revolução de 25 de Abril de 1974, já que, a
não ter existido, se teria verificado uma verdadeira transição constitucional, ou seja,
a Constituição aprovada em 1976, a permanecer intocada, não revista, ter-se-ia
transmutado numa Constituição e num projecto constitucional substancialmente
distintos dos que foram originariamente programados quando foi aprovada. O que
tinha sentido e justificação enquanto fase transitória até à plena instituição e
estabilização de um Estado de Direito democrático seria algo substancialmente
diverso se tivesse resultado em ordem constitucional definitiva e permanente.
É essa importância ímpar que aqui justifica o maior desenvolvimento relativo
que lhe dedicamos no conjunto das várias revisões constitucionais entretanto
verificadas.
Havendo inúmeras alterações ao longo de todo o texto constitucional,
salientamos aquelas que consideramos historicamente mais importantes e que
repartimos sistematicamente pelos seguintes domínios: extinção do Conselho da
Revolução, alteração dos poderes presidenciais com reflexos no sistema de governo,
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referências e enquadramento ideológicos, fiscalização da constitucionalidade e
direitos fundamentais.
O decreto de revisão foi aprovado em votação final global em Agosto de 1982,
com os votos a favor do PSD, PS, CDS, PPM, ASDI E UEDS, com os votos contra do
PCP e da UDP e a abstenção do MDP/CDE.
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dissolução) e na nomeação das chefias militares. Em segundo lugar, houve também
alterações de relevo no relacionamento entre Governo e Assembleia da República.
São essas alterações introduzidas pela revisão constitucional de 1982 que
consideramos de seguida.
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facto de que o Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne
necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições).
Em contrapartida, um outro poder presidencial que, na altura, não era tão
valorizado, mas cuja importância se veio a revelar decisiva no equilíbrio do sistema
político, o poder de dissolução da Assembleia da República (artigo 133º, e)) —que é,
sem dúvida, o poder mais importante do Presidente da República no nosso sistema
de governo—, esse foi substancialmente ampliado na revisão constitucional de 1982.
Até à revisão constitucional, o Presidente da República só podia dissolver a
Assembleia da República se para tanto tivesse parecer favorável do Conselho da
Revolução. Com a revisão, esse passou a ser um poder da única e exclusiva
responsabilidade do Presidente da República, dado que o parecer do Conselho de
Estado é meramente consultivo.
Por outro lado, desapareceram com a revisão de 1982 outros
constrangimentos ao poder de dissolução: até então, o Presidente da República não
podia dissolver como efeito da rejeição parlamentar do programa do Governo (a não
ser no caso de ter havido três rejeições consecutivas) e era obrigado a dissolver a
Assembleia da República quando esta, por ter recusado a confiança ou por ter votado
a censura, tivesse determinado a terceira substituição do Governo.
No plano dos poderes presidenciais, na época foi também demasiado
valorizada uma pretensa diminuição dos poderes presidenciais no domínio da
nomeação das altas chefias militares. Com a revisão, o poder de nomeação e de
exoneração do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, do Vice-Chefe
e dos Chefes de Estado-Maior dos três ramos passou a ser exercido sob proposta do
Governo (artigo 133º, p)). Tal foi entendido como diminuição dos poderes
presidenciais porque, até então, o acto de nomeação e de exoneração era
exclusivamente do Presidente da República. Porém, enquanto que, até então, o poder
presidencial de nomeação das altas chefias militares era atribuído por lei ordinária, o
que lhe dava uma consistência precária, já que poderia ser alterado ou até suprimido
em qualquer altura, agora passou a ser um poder partilhado, é certo, mas de
atribuição constitucional, pelo que adquiriu uma rigidez e dignidade de que até aí não
usufruía.
No âmbito do poder de veto (artigo 136º), foi suprimida a possibilidade de
exercício do chamado “veto de bolso”, a que algumas vezes recorreu o Presidente
Ramalho Eanes no período anterior à revisão, bem como foi ampliado o leque de
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matérias que requerem uma reaprovação parlamentar qualificada (2/3 dos
deputados) para superar o veto presidencial.
Finalmente, no plano da responsabilidade do Governo perante a Assembleia
da República (artigo 195º, nº 1, e) e f)), desapareceu a necessidade de aprovação de
uma segunda moção de censura para provocar a queda do Governo (com a revisão
de 1982, para esse efeito basta a aprovação parlamentar de uma moção de censura
ou a não aprovação de uma moção de confiança).
Num balanço global neste domínio, pode-se dizer que, ao contrário do que é
uma percepção muito difundida, sobretudo nos meios políticos e jornalístico, o
estatuto político do Presidente da República saiu globalmente reforçado da revisão
constitucional de 1982, atendendo à significativa ampliação do poder de dissolução
da Assembleia da República e à relevância máxima que este poder assume na
intervenção do Presidente da República no nosso sistema de governo.
Saiu também clarificada e racionalizada a matriz portuguesa do
semipresidencialismo, no sentido de que se estabeleceu definitivamente a natureza
da intervenção do Presidente da República como poder moderador, arbitral,
suprapartidário, e se afastou, também definitivamente, qualquer ideia de partilha do
poder executivo e governativo entre Governo e Presidente. Na matriz portuguesa de
semipresidencialismo, o Governo governa e o Presidente da República modera,
arbitra e assegura, no plano político, o regular funcionamento das instituições. Essa
identidade ficou estabelecida —e, como se veio a provar, definitivamente— quando o
poder de potencial interferência presidencial na função executiva (o poder de
demissão do Governo) foi restritivamente reconfigurado e o poder vocacionado para
a moderação e a garantia do regular funcionamento e do equilíbrio dos poderes no
sistema político (o poder de dissolução da Assembleia da República) foi
substancialmente ampliado na revisão de 1982.
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texto actual provocará uma primeira impressão de não se estar perante a mesma
Constituição.
No entanto, apesar da importância destas alterações textuais (completadas na
revisão constitucional de 1989) no plano da capacidade de integração social e política
que uma Constituição de Estado de Direito pluralista e democrático deve
proporcionar, mesmo enquanto estiveram em vigor essas referências sempre se
mantiveram num plano meramente simbólico e retórico, não assumindo verdadeiro
significado jurídico, pelo que a respectiva supressão também só nesse plano produziu
efeitos. Ou seja, a eliminação das referências de cariz ideológico —que viria a ser
terminada na segunda revisão constitucional, a de 1989— não pôs em causa a
manutenção das formas políticas que verdadeiramente conferem identidade a uma
Constituição, do tipo histórico de Estado ao regime político, do sistema de governo à
forma de Estado, pelo que, mantendo-se inalteradas essas formas na revisão
constitucional de 1982, a Constituição continuou a ser a mesma após a revisão, a
Constituição de 1976, enquanto Constituição de Estado de Direito social e
democrático (embora a expressão “Estado de Direito” só tivesse agora sido
introduzida no texto constitucional —artigos 2º e 9º), de Estado unitário com regiões
autónomas e de sistema de governo semipresidencialista.
Desapareceram, todavia, com a revisão constitucional de 1982, entre outras,
referências ao socialismo (embora se mantivesse, no artigo 2º, o objectivo de
“assegurar a transição para o socialismo”), ao “exercício democrático do poder pelas
classes trabalhadoras” (embora se mantivesse, no artigo 1º, o empenho da República
portuguesa na “sua transformação numa sociedade sem classes”), ao “processo
revolucionário”, à tarefa de “socializar os meios de produção e a riqueza”, ao
“desenvolvimento das relações de produção socialistas”.
Foi também suprimida, mas aí já com significado prático no domínio da
organização económica, a anterior previsão de a lei poder autorizar a expropriação,
sem indemnização, de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou
accionistas.
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seria necessário repensar o sistema. A opção foi, pela primeira vez na nossa história
constitucional, a da criação de um tribunal responsável pela administração da justiça
constitucional, o Tribunal Constitucional, com uma natureza, funções e forma de
nomeação dos juízes inspiradas noutras experiências europeias. Todavia, o sistema
de fiscalização que vinha já, no essencial, do texto originário de 1976 e a que aqui foi
dada continuidade, e que ficou praticamente estabilizado nos termos que lhe foram
conferidos por esta revisão constitucional, é muito diverso, tanto do chamado modelo
europeu quanto do modelo americano de justiça constitucional.
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absoluta, observados alguns critérios enunciados em disposição constitucional
transitória (artigo 293º).
Por outro lado, onde anteriormente se falava, enquanto princípio fundamental
da organização económica, na “apropriação colectiva dos principais meios de
produção e solos”, fala-se depois da revisão em “apropriação colectiva de meios de
produção e solos, de acordo com o interesse público”. Em sentido afim, aquele
mesmo princípio da “apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos,
bem como dos recursos naturais, e a eliminação dos monopólios e dos latifúndios”
deixou de constituir, o que até então acontecia, limite material de revisão
constitucional.
Nas tarefas fundamentais do Estado foi suprimida a “socialização dos
principais meios de produção”. Por sua vez, nos princípios fundamentais da
organização económica foi também suprimido o princípio do “desenvolvimento da
propriedade social”, que incluía os bens e unidades de produção com posse útil e
gestão dos colectivos de trabalhadores, os bens comunitários e o sector cooperativo.
Por último, apesar de respeitarem em termos de sistematização à parte dos
direitos fundamentais, mas relacionando-se, também, com a organização económica,
dadas as suas implicações, respectivamente, no financiamento do Serviço Nacional
de Saúde e no sector da comunicação social, salientam-se duas alterações
significativas. Primeira, a anterior caracterização do SNS como “universal, geral e
gratuito” foi agora substituída pela de “universal e geral e, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito” (artigo 64º).
Segunda, consagrou-se a abertura da televisão, até então monopólio estatal, à
propriedade privada (artigo 38º).
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explorações capitalistas”, “reforma agrária” ou “eliminação dos monopólios e
latifúndios”.
No fundo, foram também preocupações deste tipo que levaram, nesta revisão,
a alguma neutralização ideológica e à supressão de alguns limites materiais de
revisão constitucional anteriormente previstos (apropriação colectiva dos principais
meios de produção, planificação da economia, organizações populares de base).
Assim, pode-se dizer que após a revisão constitucional de 1989 o texto
constitucional ficou definitivamente depurado das referências ideológicas e das
marcas proclamatórias oriundas do período revolucionário que, de algum modo, são
estranhas à tradição europeia ocidental das Constituições de Estado de Direito. Só o
preâmbulo da Constituição que, como se sabe, não tem relevância jurídica normativa,
tendo permanecido intocado, conserva a memória simbólica do contexto
revolucionário em que foi originariamente aprovada a Constituição em vigor, a
Constituição de 1976.
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representativa, como sejam, a necessária iniciativa do Governo ou da Assembleia da
República, a exclusão dos referendos constitucionais e das matérias, em princípio,
mais importantes e a necessidade de o referendo ter por objecto questões de
relevante interesse nacional que devam ser decididas por acto legislativo ou por
convenção internacional.
Por sua vez, na delimitação dos círculos eleitorais da Assembleia da
República, instituiu-se a possibilidade de criação legal de um círculo de âmbito
nacional, denotando, aparentemente, uma preocupação de garantia de um resultado
proporcional na distribuição final dos mandatos, dada a existência de círculos
territoriais que, por terem uma população reduzida, elegem um número menor de
Deputados. Num outro sentido, esta alteração poderia indiciar a perspectiva de
migração futura para um sistema misto de base proporcional, como se confirmou na
revisão ordinária seguinte.
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De entre um amplo conjunto de inovações em grande medida supérfluas,
meramente retóricas ou acolhendo simplesmente as expressões e as tendências
mais em voga do discurso humanitário e político da época, há algumas poucas
alterações juridicamente relevantes.
A nota dogmaticamente mais importante foi a consagração constitucional do
direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26º), na medida em que,
entendido enquanto protecção constitucional da liberdade geral de acção que actua
a título subsidiário sempre que não é invocável um direito fundamental específico, ele
institui uma protecção jusfundamental sem lacunas que obriga constitucionalmente o
Estado à justificação e à observância dos princípios constitucionais sempre que
intervenha restritivamente na liberdade e na autonomia individual.
Em sentido oposto, em matéria de detenção para efeitos de identificação civil
e de internamento compulsivo, se bem que mantendo uma rigidez que se revelou
desrazoável, há uma abertura nas situações em que se considera
constitucionalmente admissível a privação total ou parcial da liberdade.
No mesmo sentido, respondendo à crescente percepção dos riscos do
terrorismo, passa a admitir-se, condicionadamente, a extradição de cidadãos
portugueses nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada,
mas só em condições de reciprocidade estabelecida em convenção internacional.
Pode igualmente ter significado prático a expressa referência à
inadmissibilidade de organizações racistas. Até então a Constituição proibia as
associações armadas e de tipo militar, bem como as que perfilham a ideologia
fascista, mas não fazia referência a associações racistas.
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(iii) a redução do número de Deputados para um intervalo entre cento e oitenta
e duzentos e trinta;
(iv) a exigência de que, para o resultado de um referendo ter eficácia
vinculativa, nele tivesse participado a maioria dos eleitores;
(v) a atribuição à Assembleia da República da competência para aprovar todos
os tratados internacionais;
(vi) a desconstitucionalização de aspectos importantes do sistema de governo
das autarquias locais quanto à forma de eleição do executivo e do seu Presidente;
(vii) uma complexificação dificilmente perceptível do processo de
regionalização administrativa (vd. infra).
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A criação das regiões será feita por lei que procede simultaneamente à
delimitação territorial de todas as regiões e de cada uma delas, bem como à definição
do regime aplicável, incluindo poderes, órgãos, funcionamento e competências.
Por sua vez, a instituição em concreto de cada região —que será igualmente
feita por lei— depende do que tiver sido disposto na referida lei de criação, mas fica
também condicionada à realização de um referendo nacional em que os eleitores são
directamente chamados a responder a duas questões. A primeira será a de saber se
concordam com a instituição em concreto das regiões administrativas tal como foram
criadas pela lei de criação atrás referida. Respondem também a uma segunda
questão, a de saber se concordam com a instituição em concreto da região
correspondente à sua área, mas a resposta a esta última questão será eficaz apenas
quando a resposta à primeira questão, a de alcance nacional, tiver obtido um
resultado favorável.
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considerada uma “lei geral da República” passa a ser necessário que a sua razão de
ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e que a própria lei assim o
decrete.
Para além dessas alterações ampliativas da competência legislativa regional,
são suprimidos do texto constitucional alguns limites expressos à autonomia regional
e, em contrapartida, enumeram-se exemplificativamente algumas matérias como
apresentando um interesse específico para as regiões, o que dá incontestavelmente
às assembleias regionais a possibilidade de sobre elas poderem legislar.
O Ministro da República (actual Representante da República) vê o seu estatuto
enfraquecido, perdendo os poderes originários de coordenação dos serviços centrais
do Estado na região, bem como a competência ministerial e o assento no Conselho
de Ministros, ficando, por outro lado, com o mandato temporalmente associado ao
mandato do Presidente da República.
Foi reforçada a participação institucional das regiões no processo de
construção europeia. Foi igualmente prevista a admissibilidade de referendos
regionais, convocados pelo Presidente da República.
Por último, a dissolução dos órgãos de governo próprio das regiões por parte
do Presidente da República passa a só poder fazer-se no caso em que haja actos
praticados contrários à Constituição —único fundamento até aí admissível para a
dissolução— e que sejam reputados de “graves”.
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significativamente, já que desaparece a eventual preocupação dos juízes com a
reeleição.
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4.3. As alterações relativas à autonomia regional
Neste domínio, a revisão constitucional de 2004 prosseguiu e aprofundou de
forma muito significativa o caminho de ampliação da autonomia regional que, acolhida
no texto constitucional originário de 1976, foi sucessivamente reforçada nas revisões
ordinárias seguintes.
No que respeita aos poderes legislativos regionais, as alterações mais
relevantes desta revisão foram:
(i) a eliminação dos dois limites da competência legislativa regional que
geravam mais controvérsia jurídica: a existência de um interesse específico enquanto
pressuposto da competência legislativa regional e as leis gerais da República (os seus
princípios fundamentais) enquanto parâmetro material que a legislação regional devia
observar;
(ii) as regiões passam a poder legislar, no âmbito regional, sobre todas as
matérias não reservadas aos órgãos de soberania e que venham enunciadas nos
respectivos estatutos político-administrativos e, desde que possam legislar, podem
dispor diversamente ou até contra as leis da República;
(iii) mais, em domínio em que as assembleias regionais possam legislar, as
leis nacionais só se aplicam nas regiões se e enquanto não houver legislação regional
sobre a matéria;
(iv) a Assembleia da República pode ainda autorizar as assembleias regionais
a legislarem sobre algumas das matérias que integram a sua reserva relativa de
competência legislativa;
(v) finalmente, as regiões autónomas podem desenvolver para o âmbito
regional os princípios gerais contidos nas leis de bases.
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regiões autónomas nos mesmos termos, adaptados, do poder presidencial de
dissolução da Assembleia da República.
III
AS REVISÕES CONSTITUCIONAIS EXTRAORDINÁRIAS
As revisões extraordinárias são, por definição, justificadas por necessidades
pontuais de resolução de dificuldades jurídico-constitucionais cuja premência não
permita ou não aconselhe aguardar o decurso normal do tempo em que a Assembleia
da República adquire, de novo, poderes constituintes de revisão. Assim, como
aconteceu entre nós com as revisões de 1992, 2001 e 2005, destinam-se a resolver
problemas pontuais num contexto de relativa urgência que mereceu o
reconhecimento de 4/5 dos Deputados: a maioria constitucionalmente exigida para
que a Assembleia da República possa assumir poderes constituintes de revisão
extraordinária (artigo 284º, nº 2).
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A motivação da revisão foi a necessidade de admitir, entre nós, a jurisdição do
Tribunal Penal Internacional, cujo tratado constitutivo tinha sido assinado em 1998 e
que suscitava problemas de compatibilidade constitucional no que se referia à
imunidade dos titulares de cargos políticos e à admissibilidade de aplicação da pena
de prisão perpétua. O decreto de revisão, que acabou por não incidir exclusivamente
sobre essa matéria, foi aprovado em votação final global, em Outubro de 2001, com
os votos a favor de PS, PSD e CDS e os votos contra do PCP, BE e “Os Verdes”.
Assim, a revisão extraordinária vem permitir que Portugal aceite a jurisdição
do Tribunal Penal Internacional nas condições estabelecidas no Estatuto de Roma
(artigo 7º, nº 7).
Para além disso, foram desconstitucionalizadas garantias referentes à
expulsão e à extradição no âmbito da cooperação judiciária penal no quadro da União
Europeia (artigo 33º, nº 5), foram introduzidas restrições à garantia de inviolabilidade
de domicílio durante a noite (artigo 34º, nº 3), desde que em casos de terrorismo e de
criminalidade especialmente violenta ou organizada, e foi admitida a associação
sindical de forças de segurança, mas sem reconhecimento do direito à greve (artigo
270º).
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Nota: nas duas Constituições Anotadas de referência (GOMES CANOTILHO/VITAL
MOREIRA e JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS) encontram-se, para cada um dos artigos,
menções às alterações ocorridas nas diferentes revisões constitucionais.
Para uma informação pormenorizada sobre as alterações introduzidas em
cada uma das sete revisões constitucionais, cf. JORGE MIRANDA, Manual de Direito
Constitucional, t. I, 2, 10ª ed., Coimbra, 2014, págs. 216 e segs.
Já para um comentário mais desenvolvido ao sentido e conteúdo de cada uma
das revisões constitucionais ordinárias, destacam-se as referências bibliográficas a
seguir indicadas.
1. Revisão de 1982
ANTÓNIO NADAIS/ ANTÓNIO VITORINO/ VITALINO CANAS, Constituição da República
Portuguesa —Texto e Comentários à Lei nº 1/82, Lisboa, 1983
JORGE REIS NOVAIS, Semipresidencialismo II —O Sistema Semipresidencial
Português, Coimbra, 2010, págs. 111 e segs.
JORGE REIS NOVAIS, Semipresidencialismo, 2ª ed., Coimbra, 2018, págs. 181 e
segs.
2. Revisão de 1989
JOSÉ MAGALHÃES, Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1989
MARIA M. LEITÃO MARQUES, “A Constituição económica depois da segunda
revisão constitucional, in Revista de Direito Público, 1991, págs. 9 e segs.
3. Revisão de 1997
A. SOUSA PINHEIRO/ M. BRITO FERNANDES, Comentário à IV Revisão
Constitucional, Lisboa, 1999
JOSÉ MAGALHÃES, Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1999
ANTÓNIO DE ARAÚJO, A Revisão Constitucional de 1997: um Ensaio de História
Político-Constitucional, Coimbra, 1999
BFDUC, vol. LXXIV, 1998, págs. 405 e segs. (artigos de VITAL MOREIRA, MARIA
BENEDITA URBANO, CATARINA SAMPAIO VENTURA E PAULA VEIGA)
4. Revisão de 2004
22
LUÍS CABRAL DE MONCADA, “A VI revisão constitucional e a autonomia regional”
in Anuário Português de Direito Constitucional, IV, 2004-2005, págs. 49 e segs.
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