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AO JUIZO DA 1ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE PORTO

SEGURO/BA

Processo n.º ...

BRUTUS, já qualificado nos autos em epigrafe, vem por meio


do seu advogado, respeitosamente perante Vossa Excelência, apresentar,
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS , com fundamento no art. 411 do Código de
Processo Penal, pelos seguintes fatos e fundamentos:

DOS FATOS

Na linha dos fatos, foi ofertada a ação penal na forma seguinte:

“Trata-se de denúncia criminal oferecida em razão de o acusado ter praticado


os delitos previstos no art. 121, § 2º, II (motivo fútil) e VIII (emprego de arma
de fogo de uso restrito), do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas),
combinado com o crime do art. 16, caput (porte ilegal de arma de fogo de
uso restrito), da Lei nº 10.826/03, por duas vezes (fuzil e pistola 9 mm), e
art. 33, caput (tráfico de drogas), da Lei nº 11.343/06, todos em concurso
material de crimes, na forma do art. 69 do Código Penal. A materialidade
dos delitos de porte ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas pode ser aferida
ao longo do processo, sendo dispensável o exame de corpo de delito nesse
momento processual. Quanto ao crime de homicídio, entende-se que ele
ocorrera por meio de disparo de arma de fogo, não sendo necessária a sua
comprovação pericial. Por fim, quanto ao concurso material de crime previsto
no artigo 69, CP, ele deve ser aplicado, pois o princípio da consunção não
possui aplicação no presente caso, pois os bens jurídicos tutelados são
diversos, pelo que pede o Ministério Público a sua pronúncia em todos os
crimes narrados”.
Na sequência, o réu fora denunciado na forma transcrita anteriormente, tendo a
Defesa pugnado pela rejeição da peça acusatória, por ter sido produzida prova ilícita
e não ter sido realizado exame pericial nos crimes narrados.

Além disso, foi requerido que se aplicasse o princípio da consunção ou absolvição.


Apesar dessas alegações, o Magistrado decidiu pelo prosseguimento do feito,
concordando integralmente com a peça acusatória do Ministério Público,
mencionando que os fatos seriam mais bem elucidados por ocasião da instrução
processual em audiência específica. Em audiência de instrução e julgamento,
primeiramente, interrogou-se o acusado, não tendo sido juntado ou ouvido perito
oficial sobre a materialidade dos crimes. Em substituição ao exame de corpo de delito,
foram ouvidas testemunhas de acusação consistentes em policiais militares que
disseram que, pela experiência profissional, as armas apreendidas eram de verdade
e tinham capacidade de lesionar pessoas, bem como que a droga apreendida era
própria para consumo. Ademais, os policiais militares disseram que adentraram a
residência do acusado porque ele era sabidamente criminoso e lá encontraram as
provas dos crimes.

Foi ouvida uma testemunha de defesa que afirmou ter visto da janela de sua
residência os policiais militares chutando a porta e invadindo a casa do acusado, bem
como ouviu ele ser espancado e torturado, em razão dos gritos e pedidos de
clemência por parte dos militares.

Após a produção dessas provas em audiência de instrução, foi aberta vista para a
Acusação e a Defesa apresentarem as suas considerações finais no prazo de 5
(cinco) dias.

O Ministério Público ofertou suas considerações, requerendo a pronúncia na forma


proposta pela denúncia criminal.

A defesa do acusado foi intimada no dia 24/11/23, sexta-feira.

DO DIREITO

PRELIMINARMENTE

DA PRELIMINAR DE NULIDADE ABSOLUTA


No que diz respeito ao interrogatório como meio de prova, menciona-se que o Código
de Processo Penal assinala que o acusado poderá apresentar a sua versão dos fatos
ou calar-se, devendo ser ouvido ao final, em obediência ao princípio constitucional da
ampla defesa. Essa é a dicção do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 186, CPP. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor


da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o
interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder
perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser
interpretado em prejuízo da defesa.

Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do


acusado e sobre os fatos.

§ 1º Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência,


meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua
atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma
vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão
condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados
familiares e sociais.

§ 2º Na segunda parte será perguntado sobre:

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;

II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que


atribuíla, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática
do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou
depois dela;

III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia
desta;

IV - as provas já apuradas;

V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde


quando, e se tem o que alegar contra elas;

VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer


objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido;

VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos


antecedentes e circunstâncias da infração;
VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.

Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações


do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos
peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.

Diante dos dispositivos citados, especialmente o art. 411 do CPP, que regulamenta
a audiência de instrução e julgamento, percebe-se que o interrogatório deve ser feito
ao final, em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa
e devido processo legal.

Ocorre que pelo que consta nos autos, em audiência de instrução e julgamento,
primeiramente, interrogou-se o acusado.

Por tratar-se de uma imposição constitucional (devido processo legal), a inversão do


rito processual do interrogatório, sendo feito ao início da audiência de instrução e
julgamento, gerará uma nulidade, ferindo de morte a possibilidade de contraditório,
bem como espanca a ampla defesa.

Diante o exposto, a inversão do interrogatório para o início da audiência de instrução


e julgamento gera uma hipótese de nulidade, devendo o ato ser anulado desde o
início da referida audiência, na forma do art. 564, IV, do CPP, é o que requer a defesa
do acusado.

PRELIMINAR – PROVA ILÍCITA

Outro ponto que merece atenção é sobre os efeitos de uma prova produzida de forma
ilícita, consoante ocorre quando há a prática de um crime (tortura e abuso de
autoridade). Nesse viés, destaca-se o art. 157 do CPP, nesses termos:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as


provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas
das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas
e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
Ainda que existam apontamentos de que o acusado tenha praticado algum delito, pois
foi encontrado produto do crime com ele, a forma é relevante para o Código de
Processo Penal, não podendo ser considerada prova lícita quanto violados
dispositivos processuais ou constitucionais.

Para tornar clara a questão, o ordenamento jurídico brasileiro prevê como crime a
tortura e a invasão de domicílio feita de forma ilegal, trazendo para o caso a aplicação
do art. 157 do CPP, que fora citado anteriormente, conforme se vê a seguir, nesses
termos, Lei nº 9.455/97, Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-


lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração
ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou
omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou
religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de


violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma
de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão,
de dois a oito anos.

Lei nº 13.869/19 Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente,


ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou
nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora
das condições estabelecidas em lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa.

Como se trata de crimes, todas as provas produzidas são consideradas ilícitas e


devem ser desentranhadas dos autos, restando sem justa causa a ação penal que
está lastreada em fundamentos ilegais.

Em especial no crime de invasão de domicílio sem o consentimento do morador,


mencionado na Lei nº 13.869/19, art. 22, além disso a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça é no sentido de que o militar deve registrar, com vídeo e áudio, o
aludido consentimento, sob pena de a prova obtida por esse meio não ter validade.

Caso não tenha nenhuma outra prova hábil a condenar o acusado, a impronúncia é
medida que se impõe, na forma do art. 414 do CPP, é o que requer a defesa do
acusado.
PRELIMINAR – NULIDADE POR AUSÊNCIA DE PERÍCIA

Muito relevante destacar que os crimes não transeuntes (que deixam vestígios)
exigem a necessidade de realização de perícia para constatar a materialidade do
crime, notadamente quando se trata de delitos contra a vida, em que a causa da morte
deve ser averiguada.

Nesse espeque, cita-se o art. 158 do Código de Processo Penal, que assim elucida
a questão:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de


corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do
acusado. Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de
corpo de delito quando se tratar de crime que envolva: (Incluído dada pela Lei
nº 13.721, de 2018)

I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº


13.721, de 2018)

II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.


(Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018).

Dentro da disposição legal, fica bem nítida a ideia de que o exame pericial é
fundamental nos delitos que deixam vestígios, como sói acontecer nos crimes contra
a vida, sendo que sua ausência impede a constatação da materialidade delitiva.

Caso já tenha ocorrido o sepultamento do corpo da vítima, isso não é empecilho para
a realização do exame de corpo de delito, pois o Código de Processo Penal, em seu
art. 163, assim traz:

Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade


providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a
diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.

Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o


lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta
de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não
destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o
que tudo constará do auto.
Dessa forma, o exame pericial em crimes dolosos contra a vida é indispensável. Além
disso, nos crimes de posse e porte de arma de fogo e no tráfico de drogas, o exame
pericial faz-se necessário, de forma a avaliar se a arma é própria para o fim que se
destina e se a droga de fato se encontra no rol de substâncias proibidas.

A Lei nº 11.343/06 estabelece, em seu art. 50, §§ 1º e 2º:

Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará,


imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto
lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e
quatro) horas.

§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento


da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e
quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa
idônea.

§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não


ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.

Os crimes de homicídio, porte ou posse de arma de fogo e tráfico de drogas


necessitam de exame pericial, pois são delitos que deixam vestígios e necessitam de
ter a materialidade atestada. O suprimento do exame pericial, no crime de homicídio,
pode até ser feito por outros meios de prova lícitos, o que não ocorre quando policiais
militares praticaram delitos (tortura e abuso de autoridade) para a obtenção de provas
contra o acusado, na forma da jurisprudência mencionada a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. PROVA INDIRETA DA MATERIALIDADE DOS DELITOS.
ARTS. 158 E 167 DO CPP. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 41 DO
CPP. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA.
DESCONSTITUIÇÃO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO.
NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.

1. A ausência de exame de corpo de delito no crime de homicídio não constitui,


necessariamente, nulidade, podendo a prova da materialidade da conduta ser
suprida, tanto de forma direta quanto indireta, com base no conjunto
probatório, o que atende aos pressupostos do art. 41 do CPP.

2. A desconstituição da formação do livre convencimento motivado a respeito


da presença da justa causa para ação penal, em especial quanto aos indícios
de autoria e materialidade apresentados pelo órgão ministerial no momento do
oferecimento da denúncia, demanda necessária dilação probatória,
procedimento vedado na estreita via do habeas corpus.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 661479 / PA).

Os demais pormenores da prova pericial estão tratados nos arts. 159 e 160, in verbis:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por
perito oficial, portador de diploma de curso superior.

§ 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas


idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área
específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a
natureza do exame.

§ 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente


desempenhar o encargo.

§ 3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao


ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de
assistente técnico.

§ 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a


conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as
partes intimadas desta decisão.

§ 5º Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à


perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para
responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou
questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo
complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar
pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de


base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá
sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos
assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

§ 7º Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de


conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um
perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão


minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.
Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias,
podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento
dos peritos.

Importante destacar que a ausência do exame de corpo de delito é, inclusive, caso


de nulidade processual, conforme se destaca do art. 564, III, b), do CPP, nesses
termos:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III - por falta das
fórmulas ou dos termos seguintes: (...) b) o exame do corpo de delito nos
crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;

Dessa forma, como não há prova lícita ou válida para a condenação, requer o disposto
no art. 414 do CPP, que determina a impronúncia em tais situações.

MÉRITO

DA PROVA TESTEMUNHAL

Em relação à prova testemunhal, na forma dos arts. 202 e 203 do CPP, destaca-se
que a pessoa que presenciou os fatos tem o dever legal de dizer a verdade, podendo
qualquer um ser considerado testemunha na forma prescrita na lei:

Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha.

Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a


verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua
idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua
atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas
relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as
razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de
sua credibilidade.

As testemunhas são ouvidas acerca dos fatos e possuem o dever de falar a verdade
sobre o que presenciaram, não podendo deixar de comparecer ao referido ato
processual. Pela ordem processual já citada, primeiro, são ouvidas as testemunhas
de acusação e, posteriormente, as de defesa, em obediência, mais uma vez, aos
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Os policiais militares podem ser ouvidos como testemunhas, uma vez que é natural
do seu ofício presenciarem a prática de crimes, todavia esse meio de prova não pode
ser considerado absoluto, como se todos os agentes públicos que participaram da
prisão fossem pessoas de presumida boafé, devendo essa análise ser feita no caso
concreto, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, nesses
termos:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO
IMPUGNADOS. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
CONDENAÇÃO POR TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE
MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA CASSADA
PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE
OFÍCIO.

1. É inviável o agravo regimental que não infirma os fundamentos da decisão


atacada. Incidência da Súmula n. 182 do STJ. 2. Todavia, diante da
ilegalidade do acórdão no que tange à condenação do réu, impõe-se a
concessão da ordem, ex officio, para restabelecer a sentença absolutória.
3. O entendimento firmado nesta Corte Superior é o de que "a revaloração
dos elementos fático-probatórios delineados pelas instâncias ordinárias
não encontra óbice na Súmula n. 7/STJ." (AgRg no REsp 1.678.599/MG,
Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 7/11/2017, DJe 14/11/2017). 4. Conforme constou na sentença
absolutória, de forma detalhada, não foi produzida nenhuma prova robusta
no sentido de que o réu, efetivamente, estaria exercendo o tráfico de
drogas, a não ser pelos depoimentos judiciais dos agentes policiais que
efetuaram a prisão em flagrante, considerados imprecisos pelo magistrado
de 1º grau, e que não foram adequadamente ponderados no acórdão
recorrido, não havendo, portanto, elementos seguros para fundamentar a
condenação. 5. Como se depreende dos autos, os policiais receberam
denúncias anônimas acerca da ocorrência de tráfico de drogas, o que teria
sido confirmado por meio de "colaboradores anônimos da polícia". Ocorre
que, na residência do réu (primário e de bons antecedentes), fora
encontrada pequena quantidade de entorpecentes - 5,1 g de cocaína e 3
g de maconha - além de 3 munições, tendo o agravante afirmado que seria
apenas usuário de drogas. 6. Com efeito, "O testemunho prestado em
juízo pelo policial deve ser valorado, assim como acontece com a prova
testemunhal em geral, conforme critérios de coerência interna, coerência
externa e sintonia com as demais provas dos autos, não atendidos na
hipótese. Inteligência dos arts. 155 e 202 do CPP" (AREsp n.
1.936.393/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em
25/10/2022, DJe de 8/11/2022.). 7. Assim, em consonância com o princípio
in dubio pro reo, oriundo do art. 5º, em vários dos seus incisos, da
Constituição da República deve ser restabelecida a sentença absolutória,
com amparo no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. 8. Desse
modo, não estando configurada a prática do crime de tráfico de
entorpecentes, imperioso o reconhecimento da atipicidade material da
conduta, relativa à posse de 03 munições de uso restrito,
desacompanhadas do armamento capaz de deflagrá-las, tendo em vista a
ausência de lesão ou probabilidade de lesão ao bem jurídico tutelado. 9.
Agravo regimental desprovido. Concessão de habeas corpus, de ofício,
para cassar o acórdão recorrido, restabelecendo-se a sentença que
absolveu o recorrente da prática dos delitos previstos no art. 33, caput, da
Lei n. 11.343/2006 e no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003 (Processo n.
0006985-95.2016.8.21.0023).

Nesse sentido há testemunho de defesa que deixa claro que os policiais praticaram
todas as ilicitudes e ilegalidades contra o réu.

DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E ERRO NA EXECUÇÃO

O princípio da consunção ou absorção impõe que o acusado deve responder apenas


por um crime, qual seja, o crime-fim, restando absorvido o crime-meio necessário para
chegar-se ao delito final.

Por exemplo, caso alguém se valha de uma arma de fogo para realizar um crime de
homicídio, os crimes de posse e porte de arma de fogo anteriormente praticados para
a consecução daquele crime devem ser absorvidos, diferentemente do que ocorre no
concurso material de crimes, previsto no art. 69 do CP, em que todos os crimes são
aplicados e as respectivas penas somadas.

Em outras palavras, em vez de o agente responder por vários crimes com as penas
somadas, haverá a punição apenas pelo crime-fim, restando os demais crimes
absorvidos e sem qualquer punição. Além disso, deve ser lembrado que, no presente
caso, ocorreu a hipótese de erro na execução prevista no art. 73 do CP, que tem a
seguinte redação:

Erro na execução
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser
também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra
do art. 70 deste Código.

Quando o agente queria atingir apenas uma pessoa, mas atinge ambas, tem-se a
regra do art. 70 do CP, que é citada na parte final do art. 73. Por tal regra, ocorre
aquilo que se chama de concurso formal próprio, em que o agente responde apenas
pelo crime mais grave com a pena exasperada, sem que haja a soma delas. Por
exemplo, se cometeu um homicídio que almejava e a outra morte não foi desejada,
responderá por um crime de homicídio com a pena aumentada, em vez de somar dois
homicídios.

Essa é a dicção do art. 70, 1ª parte, do CP, nesses termos:

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou


mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis
ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um
sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a
ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra
do art. 69 deste Código.

Caso o agente quisesse os dois homicídios, então teria o concurso formal impróprio
da 2ª parte do art. 70 do CP, em que as penas seriam somadas, mas isso somente
se houvesse dolo de matar as duas vítimas.

PEDIDO

Pelo exposto, serve a presente para requerer:

a) Preliminarmente, seja reconhecida a nulidade absoluta do feito, em razão da


inversão do rito processual (interrogatório ao início), com prejuízo presumido para o
acusado, anulando-se o feito desde a audiência de instrução e julgamento; seja
reconhecida a ilicitude da prova produzida pelos policiais militares, devendo ela ser
desentranhada dos autos e anulado o processo desde a fase policial, sendo todas as
provas posteriores ilícitas por derivação; seja reconhecida a nulidade do processo por
ausência de laudo pericial nos casos em que ele se faz necessário, na forma do art.
564, III, b), do CPP.

b) Não reconhecendo as preliminares anteriores, seja impronunciado o acusado com


base na testemunha de defesa ouvida em contraditório judicial, que apontou para as
práticas criminosas perpetradas pelos policiais militares; seja reconhecido o instituto
do princípio da consunção, afastando-se a imputação pelo crime de porte de fuzil,
bem como que seja aplicada apenas um enquadramento pelo crime de homicídio com
a pena exasperada em 1/6.

Nesses Termos, Pede Deferimento.

Porto Seguro, 20 de abril de 2024.

RICARDO DA SILVA DANIEL

OAB/SP 160.585

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