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AO JUÍZO DA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI COMARCA DE PORTO

SEGURO – BAHIA.

BRUTUS, brasileiro, solteiro, inscrito no CPF sob o nº xxx,


carteira de identidade número xxx, residente e domiciliado na rua xxx, na cidade
de Porto Seguro/BA, por sua advogada ALLANA FRANCINE NUNES DA SILVA
GONZAGA VIANA DANIEL que a esta subscreve, devidamente inscrito na
OAB/SP sob o n.º 180.823, com escritório profissional nesta Capital, conforme
procuração anexa a este instrumento, vem respeitosamente à presença de Vossa
Excelência, requerer:

REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

com fundamento no artigo 5º, LXV da Constituição Federal,


e art. 310, I, do Código de Processo Penal, pelos motivos de fato e direito a seguir
expostos:

1. DOS FATOS

O Requerente foi preso em flagrante pelo crime de homicídio


doloso consumado contra duas vítimas, bem como pelo porte ilegal de arma de
fogo e tráfico de drogas, eis que no local foram encontrados os cadáveres, a arma
de fogo e 40 papelotes de cocaína. Os fatos se deram da seguinte forma:

O réu é conhecido traficante de drogas na comunidade onde


morava, tinha ido a um baile funk e lá começou a conversar com Cleópatra, uma
garota de outra comunidade, a qual estava bebendo com sua amiga, Afrodite, da
mesma comunidade que aquela. Ambas sabiam que Brutus era o “dono” daquela
comunidade e operava todo o tráfico de drogas na região, o que as instigou a
beberem com ele no baile funk, em razão do “glamour” gerado pelo seu poder no
local.

Após horas bebendo, Brutus chamou as garotas para irem até sua
residência para ouvir música, beber e fazer uso de drogas, o que foi prontamente
atendido por ambas. Ao chegarem à casa de Brutus, elas viram que lá havia
muitas drogas, dinheiro e armas de fogo, tudo isso típico de um traficante de
drogas que comandava a mercancia ilícita de entorpecentes no local, e
começaram a perguntar sobre o trabalho de Brutus.

O requerente ficou incomodado com as perguntas, pois não


queria falar de trabalho naquele momento, mas, sim, ter uma noite de relação
sexual com ambas, todavia Cleópatra não aceitou e pediu para que ele solicitasse
um Uber para ela ir embora para a sua comunidade, sendo que apenas Afrodite
anuiu ao convite sexual. Enfurecido com a recusa ao seu convite sexual, Brutus
pegou um fuzil e disparou, dolosamente, contra Cleópatra, atingindo-a
mortalmente, sendo que o mesmo disparo que a perfurou também acertou
Afrodite, que morreu imediatamente, mas ele não tinha a intenção de matá-la, o
que ocorrera por erro na execução, em virtude da imprudência de ter usado uma
arma muito possante para eliminar alguém que estava próximo a ela.

Destaca-se que Cleópatra e Afrodite eram moradoras de uma


comunidade rival, chefiada por outro traficante que era inimigo de Brutus, sendo
que, quando a notícia do homicídio chegou até ele, foi acionada a Polícia Militar,
de forma anônima, dando o direcionamento exato da residência de Brutus para
constatar que os corpos lá estavam e ele ser preso.

A Polícia Militar, sem qualquer investigação prévia, chegou logo


pela manhã e arrombou a porta, encontrando Brutus ainda dormindo e os dois
corpos no chão com orifício de entrada de uma bala de fuzil que transfixou ambas
as vítimas e parou a trajetória na parede, tendo sido recolhido o projétil. Além
disso, os policiais encontraram 40 papelotes de cocaína embalados prontos para
comércio, bem como o fuzil utilizado no delito e uma pistola 9 mm que estava no
armário da cozinha.
Cumpre ressaltar que, para encontrar as drogas e a pistola, os
militares asfixiaram Brutus com uma sacola plástica, tendo ele, após não aguentar
mais ser espancado e asfixiado, apontado onde guardava a arma e as drogas,
bem como confessou ter praticado os homicídios.

Com sua prisão em flagrante, Brutus foi encaminhado para o


Instituto Médico Legal para fazer exame de corpo de delito, constatando-se que
ele fora asfixiado e espancado horas antes de fazer a perícia.

Após receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz responsável


pelos fatos designa audiência de custódia para a oitiva do acusado e ficar a par
dos moldes em que se deram a sua prisão.

Na audiência de custódia, realizada dentro do prazo legal, o


acusado mencionou que os policiais militares entraram em sua residência sem o
seu consentimento, tendo espancado e asfixiado ele, de forma a confessar o
crime, o que fora comprovado pelo exame de corpo de delito.

Não obstante, o membro do Ministério Público, tendo visto que


Brutus tinha uma extensa ficha criminal, bem como pelos crimes que foram
flagrados no momento de sua prisão em flagrante, requereu a conversão em
prisão preventiva, uma vez que o acusado teria praticado crime hediondo,
consistente no delito do art. 121, §2º, II (motivo fútil) e VIII (emprego de arma de
fogo de uso restrito), do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas), combinado
com o crime do art. 16, caput (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), da Lei
nº 10.826/03, por duas vezes (fuzil e pistola 9 mm), e art. 33, caput (tráfico de
drogas), da Lei nº 11.343/06, todos em concurso material de crimes, na forma do
art. 69 do Código Penal, destacando que não era possível a concessão de
liberdade provisória com fiança, pois a Lei nº 8.072/90, art. 2º, II, veda tal
benefício legal. Além disso, o Promotor de Justiça não acreditou que os policiais
teriam espancado e asfixiado o acusado, bem como que os crimes praticados
foram comprovados pela entrada em sua residência, sendo dispensável o
consentimento do morador nessas situações de permanência do delito.

Contudo, o pedido ministerial não deve prosperar, de acordo com


os fundamentos jurídicos a seguir expostos.
2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1 DA ILEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Primeiramente importante destacar a ilegalidade da prisão,


devendo ser relaxada conforme mandamento inserto na Constituição Federal,
nestes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

LXV- a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade


judiciária;

Além disso, a legislação infraconstitucional autoriza o relaxamento


da prisão ilegal, conforme mandamento processual penal inserto no art. 310,
caput, I CPP.

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de


até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá
promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu
advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do
Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá,
fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os


requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

A citada audiência de custódia serve para garantir ao preso todos


os seus direitos constitucionais, notadamente o de ser ouvido por um juiz de
direito imediatamente após ter a sua liberdade cerceada. Para o Professor Renato
Brasileiro, conceitua-se a audiência de custódia da seguinte forma:

Na sistemática adotada pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/19), a


audiência de custódia pode ser conceituada como a realização de uma
audiência sem demora após a prisão em flagrante (preventiva ou
temporária) de alguém, permitindo o contato imediato do custodiado com o
juiz das garantias, com um defensor (público, dativo ou constituído) e com
o Ministério Público. (LIMA, 2020, p. 1017).
Embora a audiência de custódia tenha sido realizada dentro do
prazo legal, o requerente mencionou que os policiais militares entraram em sua
residência sem o seu consentimento, tendo ainda espancado e asfixiado ele, de
forma a confessar o crime, o que fora comprovado pelo exame de corpo de delito.

Claramente a prisão é ilegal, já que a Polícia Militar praticou crime


previsto na Lei nº 9.455/97, nesses termos:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,


causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de


terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego


de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como
forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Ora, a prática de crime torna a prisão ilegal e toda prova obtida é


considerada ilícita, não podendo ser utilizada no processo contra o acusado, na
forma do art. 157, caput, CPP, in verbis:

“Art. 157, caput. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do


processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais”.

Além do mais, de acordo com o artigo 302, CPP, as prisões em


flagrante são as seguintes:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por


qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou


papéis que o façam presumir ser ele autor da infração.
Por meio de denúncia anônima, os policiais adentraram no
domicílio do acusado, sem qualquer levantamento prévio de informações e sem
autorização de ingresso em sua residência, o que traz para a questão a análise
do artigo 5º, XI, CF, nestes termos:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar


sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial

Ora, ainda que se trate de crime em estado flagrancial, deve ser


observado o pensamento jurisprudencial para ingresso em residência alheia, sob
pena de toda e qualquer operação policial ser possível sem autorização judicial e
de forma discricionária à escolha da autoridade pública. Foi com esse
pensamento que o Superior Tribunal de Justiça cunhou a seguinte decisão acerca
da invasão de domicílio, destacando-se a necessidade de mandado judicial e
investigações prévias acerca do suposto fato, in verbis:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INVASÃO DE
DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Agravo regimental desprovido
(AgRg no REsp 2010320 / MG).

Pelo que se constata da colacionada decisão, é imperioso que


exista uma investigação prévia que comprove cabalmente a ocorrência de um
crime, sendo necessário ainda que exista o consentimento do morador para
validar a entrada dos policiais, de forma registrada.

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO


PARA O TRÁFICO.FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO
DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES
CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.
CONSENTIMENTO DO MORADOR. GRAVAÇÃO AUDIOVISUAL E
CONFIRMAÇÃO PELO RÉU. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ORDEM
DENEGADA. Ordem denegada (HC 760900 / SP).

Além disso, todo e qualquer abuso praticado por agente público,


durante a prisão em flagrante, invalida o próprio ato prisional, uma vez que o
Estado não pode praticar crime para combater outro crime. A par de gerar a
ilegalidade da prisão, o abuso de poder constitui crime previsto na Lei n.
13.869/19, art. 13, II, na forma transcrita a seguir:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave
ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado


em lei;

III - (VETADO). III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da


pena cominada à violência.

Diante de patentes ilegalidades, outra medida não resta senão a


concessão do relaxamento da prisão ilegal.

2.2 DA INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DA PRISÃO


PREVENTIVA

A prisão em flagrante possui requisitos que, quando não


observados, podem caracterizá-la como ilegal e no caso concreto encontram-se
ausentes os requisitos necessários à manutenção da prisão preventiva, previstos
no art. 312 do CPP, tornando-se imperiosa sua revogação.

O artigo 312, CPP, possui a seguinte redação:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da


ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado
pelo estado de liberdade do imputado.

Portanto, nesse caso o membro do Ministério Público


fundamentou o seu pedido na hediondez dos delitos, destacando-se que não
cabe liberdade provisória com fiança.

Ora, isso por si só não autoriza a aplicação do art. 312, CPP, com
base na garantia da ordem pública, devendo existir elementos concretos que
mostrem que o acusado solto poderá voltar a delinquir, fugir do país ou ameaçar
testemunhas e vítimas. O simples fato narrado pelo promotor de justiça não tem o
condão de lançar um decreto prisional.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de
que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva deve ser lastreada
em elementos concretos dos autos, não sendo suficiente a gravidade abstrata do
delito. Nesse sentido, cita-se precedente oriundo do referido Tribunal Superior, in
verbis:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE


DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA QUANTO AO PERICULUM LIBERTATIS. QUANTIDADE
REDUZIDA DE DROGAS. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS.
SUFICIÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.

1. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração


da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios
suficientes da autoria. Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em
lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em
abstrato (art. 312 do Código de PA GE Processo Penal), demonstrada,
ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 2. É
cediço que a gravidade abstrata do delito, por si só, não justifica a
decretação da prisão preventiva. Precedentes. 3. No caso, embora
indicado o risco de reiteração delitiva, não há registro de
excepcionalidades para justificar a medida extrema. A quantidade de
droga apreendida não se mostra expressiva (2,9g de crack em 29 pedras)
e não há qualquer dado indicativo de que o acusado integre organização
criminosa, contexto que evidencia a possibilidade de aplicação de outras
medidas cautelares mais brandas. Constrangimento ilegal configurado.
Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no
AgRg no HC 798389 / SP).

Além do mais, o Ministério Público não demonstrou que o


acusado teria feito qualquer ato atentatório à instrução criminal, como fuga ou
ameaça à testemunha, bem como a vedação da concessão de fiança na liberdade
provisória pela Lei nº 8.072/90, art. 2º, II, não é obstáculo para a concessão de
liberdade provisória sem fiança, pois essa modalidade não é vedada no citado
diploma legal, sendo permitida no art. 310, III, do CPP.

Dessa forma, não há que se falar em aplicação do artigo 312,


CPP, de forma a convolar-se a prisão em flagrante em prisão preventiva.

3. DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer o relaxamento da prisão em


flagrante imposta ao requerente, diante da ilegalidade de sua prisão,
determinando-se a expedição do competente alvará de soltura em favor do
acusado, haja vista que:

a) Foi praticado crime de tortura para obter a confissão acerca


dos fatos investigados, bem como ausentes investigações
prévias para a violação de domicílio, também não tendo
havido qualquer registro de consentimento do acusado para
o ingresso dos policiais;
b) Não se enquadra a situação fática em nenhuma hipótese
autorizadora da prisão preventiva prevista no art. 312 do
CPP, pelo PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA;
c) Requer, ainda, a imediata EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ́ DE
SOLTURA em nome do acusado, para que ele possa, em
liberdade, defender-se no curso da ação penal,
comprometendo-se a comparecer a todos os atos
processuais,

d) Por fim, seja ouvido o ilustre representante do Ministério


Público.

Nesses termos, pede deferimento.

Porto Seguro/BA, 02 de abril de 2024.

ALLANA FRANCINE NUNES DA SILVA GONZAGA VIANA DANIEL


OAB Nº180.823

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