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FEBVRE, Lucien
Combates Pela História II, tradução de Leonor Martinho Simões e Gisela
Monis, Lisboa, Editorial Presença, 1977.
A Linguística
“História e Dialectologia”
Neste capítulo de Combates Pela História, é introduzido o conceito de
“Geografia Linguística”, um campo onde se articulam a geografia e a linguística. Ou
seja, o estudo das línguas no seu contexto geográfico, bem como das suas dinâmicas
evolutivas. Em 1890, no âmbito de um estudo pela École Nationale des Chartes, foram
realizadas investigações sobre a oralidade, ou seja, o “patois” (dialetos locais/rurais) da
região do Bearne. Nesta região foram encontradas duas diferenças: na planície
pirenaica, utilizavam-se as formas “lu” e “la”, enquanto que nos vales de cordilheira as
formas predominantes eram “et” e “era”. No entanto foi encontrada uma anomalia no
vale de Ossau, porque apenas três regiões utilizavam as formas “et” e “era”, nas outras
encontravam-se as formas “lu” e “la”. De forma a explicar esta “anomalia” 5, surgem
2
Op. cit., p. 24
3
Op. cit., p. 35
4
Idem
5
Op. cit., p. 48
duas hipóteses: a primeira, que faz menção a uma invasão de forma, ou seja,
morfológica, com a planície a penetrar sob o vale; no entanto, esta teoria não explica o
porquê de nas três aldeias terem permanecido as formas “et” e “era”. A segunda
hipótese é a de uma chegada de elementos da planície. As investigações
problematizaram, mas também solucionaram. Para tal, surgiu a dialectologia, que estuda
cientificamente os dialetos. De forma a explicar os factos, recorre-se à História, que
através de documentos e vestígios, teoriza sobre o problema- invasões bárbaras.
Entre 1902 e 1910, Jules Gilliéron e Edmond Edmont publicam o Atlas
Linguístico da França. Nesta obra, Edmont enumera as semelhanças dos “patois” de
algumas palavras e expressões, enquanto Gilliéron elabora mapas numerados com as
divisões administrativas de França, com base na origem dos vocábulos. Desenham-se os
primórdios da Geografia Linguística, de interesse para perceber as evoluções
linguísticas, situando-as cronologicamente e definir relações existentes entre os termos.
6
Op. cit., p.65
“Política Real ou Civilização Francesa?”
Auguste Brun escreveu, no ano de 1923 a obra Recherches Historiques Sur
L’Introduction Du Français Dans Les Provinces Du Midi (Pesquisa Histórica Sobre a
Introdução do Francês nas Províncias do Sul), na qual conclui que no sul do país, a
língua foi implementada entre 1450 e 1600, em dois períodos distintos: um primeiro
entre 1450 e 1520, em cidades como Périgord, Bordelais, Tournon e Valence, e um
segundo período compreendido entre os anos 1550 e 1600, em cidades como Aniane e
Saint-Pons. De forma gradual e constante, a língua é introduzida, verificando uma
progressão intimamente ligada à geografia, mas também devido a fatores políticos e
religiosos, em muito devido ao facto de Avinhão ser uma cidade francesa sob autoridade
papal. Apesar da importância deste livro, Febvre não o considera como um livro
perfeito, devido à profundidade dedicada por Brun relativamente a determinadas
questões, sendo visto apenas como um levantamento. Lucien Febvre enuncia que Brun
não analisou detalhadamente os períodos mencionados na sua obra (e presentes acima).
Entre 1450 e 1550, a realeza tenta uma maior unidade e centralização do poder;
paralelamente, os dialetos do Sul deixam de possuir tanta proeminência na escrita,
originando a ideia de que o “rei ordena. O sul obedece” 7. Seriam as regiões do Sul
dotadas de uma cultura inferior. Inferior não, mas própria, e como assinalou Febvre, no
sul de França intensificou-se a atividade agrícola, bem como se instalaram indústrias
têxteis, bem como algumas taxas alfandegárias foram abolidas, como as portagens no
Ródano. Socialmente, o clero aproxima-se do rei e do seu poder. Os povos do Sul
possuíam uma cultura, ainda que não fosse a “Cultura Francesa”.
A Psicologia
“Métodos e Soluções Políticas”
Febvre estabelece uma ligação entre História e Psicologia, sendo o historiador
um beneficiário dos contributos da psicologia. Para tal, destaca a obra de Charles
Blondel, nascido em 1876, que foi professor na Faculdade de Estrasburgo- Introdução à
Psicologia Coletiva, bem como o livro Princípios de Psicologia Aplicada, do filósofo
Henri Wallon, cujos estudos relacionados com a afetividade, considerada como um fator
de desenvolvimento pessoal e de conhecimento. Febvre define a Psicologia Aplicada
como uma ideia de dependência, acarretando a existência de uma psicologia teórica. No
entanto, esta psicologia aplicada permite inovar a psicologia tradicional 8. A psicologia
antiga considera a psique como uma realidade imutável, pessoal e subjetiva. Já a
psicologia aplicada defende a importância da avaliação contínua do sujeito. Esta
psicologia é “prática”, não intervindo apenas individualmente, mas também em
interesses comuns. Henri Wallon pretende dividir o "psicologicamente unido” 9, ou
melhor, individualizar as ações humanas. Apesar da multiplicidade de atividades, o
individuo denota-se independentemente das mesmas. A psicologia não coleta apenas
dados e experiências: através destas, a psicologia estuda a reação despertada, em cada
8
Op. cit., p.132
9
Op. cit., p.135
individuo, com aptidões próprias. O livro de Wallon é dividido em 5 partes: uma
primeira relativamente às condições comum à ação; uma segunda que estuda as
condições particulares e como influenciam a ação (ou “aptidões particulares” 10); a
terceira parte estuda os problemas decorrentes, ou oposições; a quarta sobre o impacto
que o ato do individuo possui, e uma quinta parte dedicada ao aparecimento de novos
problemas.
10
Op. cit., p.136
11
Op. cit., p.142
12
Op. cit., p. 148
13
Op. cit., p. 149
Febvre introduz a “ligação” entre sensibilidade e História, assumindo que não
conhece relatos anteriores desta “ligação”. “Sensibilidade” é um termo antigo, cujo uso
se crê ser desde o século XIV, carregado de diversos sentidos e no século XVII liga-se a
questões morais, mas também do que pode ser verdadeiro. Já no século XVIII, associa-
se ao sentimento de piedade. De forma a justificar a ligação, Febvre relaciona a
sensibilidade às emoções, que são algo de cariz pessoal, intimamente ligadas à vida
afetiva. Uma emoção implica uma relação interpessoal, podendo surgir devido a vários
fatores e expressam-se tendo como fundo experiências de vida. Mas então, o que é a
“Piedade”, outro termo presente no livro de Febvre, definido como algo usado pelos
reis, um ato de caridade, apreciadas no mundo Cristão: não interessavam as
circunstâncias, mas sim o ato de perdão em si. Ainda ligada à sensibilidade, Febvre
concede importância à literatura, defendendo que com o decorrer das épocas o sentido e
as variantes de “Sensibilidade” foram alterando. Febvre destaca André Monglond
(1868-1969), professor em Grenoble, autor do livro Pré-Romantismo Francês e Henri
Brémond (1865-1933) teólogo francês, autor da História Literária do Sentimento
Religioso. A literatura expande a terminologia, dando-lhe diversos sentidos encadeados.
Febvre faz referência à obra Sinónimos Franceses, separando os termos “Ternura” e
“Sensibilidade”: a “Ternura” é vista como um ponto fraco, pois agimos consoante os
interesses dos outros, enquanto que a “Sensibilidade” é associada a um bom coração,
que não age em detrimento dos outros. As emoções estão presentes na História Humana,
ligando-se a atores históricos. Febvre no entanto considera o estabelecimento de
histórias estritamente ligadas a emoções como algo enfadonho14.
“Esperanças à Chegada”
Caminhando para uma outra história
No último capítulo, Febvre menciona o historiador Mmarc Bloch (1886-1944),
um dos fundadores da Escola dos Annales, que integrava as ciências sociais na História,
fuzilado pelos nazis no decorrer da Segunda Guerra Mundial. A obra que destaca é o
livro póstumo de 1949 Apologia da História ou Ofício do Historiador, obra que expõe
metodologias do ato de fazer História. Bloch é elogiado por Lucien Febvre, pela sua
capacidade de aprendizagem de línguas e dos relatos que produziu após as suas viagens
e investigações17. O livro de Bloch não se trata apenas de um discurso em prol e defesa
da História, mas sim como um conjunto de reflexões, conselhos e confidências
desligadas do meio “escolar”, que cativam o leitor, quer seja um aluno, ou um leigo. E
neste âmbito, Lucien Febvre indica como possíveis “alvos” deste livro os filósofos, na
sua ânsia de captarem aspetos das ciências sociais. Os sociólogos, que eram tidos como
estudiosos que se apoderavam da História, consideravam-na como um acervo de datas e
acasos, tal como uma narrativa. Apesar do teor da obra, Marc Bloch não dá uma
definição de História. Aliás, recusa-se porque definir algo, circunscreve e fecha o objeto
de estudo18, porque existem diversas histórias, datas e civilizações a ter em conta.
Febvre reconhece na História uma rápida evolução como ciência, podendo correr o risco
de se mecanizar, prejudicando o historiador, mas também o leigo. O historiador “arma-
se” e “defende-se” com os documentos, que o permitem trabalhar. Não obstante, por
vezes terá de lidar com a ausência destes. Recorre a imagens, a palavras e vestígios, de
forma a contornar a ausência da sua principal ferramenta de trabalho. Fernand Braudel
(1902-1985) é o outro autor mencionado por Febvre, historiador francês associado ao
15
Op. cit., p.190
16
Op. cit., p.193
17
Op. cit., p.200
18
Op. cit., p.208
movimento dos Annales. Em 1949 elabora a tese O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrâneo na Época de Filipe II, com o intuito de explicitar os desígnios da política
espanhola e que fatores influenciaram a Espanha, interna e externamente no
Mediterrâneo. Comummente, a obra divide-se em três partes: uma primeira dedicada às
motivações e forças que influenciaram ações (mais longas no tempo de ação), uma
segunda circunscrita entre os anos de 1556-1598, ou seja, o reinado de Filipe II de
Espanha e a terceira parte dedicada ao estudo dos factos e acontecimentos. O livro de
Braudel é uma tese apresentada na Universidade de Sorbonne, revelando a essência do
trabalho e do ofício de um historiador. Febvre coloca em questão se a investigação
coletiva não seria mais útil para o trabalho de investigação do passado. “Organizar o
passado em função do presente”19 é a função social, segundo Febvre, da História. O
livro termina com uma apologia de Febvre, apelidando-o de “breve excursão” 20, porque
segundo o autor, ir mais além seria de cariz mais especulativo (“profético” 21). A História
necessita de seguir o seu rumo, sem antevisões.
19
Op. cit., p.226
20
Op. cit., p.227
21
Idem