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DIREITO CONSTITUCIONAL II

2.º semestre Professor Jorge Reis Novais

Aula teórica 23-01-2020

2 SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO

CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO MATERIAL

Quando falamos de uma Constituição em sentido material, estamos a falar das matérias
constitucionais (“De que é que uma Constituição se ocupa?”).
As Constituições variam de país para país, mas existem duas matérias acolhidas na
Constituição de qualquer Estado de Direito —> conforme estabelecido no artigo 16.o da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, estas duas matérias são os direitos
fundamentais e a separação de poderes (para que os direitos fundamentais sejam
garantidos aos cidadãos, a Constituição organiza e limita o exercício do poder político).
Todos os Estados têm Constituição em sentido material.

CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO FORMAL - o sentido que mais nos interessa

Em Portugal, vigora a Constituição de 1976 e antes esteve em vigor a Constituição de 1933.


Quando falamos do documento que é a Constituição da República Portuguesa de 1976,
falamos de uma Constituição formal.

OS REQUISITOS — existe uma Constituição em sentido formal quando se verificam os


seguintes requisitos:

1) Intencionalidade de elaborar uma Constituição (reune-se uma Assembleia Constituinte).

2) O trabalho autónomo da Assembleia Constitucional tem como produto um documento


jurídico próprio. A esse documento, a essa obra da Assembleia, chamamos de Constituição.

3) a Constituição tem uma força jurídica superior, significando isto que todas as outras
normas têm de respeitar as normas constitucionais (a Constituição situa-se no topo da
hierarquia jurídica, pelo menos da hierarquia interna, não podendo ser colocada em causa
por normas inferiores).
—> No Reino Unido, existe uma Constituição em sentido material (temos direitos
fundamentais e separação de poderes), mas, por razões históricas, não existe uma
Constituição em sentido formal (nunca se reuniu uma Assembleia Constituinte).

PARA JORGE MIRANDA:

“Há duas perspetivas por que pode ser considerada a Constituição — perspetiva material
(atende-se ao seu objeto, ao seu conteúdo) — e uma perspetiva formal — atenta-se à posição
das normas constitucionais em face das demais normas jurídicas e ao modo como estas se
articulam e se recortam no plano sistemático do ordenamento jurídico”.

Inconstitucionalidade: desconformidade em relação à Constituição, praticada pelos


poderes públicos (uma lei da AR pode ser inconstitucional, exemplo).
JRN: A CONSTITUIÇÃO LIMITA OS PODERES PÚBLICOS, E NÃO OS CIDADÃOS.

—> O poder que elabora uma Constituição, pela primeira vez, é o poder constituinte
originário (poder exercido na aprovação da CRP de 1976, por exemplo). Abaixo do poder
constituinte, temos os poderes constituídos, que se situam num plano infra-constitucional:
são poderes que foram criados pela Constituição e que têm de respeitar a mesma (poder da
AR é um poder constituído, assim como o do Governo)

Mais a título de curiosidade:


Antes da 2a Guerra Mundial, na Europa, a Constituição valia sobretudo como documento
político e simbólico, pois, na realidade, os tribunais não a aplicavam.
Exceção: na Constituição de 1911, Portugal foi o primeiro país da Europa que estabeleceu, na
sua Constituição, que os tribunais podem não aplicar uma norma com base na Constituição.

Uma Constituição procura ter um carácter de permanência no tempo, uma vez que isso
garante estabilidade à ordem jurídica. Para esta permanência acontecer, a Constituição tem
de acompanhar as transformações que ocorrem na sociedade, aos diferentes níveis (política,
economia, tecnologia)—> assim, a Constituição tem de dar “abertura” a alterações, que
permita uma adaptação do texto a novas realidades.

ALTERAÇÕES À CONSTITUIÇÃO
Alterações à Constituição: poder constituinte derivado —> poder de alterar a Constituição.
Este poder foi criado pela própria Constituição, pelo que deve atuar dentro dos limitados por
ela impostos (limites da revisão constitucional).
O poder constituinte derivado, que vemos na revisão de 82 (por exemplo), opõe-se ao poder
constituinte originário (que consiste em fazer uma nova Constituição).

DUAS DICOTOMIAS: alteração expressa VS alteração tácita e reforma constitucional VS rutura


constitucional.

— Uma Constituição pode sofrer uma alteração expressa (em 1982, temos em Portugal uma
alteração constitucional expressa: certos artigos foram alterados, outros foram suprimidos e
alguns foram acrescentados, tendo o texto sofrido profundas alterações).
“A alteração expressa, que é o caso, por exemplo, de uma revisão constitucional, tem na sua
génese uma intenção de modificação da norma constitucional e traduz-se, em geral, na
alteração do próprio texto”.

— Uma Constituição pode sofrer uma alteração tácita/não visível, que também produz
consequências jurídicas. “Uma alteração tácita não teve na sua génese uma intenção
abertamente proclamada de alteração — é o caso de mutações ou de modificações que
resultam do costume constitucional ou da interpretação jurídica das normas anteriormente
vigentes”.
AQUI, A ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL É FEITA SEM A ALTERAÇÃO DO TEXTO
PROPRIAMENTE DITO.

Nos EUA, no século XIX, considerava-se que não era inconstitucional praticar a escravatura,
uma vez que entendia-se que esta prática não contrariava o princípio da igualdade. O
Tribunal Constitucional alterou o seu modo de encarar este princípio e hoje, sem ter existido
uma alteração constitucional relativamente ao princípio, a prática de escravatura é
inconstitucional —> estamos perante o mesmo enunciado normativo, mas altera-se o
significado de um preceito constitucional — há uma alteração tácita, pois a alteração em
causa não tem na sua génese uma intenção abertamente proclamada de alteração.

Dentro das alterações/vicissitudes expressas à Constituição, podemos fazer uma distinção


entre REFORMA CONSTITUCIONAL e RUTURA CONSTITUCIONAL, sendo o critério de
distinção saber se as alterações constitucionais observam ou não as regras que o próprio
poder constituinte originário instituiu para a alteração da Constituição.
Reforma constitucional —> uma alteração da Constituição que se processa de acordo com as
regras nela previstas quanto à sua própria alteração // Rutura — a alteração da Constituição
não observa as disposições constitucionais relativas à alteração da Constituição.

Podemos subdividir a reforma constitucional — a alteração da Constituição que se processa


com respeito pelas regras estabelecidas na Constituição quanto ao seu modo de alteração —
em: REVISÃO CONSTITUCIONAL e TRANSIÇÃO CONSTITUCIONAL.
Esta distinção é feita com base no alcance ou relevância material das alterações na ordem
jurídica, isto é, com base nas consequências substanciais que as alterações provocam na
ordem constitucional.

Diferenças:
—> A revisão constitucional é uma alteração parcial da Constituição, uma alteração que tem
em vista manter em vigor/conservar a mesma Constituição, sendo que, para isso, se faz a sua
adaptação a novas condições/realidades, a novos objetivos ou entendimentos, alterando-se
alguns aspectos, mas mantendo-se em vigor o cerne da Constituição material.
JORGE MIRANDA: “A revisão constitucional é a modificação da Constituição com uma
finalidade de auto-regeneração e de auto-conservação, isto é, de eliminação das suas
normas já não justificadas política, social ou juridicamente, e de adição de elementos que a
revitalizem”.

—> A transição constitucional é uma reforma da Constituição que produz alterações


profundas e globais na ordem jurídico-constitucional, acabando por ter como consequência
o surgimento de uma nova Constituição material.
MAS NÃO CONFUNDIR TRANSIÇÃO COM REVOLUÇÃO!

QUANTO À REVISÃO E TRANSIÇÃO: Ambas são reformas constitucionais, pelo que ambas são
alterações constitucionais que se processam de acordo com as regras estabelecidas na
Constituição quanto à sua própria alteração. Porém, as consequências que produzem na
ordem jurídica são substancialmente diversas: a revisão constitucional conserva a
Constituição vigente, ao passo que a transição constitucional dá origem ao surgimento de
uma nova Constituição material.

—> “Se não tivesse existido a revisão de 1982, assistiríamos a uma transição constitucional"
Durante um período de transição, previsto nas duas Plataformas de Acordo Constitucional
celebradas entre o MFA e os partidos políticos, em abril de 1975 e em fevereiro de 1976, os
militares permaneceram no exercício do poder político, através do Conselho da Revolução,
considerado orgão de soberania no texto originário da Constituição de 1976. Tal como
previamente estabelecido, a revisão de 1982, a primeira revisão constitucional da CRP de 76,
procedeu à extinção do Conselho da Revolução, marcando o fim da presença dos militares
na vida política, algo indispensável para reconduzir a arquitetura constitucional portuguesa
ao modelo típico de uma Constituição de Estado de Direito.

A revisão de 1982 teve, portanto, uma relevância ímpar, podendo ser mesmo considerada de
realização imprescindível para a plena institucionalização da nova ordem constitucional
inaugurada com a Revolução de 25 de Abril de 1974, uma vez que, se não tivesse existido, se
teria verificado uma verdadeira transição constitucional —> a Constituição aprovada em 1976,
a permanecer intocada, não revista, ter-se-ia transformado numa Constituição e num
projecto constitucional substancialmente distintos dos que foram originariamente
programados quando foi aprovada. O que tinha sentido e justificação enquanto fase
transitória até à plena instituição e estabilização de um Estado de Direito democrático seria
algo substancialmente diverso se tivesse resultado em ordem constitucional definitiva e
permanente.

DENTRO DA RUTURA CONSTITUCIONAL (alteração constitucional feita à margem das


regras estabelecidas na Constituição quanto ao seu próprio modo de alteração), podemos
fazer uma distinção, sendo que esta tem como critério as maiores ou menores
consequências provocadas pela rutura na ordem jurídico-constitucional.

— Rutura não-revolucionária - é uma rutura na ordem constitucional, no sentido de que a


alteração ocorre sem observar as normas constitucionais vigentes relativas à alteração da
Constituição, mas é uma rutura parcial, visto que não produz alterações significativas na
Constituição material vigente, e, como tal, não origina uma nova Constituição, pelo menos
em sentido material.

— Revolução - rutura global da ordem constitucional, com substituição integral, e até


tendencialmente violenta, da Constituição formal e material por uma nova Constituição (com
a revolução do 25 de Abril, ocorreu uma rutura constitucional — havia uma constituição, a
Constituição de 1933 que dispunha da forma como podia ser alterada; não se cumpriram as
regras estabelecidas na Constituição de 1933 e criou-se uma nova Constituição, tanto em
sentido formal (temos um novo documento), como em sentido material (o conteúdo da CRP
de 1976 é muito diferente do conteúdo da de 1933)
— Entre ambas, temos a Rutura revolucionária —> rutura que afeta alguns aspetos relevantes
da Constituição material até então em vigor, podendo dar ou não origem a uma nova
Constituição

EM PORTUGAL - temos 7 reformas constitucionais, 7 revisões constitucionais —> as


alterações constitucionais foram sempre feitas respeitando o previsto no texto constitucional
(reformas), e foram sempre feitas no sentido de conservar a Constituição: alteram-se alguns
aspetos, adaptando a Constituição a novas realidades, objetivos e entendimentos, mas o
cerne da Constituição material permanece (revisões)

Nenhuma Constituição deixa de regular a sua revisão seja expressa seja tacitamente.
Em geral, a revisão constitucional é regulada de maneira expressa, ora em moldes de rigidez
ora em moldes de flexibilidade.

Podemos fazer uma distinção em função das maiores ou menores exigências colocadas ao
processo de revisão constitucional:

CONSTITUIÇÃO RÍGIDA VS CONSTITUIÇÃO FLEXÍVEL

Constituição rígida —> as regras previstas para a alteração da Constituição são diferentes
das regras previstas para aprovação de uma lei ordinária (“Diz-se rígida a Constituição que,
para ser revista, exige a observância de uma forma particular, distinta da forma seguida para
a aprovação das leis ordinárias”).

— O processo de alterar a Constituição é mais difícil, tem regras mais exigentes (os limites de
revisão) que o processo de aprovar uma lei ordinária.
NOTA: uma Constituição pode ser mais ou menos rígida, consoante são mais ou menos os
limites de revisão! (Constituição que possua muitos limites é, sem dúvida, mais rígida que
aquela que só tem dois limites).

Constituição flexível —> a Constituição pode ser alterada pelo mesmo processo utilizado
para aprovar uma lei ordinária (“Diz-se flexível a Constituição em que são idênticos o
processo legislativo e o processo de revisão constitucional”). Uma Constituição mais
maleável, muito mais facilmente alterada.

JORGE MIRANDA:
“A rigidez constitucional revela-se uma consequência natural e historicamente decorrente da
adoção de uma Constituição em sentido formal. A força jurídica das normas constitucionais
liga-se a um modo especial de produção e as dificuldades postas à aprovação de uma nova
norma constitucional impedem que a Constituição possa ser alterada em quaisquer
circunstancias, sob pressão de certos acometidos, ou que possa ser afetada por qualquer
inversão da situação política”.
“A rigidez nunca deverá ser tal que impossibilite a adaptação da Constituição a novas
exigências políticas e sociais”.

LIMITES DE REVISÃO CONSTITUCIONAL — um conjunto de requisitos, de diferente


natureza (natureza temporal, formal, material e circunstancial), aplicáveis às revisões
constitucionais e que são mais exigentes que os requisitos relativos à aprovação de
legislação ordinária.

LIMITES podem ser:


—> TEMPORAIS — limites relacionados com o tempo.
—> FORMAIS — limites relacionados com o orgão que têm competência para proceder à
alteração constitucional e com o processo que tem de ser seguido para se concretizar a
revisão constitucional.
—> CIRCUNSTANCIAS — limites relacionados com as circunstâncias durante as quais não se
pode proceder a uma revisão constitucional (em Portugal, verifica-se a impossibilidade de
proceder a atos de revisão em certas situações, como na vigência de estado de emergência,
por exemplo).
MATERIAIS — limites relacionados com as matérias que não podem ser alteradas pela revisão
constitucional.

A Constituição Portuguesa é rígida, pois existem todos estes limites, que têm de estar
preenchidos cumulativamente!

NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA…

LIMITES TEMPORAIS— Artigo 284.º, CRP


— Artigo 224.º/1: Uma revisão ordinária pode ser realizada de 5 em 5 anos (só cinco anos
decorridos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária, pode se proceder a
uma revisão ordinária). Exemplo: a sexta revisão foi realizada em 2004, pelo que, atendendo
apenas a este limite, apenas se podia proceder a uma nova revisão a partir de 2009.
Ordinariamente, as revisões só se podem fazer decorridos 5 anos da revisão anterior.
Contudo, imaginemos: deu-se em 2004 uma revisão ordinária, mas em 2005 surge uma
situação que exige, imediatamente, uma nova revisão constitucional; é necessário esperar
até 2009 para alterar a Constituição? Não —> temos a revisão extraordinária, que tem, no
entanto, um requisito especial!

— Artigo 284.º 2: AR pode assumir poderes extraordinários de revisão, caso 4/5 dos em
efetividade de funções deputados estejam de acordo quanto à revisão .
NOTA: a maioria de 4/5 é bastante difícil de obter.

JRN:
“Uma revisão ordinária é a que só pode ser desencadeada após terem decorrido cinco anos
desde a última revisão ordinária; já a revisão extraordinária pode ocorrer a qualquer
momento, desde que, para tanto, a própria Assembleia da República, através de uma maioria
de 4/5 dos seus deputados, assuma poderes constituintes. Naturalmente, a necessidade de
proceder a revisões extraordinárias surge quando há um motivo especial que aconselha ou
exige alterações do texto constitucional numa altura em que ainda não tenham decorrido os
referidos cinco anos desde a publicação da última revisão ordinária.

LIMITES FORMAIS

O processo de revisão tem de respeitar uma forma —> as regras de natureza formal no
processo de revisão constitucional são mais exigentes que as regras quanto à feitura de lei
ordinária!
Para as leis ordinárias não são só os deputados que tem iniciativa legislativa, há várias outras
entidades com poder de desencadear processo legislativo —> isto não acontece quanto à
iniciativa da revisão.

Artigo 285.º/1:
Na revisão constitucional só os deputados podem ter a iniciativa!
—> isto é uma forma de localizar, de concentrar todo o processo de revisão na Assembleia da
República, sem interferência de outros órgãos.
Artigo 285.º/2:
É apresentado um projeto de revisão por um partido e inicia-se o processo. Após isso todos
os outros que queiram participar terão que apresentar o seu projeto no prazo de 30 dias.
Artigo 286.º/1:
Cada uma das alterações é aprovada por maior de 2/3 de deputados em efetividade de
funções.
Artigo 286.º/3: O Presidente da República não pode vetar a lei de revisão, sendo a
promulgação um mero protocolo!

Como já referido, para serem aprovadas, e reunidas numa única lei de revisão, as alterações à
Constituição necessitam da aprovação de 2⁄3 dos deputados — é estabelecida uma maioria
qualificada muito exigente (que exige um acordo, um consenso, entre deputados da
esquerda e da direita).

Não confundir a maioria de 2/3 com a de 4/5!


——> a maioria de 4/5 é exigida para a AR assumir poderes de revisão extraordinária (assumir
poderes constituintes antes de decorridos cinco desde a última lei de revisão ordinária).
—> A maioria de 2/3 é exigida para aprovação das alterações na votação.

LIMITES CIRCUNSTANCIAIS
Art. 289.º/1: Não se pode proceder à revisão constitucional na vigência de estado de sítio ou
de estado de emergência.
— Um partido apresentou um projeto de revisão constitucional dois dias antes do início do
estado de emergência. Apenas quando cessar o estado de emergência, se pode continuar ou
abrir um novo processo de revisão constitucional.

“Não é aceitável que na situação de estado de emergência, em que não temos a plenitude
dos nossos direitos e em que os órgãos não funcionam normalmente, se dê uma alteração na
Constituição, pois seriam alterações feitas em circunstância de turbulência, não sendo
garantido um processo de ponderação e deliberação”.

— LIMITES MATERIAIS — artigo 288.º

JORGE MIRANDA: “Para além da regulamentação da forma/processo da revisão, não raras


Constituições ocupam-se expressamente do conteúdo que a revisão pode vir a adquirir,
circunscrevendo a liberdade dos orgãos cuja competência instituem. Quer isto dizer:
Constituições há que prescrevem limites materiais de revisão constitucional”.

A Constituição dos EUA foi a primeira a estabelecer limites materiais — dispõe que nenhum
Estado pode ser privado, sem o seu consentimento, de direito de voto no Senado em
igualdade com os outros Estados e que os EUA garantem a todos os Estados da União a
forma republicana de governo.
O sentido a conferir aos limites materiais da revisão constitucional é uma questão que foi
bastante discutida entre constitucionalistas. Nesta discussão puramente doutrinária,
destacam-se três teses:

1. Tese absoluta de relevância dos limites materiais — defendida por aqueles que tomam
os limites materiais como imprescindíveis e insuperáveis

“O poder de revisão, porque criado pela Constituição e regulado por ela quanto ao modo de
se exercer, porque poder constituído, tem necessariamente de se compreender dentro dos
seus parâmetros. Assim, não lhe compete dispor contra as opções fundamentais do poder
constituinte originário”.

“A faculdade de reformar a Constituição é a faculdade de substituir uma ou várias regras


legal-constitucionais por uma ou outras, no pressuposto de que fiquem garantidas a
identidade e a continuidade da Constituição como um todo. Não é a faculdade de fazer uma
nova Constituição, nem de substituir o próprio fundamento da competência de revisão”.

2. Tese da irrelevância dos limites materiais — defendido por aqueles que impugnam a
legitimidade dos limites materiais

“Aqueles que impugnam a legitimidade ou a eficácia jurídica das normas de limites materiais
defendem a inexistência de diferença de raíz entre o poder constituinte e o poder de revisão
— ambos são expressão da soberania do Estado e, ambos são, num Estado democrático
representativo, exercidos por representantes eleitos”.

“Se os poderes constituintes que a nação confere aos seus deputados são destinados a
confecionar a Constituição, com que poderes é que os deputados começariam por se
atribuir competência para limitar o alcance da própria soberania nacional, proibindo que ela
pudesse, pelo processo normal de representação, afirmar-se de novo acerca de
determinados aspetos?”

3. Tese do do duplo processo de revisão — defendida pelo Professor JORGE MIRANDA.


O artigo 288.º é uma norma jurídica, devendo ser respeitado como qualquer outra norma
jurídica — deve ser respeitado enquanto estiver em vigor, podendo sofrer, como qualquer
outra norma, alterações (“Não há limites absolutos. Absoluto deve ser, sim, o respeito de
todos os limites, de todas as regras enquanto se conservarem em vigor”).
Para JORGE MIRANDA, a natureza de um preceito do artigo 288.º é declarativa e não
constitutiva (ele declara, não cria limites materiais de revisão, na medida em que estes
decorrem da coerência dos princípios constitucionais).

IDEIA IMPORTANTE: Não é a revisão do artigo 288.º que afeta os limites materiais de revisão;
o que os afeta é atingirem-se os princípios nucleares da Constituição —> numa primeira
revisão, remove-se a cláusula que consta do artigo 288.º para, depois, numa outra revisão, se
alterar o preceito a que essa cláusula se referia!
Exemplo:
— O artigo 288.º, referente aos limites materiais, refere o sistema de representação
proporcional.
— À partida, se existisse a vontade de alterar o sistema eleitoral, tal não poderia ocorrer
porque a exigência de proporcionalidade encontra-se no artigo 288.º, relativo a matérias que
as leis de revisão têm de respeitar. Contudo, este não é o entender de JORGE MIRANDA, que
defende que o preceito do artigo 288.º apenas é absoluto quando estiver em vigor, podendo
ser alterado.
— Numa primeira revisão, altera-se a alínea h) do 288, suprimindo-se a última parte
(referência à proporcionalidade), e passa a não existir referência à proporcionalidade no
artigo referente aos limites materiais. Nesta primeira revisão mexeu-se no artigo 288.º, mas
não no artigo 149.º, porque a anterior redação do 288.º não o permitia.
— Cinco anos depois de se alterar o 288.º, inicia-se um novo processo de revisão, este tendo
tendo em vista a alteração do artigo 149.º (onde se institui mesmo a proporcionalidade).
——> Neste processo de dupla revisão é preciso que exista uma primeira revisão com 2/3 dos
deputados a favor e uma segunda com, igualmente, 2/3 dos deputados a favor.

JRN: Esta discussão doutrinária não tem um grande interesse prático, apenas teórico.

Numa primeira fase, nos primeiros anos após a sua aprovação, a CRP de 1976 era muito
controversa —> havia uma “querela constitucional”, uma discussão permanente sobre a
Constituição.

Dentro do período de vigência da CRP de 1976, tivemos revisões extraordinárias e ordinárias:


—> Revisões extraordinárias: 1992, 2001 e 2005 (alteraram aspetos pouco significativos)
—> Revisões ordinárias: revisão de 1982, revisão de 1989, revisão de 1997, revisão de 2004.
De 1976 a 2005, um período relativamente curto, tivemos sete revisões constitucionais e
raros foram os artigos que não foram alterados por todas estas revisões.

—> Este período corresponde a um período de instabilidade constitucional: persistência da


chamada querela constitucional - designação que alude à controvérsia política na qual,
tomando a Constituição como alvo, se alinham, de um lado, as propostas mais ou menos
radicais de alteração e, do outro, a defesa mais ou menos acirrada do legado normativo de
1976.

JRN: “Ora, se durante os primeiros anos que se seguiram à sua aprovação, uma tal querela
possuía uma base objectiva, na medida em que a Constituição de 1976 apresentava, no seu
texto originário, feições atípicas num contexto europeu ocidental, pelo menos a partir da
revisão de 1989 a persistência dessa controvérsia — todavia mantendo-se e renovando-se
durante muito tempo e ainda hoje suscitando anacrónicas irrupções pontuais — perdeu
objectivamente razão de ser, pois o texto constitucional saído das revisões de 1982 e de 1989
conformou definitivamente a Constituição em vigor como Constituição de Estado de Direito,
em nada estruturalmente distinta das demais Constituições dos países que nos são próximos.
Se se quiser, dessas duas revisões saiu um texto constitucional consagrando as formas
políticas típicas de um Estado de Direito social e democrático, com forma de governo
republicana, forma de Estado unitário com regiões autónomas, regime político de
democracia representativa, sistema de governo semipresidencial, sistema eleitoral
proporcional, pluripartidarismo e jurisdição constitucional onde pontifica um Tribunal
Constitucional”.

No que toca aos temas que mobilizaram as iniciativas de revisão, podemos igualmente
distinguir dois períodos:

— 1º período —> neste período, concluído na revisão de 1989, podemos dizer que existia uma
necessidade absoluta de rever o texto constitucional: sem a revisão, a própria
estabilização de um Estado de Direito democrático corria riscos, uma vez que a
necessidade de pôr um termo ao período de transição e a necessidade de adaptação da
organização económica haviam tornado essas duas revisões indispensáveis.

Assim, podemos concluir que as REVISÕES DE 1982 E 1989 SÃO NECESSÁRIAS:

— Após a revisão de 1989, as posteriores revisões, independentemente das melhorias


introduzidas e das adaptações que se tornaram necessárias, apresentam uma lógica e um
sentido mais dificilmente apuráveis.
—> As posteriores revisões ordinárias (1997 e 2004) combinam, em síntese, uma resposta de
resultados duvidosos a um vago apelo à reforma do sistema político e, num plano de maior
pragmatismo político, um aprofundamento sensível e contínuo da autonomia regional.

—> Revisões extraordinárias: a sua iniciativa está diretamente relacionada com as vicissitudes
da integração europeia e das relações internacionais.

Aula teórica de 09-03-2020

REVISÃO DE 1982
ALTERAÇÕES JÁ ESTUDADAS:
—> Extinção do conselho de Revolução (termo da presença dos militares na vida política).
Com a extinção, as funções que estavam atribuídas ao C.R têm de ser redistribuídas pelos
orgãos:
Competência política e legislativa em matéria militar —> AR, PR e Governo
Garantia do regular funcionamento das instituições —> PR
Fiscalização da constitucionalidade—> Tribunal Constitucional (*criado pela revisão)
(Antes, era o C.R, auxiliado por uma Comissão Constitucional, que
fiscalizava a constitucionalidade).
Atividade de aconselhar o PR —> Conselho de Estado (*criado pela revisão)
—> O poder de nomeação das altas chefias militares ganhou acolhimento constitucional e
passou a ser partilhado pelo PR e Governo (que tem a iniciativa).
—> Governo deixa de ser politicamente responsável perante PR - falamos só de uma
responsabilidade institucional.
—> PR não pode demitir o Governo por motivos de discordância política — só quando for
necessário para o regular funcionamento das instituições democráticas.
—> Alterações quanto à dissolução da AR — diminuem-se os constrangimentos ao exercício
do poder.
—> PR deixa de poder usar o chamado “veto de bolso” —> antes, a CRP apenas estabelecia
um prazo para vetar o diploma, podendo o PR não o fazer e não promulgar.
—> Desaparece a necessidade de aprovar uma segunda moção de censura para provocar a
queda do governo — basta a aprovação de uma moção de censura ou a rejeição de uma
moção de confiança para o Governo cair!
CONTRARIAMENTE COM O QUE SE DIFUNDE —> apesar de deixar de poder demitir o
Governo por motivos de discordância política, o PR SAIU REFORÇADO DA REVISÃO, devido à
significativa ampliação do poder de dissolução da AR.
DESTA REVISÃO, SAIU CLARIFICADA A MATRIZ PORTUGUESA DE SEMIPRESIDENDIALISMO.
— estabelece-se definitivamente que o PR português exerce um poder moderador, garante,
suprapartidário e afastou-se a ideia de qualquer partilha do poder executivo e governativo
entre Governo e PR —> Governo governa, PR modera.

—> O texto constitucional originário fora elaborado num período revolucionário, pelo que
tinha uma carga ideológica muito forte, sendo esta grande carga ideológica um dos
principais alvos da querela constitucional. A revisão de 1982 vai suprimir as referências
ideológicas mais controversas, entre as quais “assegurar a transição para o socialismo”,
“exercício democrático do poder pelas classes trabalhadores” e “socializar os meios de
produção e riqueza”.
— A eliminação das referências de cariz ideológica foi importante no plano da capacidade de
integração social e política que uma Constituição de Estado de Direito pluralista e
democrático deve proporcional. Contudo, como as referências sempre se mantiveram num
plano meramente simbólico, a sua alteração não produziu efeitos jurídicos.
—> Inclusão, no art. 2.º e 9.º da Constituição, do princípio do Estado de Direito, que até então
existia apenas no Preâmbulo.

Hoje, depois de um processo de retirar expressões ideológicas da CRP que só terminou em


1989…
Só há um local da Constituição que conserva ideologia/a memória da época em que a CRP
foi aprovada – o Preâmbulo. O Preâmbulo não tem caráter normativo (dele não se retiram
normas), sendo este uma referência introdutória e de enquadramento do texto. Há quem
proponha que as revisões constitucionais devam alterar o Preâmbulo, no sentido de lhe tirar
carga ideológica.
—> JRN discorda com a alteração do Preâmbulo — não faz sentido eliminar o Preâmbulo, pois
este tem apenas um carácter de enquadramento do contexto em que o texto constitucional
foi elaborado.
Revisão de 1989
—> Revisão necessária pela integração de Portugal na UE (1986) — há uma “necessidade de
ajustamento e de adaptação da parte económica da Constituição ao novo contexto marcado
pela recente integração europeia”.
— As alterações mais importantes são no domínio económico. Contudo, a revisão também
encerrar o processo de filtragem ideológica que se havia iniciado e inaugura um novo ciclo
de preocupações recorrentes com a reforma do sistema político.

DOMÍNIO ECONÓMICO
—> Portugal tinha aderido à comunidade europeia e alguns dos princípios constitucionais
relativos à economia entravam em tensão com o regime e as liberdades da CEE.
— A mais importante alteração no domínio económico: procedeu-se à eliminação da garantia
da irreversibilidade das nacionalizações efetuadas após o 25 de abril, permitindo-se a
reprivatização nos termos de lei-quadro aprovada por maioria absoluta.
— Anteriormente, um princípio fundamental da organização económica era a “apropriação
colectiva dos principais meios de produção e solos”. Depois da revisão, fala-se em
“apropriação colectiva de meios de produção e solos, de acordo com o interesse público”.
— Nas tarefas fundamentais do Estado foi suprimida a referência “socialização dos principais
meios de produção”.
— Institui-se o fim ao monopólio estatal da televisão pública, agora aberta à iniciativa privada.

FIM DA RETIRADA DE REFERÊNCIAS IDEOLÓGICAS DO TEXTO CONSTITUCIONAL


—> Termina-se o processo, já iniciado em 1982, de supressão de referências ideológicas do
texto constitucional — “Pode-se dizer que após a revisão constitucional de 1989 o texto
constitucional ficou definitivamente depurado das referências ideológicas e das marcas
proclamatórias oriundas do período revolucionário que, de algum modo, são estranhas à
tradição europeia ocidental das Constituições de Estado de Direito”.

REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO


—>Depois das alterações significativas verificadas na primeira revisão constitucional no
domínio do sistema de governo (relações entre Presidente da República, Governo e
Assembleia da República), a revisão de 1989 iniciou o processo da chamada reforma do
sistema político — uma reforma orientada pelo objectivo de aproximar eleitores e eleitos e de
incrementar da participação dos cidadãos.
1) Referendos nacionais
A revisão constitucional de 1989 consagrou a possibilidade de realização de referendos
nacionais, a convocar pelo Presidente da República sob proposta da Assembleia da
República ou do Governo. Fê-lo, todavia, rodeando o instituto de um conjunto de garantias
que visam reduzir o risco de degradação plebiscitária da democracia representativa —> a
necessária iniciativa do Governo ou da Assembleia da República, a exclusão dos referendos
constitucionais e das matérias, em princípio, mais importantes e a necessidade de o
referendo ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas
por acto legislativo ou por convenção internacional.

2) Possibilidade de criar um círculo eleitoral nacional


Na delimitação dos círculos eleitorais da Assembleia da República, instituiu-se a possibilidade
de criar um círculo de âmbito nacional, denotando, aparentemente, uma preocupação com a
garantia de um resultado proporcional na distribuição final dos mandatos, dada a existência
de círculos territoriais que, por terem uma população reduzida, elegem um número menor de
deputados.
MERA POSSIBILIDADE, SEM CONCRETIZAÇÃO PRÁTICA.

O nosso sistema constitucional ficou estabilizado com a revisão de 1982 (organização do


poder político) e 1989 (organização económica, exigida pela integração de Portugal na UE).
Depois destas duas revisões, criou-se a ideia de que a Constituição já era outra, uma vez que
depois de 1982 e de 1989 a constituição tinha ficado bastante diferente.
JRN: a Constituição é a mesma após 1989, pois não se alteraram os seus aspetos mais
significativos.
—> Os direitos fundamentais mantém-se.
—> Tipo histórico de Estado: tanto em 1976, como depois de 1989, falamos de uma
Constituição de Estado de Estado social e democrático de Direito (embora as revisões
tenham conformado a CRP com uma Constituição típica de Estado de Direito).
—> A forma de governo (república), o regime político (democracia representativa), o sistema
de governo (semipresidencialismo) e o sistema eleitoral (sistema proporcional) mantém-se os
mesmos.
— A retirada das fórmulas ideológicas pode dar a ideia de que a Constituição mudou
radicalmente, mas estas formulas não tinham um sentido normativo, eram apenas simbólicas,
pelo que a sua eliminação não traz consequências jurídicas.
REVISÃO DE 1997
—> Não é uma revisão imprescindível — JRN tem dificuldades em dizer para que serviu.
— “Não havia um objectivo pré-estabelecido, apelando-se simplesmente à já referida vaga
intenção de reforma do sistema político (aproximar eleitos e eleitores) como ideia
dominante”.

— A revisão foi uma revisão que alterou a maioria da numeração dos artigos —> quase todos
os artigos da Constituição desceram 3 números. Não é bom que se altere a numeração da
Constituição, pois em termos de comunidade jurídica, um documento como a Constituição
deve ser estável, deve ser uma referência (um cidadão americano fala da Constituição
americana como um texto religioso, intocável, e esta revisão, ao alterar a numeração da
Constituição, dá a impressão de que esta é uma lei como as outras).
“Não obstante o facto da revisão de 97 não ter um objetivo pré-estabelecido, o processo de
revisão acabou por se traduzir na alteração de grande parte dos artigos da Constituição, bem
como na respectiva enumeração, sem que, no entanto, seja possível sintetizar
adequadamente quais os grandes resultados produzidos ou, simplesmente, seja fácil
responder à pergunta: para que serviu a revisão de 1997?.

ALTERAÇÕES NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Entre muitas alterações superficiais neste âmbito, podemos destacar algumas importantes:
— Por inspiração da Constituição alemã, no artigo 26º da CRP, é consagrado o direito ao
desenvolvimento da personalidade. Pode não parecer um direito fundamental importante,
mas é —> “o direito de desenvolvimento da personalidade, entendido enquanto protecção
constitucional da liberdade geral de ação que actua a título subsidiário sempre que não é
invocável um direito fundamental específico, institui uma protecção jusfundamental sem
lacunas que obriga constitucionalmente o Estado à justificação e à observância dos
princípios constitucionais sempre que intervenha restritivamente na liberdade e na
autonomia individual”.
— Em matéria de detenção para efeitos de identificação civil e de internamento compulsivo,
há uma abertura nas situações em que se considera constitucionalmente admissível a
privação total ou parcial da liberdade.
— Alteração significativa na liberdade de associação — introduz-se no artigo 46º/4, relativo à
liberdade de associação, o termo “organizações racistas”. (“Até então a Constituição proibia
as associações armadas e de tipo militar, bem como as que perfilham a ideologia fascista,
mas não fazia referência a associações racistas”).
REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO
—> No âmbito da reforma do sistema político, sob o lema de aproximar eleitores e eleitos e
de reforçar a participação dos cidadãos, foram aprovadas várias alterações: algumas delas
inócuas e irrelevantes, e outras que produziram algum efeito positivo significativo, tendo
importância de ordem prática!

Entre as ideias que não tiverem importância de ordem prática, mostrando-se irrelevantes,
podemos destacar a possibilidade de instituir círculos eleitorais uninominais nas eleições
para a AR.
— Ideia de adotar em Portugal um sistema do tipo alemão (onde existem círculos
plurinominais, onde concorrem os partidos, e uninominais, onde concorrem pessoas,
vinculadas a partidos políticos):. Nos círculos uninominais, iriam se juntar os votos que não
conseguiram eleger deputados em círculos plurinominais —> forma de garantir uma maior
representação dos partidos mais pequenos.
Esta ideia não teve concretização prática — com a institucionalização de círculos
eleitorais uninominais, ou diminuía-se a proporcionalidade ou teria de se aumentar
significativamente o número de deputados.

Dentro do número reduzido de alterações que produziram algum efeito positivo significativo,
podemos destacar:
— Referência à necessidade de instituição progressiva de igualdade entre homens e
mulheres, designadamente no domínio da participação política.
— Há a expressa enunciação da admissibilidade de candidaturas de grupos de cidadãos
eleitores nas eleições dos órgãos das autarquias locais (passam a existir candidaturas de
movimentos independentes nas autarquias locais).
— Ocorre a desconstitucionalização da obrigatoriedade de prestação de serviço militar.

—> POSSIBILIDADE DE INSTITUIR A REGIONALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA — o tratamento


da regionalização administrativa está previsto nos artigos 255.º e 256.º da CRP.
JRN: “A Constituição prevê a existência das regiões administrativas como categoria de
autarquia local, mas o processo da sua eventual criação é de enorme complexidade e, dir-se-
ia, mantendo-se o procedimento instituído nesta revisão, de concretização muito difícil ou
até impossível”.
PROCESSO DE REGIONALIZAÇÃO INCLUI CRIAÇÃO DAS REGIÕES E A SUA INSTITUIÇÃO EM
CONCRETO.

CRIAÇÃO —> “a criação das regiões é feita por lei, que procede, simultaneamente, à
delimitação territorial de todas as regiões e de cada uma delas, bem como à definição do
regime a elas aplicável, incluindo poderes, órgãos, funcionamento e competências”.
INSTITUIÇÃO EM CONCRETO —> a instituição das regiões depende de um referendo
nacional, referendo em que os eleitores são directamente chamados a responder a duas
questões.
— 1.ª questão é mais geral — visa apurar se os eleitores concordam com a instituição das
regiões administrativas tal como estas foram criadas pela lei.
— 2ª questão é mais particular — visa apurar se o eleitor concorda com a instituição em
concreto da região correspondente à sua área.
A resposta à ultima questão será eficaz apenas quando a resposta à primeira questão, a
questão geral, de alcance nacional, tiver obtido um resultado favorável.

—> Como vemos o processo de instituição da regionalização administrativa é muito


complexo e atípico.
JRN: “À distância, parece que os artigos sobre a regionalização administrativa foram feitos
para que aquilo não passasse do papel. Se fosse esse o objetivo, ele foi concretizado”.
Assim, ao lado dos círculos eleitorais uninominais para a AR, e de muitas outras alterações ,
as regiões administrativas também ficaram no papel.

ALTERAÇÕES NO DOMÍNIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL


—> A alteração mais relevante neste domínio respeita ao mandato dos juízes do Tribunal
Constitucional e à sua duração —> de um mandato renovável de seis anos passou-se para um
mandato único de nove anos
Qual o objetivo desta mudança? Garantir uma maior independência dos juízes no exercício
do seu mandato —> “Se até então o mandato era renovável, existia o risco objetivo de os
juízes poderem condicionar a sua atividade no Tribunal Constitucional ao propósito de
voltarem a ser reeleitos para novo mandato, o que afetava potencialmente a sua
independência face aos grandes partidos que dispõem da capacidade fáctica de influenciar
a respectiva eleição na Assembleia da República. Por sua vez, num mandato único esse
condicionamento desaparece ou atenua-se, já que desaparece a eventual preocupação dos
juízes com a reeleição”.
REVISÃO DE 2004
O objeto desta revisão reparte-se por diferentes domínios (integração europeia, direitos
fundamentais), mas, em termos de resultado, a autonomia regional e a sua ampliação
concentram a maior parte das alterações mais relevantes introduzidas pela revisão.

ALTERAÇÕES RELATIVAS À INTEGRAÇÃO EUROPEIA


— Dá-se uma alteração significativa quanto à relação hierárquica entre direito europeu e
direito nacional, nomeadamente entre direito europeu e normas constitucionais.
O que acontece se uma norma constitucional e uma norma de direito europeu estiverem em
contradição? —> À partida, a Constituição prevalece. No entanto, desde sempre a
jurisprudência e doutrinas europeias sustentavam e defendiam o primado do direito europeu
sobre o direito nacional.
—> A revisão de 2004 reconhece a supremacia dos tratados que regem a UE e das normas
emanadas das suas instituições relativamente ao Direito interno—> artigo 8º/4, CRP

JRN:
“O reconhecimento constitucional expresso da supremacia do Direito europeu relativamente
ao Direito interno, incluindo a própria Constituição, deve ser entendido de forma combinada
com as duas seguintes notas: em primeiro lugar, o reconhecimento do primado do direito
europeu na ordem jurídica portuguesa deriva juridicamente de uma decisão da própria
Constituição portuguesa e, em segundo lugar, a supremacia fica expressamente
condicionada pelo respeito dos princípios do Estado de Direito democrático por parte das
normas europeias”.
Assim, não se verifica este primado se o direito europeu violar os princípios do Estado de
Direito Democrático (esta condição acaba por ser simbólica, pois o Direito Europeu também
se rege por estes princípios)

DIREITOS FUNDAMENTAIS
—> A revisão de 2004 produz uma alteração no art. 13º (princípio da igualdade), pela
introdução da “orientação sexual”.
Dizia-se que esta alteração não era necessária, pois numa interpretação adequada do artigo,
discriminações em função da orientação sexual não podiam ser admitidas. Contudo, a
alteração teve um sentido útil, porque de 2004 para cá ficou claro que qualquer
diferenciação neste domínio é suspeita.
JRN:
“Mesmo que no plano estritamente jurídico já fosse anteriormente possível deduzir essa
proibição do próprio princípio constitucional da igual dignidade, a sua consagração expressa
tem, não apenas um valor simbólico significativo, como, no plano jurídico, introduz uma
presunção de inconstitucionalidade relativamente a discriminações feitas com base nesse
factor”.

REVISÕES EXTRAORDINÁRIAS
“As revisões extraordinárias são, por definição, justificadas por necessidades pontuais de
resolução de dificuldades jurídico-constitucionais cuja premência não permita ou não
aconselhe aguardar o decurso normal do tempo em que a Assembleia da República adquire,
de novo, poderes constituintes de revisão”.

REVISÃO DE 1992 (a necessidade da revisão extraordinária nasceu da aprovação do Tratado


da União Europeia, de Maastricht, que, assinado em Fevereiro de 1992, viria a entrar em vigor
em 1993, o que levantava algumas questões de compatibilidade com a Constituição
portuguesa)
Alterações da revisão:
— Banco de Portugal deixa de ter exclusividade da cunhagem de moeda, o que é necessário
para permitir a adesão à moeda única europeia - o euro.
— Cidadãos portugueses podem votar na eleição dos deputados por Portugal ao Parlamento
Europeu.
2004 – Tribunal internacional
2005 – Possibilidade de se realizar referendo sobre o aprofundamento da integração
europeia.

Uma reforma do sistema político que não fica no papel: Regiões autónomas.
De 1982 a 2004, muitas alterações não encontraram concretização prática (círculos
uninominais, regionalização administrativa, círculo eleitoral nacional são algumas das
alterações trazidas por revisões que não tiveram concretização prática).
Diversamente, as sucessivas revisões traduziram-se numa efetiva progressiva autonomia das
Regiões Autónomas.
—> A de 2004 foi porventura a mais decisiva no aprofundamento da autonomia regional.
FUNÇÃO LEGISLATIVA NAS REGIÕES AUTÓNOMAS

— Faz parte da natureza das RA e da sua autonomia político-administrativa, que as RA


tenham poder politico, poder que engloba existência de um governo próprio e a titularidade
de poderes legislativos —> como consequência da titularidade de poder legislativo nas RA,
temos atos legislativos aprovados pelas Assembleias Legislativas Regionais (artigo 227.º).

Esta pluralidade de órgãos legislativos, do Estado (AR e Governo) e das Regiões, é muito
sensível e suscita questões:
— Como é que o ordenamento da República se relaciona com os ordenamentos regionais?
— Como é que a lei da República se relaciona com a lei regional?

Na primeira versão da CRP, a matéria da competência legislativa das RA foi tratada com

excessiva cautela:

—> Para as R.A. poderem legislar, têm de ter um interesse específico em legislar. Assim,
na lógica da CRP originária, as Assembleias Legislativas Regionais só podiam legislar, se
existisse um interesse próprio por parte das RA quanto à matéria a ser legislada, o tal
“interesse especifico” (que não era definido pela CRP).
—> A legislação regional tem de respeitar as “leis gerais da República”. Havendo uma
contradição entre ambas, prevaleciam as leis gerais.
Grande discussão em torno do conceito “leis gerais da República” (não definido na CRP
originária).

Revisão de 1982
—> Há uma tentativa de definir “leis gerais da República” — “a revisão de 1982 procedeu a
uma restrição do entendimento do conceito de “leis gerais da República” para efeitos de
determinação do parâmetro que, nos termos constitucionais, a legislação regional devia
observar”.
— Define-se que são as leis gerais da República —> as leis e os decretos-leis cuja razão de
ser envolvesse a sua aplicação, sem reservas, a todo o território nacional.
Surge uma discussão em torno da definição de lei geral da República: em que termos é que
se pode concluir que uma lei se destina ou não a ser aplicada a todo o território nacional?
Revisão de 1989
—> Esta revisão institui a possibilidade de a AR autorizar que decretos legislativos
regionais possam contrariar as leis gerais da República.

Revisão de 1997
—> Com esta revisão, o processo de progressiva autonomia das RA continua: os decretos
legislativos regionais passam a poder dispor contra as leis gerais da República, desde que
não contrariem os seus princípios fundamentais.
—> Para que uma lei da República possa ser considerada uma “lei geral da República” passa a
ser necessário que a sua razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e
que a própria lei assim o decrete.
—> São ainda suprimidos do texto constitucional alguns limites expressos à autonomia
regional e enumeram-se algumas matérias como apresentando um interesse específico
para as regiões (o que dá incontestavelmente às assembleias legislativas regionais a
possibilidade de sobre elas poderem legislar).

Revisão de 2004 – Avanço extraordinário na autonomia legislativa das RA.


—> Suprime-se o “interesse específico” enquanto pressuposto da competência legislativa
regional (as RA já não têm de ter um interesse específico para legislar!).
—> Suprimem-se as leis gerais da República, enquanto parâmetro material que a legislação
regional deve respeitar.
—> As RA passam a poder legislar, no âmbito regional, sobre todas as matérias não
reservadas aos órgãos de soberania e que venham enunciadas nos respectivos estatutos
político-administrativos (CRP: artigo 227.º/1, alínea a). Desde que possam legislar, podem
dispor diversamente ou até contra as leis da República!
—> A Assembleia da República pode ainda autorizar as assembleias regionais a legislarem
sobre algumas das matérias que integram a sua reserva relativa de competência legislativa
(CRP: artigo 227.º/1, alínea b)).
—> As regiões autónomas podem desenvolver, para o âmbito regional, os princípios gerais
contidos nas leis de bases (artigo 227.º/1, alínea c) —> “Desenvolver para o âmbito regional
os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se
circunscrevam”.
Aula teórica de 16-03-2020

Dentro do Estado, podemos distinguir várias funções (função política, administrativa,


jurisdicional). Dentro da função política em sentido amplo, temos a função legislativa
(também chamada de função político-legislativa).

Características da lei e da função legislativa


1. Generalidade —> a lei é aplicável a todas as pessoas que se encontrem na sua previsão, a
todas as pessoas (indeterminadas) que estejam ou que possam vir a estar na situação que
consta da previsão. Geral contrapõe-se a individual (lei individual aplica-se só a uma
pessoa ou a várias pessoas concretamente determinadas).
2. Abstrata —> não conseguimos determinar quais as situações/casos concretos em que a
lei vai ser aplicada.
3. Sentido inovatório.

Quando falamos em “Lei”, isto pode ter vários significados


1) Sentido orgânico — lei enquanto ato legislativo com designação precisa de lei — ato
legislativo da AR tem a designação precisa de lei.
2) Sentido formal — tem que ver com os atos legislativos que a ordem jurídica reconhece
(artigo 112.º da CRP é fundamental).
3) Sentido material — falamos em lei com o sentido simplesmente de “Direito” (quando
dizemos “a lei não permite esse comportamento”, não estamos a falar de uma lei em
concreto, mas de normas jurídicas em geral).

LEI EM SENTIDO FORMAL


Quais os atos legislativos em Portugal?
Artigo 112.º/1:
1. As leis — correspondem aos atos legislativos aprovados pela AR (ver artigos 161.º, 164.º,
165.º, 166.º, 167.º, 168.º e 169.º).
2. Os decretos-leis — correspondem aos atos legislativos aprovados pelo Governo (artigo
fundamental é o 198.º).
3. Os decretos legislativos regionais — correspondem aos atos legislativos aprovados pelas
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas (artigo fundamental é o 227.º).
112.º/4: Os decretos legislativos aplicam-se apenas nas Regiões Autónomas (têm
âmbito regional, ao passo que as leis e os decretos-lei têm âmbito nacional).
Artigo 112.º/5 estabelece o PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DA LEI (“Nenhuma lei pode criar
outras categorias de atos legislativos”).
Princípio da tipicidade da lei —> atos legislativos são aqueles que estão definidos no
artigo 112.º/1 - leis, decretos leis e decretos legislativos regionais — há, portanto, no artigo
112.º/1, uma enumeração taxativa.
“Quando alude a “leis com valor reforçado”, “leis pressuposto de outras leis”, leis de bases,
leis de autorização e estatutos político-administrativos, a CRP não qualifica novas formas
específicas de lei, apenas se reporta a categorias legais que, dotadas de um regime próprio,
se reconduzem às três formas específicas previstas no n.º 1 do artigo 112.º da CRP”.

Como consequência da tipicidade da lei, existe também um princípio de ticipidade quanto


aos orgãos com competência legislativa —> orgãos com competência legislativa são os
orgãos com competência para aprovar leis (AR), decretos-leis (Governo) e decretos
legislativos regionais (Assembleias Legislativas Regionais).

Artigo 227.º diz que as Regiões Autónomas têm poder legislativo, mas não diz qual dos
orgãos de governo próprio das RA (Governo Regional ou Assembleias Legislativas das RA)
tem o poder para aprovar decretos legislativos regionais.
Como é que podemos concluir que são as Assembleias Legislativas que aprovam os decretos
legislativos regionais? —> através do artigo 232.º/1.

A questão da hierarquia entre leis e decreto-leis


—> Artigo 112.º/2: “As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às
correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos
que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos”

—> Se o Governo poder legislar, lei e decreto-lei têm igual valor. Tendo igual valor, a lei e o
decreto-lei podem revogar-se mutuamente (vale a regra “lei nova revoga lei anterior”).
Há, no entanto, exceções, casos em que a lei é hierarquicamente superior ao decreto-lei:
“(…)subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de
autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos”.
— Lei de bases é hierarquicamente superior ao decreto-lei de desenvolvimento dessas
mesmas bases.
— Lei de autorização legislativa é hierarquicamente superior ao decreto-lei aprovado no
uso dessa autorização.
Como é que sabemos que a autorização legislativa (art. 165.º), concedida no âmbito da
reserva relativa de competência legislativa da AR, reveste a forma de lei?
Artigo 166.º/3 dá-nos a resposta: “revestem a forma de lei os atos previstos nas alíneas b) a
h) do artigo 161.º” —> alínea d) do artigo 161.º (“Conferir ao Governo autorizações legislativa”)
está abrangida neste número e, portanto, a autorização legislativa é uma lei.

Pode um decreto-lei elaborado no uso de uma autorização legislativa revogar uma lei da AR?
Depende bastante.
— Quando a AR concede uma autorização legislativa ao Governo, define quais os termos em
que o Governo pode legislar — art. 165.º/2: “As leis de autorização legislativa devem definir o
objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização(…)”. Neste sentido, dizemos que há
uma superioridade hierárquica da lei de autorização legislativa.
Se, na lei de autorização legislativa, a AR definir que o decreto-lei aprovado no uso da
autorização pode fazer cessar uma lei da AR, tal pode acontecer. Caso contrário, não.

Competência legislativa da AR

Artigo 161.º, alínea c)


“Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo” — a
AR pode legislar sobre todas as matérias, menos sobre que são reservadas pela Constituição
ao governo — falamos das matérias que englobam a competência exclusiva do Governo.
Assim, à partida, a AR, tem uma competência legislativa genérica —> só não pode legislar
sobre as matérias que fazem parte da competência exclusiva do Governo.

Que matérias são estas que fazem parte da competência exclusiva do Governo?
—> Ir ao artigo 198.º, que é o artigo chave da competência legislativa do Governo.
Artigo 198.º/2: “É da exclusiva competência do Governo a matéria respeitante à sua
própria organização e funcionamento” —> Lei Orgânica do Governo (regime de organização
e funcionamento do Governo).

O artigo 198.º/1, alínea a) estabelece “Governo pode fazer decretos-leis em matérias não
reservadas à Assembleia da República”. Conjugação do artigo 161.º, alínea c) e artigo 198.º/1,
alínea a) —> competência concorrencial — em matérias que não estão reservadas à AR e
nas que não estão reservadas ao Governo, tanto a AR como o Governo podem legislar.
Quais as matérias reservadas à AR?
— Matérias que constam do artigo 161.º (ex: alterações à Constituição, aprovação dos
estatutos político-administrativos das RA…) —> Governo não pode legislar sobre estas
matérias!
— Matérias de reserva absoluta de competência legislativa — artigo 164.º
— Matérias de reserva relativa de competência relativa — artigo 165.º

RESERVA ABSOLUTA é diferente de RESERVA RELATIVA.


Matérias de reserva absoluta (art. 164.º) —> só a AR pode legislar — não pode existir
qualquer autorização para outro orgão legislar sobre estas matérias.
Matérias de reserva relativa (art. 165.º) —> matérias que fazem parte do domínio exclusivo
da AR, mas sobre as quais, mediante autorização legislativa, o Governo e as Assembleias
Legislativas das RA podem legislar.

Temos aqui um novo dado: para além de ter uma competência legislativa exclusiva (relativa à
sua organização e funcionamento), o Governo tem também uma competência legislativa
delegada —> exerce-a quando, mediante uma autorização legislativa, legisla sobre matérias
de reserva relativa da AR.
IMPORTANTE: a lei de autorização legislativa habilita o Governo a legislar apenas uma vez
sobre determinada matéria, ficando-lhe vedado nova intervenção legislativa na matéria, salvo
nova autorização.

Orgãos com competência legislativa não estão todos no mesmo plano.

—> AR
— Tem uma competência legislativa genérica (só não pode legislar sobre as matérias que
respeitem à orgânica e funcionamento do Governo).
— Tem uma reserva de competência sobre as matérias mais importantes: a reserva da
competência legislativa da AR é muito maior que a reserva de competência legislativa do
Governo e as matérias que são enunciadas nos artigos 161.º, 164.º (reserva absoluta) e 165.º
(reserva relativa) são as matérias de maior importância.
—> Governo
— Embora tendo uma grande competência legislativa, esta competência tem limites mais
severos que o limite que é colocado à AR.
— A maior parte dos atos legislativos são elaborados pelo Governo, mas a supremacia
legislativa é da AR (*mais à frente estão enumerados os “institutos” que relevam esta
supremacia da AR).

—>Assembleia Legislativa Regional —> competência legislativa bastante mais limitada que a
da AR e Governo.
Por quê mais limitada? Art. 112.º/4: “Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam
sobre as matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respetiva região
autónoma que não estejam reservadas aos orgãos de soberania”).

Diferentemente do Estado Liberal, o Estado Social e Democrático de Direito é um Estado que


assume tarefas em vários domínios, domínios como a saúde e educação. Estas tarefas, que
não se verificam no Estado Liberal, que é, por natureza, um Estado abstencionista.
Com o maior número de tarefas do Estado, que já não é abstencionista, o Parlamento deixa
de conseguir legislar sozinho —> o Governo deixa de ser apenas um orgão com competência
regulamentar e passa a ter competência legislativa.

O que nos mostra que a AR é o orgão legislativo por excelência? Quais os institutos onde se

manifesta a superioridade legislativa da AR?

1. A reserva absoluta e a reserva relativa da AR são muito vastas (ao contrário do que

acontece com o Governo — as matérias que fazem parte do domínio exclusivo do

Governo são apenas matérias relativas à sua organização e funcionamento). Para além de

serem muito vastas, as matérias de reserva da AR são as matérias mais importantes.

2. A AR pode autorizar o Governo a legislar sobre as matérias de reserva relativa (artigo

165.º). Se existir autorização, o Governo não é livre de legislar sobre matérias de reserva

relativa, visto que existe uma subordinação do Governo à AR — o Governo pode legislar,

mediante autorização da AR, mas tem de respeitar os limites que são fixados na lei de

autorização legislativa (lei de autorização legislativa define “o objeto, o sentido, a

extensão e a duração da autorização).


3. Depois do veto do PR, a AR pode confirmar a sua lei por maioria absoluta dos deputados

em efetividade de funções (artigo 136.º/2) ou por maioria de dois terços dos deputados

presentes (artigo 136.º/3). Assim, se reunir as maiorias necessárias, a AR consegue

ultrapassar um veto presidencial, que é, neste caso, suspensivo. Diferentemente, o

Governo não é capaz de ultrapassar um veto do PR, que é, neste caso, absoluto.

O facto da AR poder ultrapassar um veto presidencial é, indiscutivelmente, uma

manifestação da superioridade do orgão.

Outra manifestação de superioridade lei —> Artigo 162.º, alínea c): Mesmo depois de

entrarem em vigor, os decretos-leis de Governo (salvo os feitos no exercício da competência

legislativa exclusiva do Governo) e os decretos legislativos regionais podem ser sujeitos à

apreciação da AR, para efeitos da sua cessação de vigência ou de alteração.

Quem pode ter iniciativa legislativa?


Artigo 167.º responde:
1) Deputados
2) Grupos parlamentares
3) Governo
4) Nos termos e condições estabelecidos, grupos de cidadãos eleitores

Aula teórica de 23/03/2020

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
—> Quando falamos em competência, isso significa interrogarmo-nos se um dado orgão tem
ou não poder constitucional para aprovar determinado ato (“Este orgão tem competência
para aprovar este ato? Esta lei?”).
Há matérias reservadas à competência da AR —> se estão reservadas, isso significa que
outros orgãos não têm competência para legislarem sobre essa matéria — se aprovarem um
ato legislativo sobre essa matéria, esse ato foi inconstitucionalmente aprovado.

INICIATIVA LEGISLATIVA
—> Quando falamos em iniciativa perguntamo-nos sobre quem pode desencadear o
processo legislativo. Chegámos a conclusão de que é necessário uma lei —> para a lei ser
aprovada pela AR, tem alguém tem de “abrir” o processo (a competência é só para “abrir” o
processo, não é para aprovar a lei).

Quando a matéria não está reservada à própria Assembleia, o próprio governo legisla.
—> podendo legislar, irá o próprio governo legislar, isto é, fazer um decreto-lei
São as matérias reservadas à AR, as matérias que não estão acessíveis ao governo, que
impõem que o governo recorra à iniciativa legislativa.

Durante muito tempo, houve uma grande polémica, tanto na doutrina, como na
jurisprudência, sobre a questão da competência legislativa das Regiões Autónomas.
Por que razão foi a questão da competência legislativa das Regiões Autónomas uma questão
tão controversa?
— Quando olhávamos para as normais constitucionais que dispunham sobre esta matéria,
existia um amplo conjunto de limites à competência legislativa das RA —> limites tanto eram
negativos (não podem…), como positivos (só podem…), e suscitaram muitas dúvidas.

Limite negativo — “quando legislam, as RA têm de respeitar as leis gerais da República” —> o
conceito de “leis gerais da República”, diferentes das leis aprovadas na República, não foi
claramente entendido, gerando uma enorme discussão.
Limite positivo — “as RA só podem legislar em matéria de interesse específico da região"
—> este limite também levantou vários problemas, pois não há uma resposta objetiva e
inequívoca para a pergunta “O que é interesse específico?” e “Tem a RA interesse específico
em legislar sobre X matéria?”.

Ao longo das várias revisões constitucionais ordinárias, verifica-se um progressivo


aumento da autonomia das RA (JRN diz “Se há uma coisa que é constante nas várias
revisões ordinárias é um progressivo aprofundamento das RA. De cada revisão ordinária, as
RA saem com mais autonomia, com mais poderes”).

Muitas vezes, pensa-se que o processo de aumento da autonomia das RA terminou em 2004,
ano em que ocorreu a última revisão ordinária —> no entanto, tal não é verdade, pois é quase
certo que numa próxima revisão, as RA possam ver a sua autonomia aumentar (JRN refere a a
possibilidade de abolição do cargo Representante da República).
A revisão de 2004 estabeleceu o quadro atual da competência legislativa das RA, sendo que
“agora as coisas estão muito menos complicadas” (o que antes era controverso, agora é
muito mais simples —> já não há “interesse específico”, nem “leis gerais da República).

Falamos em competência legislativa das Regiões Autónomas, mas quem tem competência
legislativa nas RA é a Assembleia Legislativa Regional.
Que competência legislativa têm as Assembleias Legislativas Regionais? (que, como já vimos,
aprovam atos legislativos que têm a designação de decretos legislativos regionais).
Ir ao artigo 112.º —> n.º 4 (“Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre
matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que
não estejam reservadas aos órgãos de soberania”).

3 limites:
— Âmbito regional —> a legislação das RA tem necessariamente âmbito regional (a
Assembleia Regional da Madeira só pode legislar para a Madeira).
O limite do âmbito regional parece ser bastante simples —> no entanto, levanta várias
dúvidas — “Devemos interpretar âmbito regional apenas num âmbito territorial/geográfico ou
também de um âmbito material, no sentido de existirem matérias que fazem parte do âmbito
regional e outras que fazem parte do âmbito nacional?”
O Tribunal Constitucional vai considerar que “âmbito regional” tem uma dimensão material,
existindo matérias que têm âmbito regional e sobre as quais as RA não pode legislar. NO
ENTANTO, o entendimento do TC não é exatamente o que consta da CRP.

— “Versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva


região autónoma”.
Cada estatuto político-administrativo deve enunciar as matérias sobre as quais as RA podem
legislar, sendo este estatuto aprovado pela AR (em última análise, é a AR que define as
matérias sobre as quais as Assembleias legislativas Regionais podem legislar).
Aparentemente, é um limite importante — “aparentemente”, porque na prática, este limite
deixou de ser importante —> deixou de ser um limite importante quando, nos estatutos
político-administrativos, a enunciação das matérias sobre as quais as RA podem legislar
tornou-se tão vasta, tão abrangente, que, na prática, as RA podem legislar todas as matérias
possíveis.
JRN: “Apesar de, em teoria, as RA terem uma competência limitada às matérias enunciadas
nos estatutos, estas, na prática, podem legislar sobre todas as matérias e isto não é um
exagero”.

— Podem legislar sobre todas as matérias menos sobre as que estão reservadas aos
orgãos de soberania —> JRN considera que este é o único limite real da competência
legislativa regional.
O que está reservado à AR —> artigos 161.º, 164.º e 165.º da CRP // O que está reservado ao
governo —> artigo 198.º/2, CRP (organização e funcionamento do Governo da República).
As RA não podem legislar sobre as matérias reservadas aos orgãos de soberania, mais
precisamente reservadas à AR e ao governo.
No entanto, isso não impede que a AR autorize as Assembleias Legislativas Regionais a
legislar sobre certas matérias da sua reserva relativa de competência legislativa —> contudo,
na prática, isto nunca acontece.

O Tribunal Constitucional levanta uma dúvida — quando a CRP diz, no artigo 112.º/4 e, no
artigo 227.º, que as RA não podem legislar sobre as matérias reservadas aos orgãos de
soberania são as matérias reservadas aos orgãos de soberania somente as que vêm
enumeradas nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º/2 ou existirão outras matérias que, pela sua
natureza, devam ter âmbito nacional?” —> como se levantam várias dúvidas, é normal que,
numa posterior revisão constitucional, isto seja clarificado.

Caso prático: A AR aprovou uma lei. Passado algum tempo, Assembleia Regional dos Açores
aprova um decreto legislativo das RA. O que prevalece na Região Autónoma?
(NOTAS: Não confundir decreto-lei, aprovado pelo Governo da República, com decreto
legislativo regional, aprovado pela Assembleia Legislativa Regional. O artigo 112.º/2 da CRP
estabelece, expressamente, que “as leis e os decretos-leis têm igual valor”, não dizendo nada
da relação entre leis e e decretos legislativos regionais).
RESOLUÇÃO:
Se a matéria for matéria reservada à AR, a Assembleia Regional dos Açores nem sequer podia
legislar, com respeito pelo limite estabelecido no artigo 227.º/1, alínea a) da CRP. Vamos
supor que a matéria não estava reservada à AR, havendo competência para legislar sobre ela
—> se a CRP atribui à Região Autónoma a competência de legislar sobre matérias de âmbito
regional, que se encontrem enunciadas nos respetivos estatutos e que não estejam
reservadas aos orgãos de soberania, o que a RA legisla deve valer para a região,
independentemente de contrariar uma lei da AR. Prevalece o âmbito regional.
Agora, imaginemos que a Assembleia Legislativa Regional aprova um decreto legislativo
regional sobre dada matéria. A Assembleia da República, não concordando com o disposto
no decreto legislativo, faz uma lei que contraria o decreto legislativo regional. O que
prevalece na RA? —> no tocante à RA, prevalece novamente o decreto legislativo regional
(mesma lógica).

—> Estas questões foram bastante discutidas. Hoje, tal discussão é resolvida pelo artigo
228.º/2 (“Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência
dos orgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”)
—> este artigo estabelece que se a matéria não estiver reservada aos orgãos de soberania e
se não existir legislação regional própria sobre essa matéria, aplicam-se nas Regiões
Autónomas as normas legais em vigor (ou seja, se a Assembleia Legislativa Regional podia ter
legislado e não o fez, aplicam-se nas RA as normas da República).
Fazendo uma interpretação a contrario do artigo 228.º/2: se existir um decreto legislativo
regional próprio sobre dada matéria, ele prevalece sempre sobre a legislação da
República sobre essa mesma matéria (na falta de legislação regional própria e existindo
necessidade de resolver certo problema numa RA, a AR pode aprovar uma lei para uma RA).

TIPOS DE LEI — Artigo 166.º

Art. 166.º/1: Lei constitucional —> falamos da lei de revisão constitucional.


As leis que não são constitucionais são leis ordinárias. Por força da superioridade hierárquica
da Constituição, uma lei ordinária não pode contrariar uma lei constitucional (se contraria,
temos o vício de inconstitucionalidade). Há uma clara supremacia da norma constitucional
sobre norma de lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade.
PRIMEIRA GRANDE DISTINÇÃO: LEI CONSTITUCIONAL VS LEI ORDINÁRIA

Dentro das leis ordinárias, não tudo é igual —> há distinções a fazer.
— Artigo 112.º/3: Leis de valor reforçado —> artigo 112.º/3 estabelece que, para além das
leis orgânicas, têm valor reforçado as leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3 dos
deputados, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo
necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.
SEGUNDA DISTINÇÃO (A FAZER DENTRO DAS LEIS ORDINÁRIAS): LEIS ORDINÁRIAS DE
VALOR REFORÇADO VS LEIS ORDINÁRIAS COMUNS.

Leis de valor reforçado —> é importante determinar o que é uma lei de valor reforçado (para
efeitos do artigo 280.º/2, alínea a) e artigo 281.º/1, alínea b) da CRP).
Lei de valor reforçado — está ligada ao vício de ilegalidade.
Podemos estabelecer um paralelismo:
—> se norma ordinária viola norma constitucional, há inconstitucionalidade.
—> se uma lei comum violar uma lei de valor reforçado, há ilegalidade — há quem diga que
ilegalidade é uma inconstitucionalidade indireta (quando lei comum viola uma lei de valor
reforçado, viola indiretamente a CRP, pois é a CRP que estabelece a supremacia da lei de
valor reforçado).

“Há ilegalidade se um ato administrativo regular uma lei (hierarquia CRP <— Leis <— Ato
administrativo). Também há ilegalidade se uma lei comum violar uma lei de valor reforçado”.

Temos de perceber o que é uma lei de valor reforçado. DENTRO DAS LEIS DE VALOR
REFORÇADO:
1. Leis orgânicas, previstas no artigo 112.º/3 e 166.º/2.
Leis orgânicas têm valor reforçado, pois têm uma forma e um procedimento diferente.
Notas diferenciadoras das leis orgânicas, que fizeram com que estas fossem consideradas
“de valor reforçado”:
— Artigo 168.º/5: “As leis orgânicas carecem de aprovação, na votação final global, por
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções” —> Outras leis não precisam
de maioria absoluta? Se a CRP nada disser, não é preciso maioria absoluta —> artigo 116.º/3
(regra geral da maioria constante do artigo 116.º/3 (maioria por pluralidade de votos); as
exceções estão no artigo 168.º).
— Artigo 136.º/3 — para a AR ultrapassar um veto presidencial em relação a uma lei
orgânica, não basta uma maioria absoluta —> é exigida uma maioria de dois terços dos
Deputados presentes.
— Artigo 278.º/2 (fiscalização preventiva da constitucionalidade) —> não só pode o PR
requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de
decreto enviado para o PR para promulgação, como também pode o PM ou 1/5 dos
Deputados em efetividade de funções.
2. Leis que precisam de ser aprovadas por maioria de 2/3 terços —> artigo 168.º/6
(novamente, o valor reforçado deve-se apenas a um procedimento específico).

3. Leis que, por força da CRP, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis
— Lei de autorização legislativa
Se o Governo quiser legislar em matéria reservada à AR, em princípio, não o pode. Contudo,
se a reserva não for absoluta, mas for relativa, o Governo pode pedir autorização legislativa à
AR. A AR dá ao governo autorização legislativa, que reveste a forma de lei.
A lei de autorização legislativa é um pressuposto normativo necessário do decreto-lei
elaborado no uso da autorização legislativa, pois, para existir esse decreto-lei tem de existir a
autorização. Para além disso, a lei de autorização legislativa vai definir os moldes e os limites
em que o governo pode legislar.
Em suma, a lei de autorização legislativa funciona como lei de valor reforçado face ao
decreto-lei elaborado no uso dessa autorização (e se o decreto-lei em causa violar a lei de
autorização legislativa, temos ilegalidade)
— Leis de bases (referidas no artigo 112.º/2 — “decretos-leis que desenvolvam as bases gerais
dos regimes jurídicos”).
Há leis que, em vez de regularem todo um regime jurídico, se limitam a consagrar os grandes
princípios desse regime jurídico —> matéria de ensino/saúde — lei de bases do ensino e lei
de bases da saúde (estas leis de bases estabelecem os grandes princípios, as grandes linhas
gerais, do ensino e da saúde, respetivamente).
A AR tem competência para aprovar leis de bases. Quando a AR aprova uma lei de bases, o
governo, a seguir, pode e deve desenvolver essas bases/esses grandes princípios, sem os
contrariar — tal competência está consagrada no artigo 198.º/1, alínea c)

- Leis que, por força da CRP, precisem de ser respeitadas por outras leis.
— Estatutos político-administrativos: são aprovados por lei e esta lei tem de ser respeitada
por todos os outros atos legislativos — do artigo 280.º/2, alínea b) e c) + artigo 281.º/1, alínea
c) e d) resulta que qualquer ato que, aprovado pelos orgãos regionais ou pelo orgãos de
soberania, não pode contrariar os estatutos das RA —> estatuto da RA é uma lei reforçada
de alcance geral: tem de ser respeitada por todas as outras leis, ou seja, a partir do momento
em que é aprovada, tem de ser respeitada por qualquer outro ato legislativo (o mesmo não se
verifica com a lei de autorização legislativa —> esta não tem de ser respeitada por todas as
outras leis — apenas pelo decreto elaborado no uso da autorização).
— Leis-quadro/Leis de enquadramento
Uma lei de bases estabelece as linhas gerais, os grandes princípios de um regime jurídico,
que são depois desenvolvidos. Diferentemente, uma lei de enquadramento dispõe sobre a
feitura/sobre o processo de formação e aprovação de outras leis.
Artigo 106.º/1:
Temos duas leis: a lei do orçamento (AR aprova a lei do orçamento do Estado, conforme
expresso no art. 161.º, alínea g), que é elaborada, organizada, votada e executada,
anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento do Orçamento. Quando se vai
aprovar a lei de orçamento, tem de se respeitar a respetiva lei de enquadramento.
Outra lei de enquadramento: Lei de criação das regiões administrativas

PROCESSO LEGISLATIVO PARLAMENTAR

1ª fase: Iniciativa legislativa (artigo 167.º, CRP)


—> processo legislativa só se inicia com a iniciativa legislativa, sendo preciso que alguém a
tenha.
—> nos termos do artigo 167.º, a iniciativa legislativa pode ser da competência de
Deputados, de grupos parlamentares, do Governo e ainda, nos termos e condições
estabelecidos por lei, de grupos de cidadãos eleitores; nas Regiões Autónomas, a iniciativa
legislativa é da competência das Assembleias legislativas regionais.

Vamos focarmo-nos na iniciativa dos Deputados e Governo!!!

PROJETO DE LEI VS PROPOSTA DE LEI


— Quando a iniciativa é interna ao próprio orgão, à própria AR (Deputados ou grupos
parlamentares), falamos de projeto de lei.
— Quando a iniciativa é externa à AR , falamos de propostas de lei.

— Os Deputados têm iniciativa legislativa genérica, mas há algumas matérias sobre as quais
os mesmos não podem apresentar projetos de lei:
—> Lei de orçamento (é da iniciativa do Governo)
—> Estatutos político-administrativos das RA (a sua proposta cabe às Assembleias
legislativas regionais).
—> Lei de autorização legislativa (é o Governo que, querendo legislar sobre certa matéria
que faz parte da competência legislativa da AR, solicita a lei de autorização legislativa; se
assim não fosse, a AR obrigaria o Governo a legislar).
Da mesma forma, o Governo não pode apresentar propostas sobre certas matérias,
designadamente leis de revisão constitucional e estatutos politico-administrativos.

Na lógica da reforma do sistema político, institui-se a possibilidade de grupos de cidadãos


eleitores terem iniciativa,De acordo com a lei, são necessários 20 000 cidadãos eleitores
para apresentarem a proposta de lei (o que, praticamente, nunca acontece).

Artigo 167.º/2: “Os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das


regiões autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projectos de
lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso,
aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento” —>
só o Governo, que é quem propõem a lei do orçamento, o pode fazer.

—> O Governo programa a sua atuação política em função do Orçamento. Para evitar
surpresas/inconvenientes, existe uma cláusula-travão, que impede os Deputados e as outras
entidades com iniciativa legislativa de apresentarem propostas que se traduzam, pelo seu
conteúdo, em diminuição das receitas ou em aumento das despesas do Estado previstas no
Orçamento.
Isto significa que o Orçamento fica completamente bloqueado? Que é impossível mexer
nele?
— NÃO. O Orçamento é uma lei como outra qualquer, podendo ser alterada —> pode-se fazer
uma alteração, até profunda, do Orçamento, mas quem tem essa iniciativa é o Governo (só o
Governo é que pode apresentar propostas de alteração ou de aprovação do Orçamento — se
o Governo fizer, depois, na discussão da proposta, os deputados são livres).

CASO ATUAL:
O parlamento aprovou alterações a três decretos-lei do Governo relativos a apoios sociais,
promulgados este domingo pelo Presidente da República, relacionados com economia,
saúde e educação.
Em causa estão três diplomas, um que um alarga o universo e o âmbito dos apoios sociais
previstos para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual;
outro aumenta os apoios para os pais em teletrabalho; e um terceiro que estende o âmbito
das medidas excecionais para os profissionais de saúde no âmbito da pandemia também à
recuperação dos cuidados.
Deputados/grupos parlamentares apresentaram projetos de lei que, por se traduzirem em
apoios sociais a algumas categorias profissionais, implicavam o aumento das despesas do
Orçamento —> colocou-se o problema da constitucionalidade da apresentação desses
projetos.
Houve quem dissesse que os projetos em causa nem deviam ter sido admitidos à discussão
—> não é bem assim, e até é aconselhável que sejam discutidos!

Exemplo: Um grupo parlamentar apresenta um projeto de lei de aumento dos salários dos
professores universitários. A cláusula-travão impede esta iniciativa, pois esse aumento dos
salários dos professores iria implicar o aumento das despesas previstas no Orçamento.
Contudo, se aquela lei (a de aumento dos salários dos professores) fosse aprovada, mas para
vigorar só no próximo ano (bastava fazer uma alteração no artigo que estatui “A lei entra
imediatamente em vigor” para “A lei entra em vigor com a aprovação do novo orçamento
para 2022”), a inconstitucionalidade seria sanada, pois, no ano económico em curso, não
haveria qualquer aumento das despesas (este aumento ficaria projeto para o próximo ano
económico).
Desta forma, facilita-se que os deputados possam apresentar projetos que impliquem
alterações no Orçamento, mas, no decorrer da discussão, tem de ficar claro que as
alterações não se projetam no Orçamento em vigor.

OPINIÃO DE JRN SOBRE O CASO ATUAL:


— Existe uma inconstitucionalidade ostensiva, a partir do momento em que a lei está prevista
para entrar imediatamente em vigor, pois isso implica o aumento das despesas previstas no
Orçamento para o ano económico em curso.
— O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulgou os diplomas aprovados pela AR (o PR
não está obrigado a enviar os diplomas aprovados pela AR para o Tribunal Constitucional —
se tiver dúvidas de inconstitucionalidade, pode-o fazer, sem estar a isso obrigado). No caso
em questão, o PR fez uma construção artificiosa, sem qualquer base constitucional — esta
construção, visível na mensagem do PR no site da Presidência da República, é a seguinte:
“esta lei pode ser inconstitucional, mas o Governo, quando vai aplicar a lei, depois desta
entrar em vigor, se vir que estão a ser ultrapassadas as despesas do Orçamento, não a aplica”
—> no fundo, o PR, que diz fazer uma interpretação conforme à constituição, promulga as
leis, mas diz que o Governo “faz o que quiser”.
— JRN diz que o raciocínio de Marcelo não tem apoio constitucional, pois foram confundidos
conceitos — interpretação conforme à constituição significa que uma norma legal é
interpretada à luz da Constituição (muitas vezes, a interpretação é controvertida — juristas
discordam quanto ao modo de apurar o sentido da fonte). Existem várias formas de
interpretação, existindo uma que, comportada pelo texto da norma, não se traduz na
violação da Constituição. Raciocínio de Marcelo está errado, pois PR não vai aplicar a norma
— quem vai aplicar a norma são os Tribunais, o Governo e, portanto, são estes orgãos que
fazem a interpretação conforme à Constituição.
No caso em concreto, não existiam dúvidas de interpretação —> não existiam duas
interpretações em competição e, portanto, o conceito de interpretação conforme à
constituição não se aplica — a norma era clara no seu conteúdo.. O que podia ser duvidoso
era saber se, com a aprovação da norma, está a ser violada a cláusula travão, constante da
Constituição, e, quando surge uma dúvida deste tipo, o TC deve ser chamado.
Para JRN e para os outros juristas que se pronunciaram, a norma era inconstitucional, pois a
cláusula-travão é inadmissível e a justificação de Marcelo, de estar a fazer uma “interpretação
conforme à constituição”, é insustentável. O correto seria o Presidente Marcelo não ter
promulgado o diploma ou tê-lo enviado para o TC.

O caso em questão é muito importante e concentra a matéria de DC II.


Um último ponto a referir:
Quando o PM António Costa, fez uma comunicação ao país, disse — “O PR promulgou as leis,
as leis entram em vigor e nós vamos aplica-las. Não existe qualquer problema - vamos
referendar* a promulgação e a norma entrara em vigor pacificamente”.

* Depois do PR promulgar o diploma (promulgação significa a assinatura do PR e a indicação


de publicação), há uma fase — a referenda ministerial.
A referenda ministerial é uma fase meramente formal, através da qual, o PM e outros
Ministros, atestam a regularidade da assinatura do Presidente. Depois da referenda, é que
a lei é publicada.
Referenda ministerial — artigo 134.º —> entre os atos que carecem de referenda ministerial,
temos a promulgação, por parte do PR, de leis, decretos-leis e decretos regulamentares
(artigo 134.º, alínea b). Como refere o n.º 2, “a falta de referenda determina a inexistência
jurídica do ato” — isto significa que, verdadeiramente, só há ato, se o PM ratificar a
promulgação.
Artigo 137.º — “a falta de promulgação ou de assinatura pelo Presidente da República de
qualquer dos atos previstos na alínea b) do artigo 134.º implica a sua inexistência
jurídica”.
Há assim, uma cadeia de inexistências jurídicas —> se faltar a referenda, a promulgação é
inexistente e se faltar a promulgação, o próprio diploma aprovado é inexistente — isto
significa que, se o Governo não referendasse, o ato seria inexistente.

Quando o PM António Costa diz o Governo vai referendar a promulgação, dá a ideia de que
“está nas mãos” do Governo referendar ou não referendar. Porém, isto não é assim: no
sistema português, o ato de referenda tem de ser interpretado como um ato obrigatório
do PR — se a assinatura constante do diploma corresponder à assinatura do PR (objetivo
da referenda), o Governo não pode recusar a referenda do ato de promulgação —> se o
Governo pudesse recusar a referenda, estariamos a dar ao Governo a “última palavra” sobre
todo o processo legislativo, estariamos a fazer do Governo o principal orgão no domínio
legislativo, o que iria contra a separação de poderes consagrada na CRP (AR é o orgão
legislativo por excelência; é certo que o Governo tem competência legislativa, mas esta é
limitada).

FASE DA INICIATIVA é seguida da FASE DE DISCUSSÃO da proposta ou projeto de lei.


Depois da fase de discussão, há a VOTAÇÃO.

Artigo que trata desta matéria —> artigo 168.º, CRP.


“A discussão dos projetos e propostas de lei compreende um debate na generalidade e
outro na especialidade”.
“A votação compreende uma votação na generalidade, uma votação na especialidade e
uma votação final global”.

Discussão na generalidade — discussão sobre o GERAL: os objetivos e o espírito da


proposta ou projeto de lei (qual o intuito da proposta ou projeto, que alterações procuram
ser introduzidas…).
Na discussão na generalidade, os deputados não se preocupam com aquilo que diz cada um
dos artigos.
Depois da discussão na generalidade, há uma votação na generalidade — se a proposta não
for rejeitada, passa-se para a fase seguinte, que é a Discussão na especialidade!
Discussão na especialidade — discussão sobre cada um dos artigos/alterações constantes
da proposta ou projeto de lei (não se discute o geral, mas o ESPECÍFICO).
Geralmente, a discussão na especialidade não ocorre no Plenário, mas na comissão da
área — se o diploma a ser discursivo for sobre saúde, a discussão na especialidade ocorre,
geralmente, na comissão sobre saúde.
Depois da discussão na especialidade, há também uma votação na especialidade, onde se
vota artigo a artigo/disposição a disposição.
Em geral, toda a fase da especialidade (discussão+votação) é feita na comissão da área
(conforme estatuído no artigo 168.º/3) —> deste modo, costuma-se dizer que, depois da
votação na generalidade, o diploma “desce à comissão”.
Contudo, existem matérias de tal modo importantes que a Constituição considera que a
discussão e a votação na especialidade tem de ser feita na especialidade —> artigo 168.º/4

— Votação final global é a votação decisiva.

MAIORIAS REQUERIDAS
Regra GERAL: Se não é especificada uma maioria, aplica-se o artigo 116.º/3 — “as
deliberações dos orgãos colegiais são tomadas à pluralidade de votos”.
N.º 5 e n.º 6 do artigo 168.º introduzem exceções à regra geral —> é preciso ter muita
atenção a estes números, pois a resolução de casos práticos.
N.º 5 — “As leis orgânicas carecem de aprovação, na votação final global, por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções, devendo as disposições relativas à
delimitação territorial das regiões, previstas no artigo 255.º, ser aprovadas, na especialidade,
em Plenário, por idêntica maioria”.
N.º 6 —> “Carecem de aprovação por maioria absoluta de dois terços dos Deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de
funções…” — nas alíneas, fala-se em “lei” e “disposições das leis”, o que pode gerar
discussão.

Exemplo: o estatuto político-administrativo de uma RA foi aprovado, em votação final global,


por 90 deputados —> era preciso maioria absoluta? Não. Contudo, a alínea f) do n.º 6 do
artigo 168.º estabelece que as disposições dos estatutos das RA que enunciem as matérias
que integram o respetivo poder legislativo carecem de aprovação por maioria de dois terços
dos Deputados.
Iniciativa —> Discussão —> Votação —> Promulgação

— Promulgação por parte do Presidente da República, se forem atos legislativos da AR ou


do Governo — artigo 134.º, alínea b).

O PR promulga os atos legislativos e assina os restantes diplomas que lhe sejam enviados
pelo Governo —> tanto pode promulgar como assinar — depende do ato que está em causa.
A promulgação é também ela uma assinatura, mas tem outra solenidade, pois incide sobre
atos legislativos.
Em semipresidencialismo, o PR tem poderes reais — PR pode recusar a promulgação —> No
caso do PR recusar a promulgação (veto) — artigo-chave é o artigo 136.º.

O VETO pode ser de dois tipos (esta classificação não consta da CRP; é feita pela doutrina):
— Veto político
— Veto jurídico (ou por inconstitucionalidade)

Quando o PR recebe o diploma da AR ou do Governo, pode:


1) Simplesmente promulgar (segue-se a referenda e a promulgação);
2) Pode vetar o diploma, e aqui importa referir dois cenários: Se o PR veta o diploma depois
de o receber, sem mais, estamos perante um veto político — “veto que o Presidente faz
por sua iniciativa, sem ter sido a obrigado a fazê-lo // O PR, tendo dúvidas de
constitucionalidade, pode enviar o diploma para o TC, para que este, em fiscalização
preventiva, diga se existe ou não constitucionalidade. Se o TC declara o diploma
inconstitucional, o PR é obrigado a vetar (não tem escolha) — estamos perante um veto
jurídico ou por inconstitucionalidade.
O processo que se segue a cada um dos vetos é distinto — no artigo 136.º, a CRP regula o
caso em que o PR, por sua iniciativa, decide vetar (veto político) // no artigo 139.º, a CRP
regula o caso em que o PR é obrigado a vetar pela declaração de inconstitucionalidade do TC
(veto jurídico).

Situação a considerar: O TC, chamado pelo PR a averiguar a constitucionalidade do diploma,


considera que não há inconstitucionalidade —> nessa altura, o PR pode ou não vetar?
O artigo 136.º dá a resposta — PR pode promulgar ou exercer o direito de veto, no prazo de
vinte dias contados da publicação da decisão do TC que não se pronuncie pela
inconstitucionalidade dele constante.
— Regime do veto político está previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 136.º da CRP.
Se existir veto…
—> A AR pode conformar-se com o veto.
—> A AR pode alterar o diploma.
—> A AR pode confirmar o veto — entra numa espécie de conflito com o PR. Havendo este
conflito, quem prevalece? A AR prevalece — pode confirmar o diploma, na generalidade
dos casos, por maioria absoluta e, em alguns casos, por maioria de dois terços dos
deputados; se o fizer, o PR é obrigado a promulgar o diploma. Aqui manifesta-se a
supremacia da AR — se se tratar de um veto sobre um decreto do Governo, o Governo não
pode confirmar (veto absoluto e não suspensivo, como é com a AR).

Se o Governo tiver maioria absoluta na AR e vir um diploma por si emanado vetado pelo PR,
tem o Governo possibilidade de superar o veto do presidente?
Conflito entre PR e Governo — o veto do PR relativamente ao Governo é absoluto, não tendo
este possibilidade de confirmação.
Contudo, sabemos que o Governo pode legislar sobre a matéria do decreto e, se quiser,
pode apresentar uma proposta de lei sobre aquela matéria. Se a AR aprovar uma proposta de
lei sobre a matéria que consta do decreto que foi vetado, o PR fica “sem arma”, pois, mesmo
que o PR volte a vetar o diploma, a AR pode confirmar o diploma.

Falta de promulgação, como já vimos, determina a inexistência do ato a ser promulgado.


Desta forma, a promulgação é o momento-chave, o momento que dá existência ao ato —
antes da promulgação, não devemos falar ainda em leis (devemos falar em decretos, que são
enviados ao PR para serem promulgados como leis —> os decretos só passam a ser leis
quando há a promulgação, que é o ato verdadeiramente essencial (visto que a referenda é
obrigatória).

Depois da promulgação —> Publicação (artigo 119.º, CRP).


A falta de publicação dos atos, no Diário da República, determina a sua ineficácia! (Ato não é
inexistente, mas não tem eficácia jurídica).
A publicação é importante, pois só com ela podem os cidadão podem ter conhecimento dos
diplomas.
REVER:
Competência legislativo do Governo — artigo 198.º
Artigo 198.º/1:
Alínea a) — Competência concorrencial —> Governo legisla sobre matérias que não lhe
estão reservadas, nem reservadas à AR.
Alínea b) — Governo legisla sobre matérias de reserva relativa da AR, mediante
autorização desta (decretos-leis sobre o uso de autorização legislativa)
Alínea c) — Governo legisla sobre o desenvolvimento de leis bases (decretos-leis de
desenvolvimento das bases).
Tanto nos decretos-leis elaborados no uso de autorização legislativa, como nos decretos-leis
de desenvolvimentos das bases, o Governo não é completamente livre — foi condicionado
pela AR (através da lei da autorização legislativa e da lei de bases).
Artigo 198.º/2: Competência exclusiva — decretos-leis relativos à organização e
funcionamento do Governo.

No n.º 2, o artigo 165.º diz quais os limites a estabelecer pela lei de autorização legislativa,
que não é um “cheque em branco” — as leis de autorização devem definir “o objeto, o
sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada”.

A AR hoje aprova uma lei de autorização legislativa e diz que o Governo fica autorizado a
legislar até ao dia 30 de junho. Governo aprovou, em Conselho de Ministros, o decreto-lei,
elaborado no uso de autorização legislativa, no dia 5 de junho, e depois este foi enviado para
o PR. O PR só veio a promulgar o diploma a 5 de julho. Quid iuris?
É a promulgação que determina a existência do ato (sem a promulgação, não há existência).
Assim, se o decreto-lei elaborado no uso de uma autorização legislativa só ganha existência
jurídica depois de findo o prazo, este não pode vigorar. Pode-se colocar a questão de saber
que culpa teve o Governo — o Governo devia ter tido em atenção o prazo que o PR tem para
promulgar um decreto do governo (tendo em conta este prazo, que é de 40 dias, devia ter

No n.º 3, o artigo 165.º estatui que “as autorizações legislativas não podem ser utilizadas
mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada”.
O Governo tem autorização da AR para legislar sobre dada matéria —> isto não significa que
o Governo tenha de aprovar um único diploma sobre essa matéria, pode espalhar a
legislação sobre essa matéria por vários diplomas, fazendo uma “execução parcelada”.
Simultaneamente, o n.º 3 diz-nos que as autorizações legislativas não podem ser
utilizadas mais do que uma vez — NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAR ISTO COM A
“EXECUÇÃO PARCELADA”.

Exemplo: O Governo pede autorização à AR para legislar sobre o direito à greve. Pode-o
fazer, pois estamos perante matéria de reserva relativa. Quando vai legislar, o Governo faz um
primeiro diploma sobre greve na função pública e um segundo sobre a greve, em geral. Pode
o Governo fazer isto? Pode, mas desde que respeite os limites que estão contidos na lei de
autorização legislativa.

Outro exemplo:
No uso de autorização legislativa, o Governo aprova um diploma sobre greve na função
pública, tendo este sido promulgado pelo PR. Enquanto dura a autorização legislativa, o
Governo faz um segundo diploma sobre greve geral, mas, neste segundo diploma,
aproveitou para alterar algumas disposições contidas no primeiro.
O Governo pode aprovar o segundo diploma (não é obrigado a concentrar tudo num único
diploma). Contudo, quando legislou sobre a matéria da greve na função pública, esgotou a
autorização legislativa e, para legislar novamente sobre essa matéria, tem de pedir nova
autorização.

Apreciação parlamentar de atos legislativos (artigo 169.º CRP).

É um ato de fiscalização, através do qual a AR, depois de um decreto-lei do Governo ser


publicado, tem um prazo para o chamar à apreciação.
Dez deputados podem desencadear o processo de apreciação parlamentar de decretos-leis
do Governo, salvo aqueles que são aprovados no exercício da competência legislativa
exclusiva do Governo. O processo pode ser desencadeado dentro dos trinta dias
subsequentes à publicação dos decretos-leis (é este o prazo!).

E quais os objetivos deste procedimento? Alterar um decreto-lei em causa ou fazê-lo cessar.


A AR, no exercício da sua competência legislativa, pode aprovar uma lei que revogue um
decreto de Governo (pois leis e decretos-leis têm igual valor) ou que o altere, pelo que
podemos colocar a questão: Qual a vantagem deste processo, que é mais exigente (há um
número mínimo de deputados e um prazo)?
—> Recorrendo este instituto, a AR exibe a sua supremacia, expressa na competência de
fiscalização — razão mais simbólica do que prática.
—> Segundo o Regimento, o processo de apreciação parlamentar de atos (se um deputado
apresentar um projeto de lei, segue-se a ordem “normal” de trabalhos, não há prioridade; se
um grupo de deputados requerer a apreciação parlamentar de atos legislativos,
Esta prioridade não é absoluta —> é na Comissão de Líderes que se fixa a agenda do Plenário,
da AR e, portanto, se a Comissão assim o entender, pode dar prioridade a uma iniciativa
legislativa.

A razão da prioridade, assim como a de exibição da supremacia, não conseguem responder


bem à questão “Qual é a vantagem deste procedimento?”.
VANTAGENS
N.º 2 —> “Requerida a apreciação de um decreto-lei elaborado no uso de autorização
legislativa, e no caso de serem apresentadas propostas de alteração, a AR poderá
suspender, no todo ou em parte, a vigência do decreto-lei até à publicação da lei que o
vier a alterar ou até à rejeição de todas aquelas propostas”.
N.º 4 —> 0 ato através do qual a AR faz cessar a vigência do decreto-lei do Governo não é
uma lei, mas uma resolução. Se a AR quiser fazer cessar a vigência de um decreto-lei do
governo, é muito mais fácil que a lei opte por este procedimento do que por feitura de uma
lei: se a AR optar pela feitura de uma lei para fazer cessar a vigência de um decreto-lei do
Governo, o decreto tem de ser enviado ao PR, para efeitos de promulgação, e o PR pode-o
pode vetar logo ou enviá-lo para o TC (há risco de atraso e do projeto de lei ser inviabilizado);
ao invés, se optar pelo procedimento em causa, tudo é mais eficaz, pois a resolução é
publicada independentemente da promulgação.
O n.º 4 estabelece também “se for provado a cessação da sua vigência, o diploma não
poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão legislativa” —> Se a AR
recorresse ao procedimento legislativo normal, isso não impediria que o Governo publicasse,
depois, o seu decreto. Com este procedimento, o Governo não pode voltar a publicar, no
decurso da mesma sessão legislativa, o decreto-lei feito cessar.

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE

A nível global, temos dois modelos de fiscalização da constitucionalidade:


1. Modelo Americano — EUA, certos países da América do Sul.
Fiscalização da constitucionalidade surgiu nos EUA.
2. Modelo Europeu
3. Modelo Português —> modelo singular, que só existe em Portugal (o que nos leva a
perguntar “Estarão os outros modelos errados ou é o modelo de Portugal o melhor?”).

Antes de fazermos comparações entre os vários modelos (Direito comparado), temos de


conhecer melhor o modelo português.
No modelo português, é importante ter atenção à terminologia — as frases “Ontem, o TC
pronunciou-se pela inconstitucionalidade de uma lei ou de uma norma”, “Ontem, o TC
verificou a inconstitucionalidade de uma lei ou de uma norma” e “Ontem, o TC declarou a
inconstitucionalidade de uma lei ou de uma norma” são diferentes.

O Tribunal Constitucional tem a função de fazer a justiça constitucional/de resolver os


problemas ligados à jurisdição constitucional — tem outras funções, mas estasnão são
importantes para a questão da fiscalização da constitucionalidade.
Como já foi dito, a inconstitucionalidade é a desconformidade de uma norma ou ato (dos
poderes públicos) relativamente a uma norma ou princípio constitucional.
A constitucionalidade é diferente da ilegalidade — falamos da ilegalidade quando uma lei
comum viola uma lei de valor reforçado —> o TC também aprecia o vício de ilegalidade
(artigos 280.º e 281.º).

Existem várias modalidades de inconstitucionalidade


Inconstitucionalidade material — há uma desconformidade material: o conteúdo da norma
legal viola o conteúdo de um preceito constitucional (ex: é aprovada uma lei que estabelece,
para determinada categoria de crimes, a pena de morte e a CRP proíbe, em qualquer caso, a
pena de morte).
Inconstitucionalidade orgânica — não foram observadas as regras constitucionais: a CRP
diz que é a AR que tem competência para aprovar leis sobre direitos fundamentais e o
Governo, sem qualquer autorização legislativa, legisla sobre essa matéria.
Inconstitucionalidade formal — a CRP estabelece que, existe uma maioria qualificada, para
aprovar leis sobre uma dada matéria e a AR aprova uma lei sem ter essa maioria qualificada.
Inconstitucionalidade orgânica e formal são muito parecidas.

No nosso sistema de fiscalização, não existem diferenças, em termos de consequências


práticas, entre modalidades de constitucionalidade —> em casos práticos, não temos de
abordar estas diferenças (a menos que tal seja perguntado!).
MODALIDADES DE FISCALIZAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE
Em primeiro lugar, quanto ao tempo em que a constituição é feita, podemos distinguir
entre fiscalização preventiva e fiscalização sucessiva.
Fiscalização preventiva (278.º e 279.º) — é a fiscalização requerida antes da norma ser
promulgada (“Se a fiscalização requerida ao TC é feita antes da promulgação, estamos
perante fiscalização preventiva”).
Fiscalização sucessiva — é a fiscalização requerida depois da norma estar publicada.

Dentro da fiscalização sucessiva, vamos distinguir duas grandes modalidades…


Fiscalização sucessiva abstrata (281.º e 282.º) — TC aprecia a inconstitucionalidade de uma
norma de uma forma abstrata, isto é, independentemente da sua aplicação a determinados
casos ou situações.
Fiscalização sucessiva concreta (280.º) — há um conflito que está a ser julgado/dirimido
num tribunal (em qualquer tribunal que existe) e, nesse conflito, surgiu uma questão de
constitucionalidade — há quem considere que uma norma aplicada naquele caso viola a
Constituição e, se, neste cenário, o TC é chamado a apreciar a constitucionalidade da norma,
há fiscalização da constitucionalidade no âmbito da fiscalização sucessiva concreta.

Inconstitucionalidade por ação — um poder público pratica um ato/adota uma norma e


coloca-se o problema de saber se esse ato é inconstitucional.
Inconstitucionalidade por omissão (prevista no artigo 283.º — “o Tribunal Constitucional
aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas
necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais) —“É pelo facto de um poder
público ter omitido um ato/a aprovação de uma norma que há inconstitucionalidade”.

Fiscalização preventiva — em sede preventiva, o TC é chamado pelo PR a pronunciar-se


pela inconstitucionalidade ou não pronunciar-se pela inconstitucionalidade — questão
terminológica: não dizemos “pronunciar-se pela constitucionalidade”, mas “pronunciar-se
pela inconsticuionalidade”.
Fiscalização sucessiva abstrata — o TC declara a inconstitucionalidade ou não declara a
inconstitucionalidade.
Fiscalização sucessiva concreta — o TC julga a inconstitucionalidade ou não julga a
inconstitucionalidade.
Fiscalização de inconstitucionalidade por omissão — o TC verifica a inconstitucionalidade
ou não verifica a inconstitucionalidade.
FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA (ARTIGOS 278.º E 279.º)

Que atos estão sujeitos a esta modalidade de fiscalização?


1. Atos legislativos — lei e decreto-lei (a requerer pelo PR — artigo 278.º/1 diz “o PR pode
requerer ao TC a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma
constante (…) de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou
como decreto-lei), e decreto legislativo regional (a requer pelo Representante da
República — o artigo 278.º/2 diz “Os Representantes da República podem igualmente
requerer ao TC a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma
constante de decreto legislativo regional que lhes tenha sido enviada para assinatura”).
2. Atos internacionais — designadamente tratados internacionais e acordos
internacionais (artigo 278.º/1 diz que “O PR pode requerer ao TC a apreciação preventiva
da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado internacional que lhe
tenha sido submetido para ratificação (…) ou de acordo internacional cujo decreto de
aprovação lhe tenha sido submetido para assinatura”).

Vamos falar da fiscalização preventiva no âmbito dos atos legislativos.

IMPORTANTE: No domínio da fiscalização preventiva, o papel que o Presidente


desempenha ao nível da República é desempenhado pelo Representante da República em
cada uma das Regiões Autónomas — o PR pode requerer a fiscalização preventiva ao TC no
caso dos atos legislativos nacionais, atos que é chamado a promulgar, e o Representante da
República de cada uma das Regiões pode-o fazer no caso dos atos legislativos das RA
(decretos legislativos regionais) que lhe são enviados para assinatura.

Quando o PR recebe um decreto para ser promulgado como lei ou decreto-lei, tem um prazo
para pedir a fiscalização preventiva. É importante realçar que o PR não é obrigado a pedir a
fiscalização preventiva do decreto — pode até acontecer que o PR tenha dúvidas quanto à
constitucionalidade de um ato legislativo, mas não opte por pedir a fiscalização preventiva.

Quando é pedida fiscalização preventiva, o TC tem um prazo para se pronunciar — o prazo é


de 25 dias (conforme expresso no artigo 278.º/8). No caso de ser o PR a requerer a
constitucionalidade, o prazo pode ser encurtado — JRN diz que o PR pode reduzir o prazo,
mas que este não pode ser inferior a dez dias.
Como já dito, o TC pode pronunciar-se pela não inconstitucionalidade ou pode-se pronunciar
pela inconstitucionalidade.
—> Se o TC se pronuncia pela não inconstitucionalidade da norma constante de decreto, o
PR tem vinte dias (desde essa decisão do TC) para vetar ou promulgar o diploma — é isto que
vem estabelecido no artigo 136.º/1 — “no prazo de vinte dias contados (…) da publicação da
decisão do TC que não se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma dele constante
deve o PR promulgá-lo ou exercer direito”.
—> Se o TC se pronuncia pela inconstitucionalidade — o PR é obrigado a vetar o diploma,
conforme estabelecido no artigo 279.º/1 (veto jurídico).

Efeitos da decisão — artigo 279.º

Se no diploma há um preceito que o TC diz que é inconstitucional, a AR pode expurgar essa


inconstitucionalidade (“o decreto não poderá ser promulgado ou assinado sem que o orgão
tiver sido aprovado expurgue a norma considerada inconstitucional”). Diversamente, pode
haver uma reformulação do diploma.

Situação que nunca ocorreu, mas que é importante referir: a AR não se conformar com a
decisão do TC — o TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade de determinado diploma,
mas, por alguma razão, a AR não concorda com essa decisão —> temos, portanto, um
confronto entre a opinião do TC e a opinião política da AR.
Vamos fazer uma comparação desta situação com aquela que é estabelecida no artigo 136.º

O artigo 136.º é o artigo relativo ao veto político, ao veto em que não houve prévia pronúncia
de inconstitucionalidade do diploma.
Artigo 136.º/2 — Se a AR confirma o diploma que foi vetado pelo PR, o PR é obrigado a
promulgar (no prazo de oito dias) o diploma, sujeitando-se à decisão da Assembleia — há
um conflito entre o PR e a AR e, se há a confirmação por maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções, “vence” a AR.

DIFERENTE DO QUE VEMOS NO CASO DO VETO JURÍDICO (artigo 279.º regula o veto jurídico,
isto é, o veto que é consequência da pronúncia da inconstitucionalidade por parte do TC).
Artigo 279.º/2: o TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade de determinado diploma, mas
a AR não concorda — há, portanto, um conflito entre a AR e a TC. A AR pode confirmar o
diploma que o TC considerou inconstitucional, por meio de confirmação por maioria de
dois terços dos Deputados presentes (desde que superior à maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções). Contrariamente ao que vemos no artigo 136.º, a
CRP não estatui que o PR tenha, obrigatoriamente, de promulgar o diploma confirmado
pela AR —> assim, após a confirmação da AR do diploma considerado inconstitucional
pelo TC, o PR não é obrigado a promulgá-lo.

TER EM ATENÇÃO ARTIGO 278.º/4 — “Podem requerer ao Tribunal Constitucional a


apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que
tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além
deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em
efectividade de funções” —> no caso dos apoios sociais — por que razão o PR não requereu
a fiscalização preventiva da constitucionalidade? Não estamos perante um diploma enviado
ao PR para promulgação como lei orgânica e, portanto, o PM não tem competência para
requerer a fiscalização preventiva de constitucionalidade.

IMPORTANTE: NA FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA, só falamos da fiscalização de


inconstitucionalidade (o artigo 278.º refere apenas a constitucionalidade, não havendo
referência a ilegalidade).

FISCALIZAÇÃO SUCESSIVA ABSTRATA (ARTIGO 281.º E 282.º)


— Nesta modalidade de fiscalização, não falamos apenas da fiscalização de
inconstitucionalidade, como acontece com a fiscalização preventiva— se olharmos para o
artigo 281.º, vemos referência não só à constitucionalidade, mas também à ilegalidade.
Fiscalização sucessiva abstrata pode ser requerida pelas entidades enunciadas no n.º 2 do
artigo 281.º.

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