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Apontamentos Combates Pela História, de Lucien Febvre:

FEBVRE, Lucien
Combates Pela História II, tradução de Leonor Martinho Simões e Gisela
Monis, Lisboa, Editorial Presença, 1977.

“Duas filosofias oportunistas da História”


Febvre inicia o segundo volume com duas menções que considera oportunas
para a sua obra. São eles Arnold J. Toynbee (1889-1975), um historiador inglês, cujo
Magnum Opus é a obra de 1934 A Study of History (Um Estudo da História), de 1934,
que trata o nascimento, crescimento e colapso civilizacional, e Sir James Frazer (1854-
1941), antropólogo notabilizado pelos estudos mitológicos e de religião comparada. A
sua obra principal é o livro The Golden Bough (O Ramo de Ouro), de 1890, que reúne
diversos mitos e lendas de vários países, na busca da questão e do conceito do deus
imolado, ou seja, sacrificado. Segundo Lucien Febvre, a obra do primeiro autor é dotada
de uma maior abordagem temática, e consequentemente, maior complexidade. Um
terceiro autor, Oswald Spengler é referenciado pelo autor: nascido em 1880 na
Alemanha, foi um historiador e filósofo, autor da obra Der Untergang des Abendlandes
(O Declínio do Ocidente), publicado em 1918- tendo sido idealizado anos antes pelo
autor. A obra de Spengler tornou-se numa referência em vários debates no decorrer do
século XX.Nna obra, é referenciado um colapso da Europa, decorrente do pós-guerra. O
livro critica a visão perante as ciências, o liberalismo, e em muito motivado pela
imposição dos seus mestres, ao longo do seu percurso. Spengler apresenta-se
reacionário perante a compartimentação da História, uma realidade na Alemanha de
Spengler, a qual o autor considerava um sacrilégio 1. A obra veio revelar um traço em
comum entre Spengler e os seus leitores, no prelúdio da 2.ª Guerra Mundial (1939-
1945): a adversão à democracia, ao liberalismo e às correntes socialistas, na antecâmara
da ascensão do Nazismo na Alemanha, com a eleição de Adolf Hitler como Chanceler,
na crença de que o nacional-socialismo iria trazer paz à Alemanha. A obra de Spengler
não conheceu relativo sucesso fora da Alemanha, apesar de em 1925, o sociólogo
francês Paul Fauconnet ter publicado uma catalogação de abordagens do alemão.
A obra A Study of History, de Arnold J Toynbee também apresenta críticas a
historiadores, considerada uma obra referência para outros estudiosos britânicos. O foco
da obra de Toynbee é a sociedade e a civilização, das quais cinco são destacadas: a
1
FEBVRE, Lucien, Combates pela História II, 1977, p. 9
civilização Ocidental, Ortodoxa (Península Balcânica, Próximo Oriente e Rússia),
Islâmica, Indiana e o Extremo Oriente. O estudo de uma sociedade, segundo Toynbee,
requer o estudo preciso do momento em que esta aparece, até ao momento em que
contacta com alguma diferente, denotando os diferentes ritmos existentes. Não interessa
apenas perceber o aparecimento de uma civilização, mas sim a sua subsistência, devido
à existência de civilizações que “param” no tempo, como é o exemplo dos Esquimós,
devido às adversidades do meio onde se inseriam 2. O autor de A Study of History
enuncia formas para medir a perpetuação de uma sociedade: a forma de domínio perante
o meio físico, a evolução das técnicas e da sua aplicação, e como se deixa afetar por
fatores externos. Em oposição a Spengler, Toynbee apresenta um discurso profético e
pessimista, procurando evitar a mecanização da História. Toynbee enuncia que “todas
as civilizações se equivalem”3. Lucien Febvre afirma que “qualquer facto histórico é um
facto único- e portanto, por natureza e definição, impossível de comparar a outros” 4.
Uma característica da obra de Toynbee é a rejeição da ideia de que as sociedades
primitivas não possuem História, devido à escassez de fontes. No entanto,
empiricamente chegar-se-á a alguma regularidade que servirá como base, tal como se de
uma conjugação entre ciências se tratasse. Em conclusão, apesar da notabilidade e
importância da obra, Febvre enuncia que pouco trouxe de inovador.

A Linguística
“História e Dialectologia”
Neste capítulo de Combates Pela História, é introduzido o conceito de
“Geografia Linguística”, um campo onde se articulam a geografia e a linguística. Ou
seja, o estudo das línguas no seu contexto geográfico, bem como das suas dinâmicas
evolutivas. Em 1890, no âmbito de um estudo pela École Nationale des Chartes, foram
realizadas investigações sobre a oralidade, ou seja, o “patois” (dialetos locais/rurais) da
região do Bearne. Nesta região foram encontradas duas diferenças: na planície
pirenaica, utilizavam-se as formas “lu” e “la”, enquanto que nos vales de cordilheira as
formas predominantes eram “et” e “era”. No entanto foi encontrada uma anomalia no
vale de Ossau, porque apenas três regiões utilizavam as formas “et” e “era”, nas outras
encontravam-se as formas “lu” e “la”. De forma a explicar esta “anomalia” 5, surgem

2
Op. cit., p. 24
3
Op. cit., p. 35
4
Idem
5
Op. cit., p. 48
duas hipóteses: a primeira, que faz menção a uma invasão de forma, ou seja,
morfológica, com a planície a penetrar sob o vale; no entanto, esta teoria não explica o
porquê de nas três aldeias terem permanecido as formas “et” e “era”. A segunda
hipótese é a de uma chegada de elementos da planície. As investigações
problematizaram, mas também solucionaram. Para tal, surgiu a dialectologia, que estuda
cientificamente os dialetos. De forma a explicar os factos, recorre-se à História, que
através de documentos e vestígios, teoriza sobre o problema- invasões bárbaras.
Entre 1902 e 1910, Jules Gilliéron e Edmond Edmont publicam o Atlas
Linguístico da França. Nesta obra, Edmont enumera as semelhanças dos “patois” de
algumas palavras e expressões, enquanto Gilliéron elabora mapas numerados com as
divisões administrativas de França, com base na origem dos vocábulos. Desenham-se os
primórdios da Geografia Linguística, de interesse para perceber as evoluções
linguísticas, situando-as cronologicamente e definir relações existentes entre os termos.

“Antoine Meillet e a História”


Nascido em 1866, foi um notável linguista francês. Em 1903 publica a obra
Introduction à l’étude comparative des langues indo-européenes (Introdução ao Estudo
Comparativo das Línguas Indo-Europeias). A transmissão da língua tornou-se tão
importante como a dos factos, tornando-se importante estudar as “absorções” entre
dialetos indo-europeus, como teorizou este linguista. A expressão linguística comporta a
multiplicidade de situações e contextos históricos, bem como uma diversidade de
condições e estratos e sociais, que irão estar presentes no desenvolvimento da língua.
Na introdução do livro de 1903, são catalogados os elementos do vocabulário indo-
europeu: as raízes de alguns vocábulos seriam atividades comuns como beber, comer e
dormir6. E as palavras dotadas de sentido estariam relacionadas com o parentesco,
nomeadamente com o lado feminino. O comércio e outros tipos de interações
introduzem (e podem por vezes substituir) novos termos. Num período onde a escassez
de textos e registos era uma realidade, a língua e a nação apresentam-se como uma
realidade una. Febvre coloca o exemplo de uma sociedade isolada, que pode dever a sua
língua ou até mesmo evoluções ocorridas na mesma devido a algum grupo social, sexo
ou profissão, bem como a alguma causa passageira, ou até mesmo através de motivos de
força maior, como questões politicas, comerciais ou religiosas.

6
Op. cit., p.65
“Política Real ou Civilização Francesa?”
Auguste Brun escreveu, no ano de 1923 a obra Recherches Historiques Sur
L’Introduction Du Français Dans Les Provinces Du Midi (Pesquisa Histórica Sobre a
Introdução do Francês nas Províncias do Sul), na qual conclui que no sul do país, a
língua foi implementada entre 1450 e 1600, em dois períodos distintos: um primeiro
entre 1450 e 1520, em cidades como Périgord, Bordelais, Tournon e Valence, e um
segundo período compreendido entre os anos 1550 e 1600, em cidades como Aniane e
Saint-Pons. De forma gradual e constante, a língua é introduzida, verificando uma
progressão intimamente ligada à geografia, mas também devido a fatores políticos e
religiosos, em muito devido ao facto de Avinhão ser uma cidade francesa sob autoridade
papal. Apesar da importância deste livro, Febvre não o considera como um livro
perfeito, devido à profundidade dedicada por Brun relativamente a determinadas
questões, sendo visto apenas como um levantamento. Lucien Febvre enuncia que Brun
não analisou detalhadamente os períodos mencionados na sua obra (e presentes acima).
Entre 1450 e 1550, a realeza tenta uma maior unidade e centralização do poder;
paralelamente, os dialetos do Sul deixam de possuir tanta proeminência na escrita,
originando a ideia de que o “rei ordena. O sul obedece” 7. Seriam as regiões do Sul
dotadas de uma cultura inferior. Inferior não, mas própria, e como assinalou Febvre, no
sul de França intensificou-se a atividade agrícola, bem como se instalaram indústrias
têxteis, bem como algumas taxas alfandegárias foram abolidas, como as portagens no
Ródano. Socialmente, o clero aproxima-se do rei e do seu poder. Os povos do Sul
possuíam uma cultura, ainda que não fosse a “Cultura Francesa”.

“Problemas de História enxertados no Brunot”


Ferdinand Brunot é um linguista e filólogo francês, nascido em 1860, cujo
Magnum Opus é a compilação História da língua francesa das origens a 1900, da qual
Lucien Febvre destaca o Tomo V- “Evolução do Francês no séc. XVII” e o Tomo VII-
“Propagação durante o séc. XVIII”. Durante o reinado de Luís XIV (1643-1715), o
latim e os “patois” são considerados rivais do francês. No entanto, o latim entra em
desuso, devido às produções literária e também científicas terem diminuído.
Relativamente aos “patois”, o domínio sobre os mesmos foi difícil de alcançar, isto
porque já se encontravam suficientemente dispersados, e pelo facto de o francês não ser
ainda considerado uma língua materna, isto é, que seja ouvida “à nascença”. Mesmo no
7
Op. cit., p.89
ensino, os alunos aprendiam em francês, mas frequentemente os professores recorriam
ao “patois”, para facilitar a aprendizagem das crianças. O francês começa a difundir-se
através de diversas formas, quer através da chegada de pessoas de outras cidades e
praticantes de outras atividades. Este tipo de relações e interações permitiam que o
francês se consolidasse.
Um problema decorrente era se existiria uma relação entre língua e
nacionalidade: ou seja, se o desenvolvimento do francês acarretava uma consciência
nacional. De forma a contornar este problema, Brunot apenas o analisa nas regiões
circundantes de França, e de que forma é que estas conheciam o francês. Em França,
existe um bilinguismo: nos campos fala-se maioritariamente o “patois”, apesar da língua
de escrita ser o francês. Febvre utiliza o Franco Condado como exemplo, conquistado
apenas em 1674, cuja língua eram os “patois”, recorrendo ao latim quando necessitavam
de uma língua mais culta, apesar de nas mais altas instâncias o francês ser utilizado,
nomeadamente em correspondências.

A Psicologia
“Métodos e Soluções Políticas”
Febvre estabelece uma ligação entre História e Psicologia, sendo o historiador
um beneficiário dos contributos da psicologia. Para tal, destaca a obra de Charles
Blondel, nascido em 1876, que foi professor na Faculdade de Estrasburgo- Introdução à
Psicologia Coletiva, bem como o livro Princípios de Psicologia Aplicada, do filósofo
Henri Wallon, cujos estudos relacionados com a afetividade, considerada como um fator
de desenvolvimento pessoal e de conhecimento. Febvre define a Psicologia Aplicada
como uma ideia de dependência, acarretando a existência de uma psicologia teórica. No
entanto, esta psicologia aplicada permite inovar a psicologia tradicional 8. A psicologia
antiga considera a psique como uma realidade imutável, pessoal e subjetiva. Já a
psicologia aplicada defende a importância da avaliação contínua do sujeito. Esta
psicologia é “prática”, não intervindo apenas individualmente, mas também em
interesses comuns. Henri Wallon pretende dividir o "psicologicamente unido” 9, ou
melhor, individualizar as ações humanas. Apesar da multiplicidade de atividades, o
individuo denota-se independentemente das mesmas. A psicologia não coleta apenas
dados e experiências: através destas, a psicologia estuda a reação despertada, em cada

8
Op. cit., p.132
9
Op. cit., p.135
individuo, com aptidões próprias. O livro de Wallon é dividido em 5 partes: uma
primeira relativamente às condições comum à ação; uma segunda que estuda as
condições particulares e como influenciam a ação (ou “aptidões particulares” 10); a
terceira parte estuda os problemas decorrentes, ou oposições; a quarta sobre o impacto
que o ato do individuo possui, e uma quinta parte dedicada ao aparecimento de novos
problemas.

“Uma Visão de Conjunto”


História e Psicologia
Lucien Febvre pretende favorecer a descoberta de correlações, porque estas se
tornam benéficas cientificamente. A psicologia é um conhecimento científico, e
estabelece relações com a Sociologia e a função social, que até então não possuía um
nome específico11. O historiador estuda os movimentos de indivíduos, outrora anónimos
que sucumbiram aos seus desígnios: indivíduos anónimos que se tornaram em
personagens históricos, sendo que o estudo destes se liga à psicologia individual. Uma
personagem histórica é a individualidade que perpetua uma grande obra histórica, que
poderia constituir uma cadeia sequencial de forma clara, fazendo parte das sociedades.
Formam-se cadeias que se tornam históricas porque se perpetuam, e o Homem beneficia
destas a longo prazo. Segundo Febvre, o psicólogo ocupa-se de três “inquéritos” 12: o
estudo da relação do Homem com o meio social, a cargo da psicologia coletiva; a
psicologia específica estuda as relações entre o ser humano e um organismo específico,
enquanto que a psicologia diferencial estuda as relações entre o Homem e os acasos da
vida social. A Psicologia atual não pode ser aplicada no passado, porque não é eficaz
para compreender os antepassados, tal como a do passado não é aplicável aos dias de
hoje. Aliás a caracterização psicológica dos “atores históricos” não era tão desenvolvida
ou teorizada13. Os historiadores tornam-se importantes para a psicologia, podendo
fornecer à mesma dados suscetíveis de serem utilizados para o estabelecimento de uma
psicologia histórica recorrendo à arqueologia por se tratarem de sociedades antigas.
“Como Reconstituir a vida afetiva de outrora?”
A sensibilidade e a História

10
Op. cit., p.136
11
Op. cit., p.142
12
Op. cit., p. 148
13
Op. cit., p. 149
Febvre introduz a “ligação” entre sensibilidade e História, assumindo que não
conhece relatos anteriores desta “ligação”. “Sensibilidade” é um termo antigo, cujo uso
se crê ser desde o século XIV, carregado de diversos sentidos e no século XVII liga-se a
questões morais, mas também do que pode ser verdadeiro. Já no século XVIII, associa-
se ao sentimento de piedade. De forma a justificar a ligação, Febvre relaciona a
sensibilidade às emoções, que são algo de cariz pessoal, intimamente ligadas à vida
afetiva. Uma emoção implica uma relação interpessoal, podendo surgir devido a vários
fatores e expressam-se tendo como fundo experiências de vida. Mas então, o que é a
“Piedade”, outro termo presente no livro de Febvre, definido como algo usado pelos
reis, um ato de caridade, apreciadas no mundo Cristão: não interessavam as
circunstâncias, mas sim o ato de perdão em si. Ainda ligada à sensibilidade, Febvre
concede importância à literatura, defendendo que com o decorrer das épocas o sentido e
as variantes de “Sensibilidade” foram alterando. Febvre destaca André Monglond
(1868-1969), professor em Grenoble, autor do livro Pré-Romantismo Francês e Henri
Brémond (1865-1933) teólogo francês, autor da História Literária do Sentimento
Religioso. A literatura expande a terminologia, dando-lhe diversos sentidos encadeados.
Febvre faz referência à obra Sinónimos Franceses, separando os termos “Ternura” e
“Sensibilidade”: a “Ternura” é vista como um ponto fraco, pois agimos consoante os
interesses dos outros, enquanto que a “Sensibilidade” é associada a um bom coração,
que não age em detrimento dos outros. As emoções estão presentes na História Humana,
ligando-se a atores históricos. Febvre no entanto considera o estabelecimento de
histórias estritamente ligadas a emoções como algo enfadonho14.

“Psicologia e Fisiologia Nacionais”


Lucien Febvre enuncia dois autores que escreveram sobre a França e franceses:
Friedrich Sieburg (1893-1964), jornalista alemão, autor do livro de 1930 Dieu est-il
français? (Deus é Francês?), que revela o estudo moral e cultural em França, refletindo
sobre várias temáticas como o Catolicismo. O outro autor é André Siegfried (1875-
1959), um geógrafo francês, autor do livro Tableau politique de la France de l’Ouest
sous la Troisiène République (O Quadro Político da França da Terceira República
Francesa), de 1913. Após publicar este livro, Siegfried visita outros países, comparando
os seus sistemas políticos e cooperativistas, que lhe permite adquirir um ponto de
comparação. Várias comparações são efetuadas, como nos campos da economia, da
14
Op. cit., p. 185.
indústria, nos quais a França não é tao desenvolvida como os E.U.A ou Inglaterra.
Febvre cita o livro de Sieburg, selecionando uma frase que acaba por revelar o teor
essencial do conteúdo do livro: “É preciso que a França sacrifique a sua conceção de
civilização, se quer viver”15. As visões do futuro devem ser desligadas, apenas focando-
se na análise social e no que dizem os dois autores, e que visão possuem sobre a França,
ainda “ruralizada” ou com elementos rurais ainda “carregados”. A província é o foco no
livro do Siegfried, mas também o futuro que se torna mais presente16.

“Esperanças à Chegada”
Caminhando para uma outra história
No último capítulo, Febvre menciona o historiador Mmarc Bloch (1886-1944),
um dos fundadores da Escola dos Annales, que integrava as ciências sociais na História,
fuzilado pelos nazis no decorrer da Segunda Guerra Mundial. A obra que destaca é o
livro póstumo de 1949 Apologia da História ou Ofício do Historiador, obra que expõe
metodologias do ato de fazer História. Bloch é elogiado por Lucien Febvre, pela sua
capacidade de aprendizagem de línguas e dos relatos que produziu após as suas viagens
e investigações17. O livro de Bloch não se trata apenas de um discurso em prol e defesa
da História, mas sim como um conjunto de reflexões, conselhos e confidências
desligadas do meio “escolar”, que cativam o leitor, quer seja um aluno, ou um leigo. E
neste âmbito, Lucien Febvre indica como possíveis “alvos” deste livro os filósofos, na
sua ânsia de captarem aspetos das ciências sociais. Os sociólogos, que eram tidos como
estudiosos que se apoderavam da História, consideravam-na como um acervo de datas e
acasos, tal como uma narrativa. Apesar do teor da obra, Marc Bloch não dá uma
definição de História. Aliás, recusa-se porque definir algo, circunscreve e fecha o objeto
de estudo18, porque existem diversas histórias, datas e civilizações a ter em conta.
Febvre reconhece na História uma rápida evolução como ciência, podendo correr o risco
de se mecanizar, prejudicando o historiador, mas também o leigo. O historiador “arma-
se” e “defende-se” com os documentos, que o permitem trabalhar. Não obstante, por
vezes terá de lidar com a ausência destes. Recorre a imagens, a palavras e vestígios, de
forma a contornar a ausência da sua principal ferramenta de trabalho. Fernand Braudel
(1902-1985) é o outro autor mencionado por Febvre, historiador francês associado ao

15
Op. cit., p.190
16
Op. cit., p.193
17
Op. cit., p.200
18
Op. cit., p.208
movimento dos Annales. Em 1949 elabora a tese O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrâneo na Época de Filipe II, com o intuito de explicitar os desígnios da política
espanhola e que fatores influenciaram a Espanha, interna e externamente no
Mediterrâneo. Comummente, a obra divide-se em três partes: uma primeira dedicada às
motivações e forças que influenciaram ações (mais longas no tempo de ação), uma
segunda circunscrita entre os anos de 1556-1598, ou seja, o reinado de Filipe II de
Espanha e a terceira parte dedicada ao estudo dos factos e acontecimentos. O livro de
Braudel é uma tese apresentada na Universidade de Sorbonne, revelando a essência do
trabalho e do ofício de um historiador. Febvre coloca em questão se a investigação
coletiva não seria mais útil para o trabalho de investigação do passado. “Organizar o
passado em função do presente”19 é a função social, segundo Febvre, da História. O
livro termina com uma apologia de Febvre, apelidando-o de “breve excursão” 20, porque
segundo o autor, ir mais além seria de cariz mais especulativo (“profético” 21). A História
necessita de seguir o seu rumo, sem antevisões.

19
Op. cit., p.226
20
Op. cit., p.227
21
Idem

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