Você está na página 1de 26

Fotografia Autoral,

Conceitual e Artística
Material Teórico
Processo Criativo: Inspirações e Referências

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Miguel Luiz Ambrizzi

Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
Processo Criativo:
Inspirações e Referências

• A Criatividade e o Processo Criativo;


• Fatores que Favorecem a Compreensão
e o Desenvolvimento da Criatividade;
• O Processo de Criação;
• Inspirações e Referências: Repertório Artístico, Cultural e Visual.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conhecer as perspectivas teóricas acerca da criatividade e os fatores que auxiliam
no seu desenvolvimento no indivíduo, bem como refletir sobre o processo criativo e
suas etapas e como utilizar referências e inspirações.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

A Criatividade e o Processo Criativo


A complexidade não está nas coisas, no objeto, mas no olhar que lança-
mos sobre ele, no olhar do pesquisador, na maneira como o pesquisador
constrói sua trajetória, na sua aproximação com a realidade a ser estuda-
da. (MARTINS, 2000, p. 60)

A fotografia autoral, conceitual e artística envolve uma elaboração mental, visu-


al, poética do seu autor, ou seja, ela tem uma intenção e é resultado de um proces-
so criativo. Esse campo da criação em fotografia vai muito além da captura visual
de uma realidade, a imagem é criada.

Figura 1 – Ellie Davies, Ponto de observação 1


Fonte: Caruana; Fox, 2012

A Figura 1, situada em uma casa, é


[...] parte de uma série que explora a relação psicológica entre os indi-
víduos e o espaço que ocupam. Ellie Davies cria um sentido onírico de
ameaça derivada da memória da infância. Embora encenada, a foto está
claramente relacionada a uma realidade possível, há a sensação de uma
história pendente e, como espectadores, não sabemos como a narrativa
vai se desenvolver. (FOX; CARUANA, 2014, p. 10)

Mas como isso acontece? Muitas vezes, essas fotografias surgem na mente antes
mesmo de serem capturadas com uma câmera fotográfica e, posteriormente, editadas
no computador. Muitos fotógrafos possuem um trabalho autoral, conceitual e artístico
com a linguagem fotográfica e que, muitas vezes, dialoga e hibridiza com outras lingua-
gens artísticas, como as artes da performance, as artes visuais, as musicais e tecnológi-
cas. Essa produção envolve, portanto, um processo criativo que trabalha o repertório
visual do fotógrafo, suas memórias, seus conhecimentos gerais de mundo, conheci-
mentos técnicos e artísticos, associado a um olhar atento, apurado e intencional. Esses
elementos juntos constroem imagens e narrativas visuais criativas e instigantes, muito
diferentes das produzidas diariamente por todos que possuem uma câmera qualquer.
Mas como ser criativo? Como realizar fotografias autorais e artísticas resultantes
de um processo criativo? É o que estudaremos nesta unidade e durante toda a nos-
sa jornada de estudos desta disciplina.

8
Criatividade – Algumas Perspectivas Teóricas
Para começar nossa conversa, vamos conhecer um pouco sobre o que a teoria
da criatividade pode nos ajudar sobre esse entendimento. Quando falamos em algo
criativo, uma pergunta nos surge: tudo que é criativo necessariamente tem que ser
novo ou nunca feito por alguém antes?

George F. Kneller afirma que toda definição de criatividade deve ter incluído o fator
essencial da novidade, pois, quando criamos, nós descobrimos ou exprimimos uma
ideia que seja nova para nós. Segundo esse autor, a descoberta por uma pessoa ainda
representa uma realização criadora, mesmo que já tenha sido revelada por outros an-
teriormente. A descoberta por si só da representação da terceira dimensão (teoria da
perspectiva) por um estudante de hoje não deixa de ser criadora, mas de uma ordem
inferior à Giotto. Como afirmam Anna Fox e Natasha Caruana (2014, p. 11),
[...] as ideias não existem no vazio – nada é totalmente novo. Você traz
sua própria e única perspectiva para qualquer coisa, e essa foi informada
e influenciada por tudo o que você pesquisou ao longo do caminho.

A criatividade e a memória são componentes da mente humana, fundamental


para o pensamento. A criatividade está associada à inteligência, mas não inteiramen-
te; ela pode ser vista em contraste com a mesma, são áreas distintas. Para Kneller,
O ato criativo envolve um pensamento inovador, exploratório e aventu-
reiro. Atrai-se pelo desconhecido e pelo indeterminado, não se conforma
com o convencional: o risco e a incerteza estimulam-no. Já a inteligência
(ou o pensamento não criador) privilegia a cautela, o método e o conser-
vadorismo: “absorve o novo no já conhecido e prefere dilatar as catego-
rias existentes a inventar novas. (KNELLER, 1971, p. 19)

De acordo com Getzels e Jackson (1962, p. 13-14), o uso da inteligência tende a


reter o conhecido, apreender o predeterminado e conservar o que existe, ao pas-
so que o uso da criatividade busca rever o conhecido, explorar o indeterminado e
construir o que possa ser. Teríamos, portanto, um par de opostos: usual e esperado
versus novo e especulativo; certeza versus risco. Obviamente que esses opostos não
são vistos dessa forma nos dias de hoje, os conceitos de inteligência e criatividade
interpenetram-se e não são estanques, visto que a criatividade é uma ação cognitiva.

Na fotografia autoral, conceitual e artística, é preciso unir inteligência e criativi-


dade, ou seja, é preciso conhecer técnicas e linguagens tradicionais para que sejam
revistas, exploradas e construídas novas formas de criação de imagens, novos dis-
cursos visuais.

Quais conhecimentos técnicos de fotografia você já possui? Quais técnicas ou equipamentos


Explor

você gostaria de ter? Quais artistas e fotógrafos você conheceu nos últimos meses e o como
eles te estimulam a criar novas fotografias? O que você viu de interessante nos últimos dias
que chegou a pensar: “Nossa, isso daria uma ótima foto!”?

9
9
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

Dentre as teorias que foram desenvolvidas ao longo da história, encontramos


diferentes definições e posicionamentos frente ao fenômeno da criatividade. Ela
foi vista na antiguidade como inspiração divina, cujo artista seria agente de um
poder superior, divino e que não possuía controle sobre o mesmo (Platão), e como
loucura, visto que pessoas com capacidade criadora seriam um pouco “esquisitas”,
que se desviavam das normas geralmente aceitas para o comportamento humano.

As teorias filosóficas modernas, iniciadas no fim do Renascimento e depois no


século XVIII com Kant, apresentam a criatividade como gênio intuitivo, cujo cria-
dor seria um tipo de pessoa rara e diferente, movido pela intuição direta e imedia-
ta. Dessa forma, a criatividade não poderia ser ensinada formalmente, pois seria
imprevisível, não racional e limitada a algumas poucas pessoas.

Com Darwin e sua teoria da evolução, a criatividade passou a ser vista como
uma manifestação da força criadora inerente à vida, uma forma de adaptação a um
ambiente estranho, desenvolvido posteriormente por Henri Bérgson.
A vertente psicológica, iniciada durante o século XIX, predominantemente na Ingla-
terra e Estados Unidos, teve uma corrente denominada associacionismo. Ela assenta
em um princípio de que o pensamento consiste em realizar associações de ideias que
são derivadas da experiência, segundo as leis da frequência, da recência e da vivacida-
de. Ou seja, “quanto mais frequentemente, recentemente e vividamente relacionadas
duas ideias, mais provável se torna que, ao apresentar-se uma delas à mente, a outra a
acompanhe” (KNELLER, 1971, p. 39). Aqui, a partir de ideias velhas, manufaturadas
por processos de combinações com outras ideias, de tentativas e erros, surgem as no-
vas para resolverem uma situação. Dessa forma, o pensamento criador é um processo
de ativação de conexões mentais entre campos conceituais distintos.

Você já teve algum insight ou uma ideia brilhante repentinamente? Pois é na


perspectiva da psicologia humanista que se encontra uma devida importância
ao insight, aquela solução que ocorre quando a maioria das vezes a pessoa não
está intencionalmente em busca, mas que surge em momentos de vigília ou em
sonhos (MAY, 1976). Essa vertente também ressalta que a interação com o am-
biente é de crucial importância para a criatividade, pois permite explorar novas
ideias e possibilidades.

Para ser criativo, é preciso quebrar padrões rígidos dentro de nós, agir como
uma criança, sem filtros, sem restrições de pensamento. A psicanálise é uma das
áreas de conhecimento que veio contribuir para a teoria da criatividade. Freud
(1915 [2006]) afirma a criatividade tem origem num conflito dentro do inconscien-
te (o id) e, mais tarde, o inconsciente produz uma “solução” para esse conflito. Se
essa solução é “ego-sintomática”, ou seja, se reforça uma atividade pretendida pelo
ego (parte consciente da personalidade), teremos como resultado um comporta-
mento criador. Se for à revelia do ego, ela será completamente reprimida ou sur-
girá uma neurose. A pessoa que aceita as ideias que surgem em seu inconsciente
seria a pessoa criativa; as pessoas com dificuldades de imaginação e criatividade
seriam as que possuem um ego superprotetor, pois esse se caracteriza por produzir
um comportamento rígido e habitual, sem influência do inconsciente criador.

10
Kneller ressalta que a psicanálise moderna rejeita a noção de que a pessoa
criativa seja emocionalmente desajustada, mas seria aquela que deve ter um “ego
tão flexível e seguro que lhe permita viajar pelo seu inconsciente e retornar a salvo
com suas descobertas” (1971, p. 43). Portanto, a pessoa criativa não seria a que
é dominada pelas produções do seu inconsciente, mas usa-as; ela pode regredir
precisamente porque sabe que pode retornar à realidade.
Os neofreudianos modificaram a concepção da criatividade de Freud, visto que o
mesmo admite que a sociedade é fundamentalmente repressiva e, por isso mesmo,
antagonista em face ao comportamento criador e da autorrealização. Portanto, o
fato de a criatividade ser influenciada e determinada por estados mentais pregres-
sos, em particular os da infância, não seria tão conclusivo acerca da criatividade.
Ou seja, os neofreudianos sustentam a ideia de que todas as sociedades potencial-
mente proporcionam oportunidades e autorrealização criadora. Para eles, a criati-
vidade é produto do pré-consciente e não do inconsciente:
Aquele (pré-consciente) difere porque pode ser convocado, quando o
ego se relaxa. O pensamento criador ocorre quando o ego voluntária ou
temporariamente se retrai de alguma área do pré-consciente, a fim de
mais eficientemente o controlar depois. A criatividade é uma regressão
permitida pelo ego em seu próprio interesse, e a pessoa criativa é aquela
que pode recorrer ao seu pré-consciente de maneira mais livre do que as
outras. (KNELLER, 1971, p. 47)

O pré-consciente seria a fonte da criatividade por causa de sua liberdade de


reunir, comparar e rearranjar ideias. Essa flexibilidade criadora pode ser prejudica-
da pelo pensamento consciente, que, convencional e unilateral, associa as ideias
segundo as conexões estabelecidas.
Até agora vimos algumas concepções teóricas sobre a criatividade, que ela não é
privilégio de poucos e pode ser desenvolvida em cada um de nós. Mas quais seriam
os fatores que favorecem a compreensão e o desenvolvimento da criatividade?

Fatores que Favorecem a Compreensão


e o Desenvolvimento da Criatividade
Segundo Guilford (1959), o pensamento criativo possui quatro fatores que devem
ser observados: a fluidez (ou fluência), a flexibilidade, a originalidade e a viabilidade.

A fluidez (ou fluência) é a quantidade de ideias que uma pessoa pode produzir
com relação a um tema determinado. Por exemplo, o número de soluções que ela
encontra para um problema dado, num tempo determinado.

A flexibilidade é a variedade e heterogeneidade das ideias produzidas. Nasce


da capacidade de passar facilmente de uma categoria a outra, de abordar os pro-
blemas de diferentes ângulos. Mede-se não pelo número absoluto, mas pela quan-
tidade de classes e categorias. Um exemplo de avaliação do grau de flexibilidade é

11
11
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

onde se solicita ao sujeito que faça uma lista de todos os usos que ele possa pensar
para um dado objeto, como um tijolo, por exemplo. Verifica-se, então, o número
de diferentes categorias em que suas respostas podem ser classificadas, constituin-
do o seu escore em flexibilidade. Um indivíduo que dá como resposta construir uma
casa, uma escola, uma fábrica etc., não muda a classe de respostas e manifesta um
baixo nível de flexibilidade – embora possa ter um alto escore em fluência. Outro
indivíduo que dá como exemplos jogar em um cachorro, utilizá-lo como instrumen-
to de defesa ou para fazer exercícios de musculação, fazer uma estante, escorar
uma porta etc., configura um alto nível flexibilidade.

O outro fator é a originalidade, ou seja, a raridade relativa das ideias produzi-


das, o que ocorre em poucos casos. Cabe recordar que a criatividade sempre tem
que ser buscada não exatamente no quê, mas no como. A originalidade pode ser
entendida não somente como algo novo e jamais realizado, mas também como
uma resposta incomum, como, por exemplo, em títulos originais de fotografias
artísticas ou conceituais, e não títulos óbvios.

Por fim, a viabilidade é a capacidade de produzir ideias e soluções realizáveis na


prática. Seria o fator mais voltado para o sentido lógico e racional.

Vamos refletir sobre esses fatores da criatividade?


Explor

Suponhamos que você tenha que fotografar uma taça de vinho e começa a pensar nas possibili-
dades de composições para a foto: taça vazia em cima da mesa, com vinho tinto sob o balcão de
um restaurante etc. Você estava pensando no fator fluidez (fluência). Agora, se você coloca uma
pessoa fazendo malabares com essa taça, uma foca equilibrando-a no focinho, um barquinho
de origami flutuando dentro dela, por exemplo, você estaria exercitando o fator flexibilidade.
Se você fotografar com o barquinho de origami dentro da taça, teoricamente, você seria mais
criativo e original se não escolhesse um título óbvio como “o barquinho”, ou “equilíbrio”, para a
foto com os malabares. E, por fim, não adiantaria nada se você tivesse uma ideia incrível para
fotografar essa taça se não fosse possível realizá-la na prática, pois é preciso ter viabilidade.
Sobre a importância do título original, observe a Figura 2, a seguir, da fotógrafa Steffi Klenz.
Seu título é Nummianus e essa obra buscou analisar criticamente o deslocamento de pessoas
ao longo da decadência do mercado imobiliário. Ela fotografou sobrados e casas germinadas
para refletir sobre as situações das pessoas que passaram por uma mudança econômica grave.
O título escolhido pela fotógrafa tem sua origem numa inscrição latina encontrada na cidade
de Pompeia, nas ruínas de uma casa destruída. Steffi Klenz usou esse título intencionalmente
para dar ênfase ao sentimento de perda e ruína vivido pela comunidade.

Figura 2 – Steffi Klenz, Nummianus


Fonte: Steffi Klenz, 2009

12
Ainda em complemento a esses fatores que levam ao desenvolvimento do pen-
samento criativo, Kneller aponta algumas condições para que esse ocorra e facilite
a verdadeira criação, tais como:
• Receptividade: devemos estar atentos às ideias que surgem, perceber sua
significação e registrá-las, seja em cadernos ou mesmo na memória;
• Imersão: a imersão no processo criativo, no assunto a ser desenvolvido, traz
consigo uma série de benefícios, nutre de ideias a imaginação, oferece uma
gama de abordagens em relação ao problema, canaliza energias para que o
pensamento possa ser mais profundo;
• Dedicação e desprendimento: o criador deve saber equilibrar a dedicação,
sem sua tarefa ser exageradamente focada estreitando o pensamento, com o
desprendimento, que permite ver a obra como um todo para que possa revisar;
• Imaginação e julgamento: sinônimos de paixão e decoro, associados à pro-
dução e comunicação cooperadas por imaginação e julgamento, são funda-
mentais para que ocorra a criação;
• Interrogação: olhar de forma diferenciada para o que já conhecemos e ques-
tionarmos e respondermos. O processo criativo torna-se mais fluido quando
expomos nosso objeto de pesquisa como uma indagação;
• Uso de erros: não aceitar o erro como final, mas como motivo para alterar ou
modificar a abordagem. O erro pode ser uma intuição distorcida ou tentativa
do inconsciente para exprimir-se, que caminha na direção correta, devemos
verificar para onde ele nos conduz e buscar uma solução criativa;

Submissão à obra de criação: o produto criativo, em certo momento do pro-


cesso criador, ganha vida própria e transmite suas necessidades ao criador. É um
momento de diálogo e respeito perante a obra, onde este deve deixar que ela o
dirija: “deve saber, em suma, quando é provável que sua obra seja mais sábia do
que ele”. (KNELLER, 1971, p. 77)

Você já passou por situações acima? Se identificou com algumas condições apon-
tadas por esse autor? Que aspectos você precisaria melhorar para produzir fotogra-
fias diferenciadas? Semelhante a essas condições acima listadas, o designer Bruce
Mau, em seu An Incomplete Manifesto of Growth [O manifesto do crescimento
incompleto], aponta 43 “conselhos” que visam contribuir para o crescimento asso-
ciado ao trabalho criativo, dentre os quais destacamos alguns trechos para lhe ajudar:
1. Permita que eventos mudem você. Você tem que estar disposto a cres-
cer [...]. Os pré-requisitos para o crescimento: a abertura para experimen-
tar eventos e a vontade de ser alterado por eles.
3. Processo é mais importante do que o resultado. Quando o resultado
conduz o processo, só poderá ir para onde já estivemos. Se o processo
conduz ao resultado nós poderemos não saber para onde estamos indo,
mas saberemos que queremos estar lá.
4. Ame seus experimentos (como se fosse uma criança feia). Alegria é
o motor do crescimento. Explore a liberdade de considerar seu trabalho

13
13
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

como belas experiências, iterações, tentativas, ensaios e erros. Pegue a


visão de longo prazo e permita-se a diversão da falha todos os dias.
6. Capture acidentes. A resposta errada é a resposta certa em busca de
uma questão diferente. Colecione respostas erradas como parte do pro-
cesso. Faça perguntas diferentes.
8. Flutue [drift]. Permita-se a vagar sem rumo. Explore adjacências. Falte
com o juízo. Adie críticas.
15. Faça perguntas estúpidas. O crescimento é alimentado por desejo e
inocência. Avalie a resposta, não a pergunta. Imagine aprender durante
toda a sua vida no ritmo de uma criança.
21. Repita-se. Se você gosta de algo, faça-o novamente. Se você não
gosta disso, faça-o novamente. (MAU, 1998, s/p.)

Bruce Mau ainda ressalta a forma como trabalhar com inovação associada à memória:
42. Lembre-se. Crescimento só é possível como um produto da história.
Sem memória, inovação é apenas novidade. A história dá um crescimento,
direção. Mas a memória não é perfeita. Toda memória é uma imagem
degradada ou composta de um momento ou evento anterior. Isso é o que
nos torna conscientes da sua qualidade de passado e não um presente. Isto
significa que cada memória é nova, uma construção parcial diferente da sua
fonte, e, como tal, um potencial de crescimento em si. (MAU, 1998, s/p.)

Todas essas questões aqui apresentadas são fundamentais para o entendimento


das características e dos fatores que constituem para o pensamento criativo e o de-
senvolvimento da criatividade. Esses fatores são a base para o processo criativo que,
conforme veremos no próximo tópico, possui uma estrutura e etapas constituintes.

O Processo de Criação
De acordo com Flusser, “as possibilidades fotográficas são praticamente inesgo-
táveis. Tudo que é fotografável pode ser fotografado” (2011, p. 47). Nesse pro-
cesso criativo, a imaginação é que possibilita a elaboração de fotografias criativas,
impactantes, instigantes, inquietantes e, com isso, inesquecíveis.

Figura 3 – Processo de criação em fotografia – pesquisa e análise


Fonte: iStock/Getty Images

14
Para traduzir ou materializar as imagens mentais que temos em fotografias con-
cretas, é preciso muita dedicação, conhecimento e exercitar o processo de criação.
Para transpor cenas, conceitos, ideias e mensagens visuais, é preciso pesquisar,
possuir um repertório visual, buscar referências conceituais e fotográficas, além de
pensar em todos os aspectos materiais e técnicos, como os estudos de luz, cenário,
direção de objetos e personagens, formas de enquadramento, equipamento corre-
to, tipo de revelação etc. Tudo isso influenciará diretamente no processo criativo
da fotografia a ser produzida.
A fotografia artística, conceitual e autoral envolve um processo de construção
que abarca criação e elaboração visual, feito por idas e vindas em torno da ideia
inicial. Nem sempre é um processo longo, a duração é variável. Muitas vezes o
resultado é condicionado pela decisão do fotógrafo, mas também pode ser con-
dicionado pelos acasos, imprevistos e acidentes durante o processo de criação ou
registro fotográfico. O processo criativo, portanto, envolve a elaboração de uma
ideia, um projeto que tem uma intenção estética ou conceitual.

Dito isso, vamos entender como é o processo criativo? Em termos gerais, de


acordo com o psicólogo mexicano Mauro Rodriguez Estrada (1992, p. 48), o pro-
cesso criativo quase sempre implica em uma estruturação da realidade, uma deses-
truturação da mesma, e uma reestruturação em termos novos. A literatura sobre
a criatividade tem buscado estruturar o processo criativo em etapas. Há quase
sempre uma estrutura comum elaborada pelos autores, com pequenas diferenças
de nomenclaturas, mas que em sua maioria são muito próximas na sua concepção.
De modo sintético, apresentaremos essas etapas baseadas nos autores Alencar,
Estrada e Kneller.

Para Estrada (1992), a primeira etapa do processo criativo seria o questionamento,


o qual consiste em perceber algo como problema, em tomar distância da realidade
para distinguir um poder ser por detrás, ou por cima do ser que temos diante de nós.
É fruto de inquietude intelectual, de curiosidade bem calçada, de interesse cultivado,
de hábitos de reflexão e de capacidade para perceber além do que as superfícies e
aparências nos oferecem. Kneller complementa essa etapa, a qual ele nomeia de
primeira apreensão: o germe da criação, o primeiro insight – a apreensão da ideia
a ser realizada ou de um problema a ser resolvido, não se trata de inspiração, mas a
noção de algo a fazer e a ser trabalhado nas seguintes fases.

A segunda etapa seria o acúmulo de dados, onde buscar informações, realizar


viagens, leituras, experimentos e trocas com pessoas que conhecem o tema são
fundamentais para que se tenha um terreno sólido e fértil para que a mente possa
trabalhar: o criador realiza anotações, discute, indaga, coleciona, explora, conhece
técnicas e meios.

Em seguida, temos como terceira etapa, a incubação, que consiste na digestão


inconsciente das ideias. Segundo Estrada (1992, p. 52), “é um período silencioso,
aparentemente estéril; mas, na realidade, de intensa atividade”. Após um período
consciente de preparação, o inconsciente e o pré-consciente realizam o seu traba-
lho, conforme mostrou a psicanálise. Na fase da incubação, as ideias do criador,

15
15
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

somadas às atividades realizadas na preparação, são “enterradas” no inconsciente


que realiza conexões inesperadas, alheias ao intelecto. Sua duração pode ser curta,
média ou longa, mas torna-se necessária para a próxima fase. Kneller ressalta que
esse período pode ser arriscado e desanimador, pois pode fazer com que o criador
perca completamente seu alvo.

O período de incubação funde as atividades conscientes colhidas trabalhadas


no inconsciente para que surja o clímax do processo de criação, entendido como
o momento da iluminação ou inspiração. É quando o criador percebe a solução
de seu problema, encontra uma organização das ideias e consegue visualizar a
matéria-prima da realização criadora.

A iluminação não é algo que se possa provocar intencionalmente, mas torna-se


necessário estar atento e receptivo para que ela ocorra, pois, muitas vezes, nem
sempre ocorre quando a pessoa está em busca da solução. Mas como isso aconte-
ce? Alguns procedimentos facilitadores têm sido apontados por estudiosos, como
Beveridge (1998), que ressalta e nomeia algumas condições:
• Contemplar por tempos prolongados os dados e o problema até que a mente
esteja saturada de informações. Deve-se trabalhar conscientemente no proble-
ma por períodos prolongados, com interesse e desejo de encontrar a solução;
• Deve-se libertar de problemas ou interesses que competem por atenção;
• Após períodos de intenso trabalho, abandonar temporariamente o problema,
dedicando-se a atividades leves que não requeiram esforço mental;
• Ter algum contato com pessoas de interesses semelhantes, discutindo o pro-
blema, escrevendo sobre ele, lendo artigos relacionados, inclusive aqueles que
apresentem pontos de vista divergentes. (ALENCAR, 1995, p. 40-41).

O momento da iluminação é, em alguns casos, de grande produtividade, pois


as ideias podem vir em grande quantidade, levando o criador a trabalhar por longos
períodos intensos até chegar à exaustão, para se aproximar de uma conclusão da
obra ou problema a ser resolvido. Em geral, os autores apontam esse momento
como de grande prazer e felicidade para quem está a criar, como uma espécie de
clímax do processo criativo.

Por ser autocertificável, capaz de provocar uma certeza acerca da sua inspira-
ção, esse momento da iluminação deve, depois, ser trabalhado na próxima fase,
nomeada por Kneller (1971) de a verificação. É onde o intelecto e o julgamento
têm de terminar a obra iniciada pela imaginação, distinguir o que é válido e o que
não é, e realizar elaborações, correções e alterações. Estrada (1992) chamará essa
fase de elaboração, e a define como a própria concretização da iluminação, uma
ponte da esfera mental à esfera física ou social. É um trabalho que implica também
um raciocínio criativo, pois é um trabalho que envolve afinação e polimento.

Kneller diz que, “após identificar-se emocionalmente com sua obra no momen-
to da iluminação, o criador agora recua e imagina as reações daqueles com quem
intenta comunicar-se” (1971, p. 72), ressaltando que é nesse estágio que o isola-
mento em excesso pode ser perigoso.

16
Portanto, a busca por uma crítica externa, antes de terminar sua obra, pode
ser fundamental para a boa conclusão. Cecília Almeida Salles (2004) ressalta a
importância de um leitor particular durante o processo de criação, uma pessoa
escolhida pelo artista para ter um tipo de acesso preliminar às suas obras, recém-
-terminadas ou em processo.

A verificação é, muitas vezes, a fase de maior quantidade de trabalho, pois


inicia a luta e o trabalho de dar forma final às intuições do criador. No processo
artístico, podemos dizer que seria a execução da obra em si. Kneller (1971) aponta
que, por vezes, esse esforço da verificação pode matar o entusiasmo do criador
pelo que ele começou, fazendo com que perca o interesse. Nessa fase final, em
muitos casos, o ato de verificação pode levar a novas ideias e insights, portanto,
conduzindo o trabalho a processos de revisão que podem ser extensos e que, ao
final, podem mudar em muito a obra. Uma fotografia autoral ou artística pode ter
em sua versão final somente alguns elementos da inspiração original. O processo
de revisão pode levar a ultrapassar as primeiras concepções.

Durante o processo criativo, é importante que você reflita sobre cada etapa reali-
zada, como um processo de pesquisa em arte que é caracterizada pela investigação
na prática artística cujas reflexões teóricas e poéticas surgem desse fazer artístico.
A poética, como ciência e filosofia da criação, tem suas reflexões com base na
instauração da obra, cuja definição de Paul Valery é:
tudo o que diz respeito a criação, obras as quais a linguagem é ao mesmo
tempo substância e meio. A poiética compreende, por um lado, o estudo
da invenção e da composição, a função do acaso, da reflexão e da imita-
ção; a influência da cultura e do meio, e por outro lado o exame e análise
das técnicas, procedimentos, instrumentos, materiais, meios e suportes de
ação (apud PASSERON, 1989, p. 13).

Sandra Rey, artista-investigadora brasileira, baseia-se no pensamento de Luigi


Pareyson (1991, p. 59) para ressaltar que o artista, ao criar sua obra, também “in-
vente o seu próprio modo de fazê-la”, no sentido de concretizar suas ideias dentre
os diversos meios que possuem atualmente, tendo o seu trabalho como um campo
fecundo para a pesquisa e investigação. É o próprio fazer artístico que fornece as
bases para a “teoria” da criação artística: “A formação da obra de arte inventa-lhe
a regra individual no próprio decurso da operação com que a executa”, base da
Teoria da Formatividade (PAREYSON, 1993, p. 92).

Muitas vezes, em um processo criativo, você poderá se deparar com uma di-
ficuldade ou desconhecimento técnico para concretizar a sua ideia inicial e, com
isso, terá que descobrir como realizar, como criar tal efeito, como distorcer algo ou
enfatizar um detalhe, por exemplo.

Durante este curso, você terá acesso a muitos conhecimentos teóricos, histó-
ricos, estéticos e criativos sobre a fotografia. Permita-se cursar a faculdade não
somente como um profissional da fotografia, mas como um fotógrafo pesquisador,
que investigue seu próprio processo criativo. Sandra Rey define a pesquisa em arte

17
17
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

como sendo aquela em um trânsito ininterrupto entre prática e teoria, no sentido


de que, para “o artista, a obra é, ao mesmo tempo um ‘processo de formação’
e um processo no sentido de processamento, de formação de significado”.
Dessa forma, a obra de arte interpela os sentidos do artista-pesquisador como um
“elemento ativo na elaboração ou no deslocamento de significados já estabe-
lecidos” questionando o conhecimento de mundo que antes dela lhe era familiar,
ou seja, “ela me processa” (REY, 2002, p. 128).

Na pesquisa artística em fotografia, cada movimento do processo criativo, da


ação prática, abre uma possibilidade e, durante os movimentos sucessivos, a pro-
posta se configura, a fotografia se concretiza.

Inspirações e Referências:
Repertório Artístico, Cultural e Visual
Estamos imersos numa cultura visual, rodeados de imagens por todos os lados.
Ao mesmo tempo em que temos um caos visual que nos invade e nos perpassa ra-
pidamente sem pensarmos, temos também um terreno muito rico para o processo
criativo. No entanto, é preciso estar com o olhar atento, criando relações, pen-
sando em possibilidades, enquadrando o mundo com a nossa seleção de parte do
que estamos vendo. Essas imagens cotidianas são produções culturais e, portanto,
são carregadas de percepções e interpretações sobre o mundo em seus diferentes
aspectos: cultura, política, poder, educação, espaço urbano, estética etc.

É preciso vivenciar a cultura em que se está inserido, observar e experienciar


o mundo, enriquecendo nosso repertório cultural, para sermos verdadeiros pen-
sadores que articulam essas experiências em novas configurações visuais, novas
narrativas, símbolos e novos significados. Ou seja, a produção fotográfica artís-
tica, autoral e conceitual passa por tudo isso, mas propõe novas interpretações,
outras relações que fogem do convencional, apresenta uma ideia, tal como Vilém
Flusser define “ideia é o elemento constitutivo da imagem” (2011). Esse autor
define, no livro Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia
da fotografia, o termo imagem como “superfície significativa na qual as ideias
se interacionam magicamente” (FLUSSER, 2011, p. 12). Essas ideias são tra-
balhadas em um processo criativo que começa com o olhar sobre o mundo e as
seleções que se faz para estabelecer interações estéticas, conceituais e discursivas
em fotografias que o tempo todo se reinventam, rompendo os limites técnicos e
as tradições dessa linguagem.

Nesse contexto, a fotografia instiga a imaginação do espectador que agora é


convidado a decodificar e decifrar as mensagens visuais que nela estão. A fotografia
afeta o olhar, o modo de ver e de pensar sobre o mundo.

18
Explor
Observe as figuras 4 e 5, a seguir. Elas pertencem ao projeto Dancers Among Us, de Jordan
Matter, que convida bailarinos para executarem seus movimentos em situações cotidianas,
em meio às ruas e paisagens urbanas. Esse exemplo mostra como a combinação inusitada
desses movimentos com um contexto diferente do palco de um teatro pode gerar outras lei-
turas sobre esse “congelamento” do movimento, da cena criada para uma fotografia autoral.
Qual a mensagem que essas imagens transmitem? O que é uma pessoa com as sapatilhas
de balé trabalhando numa construção? Se trata de uma mulher, um homem ou um trans-
gênero? Seria uma mulher que sonhou em ser dançarina, mas que precisou trabalhar duro
para sobreviver? O que a imagem te sugestiona de significados? Poderia ser o que você está
pensando, mas também poderia ter qual possibilidade de reflexão?
Observe como um movimento tradicional de balé pode sofrer totalmente sua leitura se inse-
rido em um outro contexto. Ele rompe com o senso comum, instiga o espectador para o não
usual, o estranho que é, ao mesmo tempo, belo. Esse é um exemplo de um trabalho autoral,
que possui um conceito e que, artisticamente, possui um grande impacto estético.

Imagem 4 – Jordan Matter, Kara Lozanovski – Figura 5 – Jordan Matter,


Work Boots, Chicago Illinois Madeline Ungs, New Yorks
Fonte: Matter, 2012 Fonte: Matter, 2012
Explor

Para conhecer mais sobre esse ensaio fotográfico, visite o site: https://goo.gl/fKH3s

A fotógrafa e pesquisadora acadêmica Amanda M. P. Leite se refere ao conceito


de “olhar scanning” citado por Flusser, o qual pode nos ajudar na compreensão
sobre como o fotógrafo olha o mundo, cria seu repertório, tece relações do que é
visto no momento com o que já possuía de referências, pensa novas fotografias que
geram novos impactos nos espectadores:
Flusser (2011, p. 16) aponta que podemos vaguear pela superfície de
uma imagem e lançar sobre ela um tipo de “olhar scanning”1, que “segue
a estrutura da imagem, mas também seus impulsos”. Deste modo, ao
cruzar a imagem, a intencionalidade do fotógrafo e as leituras que faze-
mos enquanto espectador expõe o quanto tentamos estabelecer conexões

1
Scanning: movimento de varredura que decifra uma situação (FLUSSER, 2011, p. 13 apud LEITE, 2017, s/p).

19
19
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

diante de cada captura. Ao vaguear nosso olhar pela fotografia buscamos


elaborar relações entre os elementos que compõem a imagem. O tempo
de duração do olhar é então chamado por Flusser de tempo da magia, “no
tempo da magia, um elemento explica outro, e este explica o primeiro”. A
fotografia é tecida de presença, ausência, rumores, fragmentos de tempo,
de espaço, acontecimentos, paradoxos, incompletudes... A fotografia é
atrativa por mostrar certo encantamento no modo como narra à vida.
Narrativas visuais podem impulsionar o pensar. (LEITE, 2017, s/p)

O trabalho de Jordan Matter, que vimos acima, é um exemplo de como a foto-


grafia é uma linguagem que possui flexibilidade, originalidade e viabilidade, que per-
mite experimentar processos diferentes, composições com realidades e linguagens
distintas. É como um jogo de quebra-cabeça desconstruído que deixa o espectador
inquieto com as associações que suas fotografias permitem realizar inventivamen-
te, subjetivamente e poeticamente. Suas fotografias se constituem em processos
criativos abertos que permitem ao espectador descobrir novas formas de olhar e vi-
venciar o cotidiano. Elas não são um simples registro do real, mas são composições
estéticas, poéticas, artísticas, que possuem um conceito que move nossa forma de
pensar e os nossos sentidos diante do que não é comum.

Somado ao olhar atento a tudo que nos rodeia, é preciso também criar um re-
pertório visual e artístico, pois, se não conhecermos a produção artística e fotográ-
fica histórica e contemporânea, não teremos referências e inspirações para criar
nossas fotografias autorais.

Cada um tem seu repertório cultural e artístico a partir das memórias de experi-
ências durante sua vida.

O processo criativo não é como uma receita de bolo que, se você seguir à risca,
terá sucesso, ele é muito particular para cada fotógrafo, cada um tem uma forma
específica de trabalhar e de elaborar uma linha de pensamento com um objetivo
criativo. O importante é que o fotógrafo conheça a produção de outros fotógra-
fos e artistas de diferentes linguagens, para além da fotografia, pois estimulará a
elaboração de outros conceitos e imagens. É muito difícil criar a partir do nada, é
preciso ter um referencial.

Hoje em dia há uma infinidade de possibilidades de acesso a materiais para a


criação em fotografia, seja na internet ou nas redes sociais. O diferencial está no
fotógrafo que possui um olhar treinado, que observa e reflete sobre o que já foi
criado e propõe a desconstrução ou um novo olhar para o que já foi feito, o que
pode ser velho e ultrapassado, reapresentando de uma forma autoral, conceitual
e artística. De acordo com Fox e Caruana (2014, p. 38), “a internet revolucionou
a distribuição e o acesso a informações e serviços em graus variados em todo o
mundo”; para elas, “para um fotógrafo, a internet pode oferecer informações es-
senciais nos primeiros estágios de formulação e desenvolvimento de uma ideia”.

Um fotógrafo criativo possui um grande referencial e muitas inspirações que


envolvem artistas famosos, estilos e linguagens específicas que formam o gosto

20
pessoal e diretamente influenciam a sua produção visual. Essas referências podem
ser coletadas através de visitas a sites da internet, blogs, redes sociais, pesquisa e
catálogos impressos, visitas a museus e exposições, entre outros.

Figura 6 – Fotografia de paisagem durante viagens


Fonte: iStock/Getty Images

Essas inspirações e referências também são resultados de viagens que permitem


conhecer novas culturas e outras realidades. A observação de paisagens, fauna
e flora, arquiteturas, monumentos e os moradores dos lugares que visitamos são
materiais brutos para nossa criação. Quando vamos a um lugar, é preciso que
estejamos atentos e pesquisemos o que há de interessante e peculiar, para que a
viagem seja produtiva.

No livro Fundamentos da Fotografia Criativa, David Präkel afirma:


A criatividade é como um organismo que precisa ser alimentado para poder
crescer e florescer. Precisa se exercitar e se alimentar com ideias e imagens,
sem isto morrerá. As imagens fortes e bem-sucedidas são resultado de um
processo de cofertilização constante com ideias apoiadas em novas referên-
cias culturais e processos técnicos alternativos. (2015, p. 34)

É preciso também ter a consciência de que, na área artística e da criação, se-


remos aprendizes eternamente e precisamos estar aberto às mudanças, às novas
concepções visuais, ao novo em geral. Desde usar diferentes equipamentos que, a
princípio, parecem ter baixa qualidade técnica, até fotografar em diferentes con-
dições que influenciam a percepção visual da realidade (no escuro, na extrema
luminosidade). O novo sempre rompe com as referências que já temos e, conse-
quentemente, gera novas inspirações e experiências.

O hábito da pesquisa deve ser trabalhado no fotógrafo, pois ele é um produtor


de narrativas visuais, ele comunica através da sua produção. O fotógrafo precisa
ampliar seu conhecimento tanto sobre a fotografia quanto sobre todas as coisas.

Um fotógrafo que tem um bom repertório visual e usa também o trabalho de


outros artistas como inspiração para a criação dos seus, pode recorrer a essa ba-

21
21
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

gagem de conhecimento através da própria memória ou até criar ferramentas que


auxiliem o processo de criação, tal como uma biblioteca visual, por exemplo. É
possível criar pastas no computador contendo referências catalogadas em cate-
gorias da melhor forma para o fotógrafo encontrá-las quando necessário. E, para
facilitar ainda mais, criar categorias e subcategorias – por exemplo: retratos, retra-
tos femininos, retratos masculinos, retratos infantis, paisagens, paisagens desertas
– para que facilite a busca de referências.

As referências ou inspirações em outros trabalhos podem influenciar de forma


indireta ou direta na elaboração da sua fotografia, tanto no resultado final quanto
no processo criativo. E não se trata de uma referência ou inspiração em outras fo-
tografias, mas qualquer trabalho feito em qualquer linguagem, seja pintura, grafite,
filme etc., todas possuem a sua importância em um trabalho criativo. No entanto, a
forma como essa referência ou inspiração é trabalhada pode influenciar na criação
ou determinar todas as decisões criativas de um trabalho, o que, nesse caso, poderá
cair no perigo de ser uma cópia ou plágio de um trabalho já existente.

Mas não podemos copiar um trabalho? Sim, podemos, desde que seja para um
aprendizado pessoal, seja em questões técnicas ou de linguagem fotográfica. Não
podemos esquecer que uma cópia ou plágio não revela criatividade; não há pensa-
mento criativo e inovador por parte daquele que copia.

Por isso que é importante trabalhar o repertório de forma criativa, juntando


peças como um “Frankenstein” que, aos poucos, vai sendo lapidado, retrabalhado
e chegando a uma proposta final pessoal.

Portanto, nosso repertório visual é formado pelas nossas experiências e vivên-


cias, bem como pelas bibliotecas visuais que vamos construindo, não somente
como catálogos de imagens, mas como fontes de conhecimento. É preciso estu-
dar e refletir sobre as nossas referências e inspirações, não somente ficamos com
as informações que a aparência transmite, mas sobre as mensagens indiretas, os
conceitos dos seus autores e o que ela pode levantar de questionamentos. É com
esse conhecimento que o repertório será trabalhado de forma efetiva e criativa:
cruzando conceitos díspares, elaborando combinações entre os elementos de várias
imagens, alterando detalhes de algo já existente, mas que mudará completamente
o significado ou a mensagem que a sua fotografia transmitirá.

22
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Dancers Among Us
https://goo.gl/fKH3s

Vídeos
Steffi Klenz discusses ‘Nummianus’
https://youtu.be/Sl4DcACAdAM

Leitura
Processos e criação na fotografia
https://goo.gl/RAesWu
O processo criativo em dois atos
https://goo.gl/m785fn

23
23
UNIDADE Processo Criativo: Inspirações e Referências

Referências
ALENCAR, E. M. L. S. de. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Bra-
sília, 1995.

BEVERIDGE, W. I. B. The art of scientific investigation. New York: Vintage


Books, 1998.

ESTRADA, Mauro Rodríguez. Manual de criatividade: os processos psíquicos e


o desenvolvimento. São Paulo: IBRASA, 1992.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaio para uma futura filosofia da
fotografia. São Paulo: Annablume, 2011.

FOX, A; CARUANA, N. Por trás da imagem: pesquisa e prática em fotografia.


São Paulo: GG Brasil, 2014.

FREUD, Sigmund. (1915 [2006]). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre


a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006. p. 13-74.

GETZELS, J. W.; JACKSON, P. J. Creativity and Intelligence: explorations


with Gifted Students. New York: John Wiley and Sons, Inc., 1962.

GUILFORD, J. P. Personality. New York: McGraw-Hill, 1959.

KNELLER, G. F. Arte e Ciência da Criatividade. São Paulo: IBRASA, 1973.

LEITE, Amanda M. P. Fotografia Contemporânea e processo criativo: provoca-


ções a partir da série “Habita em mim”. Disponível em: <http://www.sbece.com.
br/resources/anais/7/1495120491_ARQUIVO_SBECE-GT2PEDAGOGIAS-
CULTURAISEMIDIAS.pdf>. Acesso em: 03 jul. 2018.

MARTINS, J. B. A abordagem multirreferencial: contribuições epistemológicas


e metodológicas para o estudo dos fenômenos educativos. Tese (Doutorado em
Educação) - Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de
São Carlos. São Paulo, 2000.

MAU, Bruce. An incomplete manifesto for growth. 2009. Disponível em:


<http://www.manifestoproject.it/bruce-mau/>. Acesso em: 01 jul. 2018.

MAY, R. The Courage to Create. London: William Collins, 1976.

PAREYSON, Luigi. Estética e Teoria da Formatividade. Rio de Janeiro: Vo-


zes, 1993

PASSERON, R. Por une philosophie de la création. Paris: Klincksieck, 1989.

PRAKEL, David. Fundamentos da fotografia criativa. São Paulo: Gustavo Gili


Brasil, 2015.

24
REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais.
In: BRITES, B.; TESSLER, E. (Orgs.) O meio como ponto zero. Metodologia
da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
(Coleção Visualidade).

SALLES, Cecília de Almeida. Redes de criação. Construção da obra de arte. São


Paulo: Editora Horizonte, 2004.

25
25

Você também pode gostar