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VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA


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CARTA AO LEITOR

FOTOS FREDERICO BRASIL/THENEWS2/AGÊNCIA O GLOBO; TST

BOMBA Haddad, que procura o equilíbrio, e os ministros do


TST: projeto do quinquênio é um desastre para o Orçamento

A RELIGIÃO
DOS NÚMEROS
“A FÉ E AS DEMONSTRAÇÕES matemáticas são duas
coisas inconciliáveis.” A frase, do escritor russo Fiódor Dos-
toiévski, merecia ser debatida com maior profundidade em
Brasília. Especialmente, vale ressaltar, por aqueles com po-
deres sobre o Orçamento do governo federal — seja na sua
execução, seja na elaboração das leis que impactam tal
montante. Uma das discussões mais relevantes sobre a eco-
nomia brasileira, que afeta todos os cidadãos e empresas do

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país, depende de um conceito básico, mas não capturado no


Planalto Central: a União precisa gastar menos do que arre-
cada. É o famoso “equilíbrio fiscal”, a necessidade vital de
que as despesas nas contas públicas sejam menores do que
as receitas. Não se trata aqui de um embate filosófico sobre
algo intangível. É conclusão lógica e inequívoca de que o
descumprimento desse princípio nos levará — mais dia,
menos dia — a uma crise financeira de grandes proporções,
com a desconfiança quanto ao pagamento das dívidas fede-
rais, a paralisação dos investimentos estrangeiros, a dispa-
rada do dólar, o aumento da taxa de juros e a queda da ren-
da e do emprego dos trabalhadores.
Parece catastroficamente simples, mas o grande proble-
ma para a assimilação desse perigoso cenário está justa-
mente na palavra “fé”. No gabinete do presidente Lula, re-
pete-se — como um dogma religioso — que o gasto federal
é o grande propulsor do crescimento econômico. A crendi-
ce tem razões históricas. Quando assumiu o governo em
2003, Lula apostou alto nos investimentos feitos pelo go-
verno e... deu certo. Por que então não repetir tal modelo?
A questão é que os cenários interno e externo eram comple-
tamente diferentes naquele momento. Há vinte anos, o an-
tecessor do petista, Fernando Henrique Cardoso, havia ar-
rumado a casa ao derrotar o grande inimigo da prosperida-
de brasileira, a inflação. Bases de uma melhor performance
da gestão pública também estavam lançadas na adminis-
tração federal, com destaque para a Secretaria do Tesouro

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e para o Banco Central. No plano internacional, as crises de


confiança nos países se estabilizaram, a China virou uma
potência mundial e o preço das commodities internacionais
disparou, aumentando a arrecadação brasileira — e permi-
tindo um gasto que, mais tarde, no governo de Dilma Rous-
seff, viria a cobrar seu preço. Nada disso está posto agora.
Voz isolada na administração federal, para grata sur-
presa, Fernando Haddad vem batendo heroicamente na te-
cla da necessidade do equilíbrio fiscal. Infelizmente, o mi-
nistro não tem recebido muita ajuda nem de setores que
pareciam mais responsáveis com a coisa pública. Como
mostra a reportagem na pág. 30, está em gestação no Se-
nado Federal um projeto de proporções trágicas para o Or-
çamento federal: a lei que permite a juízes e promotores
um aumento de 5% a cada cinco anos. De autoria do sena-
dor Rodrigo Pacheco (um parlamentar de bom senso, mas
que desta vez escorregou), o projeto do quinquênio acabou
agraciando outras categorias ao longo da tramitação, sain-
do de um custo inicial de 1,8 bilhão de reais para inacredi-
táveis 42 bilhões. Se essa bomba nas contas públicas for
aprovada, o desastre será inevitável. Mais um, na verdade.
Nos escaninhos do Executivo, do Judiciário e do Legislati-
vo, há hoje diversos artefatos que põem em risco as despe-
sas da União. Definitivamente, está na hora de deixar de
lado a ultrapassada e pueril crença de que o dinheiro do
Estado é infinito. O Brasil precisa que as autoridades pú-
blicas do país aprendam a fazer contas. ƒ

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ENTREVISTA DODY SIRENA


ZÉ PAULO CARDEAL

“NÃO HÁ LITÍGIO”
O empresário que pilotou por décadas a carreira de
Roberto Carlos — e ajudou a pôr o Brasil na rota dos
grandes shows — fala de manias e dores do rei, com
quem diz ter rompido sem mágoas

SOFIA CERQUEIRA

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NOME INDISSOCIÁVEL do show business brasileiro,


lembrado por seu duradouro elo com Roberto Carlos, de
quem foi empresário por três décadas, Dody Sirena, 63
anos, conhece como poucos os efervescentes bastidores
de palcos prestigiados, nos quais, mesmo sem aparecer,
sempre foi figura central. Além de desfrutar a intimidade
do rei, com quem rompeu em 2023, tendo adquirido um
olhar privilegiado sobre seu vasto repertório de particula-
ridades, Sirena trouxe à cena nacional estrelas como Mi-
chael Jackson, Paul McCartney, Guns N’Roses, Coldplay,
U2 e Julio Iglesias, ajudando a cravar o país na rota inter-
nacional. Esse currículo faz dele testemunha dos altos e
baixos das celebridades com quem conviveu, histórias
agora reunidas na biografia Dody Sirena: Os Bastidores do
Show Business, escrito pela jornalista Léa Penteado e às
vésperas de ser lançado. Hoje, ele segue entremeando ne-
gócios na área do entretenimento com sigilosas costuras
para atrair ao Brasil artistas de envergadura. Entre Miami
e São Paulo, de onde falou a VEJA, Sirena garante: “O ca-
samento com Roberto não acabará na Justiça”.

Depois de décadas gerenciando a carreira de Roberto


Carlos, o que levou ao rompimento? Terminamos o casa-
mento de forma amistosa, sem briga. Tivemos, sim, nos-
sas reflexões, sobretudo a partir da pandemia, um período
intenso para o Roberto. Todos os cuidados de higiene que
a humanidade aprendeu nesse período, ele já adotava, e

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se potencializaram. E naquele momento, para mim, sur-


giu a chance de expandir os negócios. Passei de cinco pa-
ra 28 empresas. De comum acordo, entendemos que nos-
so ciclo havia se encerrado.

Chegou a circular que desavenças financeiras entre vo-


cês iriam parar na Justiça. Procede? Não há litígio. Nesse
campo, aliás, sempre nos entendemos bem. Nunca tive-
mos sequer um documento, um contrato assinado. A rela-
ção se baseou na confiança. No final, é natural, precisamos
falar de números. Havia feito alguns empréstimos a Ro-
berto, como o dinheiro para a compra do avião dele (um
Gulfstream). Nossos escritórios acertaram tudo. Nunca
processei nenhum artista e não faria isso com ele.

“Michael Jackson estava no auge


quando desembarcou no Brasil. Pediu
uma suíte de 720 metros quadrados
sem cinzeiros, um parque de
diversões à disposição e
um guarda-chuva de última hora”
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Como conquistou a confiança de Roberto? A sintonia foi


instantânea, ele se mostrou aberto às minhas provocações.
O Roberto tem uma mentalidade diferente da de muitos
profissionais que eu conheço. Não ligava o tempo todo,
conversávamos durante os voos. Ele não tem a cultura do
artista latino que vê o empresário como baby-sitter.

Como lidou com as notórias manias do rei? Do mesmo


jeito com que encarei pedidos vistos como excêntricos de
estrelas internacionais, como no Rock in Rio, quando era
responsável por atrações como o Prince, que exigiu cente-
nas de toalhas brancas. Já o George Michael pediu uma
academia só para ele. Aprendi que tudo fica mais fácil
quando se entendem as particularidades das celebridades
sem questionar. Roberto tem as suas, claro. No começo,
diziam que era supersticioso. Mais tarde descobriu-se que
o que tinha, na verdade, era transtorno obsessivo-
compulsivo (TOC).

Ele fez tratamento? Sim. Logo que se começou a falar


mais sobre TOC, marquei consulta com uma especialista.
Para não expor o Roberto, fui como se fosse eu o paciente.
Aí ele passou a se tratar, embora haja comportamentos
que permanecem. Alguns têm TOC relacionado à higiene,
outros associados a caminhos ou ainda a números. Com
ele, são os três. Em uma ocasião, estávamos às voltas com
uma campanha de um cartão de crédito que levaria o no-

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me dele. Sua exigência era que a numeração deveria con-


ter uma sequência na qual, feita “a prova dos 9”, o resulta-
do fosse 2. A direção da empresa precisou fazer uma com-
binação, normalmente aleatória, especial para o Roberto.
Para ele, itens valiosos não podem trazer no final os nu-
merais 0, 6 ou 13, por não achá-los positivos.

Como convenceu Roberto, raramente visto em peças


publicitárias, a participar de uma grande campanha de
cerveja, nos anos 1990? Ele resistia a associar o nome de-
le a marcas, ainda mais de bebida alcoólica. Nessa história
da cerveja, além de lembrá-lo de bem-sucedidas campa-
nhas protagonizadas por artistas, como a do Michael Jack-
son com a Pepsi, eu e o publicitário Eduardo Fischer pro-
duzimos um dossiê de 200 páginas sobre a cevada. Dizia,
entre outras coisas, que já havia sido usada em hóstias na
Igreja. Ele acabou topando.

Quais os bastidores daquela campanha de uma marca


de carnes, que gerou tanta polêmica, até ser interrompi-
da? O filme era embalado pelo refrão: “Eu voltei agora pra
ficar”. Logo que foi ao ar, virou uma grande polêmica. O
público criticou dizendo que ele era vegetariano e que ha-
via feito por dinheiro. O que não sabiam é que já tinha dei-
xado de ser vegetariano havia tempos, por recomendação
médica. Em meio à confusão, pedimos para interromper o
trabalho, que teria mais dois filmes.

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Houve momentos de alta tensão entre vocês? Lembro


quando a mãe dele, Lady Laura, morreu. Era 2010, e o
Roberto faria um show no Radio City, em Nova York.
Acabei tomando a decisão de não lhe contar antes de pi-
sar no palco. Ele não poderia fazer nada naquele momen-
to. Deixei-o afastado do celular e providenciei um avião
para que chegasse a tempo do velório no dia seguinte. No
fim da exibição, dei a notícia. Roberto ficou transtorna-
do, e achei que nossa parceria terminaria ali. Para minha
surpresa, ele me abraçou e disse: “Você fez o certo. Frank
Sinatra também deu show no dia da morte da mãe”.

O senhor acompanhou de perto várias perdas de Ro-


berto, entre elas a da mulher, Maria Rita, e do filho Du-
du. O luto o levou a uma zona sombria? Foram lutos do-
loridos. Ele ficou realmente perturbado com a morte da
Maria Rita e só voltou aos shows um ano depois. Na épo-
ca, compôs a música Índia, que o fazia lembrar-se dela.
Só conseguiu lançá-la após seis anos. Com Dudu e Eras-
mo Carlos, também sofreu demais, mas acho que estava
mais preparado para enfrentar a dor.

Um dos grandes shows que produziu foi o de Michael


Jackson. Teve contato com suas extravagâncias? Cla-
ro. Sua vinda, em 1993, envolvia grande expectativa. Era
seu primeiro show no país, e ele estava no auge da carrei-
ra. Demos a ele tudo o que queria: uma suíte de 720 me-

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tros quadrados sem cinzeiros, estrutura de hospitality


center 24 horas e até um parque de diversões à disposi-
ção. Michael queria se sentir em casa. Ao pousar, apare-
ceu um pedido extra. Ele precisava de um guarda-chuva
para se proteger do sol. Foi uma tremenda correria para
que não desembarcasse sem a tal sombrinha.

É verdade que quase perdeu a produção desse show


para Xuxa e sua então empresária, Marlene Mattos?
Marlene ofereceu um cachê bem mais alto à empresa
americana, com a qual eu já havia acertado. Mas eis que
o dono me procurou, disse que ela tinha perdido prazos e
que queria selar o negócio com alguém que não fosse “le-
viano”. Em consideração à Xuxa, com quem tinha boa re-

“Após o ápice, Frank Sinatra e


Paul McCartney reduziram suas
apresentações. Se eu fosse
empresário do Roberto hoje, não
faria o que ele está fazendo, um
show a cada esquina”
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lação, eu o convenci de que ela poderia entrar como in-


vestidora e eu, com a produção. E assim aconteceu.

O senhor foi responsável pela icônica apresentação da


banda Guns N’Roses em São Paulo, também nos anos
1990. É difícil lidar com o vocalista Axl Rose, como se
diz? Sim. O Axl vinha de uma turnê cheia de relatos de
seu temperamento explosivo e de problemas com dro-
gas. Aí chegou no hotel, e sua equipe pediu que falasse
com a imprensa. Irritado com a insistência, ele arremes-
sou uma cadeira na direção dos jornalistas. Deu trabalho
contornar a situação. Houve boletim de ocorrência e o
risco de ser preso. Ainda nesses dias, ele saiu escondido à
noite para rezar em uma igreja.

Como acabou ficando amigo de Julio Iglesias? No início


da minha carreira, negociei doze shows dele, mas, na vés-
pera, ele interrompeu a turnê. A saída de cena durou qua-
tro anos. Soube depois que foi em razão de uma plástica
malfeita — ele ficou com um dos olhos muito repuxado.
Para aliviar o prejuízo, seu empresário me deu a exclusivi-
dade do artista, para quando voltasse a cantar no país.
Iglesias e eu nos aproximamos, a ponto de ele ir ao meu sí-
tio, onde nadava e queria tomar sol para ficar bronzeado.

Que outros prejuízos amargou? Um dos maiores foi a


apresentação cancelada de Luciano Pavarotti com Roberto

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Carlos em Minas Gerais, em 2006. Estava tudo certo para


a vinda do tenor, mas ele precisou ser hospitalizado. Doen-
te (teve um tumor no pâncreas), nunca mais deu shows. Tí-
nhamos feito todos os seguros e esquecido de um, justa-
mente o de no-show. Foi um prejuízo de milhões.

Pode contar com mais detalhes como atuou no episó-


dio em que as comemorações da Copa de 2002, venci-
da pelo Brasil, quase viraram um fiasco? Havia um ris-
co concreto de que, na volta da seleção, Ricardo Teixeira,
então presidente da CBF, levasse os jogadores para feste-
jar em Fortaleza com Ciro Gomes (pré-candidato à Presi-
dência), no lugar de Brasília. A encrenca é que ele não
queria dar holofotes ao Fernando Henrique Cardoso,
com quem estava rompido por causa da CPI que investi-
gava supostas irregularidades na Copa de 1998. Como eu
conhecia bem o Ricardo, fui chamado para ajudar a apa-
gar o incêndio. Ficou acertado que, além dos atletas, tam-
bém membros da CBF seriam recebidos no Planalto, se-
lando a paz.

Ainda no universo do futebol, seu nome chegou a ser alvo


de uma CPI que mirava um escândalo envolvendo uma
empresa suíça e o Grêmio. Foi resolvido? Representava
no Brasil a suíça ISL, que já foi uma das maiores empresas
de marketing esportivo do mundo. Nessa fase, intermediei
uma parceria com o Grêmio, fui remunerado por isso, e só.

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Quando a ISL envolveu-se em escândalos de corrupção e


faliu, fui denunciado pelo Ministério Público, mas provei
que não tinha a ver com qualquer irregularidade.

Em 2020, seu nome circulou nas rodas políticas ao


anunciar que cuidaria das palestras do ex-ministro e
agora senador Sergio Moro. Por que não seguiu adian-
te? O acordo era que pararíamos de representá-lo caso se
candidatasse, e ele se filiou ao Podemos, em 2021, com
essa ideia. Se gosto dele? Essa é uma questão delicada.
Posso dizer que não temos uma relação pessoal.

Voltaria a fazer trabalhos com Roberto Carlos? Como


qualquer relação que termina, houve um distanciamento
natural, mas parcerias podem, sim, acontecer. Comparo
Roberto a Frank Sinatra, Pavarotti e Paul McCartney,
mas estes, após o ápice da carreira, reduziram suas apre-
sentações e suas aparições viraram acontecimentos. Se
fosse seu empresário hoje, não faria o que ele está fazen-
do. É um show a cada esquina. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

LONGA VIDA AO REI!

E ENTÃO o rei voltou a dar as caras. Na terça-feira, 30,


Charles III, 75 anos, retomou as atividades oficiais diante
dos súditos, depois de um afastamento de três meses. Em
fevereiro, ele se distanciou da ribalta pública após a
descoberta de um câncer de próstata, identificado em um
exame de rotina para homens de sua idade. O retorno foi
escolhido com zelo e evidente mensagem educativa e de
SUZANNE PLUNKETT/POOL/AFP

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esperança sobre o que virá pela frente. Ele foi fotografado


em um centro londrino de tratamento oncológico.
Parecia ter a aparência saudável, rosada, em rosto
emoldurado por gargalhadas, acompanhado da rainha
Camilla. Sentou-se para conversar com pacientes que, como
ele, passam por tratamento prolongado. Confidenciou ter
sido “um pouco chocante” ouvir dos médicos o diagnóstico,
mas seguiu em frente, com otimismo. “Perguntei ao rei como
estava, ele me disse: ‘Nada mal, obrigado’”, contou Asha
Millen, 60 anos, que passa por tratamento contra um câncer
de medula óssea. As cenas de Charles ajudaram a tirar um
pouco, mas muito pouco, da névoa dramática que tem
engolido a casa dos Windsor nos últimos meses. Uma
certeza: as fotografias divulgadas foram, sim, reais,
realíssimas — ao avesso da imagem de Kate Middleton com
os filhos, tratada em programa de computador e que
representou tiro pela culatra, indício de algo estranho no ar,
dissimulado. A mulher de William tem um tumor
abdominal, e a ela não foi dada a oportunidade, ainda, de
aparecer com a tranquilidade do sogro. A novela de sangue
azul prossegue. ƒ

Caio Saad

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CONVERSA BRUNO GAGLIASSO

“SOU CHEIO DE TABUS”


O ator de 42 anos conta como não se reconheceu
no espelho após a radical transformação para seu
novo papel e admite as próprias limitações quando
o papo é sexo, tema de seu programa na TV
INSTAGRAM @BRUNOGAGLIASSO

REFLEXÃO Gagliasso: “Me policio, mas também


reproduzo padrões machistas”

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Para interpretar seu novo papel no cinema, o irmão do


médico Dráuzio Varella, precisou emagrecer e raspar a ca-
beça. Foi dura a transformação? Passei fome para perder
24 quilos, 14 deles em apenas dois meses. Até agora recuperei
6. Olhava no espelho e não me reconhecia. Mas valeu. O papel
de Fernando, que sofreu de câncer nos pulmões, foi um dos
mais intensos que fiz e me trouxe uma reflexão sobre a vida.

As mudanças físicas abalaram sua autoestima? Não.


Minhas questões de autoestima sempre estiveram muito
mais relacionadas ao trabalho do que à aparência.

Também está apresentando um talk show na TV ao la-


do de sua mulher, Giovanna Ewbank, em que sexo é o
assunto central. Ainda existe tabu ao falar do te-
ma? Muito. Tudo vira polêmica quando falamos aberta-
mente sobre sexualidade, daí o programa fazer tanto su-
cesso. Acho importante a gente discutir e pensar sobre se-
xo. Imagina quantas pessoas nunca tiveram esse papo em
casa? Eu mesmo sou cheio de tabus.

Qual o limite para a exposição da vida sexual? Depende


de cada entrevistado, até onde se sente confortável para falar.
Não importa se as pessoas não estão preparadas para ouvir.

Quais diferenças observa na percepção de homens e mu-


lheres sobre o assunto? O homem aprende a se gabar, a fa-

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lar alto sobre suas experiências. Desde pequenos, somos le-


vados à pornografia e achamos que sexo é aquela perfor-
mance. Eu cresci assim. Já as meninas, ainda hoje, são ensi-
nadas a ficar caladas, de pernas cruzadas, e a ter vergonha.

Em seu casamento, reproduz comportamentos machis-


tas? Sem dúvida. Também sou um reflexo da nossa socie-
dade preconceituosa. Tenho que ficar me policiando, não
quero que meus filhos tenham essa referência. Mais novo,
eu falava sobre pegar mulher, passar a mão na bunda. Mu-
dei muito, mas, em algum grau, reproduzo essa besteira.

Fala-se muito em relação aberta. Já cogitou? Nunca.


Giovanna brigaria comigo. Eu também não gostaria de vê
-la com outro, de jeito nenhum. Falamos sobre tudo, mas
uma série de tabus pesa em nosso casamento.

Conseguem conversar sobre a traição que cometeu,


em 2012, ou é um tópico proibido? Nossa relação só é
duradoura porque temos um diálogo muito aberto, in-
clusive sobre traição. ƒ

Duda Monteiro de Barros

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MEMÓRIA

O ESCRITOR QUE
AMAVA NOVA YORK
LEONARDO CENDAMO/GETTY IMAGES

CULTUADO Paul Auster: um autor americano


que era adorado até na França

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EM UMA noite primaveril, Paul Auster, então com 8 anos,


foi assistir a um jogo de beisebol do New York Giants, seu
time do coração. Ao fim da partida, em um estádio já esva-
ziado, se deparou com seu ídolo no esporte, Willie Mays —
e, reunindo toda a coragem de seu corpo pequenino, pediu a
ele um autógrafo. “Claro, garoto. Você tem um lápis?”, per-
guntou o atleta, frustrando a criança que não carregava na-
da consigo. Naquela noite, Paul ficou sem autógrafo e pas-
sou a levar uma lapiseira para todos os lugares. “Se você tem
um lápis no bolso, há uma boa chance de um dia se sentir
tentado a usá-lo. Como gosto de contar aos meus filhos, foi
assim que me tornei escritor”, proclamou certa vez o autor
de A Trilogia de Nova York, morto na terça-feira, 30, aos 77
anos, vítima de complicações de um câncer no pulmão.
Nascido em Nova Jersey, em 1947, Auster se formou em li-
teratura em Columbia e começou a carreira traduzindo obras
francesas durante uma temporada em Paris. Seu primeiro tra-
balho autoral, A Invenção da Solidão, foi publicado em 1982,
inspirado na relação com o pai, que acabara de morrer. Mas foi
Cidade de Vidro (1985), volume inaugural de A Trilogia de No-
va York, sua obra mais famosa, que o consolidou no universo
literário como criador devotado à metrópole americana. Radi-
cado no Brooklyn na década de 1980, Auster abraçou a cidade
e fez dela personagem e cenário de boa parte de sua obra. Nem
por isso, definitivamente, sua reputação era local: foi, inclusive,
mais aclamado na Europa do que na terra de origem e é uma
das raras importações americanas abraçadas pelos franceses.

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Autor de mais de trinta livros, Auster brincava com as


coincidências, o acaso e o destino. Suas tramas são protago-
nizadas de modo recorrente por escritores e intelectuais não
confiáveis e marcadas por acontecimentos repentinos que
alteram drasticamente a vida dos narradores, traçando dis-
cussões sobre identidade e existência. O apreço pelo tema
veio de um trauma: aos 14 anos, durante uma caminhada na
floresta, foi surpreendido, junto com outros adolescentes,
por uma tempestade e viu um dos colegas morrer atingido
por um raio. A experiência mudou sua vida para sempre ao
escancarar a fragilidade do ser humano frente ao inespera-
do. Publicado em 2023, seu último livro, Baumgartner,
acompanha um septuagenário encarando a própria mortali-
dade. Ele deixa esposa, filha, neto — e, felizmente, uma No-
va York ainda mais literária. ƒ

Amanda Capuano

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FERNANDO SCHÜLER

CONVICÇÕES E
DEMOCRACIA
CAUSOU CERTO FUROR a notícia de que o governador
Tarcísio de Freitas teria feito elogios ao ministro Alexandre
de Moraes. Não faço ideia se a notícia era verdadeira e não
entro no mérito das declarações. Do meu modesto ponto de
vista, podem-se preservar boas relações institucionais, em
uma democracia, ainda que se possam criticar — mesmo
duramente — as ações de uma autoridade. Se isto não for
possível, não vivemos mais propriamente em uma democra-
cia liberal. Seria este o nosso problema? O ponto que me pa-
rece interessante foi a discussão que se seguiu. Em especial,
a ideia de que se estaria gerando uma “direita moderada” no
país. E que isto seria positivo. Um artigo bastante provocati-
vo dizia que o Brasil precisava de um “bolsonarismo mode-
rado”. A turma da lacração aproveitou para faturar alguns
likes, mas o artigo tocava em um bom ponto: o país precisa
parar com essa ideia de “erradicar” o outro lado e aceitar a
ideia de que esquerda e direita devem conviver com alguma
civilidade. E que isto deve incluir indistintamente quem
apoiou Lula ou Bolsonaro, nos últimos anos.

1|6
INÊS249

Desde a redemocratização, o Brasil sempre teve uma


disputa entre posições mais “à direita” e mais “à esquerda”.
Sempre teve duas “turmas”, em termos de visão econômica
e sobre o papel do Estado. Elas são identificáveis nas gran-
des decisões e nas votações do Congresso nos últimos trin-
ta e tantos anos. Nas privatizações do início dos anos 90,
envolvendo a CSN, a Embraer, a Vale do Rio do Doce, o se-
tor de telefonia, as duas turmas já estavam lá. Cada uma
com seu léxico próprio. Um lado chamando de “moderni-
zação”; outro, de “desmonte” do Estado. Foi assim com a
reforma do Estado. Quando se votou a Emenda 19 à Consti-
tuição, introduzindo a avaliação de desempenho dos servi-
dores (nunca posta em prática), um lado ficou a favor, ou-
tro, contra. A mesmíssima coisa aconteceu com o Plano Re-
al, a criação das organizações sociais, as agências regula-
doras, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em cada uma des-
sas decisões, estavam lá as duas turmas.
No ciclo de reformas que se abre com o impeachment, em
2016, a história se repete. Teto de gastos, lei das estatais, refor-
ma trabalhista. Lula associando a reforma a um “tratamento
do tempo da escravidão” para os trabalhadores, e a outra tur-
ma, que seria a mesma base dos governos Temer e Bolsonaro,
mais quase todo o PSDB, falando em “desburocratizar” as re-
lações de trabalho. Com Bolsonaro, o roteiro segue intacto.
Reforma da previdência, marco do saneamento, privatização
da Eletrobras, lei da liberdade econômica, autonomia do Ban-
co Central. Talvez apenas no biênio 2003-2004 tenhamos

2|6
INÊS249

AGENDAS DISTINTAS Há, no Brasil, duas


turmas: “à direita” e “à esquerda”

cruzado alguma fronteira, quando se aprovaram coisas como


aquela minirreforma da previdência e a criação das PPPs,
com o apoio da então oposição. Mas foi uma exceção. Quan-
do Palloci caiu, o trem voltou para os trilhos.
O que explica a existência dessas duas agendas? Arrisco
uma resposta rápida: convicção. É óbvio que o contexto im-
porta, que em um momento temos uma pandemia, em outro,
um impeachment, e, ainda em outro, aquelas “denúncias”
contra o presidente, no governo Temer. Há muita coisa, in-
clusive a sorte e o azar. Mas no fim do dia a constante é a
convicção. Se quem lidera o país acha realmente que ter uma
regra dura como a lei das estatais, tentando proteger nossas
DIGITALVISION/GETTY IMAGES

3|6
INÊS249

“Por muito tempo


fomos adquirindo
uma visão cínica
da política”
empresas do clientelismo político, é ou não importante; se
quem lidera acha que é estratégico ter um BC independente,
ou que é positivo abrir o mercado de saneamento para o setor
privado. Por muito tempo, e com alguma razão, fomos adqui-
rindo uma visão cínica da política — a ideia de que tudo se
moveria a partir do pequeno jogo de poder. Coisas como a
distribuição de emendas, os penduricalhos para a alta buro-
cracia, o populismo de perdoar dívidas e conceder incentivos
aqui e ali — tudo isso é parte da espuma, do feijão com arroz
da política. Mas é só observar a trajetória das grandes refor-
mas, daquilo que realmente fez a diferença, em nossa história
recente, para perceber que era a convicção de quem tinha o
comando do jogo que fez, ao cabo, toda a diferença.
Tempos atrás, alguém me disse que uma “esquerda moder-
na poderia ter apoiado toda esta série de reformas”, ao longo
do tempo. De fato. Se tivéssemos um Tony Blair no Brasil, ou
um Roger Douglas, o líder trabalhista que revolucionou a No-
va Zelândia nos anos 80, liderando nossa esquerda, isso pode-

4|6
INÊS249

ria ter acontecido. Mas a verdade é que não temos. Nem mes-
mo um Pepe Mujica, com coragem para denunciar uma dita-
dura que por aqui apoiamos, conseguimos produzir. Talvez
Fernando Henrique tenha sido nosso mestre reformador.
Aquele que vem da tradição da esquerda e entende, em um
certo momento, que o mundo mudou e que é preciso moderni-
zar o Estado, privatizar empresas, levar a sério a responsabili-
dade fiscal. É interessante comparar precisamente a linha de
continuidade de seu programa de reformas com o que foi feito
no Brasil recente. Ou alguém acha que existe alguma contradi-
ção entre o programa de reformas dos anos 90 e o que fizemos
agora sobre o saneamento ou a independência do BC?
Convicção também vale para a democracia. Pela primei-
ra vez, desde a transição dos anos 80, temos um problema
em larga escala com as “regras do jogo”. Não precisamos de
nenhuma investigação do Congresso americano para saber
o que está acontecendo no nosso próprio quintal. Dias atrás
observei um jornalista de “direita” sendo processado pela
máquina jurídica do Poder Executivo, por ter “passado do li-
mite” em suas críticas ao presidente. Como o “limite” era de-
cidido pelo próprio poder político, me perguntei o que acon-
teceria se isto se tornasse uma regra. O que aconteceria se
um eventual governo de “direita” resolvesse igualmente pro-
cessar todos os jornalistas de “esquerda” que passassem do
limite, também definido pelo próprio governo. Rapidamen-
te, nos consagraríamos como a pátria do lawfare. Da intimi-
dação jurídica típica de países autoritários.

5|6
INÊS249

Tudo isto já foi longe demais. Uma democracia liberal,


para funcionar, exige que os direitos sejam iguais para to-
dos. Pessoas que obstruem rodovias ou invadem prédios pú-
blicos devem ser julgadas, na forma da lei, tanto quanto au-
toridades que abusam do poder, punindo pessoas, pratican-
do censura prévia, atropelando o devido processo, à revelia
das leis e da Constituição. Esta é a condição mais elementar
para que o debate franco e aberto, e por vezes duro e “fora
do tom”, possa florescer em nossa democracia. O que preci-
samos, no fundo, é zerar o problema com as regras do jogo.
É de normalidade institucional, para que o debate econômi-
co e social volte ao centro do jogo. Algo que demanda con-
vicção. A convicção da democracia liberal. Se é disso que se
trata quando se faz um apelo à moderação, estou de pleno
acordo. Se, no entanto, isto significa a transigência com a in-
fração sistemática de direitos, penso que ingressamos em
um caminho que ninguém deveria trilhar. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

6|6
INÊS249

SOBEDESCE

SOBE
EDUARDO PAES
A cinco meses do pleito, o prefeito
do PSD em campanha pela reeleição
no Rio tem 46,1% das intenções de
voto, mais de 30 pontos à frente do
deputado federal Alexandre
Ramagem (PL), segundo sondagem
do instituto Paraná Pesquisas.

JABUTICABA
É a única fruta brasileira na lista
das dez que mais trazem
benefícios à saúde, conforme
ranking da plataforma TasteAtlas.

PORTUGAL
Segundo estudo do Boston
Consulting Group, o país é o
destino preferido de executivos
brasileiros no exterior.

1|2
INÊS249

DESCE
COMBATE À DENGUE
O país segue fracassando na
luta contra a doença. Com o
registro de 4,1 milhões de casos
desde o começo do ano, a
extensão do surto deve superar
em larga margem a estimativa
do governo federal para 2024.

GÉRARD DEPARDIEU
O ator francês será julgado por
acusações de agressão sexual,
que teriam acontecido durante
filmagens de Les Volets Verts.

TESLA
Com lucros em queda e as vendas
em marcha lenta, a montadora de
Elon Musk fará o segundo corte de
funcionários em menos de um mês.

2|2
INÊS249

VEJA ESSA

“Tive um insight
epifânico: sou
uma nulidade.
Minha opinião
não vai alterar
um milímetro
da realidade.
Detesto
política e
militantes, seja
de direita ou
da esquerda.”
LOBÃO, em laivo
de tardia sinceridade

INSTAGRAM @LOBAOW

1|4
INÊS249

“Eu concordo com os críticos que dizem que


nós ainda estamos muito analógicos nas
redes sociais.”
FERNANDO HADDAD, ministro da Fazenda, ao comentar as
dificuldades de comunicação do governo Lula

“A orquestra ainda está desafinada.


Precisamos de mais diálogo.”
WELLINGTON DIAS, ministro do Desenvolvimento Social de
Lula 3. Há duas semanas, VEJA deu capa com a chamada
“Orquestra Desafinada”

“Antigamente você ia para casa e


esperava que houvesse algo engraçado
para ver na TV. E agora, adivinha?
Onde isso foi parar? Esse é o resultado
da extrema esquerda e do lixo do
politicamente correto, das pessoas
se preocupando demais em não ofender
os outros.”
JERRY SEINFELD, comediante americano

“Como é que o humor não vai avacalhar?


(...) humor é denúncia.”
MARISA ORTH, atriz brasileira

2|4
INÊS249

“Este governo está tendo que conviver com


um presidente do Banco Central que não foi
indicado por ele.”
ROBERTO CAMPOS NETO, presidente do
BC, conduzido por Bolsonaro

“Não se briga com Moraes,


a gente se une a ele.”
TARCÍSIO DE FREITAS, governador de São Paulo, ao azeitar
suas relações com o ministro do Supremo Tribunal Federal
Alexandre de Moraes

“Esse projeto veio facilmente à minha


mente. É uma maneira de oferecer algo a
Dylan. É como oferecer flores.”
CAT POWER, cantora americana, que fará no Brasil um show
com as canções de Bob Dylan apresentadas no lendário
espetáculo de 1966 no Royal Albert Hall de Londres

“Você tomou Ozempic?”


BARBRA STREISAND, atriz e cantora, comentando uma
foto nas redes sociais da atriz Melissa McCarthy, que aparecia
mais magra que o habitual. Streisand, severamente criticada,
depois pediu desculpa

3|4
INÊS249

“Foi uma discussão de casal (...) pedi para


ele não correr, e foi a primeira vez que
bati nessa tecla.”
ADRIANE GALISTEU, ao revelar conversa com Ayrton
Senna na véspera da fatídica prova de Ímola, em 1994

“Mas vou sentir falta desse ambiente, dessa


adrenalina, da angústia do jogo, do gol
perdido, de uma falha de alguém
e toda a culpa ser minha.”
RONALDO FENÔMENO, depois de vender
participação no Cruzeiro

“Não caiu
a ficha.”
RAYSSA LEAL,
16 anos, skatista
medalha de prata
na Olimpíada de
Tóquio, em 2021,
a respeito de seu
poder de
INSTAGRAM @RAYSSALEALSK8

influência entre
os jovens
de sua idade

4|4
INÊS249

RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

Pior que poluição Coalizão do mal


A COP30, no Pará, em Traficantes e milicianos se
2025, terá um cenário de uniram a políticos e pisto-
guerra a explorar nas dis- leiros para formar opera-
cussões sobre proteção da ções no Acre e no Mato
Amazônia. Uma investiga- Grosso. Uma única orga-
ção do CNJ de Luís Rober- nização criminosa lucra
to Barroso descobriu ver- contrabandeando madei-
dadeiras holdings do crime ra, drogas e ouro do ga-
na floresta. rimpo ilegal.
G. DETTMAR/AG. CNJ

PREOCUPAÇÃO CNJ: organização do crime


na Amazônia mobiliza o Judiciário

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INÊS249

Quem lucra com isso Ninguém pensou


O CNJ quer identificar os O fiasco de público do ato
cabeças dessas organiza- do 1º de Maio em SP virou
ções e os clientes que dela crise no Planalto por causa
se beneficiam nessa grande da falta de planejamento da
engrenagem criminosa. “A agenda. A leitura é de que
relação entre crimes am- Lula não deveria ter ido.
bientais e tráfico de drogas
está muito mais forte e liga- Falou sem pensar
da do que se pensou ante- O próprio Lula, segundo
riormente”, diz o estudo. um auxiliar, “não ajudou”, já
que não discutiu antes se se-
Verde, mas nem tanto ria adequado pedir votos
O CNJ também mira em- em Guilherme Boulos num
presas que lucram com evento esvaziado.
fraudes no mercado de cer-
tificações ambientais, o Hora de sair
chamado green washing Discretamente, aliados de
amazônico. Lula têm buscado cami-
nhos para abreviar o man-
Dilemas constitucionais dato de Gleisi Hoffmann no
Nos dias 13 e 14, juízes das comando do PT. Ninguém
cortes supremas do G20 se aguenta mais.
reunirão no Rio para deba-
ter desafios dos tribunais Sem limite
constitucionais. Barroso or- Em quatro meses, os gastos
ganiza o evento. da Presidência no cartão cor-

2|6
INÊS249

porativo já somam 3,3 mi- rios de Ricardo Nunes e Ta-


lhões de reais. Em todo o go- bata Amaral, pré-candidatos
verno, a fatura é de 170 mi- à prefeitura de São Paulo.
lhões de reais. A continuar
assim, será recorde no ano. Em casa
Silas Malafaia definiu o pró-
Sempre a postos ximo ato de Jair Bolsonaro
Cacique do PSB, Carlos Si- contra decisões de Alexan-
queira tem defendido Ge- dre de Moraes e o STF: será
raldo Alckmin, em conver- em 16 de junho, em Joinvil-
sas com aliados, após Lula le, Santa Catarina.
ter cobrado agilidade:
“Alckmin quer somar. Não Em território inimigo
há vice melhor”. Depois de SC, o próximo ato
de Bolsonaro será numa ca-
Olha a Dilma pital do Nordeste. Os aliados
Siqueira detona, nessas con- do ex-presidente querem Ar-
versas, os movimentos de thur Lira como anfitrião.
gente do MDB pela vaga de
vice de Lula em 2026: “Lula Cessar-fogo
já viu o que aconteceu quando A guerra entre a direita e
o vice era do MDB. Vai dor- Moraes esfriou. E isso se
mir com o inimigo de novo?”. deve, segundo aliados, a
Rodrigo Pacheco. Em al-
Um pé em cada canoa guns encontros, Pacheco
O tucano Aécio Neves man- pediu uma trégua a Moraes
tém conversas com emissá- — e conseguiu.

3|6
INÊS249

EGBERTO NOGUEIRA/ÍMÃFOTOGALERIA

PARCERIA Ratinho Jr.: o Paraná terá


unidade de centro cultural francês

O bibliotecário integridade física dele”,


Ex-auxiliar de Bolsonaro, diz o advogado Sebastião
Filipe Martins completará, Coelho.
na quarta, três meses preso
no Centro Médico Penal de Avant-garde
Pinhais, onde trabalha na O Paraná vai abrigar a pri-
biblioteca, a mesma que já meira unidade do Centro
abrigou José Dirceu. Nacional de Arte e de Cul-
tura Georges Pompidou, de
Tenho medo Paris, na América Latina. O
Na última semana, o De- museu deve ser erguido em
pen inspecionou as condi- Foz do Iguaçu. O governa-
ções de Martins na prisão dor Ratinho Jr. vai à Fran-
em Pinhais. “Ele é um pre- ça, nos próximos dias, assi-
so de risco. Eu temo pela nar com os franceses.

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INÊS249

O calote do ditador dos até os dentes, protegem


Álya Construtora, antiga os cofres e as operações de
Queiroz Galvão, trava uma moeda do banco. Custo:
disputa nos EUA para rece- 28,5 milhões de reais ao ano.
ber 52 milhões de dólares
do regime de Nicolás Ma- Na ponte aérea
duro na Venezuela. O TST estima gastar até
10,9 milhões de reais com
Agora vai! passagens aéreas nacionais
No fim do mês, o PDT de Ci- e internacionais para minis-
ro Gomes vai realizar um tros e servidores da Corte
congresso para “atualizar o neste ano.
trabalhismo” e defender
“oprimidos e discriminados”. Tribunal sustentável
A usina solar fotovoltaica
Na gaveta do STJ, localizada a 50 qui-
A indicação de Lula para lômetros do tribunal, bateu
reconduzir o superinten- recentemente a produção
dente do Cade, Alexandre de 3 000 megawatts-hora,
Barreto, está parada há um o equivalente ao consumo
mês no Senado. O mandato de 2 200 residências.
dele já até terminou.
Profissão ingrata
O cofre dos cofres O MPF investiga um sujeito
Discretamente, o BC vai re- de SC que invadiu o sistema
novar a tropa de mais de oi- do SUS para fraudar dados
tenta seguranças que, arma- do árbitro de futebol Bráu-

5|6
INÊS249

lio Machado, dado como


morto e chamado de... la-
drão. Dureza!

Bola nas costas


Investidores da Barça Aca-
demy em SP cobram 20 mi-
lhões de reais do Barcelona
na Justiça. O clube deixou
de lado a escolinha — e
também os credores.

São João eleitoral


Com 15 000 habitantes e
problemas básicos como a
dependência de cami-
nhão-pipa, a pequena San-
ta Luzia (PB) vai gastar
2,6 milhões de reais numa
Festa de São João com es-
trelas como Alceu Valen-
INSTAGRAM @BELLMARQUES

ça, Bell Marques, Ma-


theus & Kauan... Só Bell
vai receber 500 000 reais.
O TSE está de olho na prá- SÃO JOÃO Marques:
tica, uma praga em ano 500 000 reais de cachê por
eleitoral. ƒ show no interior da PB

6|6
INÊS249

BRASIL JUSTIÇA

GRITO DE
INDEPENDÊNCIA
Com quatro meses de mandato, Paulo Gonet tem
conduzido a PGR de forma firme e discreta, longe
do ativismo dos tempos de Lava-Jato e da leniência
de seu antecessor, Augusto Aras
ISABELLA ALONSO PANHO

FOCO
O procurador-
geral: esforço
para dar mais
credibilidade
à instituição

MATEUS BONOMI/ANADOLU/GETTY IMAGES

1 | 11
INÊS249

m ano antes de a Constituição de 1988 ser promul-

U
gada, um jovem carioca de 26 anos, que já acumu-
lava no currículo o cargo de promotor de Justiça
no Distrito Federal, passou em primeiro lugar no
10º concurso de procuradores da República. Aque-
la não era uma turma qualquer. Logo depois dele, na segun-
da posição, estava Raquel Dodge, que seria escolhida por
Michel Temer para ocupar a cadeira de procuradora-geral
da República em 2017. Na mesma turma, havia um rapaz
baiano chamado Antonio, que trinta anos mais tarde ficaria
conhecido pelo restante de seu nome, Augusto Aras. Desde
dezembro passado, o jovem carioca desse mesmo grupo,

CARLOS MOURA/SCO/STF

RELAÇÃO Moraes: alinhamento com o MPF, apesar de


divergências pontuais

2 | 11
INÊS249

Paulo Gustavo Gonet Branco, ocupa a cadeira que foi de


Dodge e de Aras. E a sua missão, que não é das mais fáceis,
passa pela necessidade de dar uma reviravolta de rumos e
de perfil na Procuradoria-Geral da República (PGR), o mais
importante órgão do Ministério Público brasileiro e institui-
ção central para a vida democrática do país.
Uma das tarefas prioritárias de Gonet é devolver à PGR
a independência e a credibilidade que foram se esvaindo
nos últimos anos, por razões distintas, mas complementa-
res. Primeiro, foi o excesso de ativismo dos anos da Lava-
Jato, quando a atuação do órgão comandado por Rodrigo
Janot pode ser resumida por uma de suas frases mais em-
blemáticas: “Enquanto houver bambu, vai ter flecha”. Era
o espírito da época do Ministério Público Federal, que de-
nunciou centenas de políticos e levou à prisão dois ex-pre-
sidentes: Michel Temer e Luiz Inácio Lula da Silva. De-
pois da passagem discreta de Dodge, a PGR adernou para
o outro lado: o da leniência, da qual Aras foi acusado com
frequência por não levar adiante investigações contra po-
líticos, em especial contra Jair Bolsonaro, acossado pela
calamitosa condução da pandemia de covid-19 e pelos
constantes ataques à democracia.
Em pouco mais de quatro meses à frente do cargo, Gonet
parece que vem dando conta do desafio. O maior exemplo
da nova postura de independência, sem perder a firmeza,
está sendo dada nas questões envolvendo Jair Bolsonaro e
seus aliados, personagens de todas as investigações em an-

3 | 11
INÊS249

damento com potencial para promover alguma combustão


política. No inquérito que apura as fraudes nos cartões de
vacinação do ex-presidente e de sua filha, Laura, Gonet con-
trariou a PF. Após a investigação, que teve diligências apro-
vadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, a PF in-
diciou o ex-presidente pelo esquema.
Na hora de se pronunciar sobre o caso, Gonet discordou
da PF, pedindo a reabertura da investigação, acesso comple-
to às interceptações telefônicas feitas pela polícia e a respos-

PONTOS DE VISTA
Como o chefe do MPF se posicionou em seis
casos envolvendo o bolsonarismo e o STF

VACINAÇÃO DE ESTADIA NA
BOLSONARO EMBAIXADA
Contrariando a PF, O PGR defendeu o
que em março indiciou arquivamento de inquérito
Bolsonaro e Mauro Cid por sobre a permanência de
fraude em cartão de saúde, Bolsonaro na Embaixada da
Gonet pediu mais investigações Hungria — logo após ele ter sido
antes de decidir se oferece ou alvo de uma operação da PF e
não denúncia — em especial da apreensão do passaporte —,
sobre se o ex-presidente usou por entender que ele não violou
ou não o documento adulterado a medida cautelar que o proíbe
para entrar nos EUA de sair do país

4 | 11
INÊS249

ta do Departamento de Justiça dos EUA para saber se o in-


diciado tentou entrar no país usando o documento falso. A
decisão surpreendeu boa parte do mundo político e jurídico.
“Foi um grito de independência”, afirmou a VEJA um dos
assessores mais próximos a Bolsonaro, referindo-se ao fato
de o atual procurador-geral ter chegado ao cargo com a bên-
ção do próprio Moraes. O ministro do STF concordou com a
decisão de aprofundar a investigação. Na corrida à PGR,
Gonet contou ainda com o apoio do decano Gilmar Mendes.
O novo PGR também não viu crime na permanência por
dois dias de Bolsonaro na Embaixada da Hungria logo após
ter sido alvo de ação de busca da PF e confisco de seu passa-
porte. Por outro lado, opinou pela improcedência da tentati-

INELEGIBILIDADE ACORDOS
MANTIDA DE LENIÊNCIA
O procurador-geral pediu Depois que o ministro
que o Supremo rejeite o Dias Toffoli suspendeu os
recurso de Bolsonaro contra pagamentos das multas que
a sua primeira condenação estavam sendo feitos pela
pela Justiça Eleitoral, no Odebrecht na Lava-Jato, Gonet
caso da reunião com tenta levar o caso ao plenário
embaixadores no Palácio do do STF para reverter a decisão
Planalto, em 2022, quando do magistrado, alegando
colocou em dúvida o sistema que ela gera prejuízo aos
eleitoral brasileiro cofres públicos

5 | 11
INÊS249

va do capitão de anular no STF a inelegibilidade decretada


pelo Tribunal Superior Eleitoral e foi a favor de todas as dili-
gências pedidas pelo ministro Alexandre de Moraes nas in-
vestigações sobre a tentativa de golpe. Também se reuniu
com senadores da CPMI do 8 de Janeiro, prometeu que iria
cuidar pessoalmente do caso e disse que pretende revisitar o
relatório da CPI da Pandemia, que também mira Bolsonaro
e foi mandado para a gaveta por Aras.
A mesma postura tem sido adotada em relação aos “pei-
xes menores” do bolsonarismo. Gonet foi contra, por exem-
plo, apreender o passaporte do cacique do PL, Valdemar
Costa Neto. Também rejeitou incluir uma assessora do de-
putado Alexandre Ramagem (PL-RJ) como alvo de busca e

GOLPE CARLA
DE ESTADO ZAMBELLI
Foi a favor da maioria das Ao lado do hacker Walter
diligências autorizadas por Delgatti Neto, a deputada
Alexandre de Moraes, incluindo tornou-se a primeira
manter a prisão de Filipe Martins, parlamentar bolsonarista
ex-assessor de Bolsonaro. Mas denunciada por Gonet ao STF —
divergiu da apreensão do ela foi acusada dos crimes de
passaporte de Valdemar Costa invasão a sistema do Judiciário
Neto, presidente do PL, e da e emissão de documentos
proibição de o cacique falar falsos, como um mandado de
com investigados prisão contra Moraes

6 | 11
INÊS249

apreensão. Nos dois casos, Moraes discordou das posições,


mas as divergências ficaram longe de sinalizar qualquer in-
dício de crise. A independência de Gonet também se mani-
festou em decisões como a de manter a prisão do ex-asses-
sor da Presidência Filipe Martins, detido sob a acusação de
ter deixado o país ilegalmente em 2022, mesmo diante da
ausência de registros disso. Ele ainda fez da deputada Carla
Zambelli (PL-SP) a primeira bolsonarista denunciada na sua
gestão, pelos crimes de invasão de sistema judicial e inclusão
de um falso mandado de prisão contra Moraes, em parceria
com o hacker Walter Delgatti Neto.
Em paralelo, a relação com o Supremo ganhou outro sta-
tus com Gonet. Durante a gestão de Aras, Moraes chegou a
determinar operações sem ouvir a PGR, o que provocou a ir-
ritação de Aras, ignorada pela Corte. O bom trânsito com os
magistrados fortalece o propósito do PGR de recuperar o es-
paço, o prestígio e a credibilidade da instituição no Supremo.
No fim de abril, Gonet esteve em Londres no 1º Fórum Jurí-
dico Brasil de Ideias ao lado de Gilmar, Moraes, Toffoli, Ri-
cardo Lewandowski (ministro da Justiça), Jorge Messias
(AGU), Andrei Rodrigues (diretor da PF) e outras autorida-
des federais. No dia 10 do mesmo mês, recebeu com Flávio
Dino e Cristiano Zanin uma condecoração da Justiça Militar.
Embora construa pontes com o STF e outros agentes pú-
blicos do direito em Brasília, Gonet é um procurador avesso
aos holofotes. A discrição é perceptível em suas interven-
ções na Corte e em seus despachos, que usam de linguagem

7 | 11
INÊS249

LULA MARQUES/ AGÊNCIA BRASIL


NA MIRA Carla Zambelli: a deputada foi alvo da primeira
denúncia criminal de Gonet contra aliados de Bolsonaro

técnica e quase nenhum adjetivo — o que reforça o perfil pa-


recerista e autocontido que sempre se atribuiu a ele. Lula,
aliás, demorou para escolher Gonet, flertou com outras pos-
sibilidades até os últimos minutos e rechaçou a lista tríplice
da Associação Nacional dos Procuradores da República, tra-
dição criada por ele mesmo no primeiro mandato. A PGR
passou mais de dois meses nas mãos da interina, Elizeta Ra-
mos, até o petista cravar sua escolha, preterindo Antonio
Carlos Bigonha e Aurélio Virgílio Veiga Rios, com perfis
mais ativistas e progressistas.
Evidentemente, há ainda várias incógnitas sobre a atua-
ção de Gonet. A principal delas é exatamente em relação a

8 | 11
INÊS249

TON MOLINA/AFP
PRIORIDADE 8 de Janeiro: o chefe da PGR
diz que cuidará de inquéritos

Lula. Nos bastidores, permanece entre os governistas uma


espécie de “apreensão”. Apesar de ele ter demonstrado, em
linhas gerais, alinhamento a princípios caros como a demo-
cracia, a “lealdade” a Lula ainda não foi testada. Até o mo-
mento, a PGR não tem sobre a mesa nenhuma investigação,
acusação ou processo importante envolvendo o governo. Is-
so se explica, em parte, pelo perfil da oposição, que não tem
o hábito de judicializar os temas, ao contrário do que faziam
partidos de esquerda como PT, PSOL e Rede, que inunda-
vam o Supremo nos tempos de Bolsonaro.
Há ainda alguma dúvida sobre como ele vai se com-
portar em relação à Lava-Jato. Um raro exemplo foi ter

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INÊS249

TON MOLINA/FOTOARENA
ANTECESSOR Aras: gestão foi
acusada de ser omissa

recorrido contra a decisão do ministro Dias Toffoli de


suspender o pagamento dos acordos de leniência feitos
pela Odebrecht — Gonet o fez usando o argumento de
que a medida causa prejuízo aos cofres públicos. É uma
questão de tempo até que esteja em suas mãos o inquérito
que investiga Sergio Moro pela suposta condução ilícita
de acordos de delação. Outra dúvida envolve as pautas de
costumes. Em 2004, ele publicou um artigo contra o
aborto, já disse que não é contra cotas raciais, mas fez
ressalvas, e não tem opinião clara sobre a descriminali-
zação das drogas — por ora, não teve de opinar sobre ne-
nhum desses temas.

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INÊS249

REPRODUÇÃO
ARQUIVADO Bolsonaro na Embaixada
da Hungria: sem crime

O Ministério Público foi criado nos anos 1950, mas por


décadas foi pouco relevante. Tudo mudou a partir da
Constituição de 1988, que deu ao órgão poder para ser
guardião dos direitos sociais e coletivos, com autonomia
para agir. A instituição ganhou mais força nos anos 1990,
quando diversos marcos legais deram instrumentos jurí-
dicos necessários para colocar governos e políticos no
banco dos réus. O “quarto poder” foi depois acumulando
acusações de excessos, o que chegou ao ápice durante a
Lava-Jato. A atuação do MP exige sobriedade, firmeza e
independência — ao que parece, até aqui, esse tem sido o
caminho escolhido por Gonet. ƒ

11 | 11
INÊS249

BRASIL PODER

CONFUSÃO À VISTA
Bolsonaro aposta nos interesses em jogo na eleição
para o comando da Câmara e do Senado para
conseguir uma anistia e disputar o Palácio do Planalto
em 2026. Não será fácil MARCELA MATTOS

SEMENTES Bolsonaro: “Se eu não voltar um dia,


fiquem tranquilos”

RODRIGO COSTA/ATO PRESS/AGÊNCIA O GLOBO

1|9
INÊS249

UM DESAVISADO que observar os movimentos de Jair Bol-


sonaro nos últimos doze meses não hesitaria em afirmar que
ele está em plena campanha. Nesse período, ele visitou mais de
sessenta cidades, promoveu comícios, desfilou em carro aber-
to, participou de eventos, discursou e fez muitas críticas ao
atual governo — comportamento típico de um candidato. O
desavisado ficaria confuso ao saber que o ex-presidente foi
condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, está inelegível e
só poderá voltar a disputar um mandato daqui a seis anos, em
2030. Oficialmente, Bolsonaro está nas ruas testando seu pres-
tígio político para usá-lo, se for o caso, em favor de aliados nas
eleições municipais, e mais adiante, em 2026, nas eleições pre-
sidenciais. Na segunda-feira 29, o capitão esteve na Agrishow,
a maior feira agrícola do país. Do alto de um carro de som, ele
falou das ações de seu governo em benefício do setor e encer-
rou a participação no evento com uma frase que intrigou os es-
pectadores: “Se eu não voltar um dia, fiquem tranquilos. Plan-
tamos sementes ao longo desses nossos quatro anos”.
O ex-presidente não é conhecido pela clareza com que
costuma vocalizar suas ideias, mesmo as mais simples. Num
primeiro momento, a declaração foi interpretada como um
aceno aos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos),
de São Paulo, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, que
estavam a seu lado no carro de som e são apontados como
presidenciáveis. Eles seriam as tais “sementes”. A dúvida re-
side sobre o que Bolsonaro quis dizer quando fez a ressalva
“Se eu não voltar um dia”. Basta uma conversa de alguns mi-

2|9
INÊS249

EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

SUCESSÃO Davi Alcolumbre e Pacheco:


de olho na bancada conservadora

nutos com ele para entender que a frase não tem nada de
enigmática. O capitão realmente acredita que estará apto a
disputar as eleições presidenciais em 2026. Há apenas duas
hipóteses em que isso poderia acontecer. No ano passado, o
Tribunal Superior Eleitoral suspendeu os direitos políticos do
ex-presidente por abuso de poder. Ele questionou a decisão, o
caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, mas a Procura-
doria-Geral da República já emitiu parecer contrário ao re-
curso. A chance de a Corte anular a sentença é zero. Juridica-
mente, portanto, não há nenhuma perspectiva.
A aposta do ex-presidente é política, no Congresso Nacio-
nal, onde ele tem um contingente que não costuma dar muita

3|9
INÊS249

TON MOLINA/FOTOARENA

CONCHAVO Flávio: projeto de anistia em troca de apoio


e votos a senador

atenção ao bom senso ou à opinião pública. Em tese, os con-


gressistas podem anistiar o ex-presidente. Já há quase uma
dezena de projetos tramitando nessa direção, quase todos
utilizando um argumento no mínimo exótico. O perdão seria
concedido com o objetivo de pacificar o país, polarizado en-
tre petistas e bolsonaristas. Além de Bolsonaro, seriam bene-
ficiados também todos os condenados pelos atos golpistas do
dia 8 de janeiro. Parlamentares ouvidos por VEJA avaliam
que hoje a medida não teria o respaldo necessário para avan-
çar, mas isso pode mudar radicalmente no ano que vem. Em
fevereiro, deputados e senadores vão eleger os presidentes da
Câmara e do Senado. A disputa em torno desses dois cargos

4|9
INÊS249

importantes da República envolve acordos e conchavos às


vezes inimagináveis em troca de apoio e votos. O projeto de
anistia já entrou nesse balaio de negociações.
Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se re-
uniu com o senador Davi Alcolumbre (União-AP), cotado
para suceder a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência
do Senado. Na ocasião, o filho Zero Um do ex-presidente
apresentou uma lista de demandas da oposição. No rol, esta-
vam o projeto que reduz a maioridade penal e o que anistia
“todos” os envolvidos nos acontecimentos de 8 de janeiro e
restaura os direitos políticos de quem foi declarado inelegível
em decorrência de atos, declarações e manifestações relacio-
nados às eleições de 2022. Dos 81 senadores, estima-se que
pelo menos trinta são aliados de Bolsonaro. O apoio dessa
bancada pode definir a eleição em favor do senador ama-
paense. Além disso, os bolsonaristas lembram que as previ-
sões dão conta de que a bancada conservadora ainda passa-
rá de trinta para 45 senadores a partir de 2027, suficiente
para garantir a reeleição de Alcolumbre para mais dois anos
à frente do Congresso, caso ele firme o compromisso de le-
var o projeto de anistia adiante. O senador ouviu a proposta,
mas não disse nem que sim nem que não.
A ideia da anistia é tão ousada quanto absurda e certa-
mente seria contestada no Supremo Tribunal Federal, mas
há um precedente que anima a bancada bolsonarista. Em
1995, o Congresso derrubou a cassação e a inelegibilidade
do senador Humberto Lucena (PMDB-PB). À época, ele

5|9
INÊS249

PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

ABSTRAÇÃO Elmar Nascimento: suspensão de eventuais


penas de prisão do ex-presidente por condenações criminais

foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso


de poder ao usar a gráfica do Senado para imprimir calen-
dários com a sua imagem e distribuir a seu eleitorado antes
de a campanha começar. Assim como Bolsonaro, ele per-
deu os direitos políticos. Depois, Câmara e Senado aprova-
ram, e o então presidente da República, Fernando Henri-
que Cardoso, sancionou, um projeto que tornou sem efeito
a decisão da Justiça Eleitoral. A Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) chegou a contestar a decisão no STF, que
atestou a legalidade da anistia. Esse é o caminho político
que faz o ex-presidente acreditar que poderá disputar o Pa-
lácio do Planalto em 2026.

6|9
INÊS249

SUAMY BEYDOUN/AGIF/AFP

TERMÔMETRO Temer: análise jurídica e reação de


Alexandre de Moraes

A situação legal de Jair Bolsonaro também está na pauta


de acordos e conchavos dos candidatos à presidência da Câ-
mara. No início de abril, o deputado Elmar Nascimento
(União-BA), candidato a suceder a Arthur Lira (PP-AL), fez
um aceno aos colegas bolsonaristas. Ele se encontrou com o
ex-presidente da República Michel Temer para tratar de pro-
posta que prevê uma anistia ao capitão — só que essa seria
parcial e condicionada. Bolsonaro é alvo de inquéritos que in-
vestigam uma infinidade de crimes — fraude no cartão de va-
cinação, propagação de notícias falsas, desvio de joias do
acervo público e tentativa de golpe de Estado. A ideia do de-
putado é a seguinte: se Bolsonaro for condenado por atentar

7|9
INÊS249

EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

INTERESSES Senado: uma dezena de projetos tramitando


com o objetivo de devolver os direitos políticos a Bolsonaro

contra a democracia, por exemplo, a pena seria imediatamen-


te suspensa e ele não seria preso, exceto se praticasse nova-
mente o mesmo crime. A inelegibilidade, porém, seria manti-
da. O argumento para justificar a proposta, de novo, é um tan-
to exótico. O parlamentar justifica que, no passado, crimes de
tortura e assassinatos cometidos durante a ditadura foram
anistiados como forma de pacificação. “Qual será a reação no
país se Bolsonaro for preso? Será que não terá uma convulsão
popular?”, endossa um apoiador do ex-presidente. Não é exa-
tamente essa a principal motivação dos congressistas.
Michel Temer, aliás, foi procurado justamente pela rela-
ção que mantém com o ministro Alexandre de Moraes, o

8|9
INÊS249

juiz do STF responsável


pelos inquéritos que in-
vestigam Bolsonaro.
Constitucionalista, o ex-
-presidente também te-
ria sido instado a anali-
sar juridicamente a pro-
posta. O assunto, por en-
quanto, é discutido ape-
nas nos bastidores. As-

JUCA VARELLA/FOLHAPRESS
sim como no Senado, os
candidatos à presidência
da Câmara precisam dos
votos da bancada con- PRECEDENTE Lucena:
servadora. São mais de inelegível, o ex-senador foi
200 deputados. Qual- anistiado em 1995
quer sinalização na dire-
ção de livrar o capitão de uma punição serve como isca para
fisgar apoio. Indagado a respeito, Elmar não quis se pronun-
ciar sobre o assunto. Parlamentares próximos a ele, no en-
tanto, explicam que a proposta tenta encontrar uma fórmula
que beneficie o ex-presidente e, ao mesmo tempo, não desa-
grade ao Judiciário. Difícil. É perfeitamente possível imagi-
nar a opinião de Alexandre de Moraes sobre tal abstração.
Já Bolsonaro foi informado recentemente do projeto de anis-
tia parcial. “Só depois que enterrarem o meu corpo”, disse.
Parece que ele não gostou. ƒ

9|9
INÊS249

BRASIL POLÍTICA

VIRADA NA
CONTRAMÃO
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deixa o bom
senso de lado ao acender o pavio de uma pauta-bomba
que beneficia a casta do funcionalismo, em prejuízo do país
VALMAR HUPSEL FILHO

SEM DEFESA Pacheco:


PEC prevê reajustes a cada cinco anos

JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

1 | 10
INÊS249

EMBORA tenha nascido em Rondônia, Rodrigo Pacheco


ascendeu na política com o tradicional “estilo mineiro”:
discreto, protocolar, conciliador e avesso a radicalismos.
Dessa forma, conquistou o apoio de setores econômicos e
políticos que lhe garantiram dois mandatos como presi-
dente do Senado. Por essas mesmas características, che-
gou a ser cotado como uma alternativa à Presidência da
República na eleição de 2022, já que demonstrava ser um
político guiado pelo bom senso e pela moderação em meio
ao ambiente eleitoral contaminado pelo extremismo. Na
liderança do Congresso, foi fundamental para garantir a
defesa da democracia quando o país se viu ameaçado por
uma tentativa mambembe, mas muito real, de golpe.
Nos últimos meses, entretanto, já em contagem regres-
siva para o fim de seu mandato, em fevereiro de 2025, Pa-
checo deu uma guinada. Primeiro, foi a controversa ideia
de apresentar um projeto, aprovado na Casa, que crimina-
liza todo e qualquer porte de droga, o que bate de frente
com o entendimento mais comum nas democracias mo-
dernas. Agora, decidiu ir na contramão do que precisa o
país, ao bancar a PEC do Quinquênio, uma emenda cons-
titucional que cria um privilégio injustificável para uma
elite do funcionalismo (juízes e promotores à frente) e,
mais do que isso, provoca um impacto bilionário em um
orçamento que demanda corte de gastos.
A proposta, que avançou na Comissão de Constitui-
ção e Justiça com os votos até de senadores governistas,

2 | 10
INÊS249

O TAMANHO
DO PROBLEMA
PEC do Quinquênio custaria mais
do que os principais programas
sociais do governo

O QUE É
A PROPOSTA APROVADA NA CCJ DO
SENADO PREVÊ AUMENTO SALARIAL
DE 5% A CADA CINCO ANOS (ATÉ O LIMITE
DE 35%) PARA JUÍZES, MEMBROS DO MP,
DEFENSORES PÚBLICOS, INTEGRANTES DA
ADVOCACIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO
DF, CONSELHEIROS DE TRIBUNAIS DE
CONTAS E DELEGADOS DA PF, ALÉM
DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS

FORA DO TETO
BENEFÍCIO NÃO ENTRARIA NA
RESTRIÇÃO CONSTITUCIONAL PARA
SALÁRIOS, E O VENCIMENTO TOTAL
DO SERVIDOR PODERIA PASSAR
DO LIMITE DE 44 000 REAIS

80 BILHÕES DE REAIS
PODE CUSTAR O BENEFÍCIO
NO PERÍODO DE 2024 A 2026

3 | 10
INÊS249

I S S O R E P R E S E N TA :

6 MESES DE BOLSA FAMÍLIA


A 21 MILHÕES DE FAMÍLIAS, CUJO
BENEFÍCIO MÉDIO É DE 681 REAIS

11 ANOS DO PROGRAMA PÉ DE
MEIA, BOLSA DESTINADA A MANTER 2,5
MILHÕES DE ESTUDANTES POR ANO NO
ENSINO MÉDIO E QUE TEM ORÇAMENTO
ANUAL DE 7,1 BILHÕES DE REAIS

6 ANOS DA VERBA DESTINADA


AO MINHA CASA, MINHA VIDA NO
ORÇAMENTO DA UNIÃO, QUE EM 2024
SERÁ DE 13 BILHÕES DE REAIS

69 800 REAIS
É O CUSTO MENSAL MÉDIO DE UM
JUIZ OU DESEMBARGADOR NO PAÍS,
INCLUINDO SALÁRIOS, IMPOSTOS E
ENCARGOS SOCIAIS E TRABALHISTAS

Fontes: Consultoria de Orçamento,


Fiscalização e Controle do Senado;
Governo Federal; Relatório Justiça
em Números 2023, do CNJ

4 | 10
INÊS249

é totalmente indefensável. Ela prevê um reajuste de 5% a


cada cinco anos a algumas categorias de servidores, o
que permitiria a essa casta ganhar mensalmente mais de
44 000 reais, que é o teto constitucional. O texto origi-
nal de Pacheco previa o benefício apenas para magistra-
dos e integrantes do Ministério Público, mas o previsível
efeito cascata começou ainda na CCJ, quando um substi-
tutivo do relator, Eduardo Gomes (PL-TO), estendeu o
mimo a advogados e defensores públicos, ministros e
conselheiros de tribunais de contas, em nível nacional,
estadual e municipal. O texto passou por quatro das cin-
co sessões deliberativas do plenário exigidas por lei e es-
tá prestes a ser votado.
A tramitação, no entanto, não terá vida fácil — e com
razão. A preocupação geral é com o impacto financeiro
da proposta. Segundo nota técnica da Consultoria de Or-
çamentos, Fiscalização e Controle do próprio Senado, co-
mo está, a PEC vai causar um rombo de mais de 80 bi-
lhões de reais nos próximos três anos — 20 bilhões de
reais só em 2024, o equivalente a quase três vezes o que
o governo planeja gastar com o programa Pé de Meia,
bolsa destinada a manter 2,5 milhões de estudantes no
ensino médio. A nota também aponta três nulidades no
texto: a ausência de previsão de onde sairão os recursos,
o fato de significar uma imposição da União sobre encar-
gos de outros entes (estados e municípios) e a possibilida-
de de os vencimentos ultrapassarem o teto constitucio-

5 | 10
INÊS249

EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

PLURIPARTIDÁRIO Votação na CCJ:


apoio até de senadores governistas

nal. O documento aponta ainda que o texto deixa aberta


a possibilidade de o benefício ser estendido “a qualquer
cargo ou carreira” por decisão política. “Ninguém sabe
exatamente qual é o efeito cascata que isso vai produzir,
pela demanda de outras categorias”, alerta Jaques Wag-
ner (PT-BA), líder do governo, que tenta barrar o avanço
do projeto, da forma como está, no Senado.
A proposta bate de frente com as preocupações do
país. O governo, liderado pelo ministro da Fazenda, Fer-
nando Haddad, tenta aumentar a arrecadação e reduzir
gastos e, em razão disso, trava batalhas duras no Con-
gresso e no Judiciário para garantir o ajuste nas contas —
as mais recentes estão relacionadas à proposta de deso-

6 | 10
INÊS249

JEFFERSON RUDY/AGÊNCIA SENADO

REAÇÃO Randolfe e Wagner:


esforço para barrar a ideia

neração da folha de pagamentos e a definição do teto de


15 bilhões de reais para o Programa Emergencial de Re-
tomada do Setor de Eventos (Perse). O esforço de Had-
dad encontra dificuldades dentro do próprio governo, en-
cabeçado por um presidente que acredita no poder do Es-
tado de promover desenvolvimento desembolsando
quantias cada vez maiores de dinheiro público, algo que
já levou o país ao abismo (leia a Carta ao Leitor).
Além disso, a ideia despropositada de Pacheco foca
um segmento do funcionalismo público que historica-
mente é o mais privilegiado. Não são raros os casos co-
mo o de uma desembargadora do Tribunal de Justiça de
Goiás que recebeu vencimentos acima de 100 000 reais

7 | 10
INÊS249

RIBAMAR PINHEIRO/TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO

GULA TJMA: 12,5% do orçamento do estado


é gasto com o Judiciário, a maior fatia do país

durante o ano de 2023, como apontam dados levantados


para VEJA pela ONG Transparência Brasil. O Atlas do
Estado Brasileiro, desenvolvido pelo Ipea, aponta que o
Judiciário é o poder da República com a maior média de
remunerações desde a década de 1990. O relatório Justi-
ça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, apon-
ta que o custo mensal médio de um magistrado em 2023
foi de 69 800 reais, enquanto a média dos servidores foi
de 19 300 reais. O estado do Maranhão, por exemplo,
gastou 12,5% de suas despesas em 2022 com o sistema
de Justiça, a maior fatia em todos os estados — mais da
metade foi para salários. Servidores têm reclamado que
a concentração dos recursos para vencimentos dos juí-

8 | 10
INÊS249

LUÍS FORTES/MEC
PRIORIDADES Pé de Meia: custo da PEC
seria o triplo do reservado ao projeto

zes é tão grande que resta pouco dinheiro para o próprio


funcionamento da comarca.
Oriundo da advocacia, Rodrigo Pacheco costuma usar
uma retórica formal e recheada de termos jurídicos para
defender os seus pontos de vista. No caso da PEC, ele en-
tende que o quinquênio, um benefício extinto pelo CNJ em
2006, promoveria uma espécie de plano de carreira para
o Judiciário — como se isso fosse necessário para essa eli-
te. Para viabilizar a aprovação, ele propõe a retomada do
texto inicial, que prevê a concessão do benefício apenas a
magistrados e integrantes do MP. O custo anual, segundo
sua assessoria, seria de 2,9 bilhões de reais por ano — a
consultoria do Senado, no entanto, aponta 10 bilhões de

9 | 10
INÊS249

reais. No debate, o presidente do Senado também sugere


que a proposta seja aprovada “casada” com outra PEC, a
que propõe o fim dos “supersalários” no funcionalismo
público e que está parada na CCJ, onde aguarda a indica-
ção de um relator. “É a fórmula justa e razoável de conci-
liar o interesse público e orçamentário com a indispensá-
vel valorização desses profissionais”, defende. “Essa com-
binação legislativa, dentro dos limites orçamentários do
próprio Judiciário, representará no final das contas o uso
racional e com critério de recursos para valorização igual
de seus membros.”
O discurso empolado tem até uma certa graça, exceto
por um “detalhe”: de onde sairá dinheiro suficiente para
isso? Interlocutores no Congresso veem nas recentes mo-
vimentações de Pacheco um objetivo claro. Com a fami-
gerada PEC do Quinquênio, ele tenta arregimentar apoio
no meio jurídico para o projeto de disputar o governo de
Minas Gerais em 2026. É legítima a pretensão dele, mas
isso não pode comprometer as contas públicas do país,
sobretudo no momento em que o presidente Lula e o PT,
na direção contrária à de Haddad, tentam priorizar seus
projetos políticos às custas da responsabilidade fiscal.
Diante disso, o que seria de esperar de uma liderança do
Congresso é um contrapeso à pressão pela gastança ir-
responsável. Pacheco, no entanto, e infelizmente, deixou
o bom senso de lado. ƒ

10 | 10
INÊS249

MURILLO DE ARAGÃO

CONVICÇÃO E
CONVENIÊNCIA
O dilema entre esses princípios
molda os rumos da governança

NA POLÍTICA, os líderes muitas vezes se encontram dian-


te de um dilema complexo: seguir suas convicções ou ceder
à conveniência política. Esse dilema não é novo, mas sua re-
levância persiste em moldar os rumos da governança e da
tomada de decisões em todo o mundo.
A convicção política representa a força motriz por trás das
ideias e dos ideais que os líderes defendem. É a bússola que
orienta suas ações e decisões, muitas vezes baseadas em princí-
pios fundamentais e valores arraigados. Ela impulsiona a defe-
sa apaixonada de causas, mesmo quando isso implica enfrentar
oposição feroz ou tomar medidas consideradas impopulares.
A conveniência política é um reflexo da realidade prag-
mática da governança. Ela reconhece as limitações do po-
der político e a necessidade de firmar compromissos para
alcançar objetivos tangíveis. Esse princípio, muitas vezes,
exige concessões e adaptações às circunstâncias políticas e
sociais, buscando-se o equilíbrio entre os ideais e a capaci-
dade de implementá-los efetivamente.

1|3
INÊS249

O governo Lula 3 precisa delimitar os campos da con-


vicção e os da conveniência, a fim de não se inviabilizar
pelas disputas internas e pelo dilema entre as duas postu-
ras. E a melhor forma de temperar a conveniência com a
convicção é ter uma boa leitura das circunstâncias. Sem
ela, projetos políticos baseados apenas em convicções nau-
fragaram estrepitosamente.
No entanto, é importante destacar que o dilema entre
convicção e conveniência não é necessariamente uma di-
cotomia rígida. Na prática, os líderes políticos inteligen-
tes frequentemente buscam um equilíbrio entre esses
dois princípios, navegando habilmente pelos desafios da
governança.
Não cabem — em uma economia globalizada como a
nossa — a administração por arrancos, convicções “lacra-
doras” e resultados inconsistentes.

“A gestão de Lula
consome capital
político e pode começar
a viabilizar o retorno
do bolsonarismo”
2|3
INÊS249

Por exemplo, a questão da “reoneração” da folha é uma


tragicomédia sem fim que se arrasta desde o ano passado
e agora está em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Aliás, a recorrência à Suprema Corte para decidir impas-
ses e disputas entre o Executivo e o Legislativo causa mal-
-estar no STF e provoca insegurança jurídica no setor pri-
vado — e também no Congresso Nacional. Além da reação
dura do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que criti-
cou o recurso ao Judiciário, lideranças partidárias relata-
ram a esta coluna que esperam que a relação entre o Exe-
cutivo e o Congresso continue instável.
No quadro eleitoral, o governo consome capital político
e pode começar a viabilizar o retorno do bolsonarismo ao
poder. Pelo fato de não temperar convicção com conve-
niência, não conter as disputas internas, não fazer uma lei-
tura consistente do momento político e, ainda, por não co-
municar bem o que faz de bom.
O governo Lula 3 já caminha, em um ano curto, para a
sua metade e continua desorganizado e sem entender que
a espaçonave Brasil tem uma cabine pequena e três pilotos:
o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Enquanto o go-
verno se debate entre a convicção e a conveniência e en-
frenta dificuldades, o mundo gira e o Brasil aguarda as
instituições políticas arquivarem o passado, encararem o
presente e construírem o futuro. ƒ

3|3
INÊS249

BRASIL RELIGIÃO

A MISSÃO
DE MESSIAS
Com bom trânsito entre evangélicos, fatia em que o
governo mais patina, o advogado-geral da União
recebe de Lula a dura tarefa de quebrar as resistências
LUCAS MATHIAS E RICARDO FERRAZ

FÉ Messias (com microfone) em ceia com membros da Frente


Parlamentar Evangélica: a arte das costuras

DANIEL ESTEVÃO/ASCOM/AGU

1|7
INÊS249

NOS CORREDORES do poder em Brasília, circula uma


anedota entre integrantes do governo que tentam, sem su-
cesso, conseguir uma brecha na concorrida agenda presi-
dencial: “Da próxima vez, diga que você sabe como rom-
per a bolha dos evangélicos”. A piada ilustra o quanto o
assunto se faz prioritário para o Planalto, que se empenha
em reverter a queda na popularidade de Lula justamente
mirando o grupo no qual ela é mais baixa – a desaprova-
ção da gestão petista na fatia evangélica é de 62%, en-
quanto no restante da população fica em 43%, de acordo
com a última aferição da Genial/Quaest. Conquistar a
confiança desses brasileiros, majoritariamente conserva-
dores e alinhados à direita, tornou-se uma missão central,
hoje confiada pelo próprio presidente ao advogado-geral
da União, Jorge Messias, por ser ele um dos raros ocupan-
tes da Esplanada com bom trânsito tanto no PT quanto
com os líderes das grandes denominações.
Criado em uma família batista, Messias — que ficou
conhecido como “Bessias” à época em que era assessor ju-
rídico de Dilma Rousseff — é diácono em uma pequena
igreja na Asa Sul do Distrito Federal, onde ajuda a manter
obras sociais, e cultiva o hábito de citar em público tre-
chos da Bíblia. Com tal currículo, acabou se aproximando
de representantes da Frente Parlamentar Evangélica
(FPE), que quase sempre se opõe a Lula, com quem pas-
sou a conviver, seja em cultos no Congresso Nacional, seja
em encontros em seu gabinete. Desde janeiro, foram oito

2|7
INÊS249

INSTAGRAM @BPRODOVALHO
PROMESSA O pastor Robson Rodovalho: a garantia
de falar menos de política

reuniões oficiais com deputados e senadores da FPE. “Es-


se segmento não é exótico nem estranho para mim, sei
quais são as preocupações de meus irmãos”, disse a VEJA
o ministro, revestido de seu papel de interlocutor junto ao
grupo, que esteve na Marcha para Jesus e na Convenção
Nacional das Assembleias de Deus, ambas em 2023.
Em conversas com quadros evangélicos, Messias busca
escapar de contendas ideológicas e alimentar uma agenda
de temas como geração de renda e crescimento econômi-
co, nos quais considera possível amealhar apoio. Ele man-
tém calculada distância das bandeiras levantadas pelos
movimentos identitários e tão agitadas por seu partido. A
amigos, defende que a discussão sobre educação não pode

3|7
INÊS249

ser reduzida à instalação de banheiro unissex nas escolas


e sustenta que não vale se enredar em polêmicas como a
da descriminalização das drogas. “Brinco que sou um dos
representantes da esquerda raiz, aquela que surgiu para
defender o universalismo, a justiça social e a igualdade
entre pessoas”, resume.
O advogado-geral da União se consolidou na posição de
articulador num lance que estremeceu a já sensível relação
com os evangélicos. A questão girava em torno do paga-
mento de impostos sobre a renda de pastores e outros líde-
res religiosos, as chamadas prebendas. O governo Bolso-
naro havia decidido promover a isenção, mas aí a Receita
Federal, já sob o guarda-chuva do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, resolveu suspender a medida, em janei-
ro. Os auditores alertavam que o alívio fiscal não obedecia
a critérios técnicos. “Foi um processo mal instruído que
não observava a legislação”, diz Messias, que caminhou
sobre uma delicada linha para abrandar a ira da banda
evangélica, com a ajuda do deputado Marcelo Crivella
(Republicanos-RJ), e, ao mesmo tempo, atender ao anseio
do ministério de impulsionar a arrecadação. A solução,
prestes a ser apresentada ao Congresso, veio na forma de
um texto que distingue sacerdotes, ainda livres de taxação,
de funcionários e prestadores de serviço dos templos, que
voltarão a contribuir com o Fisco.
São muitos os obstáculos que Messias encontra pelo ca-
minho para avançar. Entre expoentes bolsonaristas, ele é

4|7
INÊS249

INSTAGRAM @BISPOBRUNOLEONARDO
EXIBIÇÃO DE FORÇA Evento evangélico na Fonte Nova,
em Salvador: atraindo multidões

visto como um emissário afável, bom de conversa, mas re-


presentante de um governo cuja pauta colide com os valores
que defendem. “Sua boa intenção é clara, só que não adianta
o governo verbalizá-la se, na prática, segue emitindo sinais
no sentido contrário”, diz o deputado federal Eli Borges (PL-
TO), presidente da FPE, que anda irritado com recentes em-
bates com deputados petistas e com decretos do Ministério
da Saúde que restabeleceram a realização de aborto nos ca-
sos previstos em lei, suspensa na gestão anterior. “A origem
da bancada evangélica está justamente na necessidade de
frear essa pauta de costumes”, afirma a cientista política
Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto
de Estudos da Religião (Iser).

5|7
INÊS249

WILL SHUTTER/CÂMARA DOS DEPUTADOS


ALÍVIO FISCAL Crivella, da FPE: ajuda a Messias
na taxação pelo Fisco

Além de parlamentares barulhentos, o governo enten-


de ser central encarar a estridente turma de influenciado-
res de pendor radical que faz seu ideário ecoar em escala
bíblica nas redes. Dos dez com mais seguidores à extrema
direita, oito são evangélicos, segundo um novo estudo das
universidades federais Fluminense (UFF) e do Rio de Ja-
neiro (UFRJ). Uma análise dos discursos que alcançam
milhões traz, na essência, um Lula demonizado e ataques
em série contra o que seria “a ameaça da volta do comu-
nismo”. Entre petistas, há consenso de que é preciso ajus-
tar o tom para transpor o paredão que os separa do eleito-
rado evangélico. Uma tática é apresentar tópicos caros ao
partido sob uma lente religiosa. Para defender no rádio as

6|7
INÊS249

cotas universitárias, por exemplo, aliados de Lula têm fei-


to referência à passagem do Velho Testamento que trata
da libertação dos escravos do Egito.
Uma das árduas tarefas de Messias é convencer o alto es-
calão das grandes igrejas a concentrar sua pregação na fé,
suavizando o viés político. “A ideia não é colocar Lula no
púlpito, mas devolver Jesus para lá, porque ele foi sequestra-
do nos últimos anos”, diz o ministro. Ele já recebeu sinaliza-
ções, via pastores progressistas a quem é ligado, de que lide-
ranças próximas a Jair Bolsonaro, como Robson Rodovalho
(Sara Nossa Terra), César Augusto (Fonte da Vida) e JB Car-
valho (Comunidade das Nações) pretendem manter a políti-
ca mais distante das pregações. Habituado a ter a ex-
primeira-dama Michelle Bolsonaro em seus cultos, JB, que é
amigo de Messias, o aconselhou a promover a “paz entre os
homens de boa vontade”.
Não é sempre, porém, que o interlocutor do presidente
preserva o tom ponderado. Há quinze dias, enquanto o pas-
tor Silas Malafaia discursava a cerca de 30 000 pessoas na
Praia de Copacabana, em ato a favor de Bolsonaro, Messias
fez questão de postar uma foto da visita do papa Francisco
ao Rio, em 2013, exibindo uma ocupação da orla bem maior.
“Para quem quer a paz, ele anda bem belicista”, alfineta o
deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), do círculo de Mala-
faia. Messias não se abala: “Jesus nos ensinou a ir atrás das
ovelhas que se desgarraram”. Tudo é possível para quem
tem fé. Mas não será nada fácil. ƒ

7|7
INÊS249

RICARDO RANGEL

POR QUE É BOM VER


GUERRA CIVIL
Americanos e brasileiros perderam a
capacidade de negociar

HÁ VÁRIOS FILMES em Guerra Civil. Nenhum é o filme


de guerra americano típico, com grandes explosões, atos he-
roicos e clímax retumbante, com mocinhos salvando o país
ou o planeta de criminosos, comunistas ou alienígenas.
Há o road movie, a viagem de jornalistas que vão de
Nova York a Washington, mas, filosoficamente, vão da
civilização (ou o que resta dela) ao que Joseph Conrad
chamou de “o Coração das Trevas”. Há o filme sobre o
fazer jornalístico, a obsessão e a ética do correspondente
de guerra.
Há o romance de formação, com o batismo de fogo da
“foca” (a jornalista novata). Há o processo interno da per-
sonagem principal, que vê a ideologia de sua juventude
no entusiasmo da “foca” e a contrasta com o desencanto
crescente da maturidade.
E há o conto de advertência. A guerra civil do filme se
dá nos Estados Unidos no tempo presente e opõe um presi-
dente a uma coalizão de estados. Não se sabe como ou por

1|3
INÊS249

que a guerra começou, o que cada lado quer, quem apoia


quem, onde estão o bem e o mal. As indicações são sutis.
O presidente parece autoritário, mas o filme não cai na
armadilha de narrar uma luta entre trumpistas e anti-
trumpistas. A coalizão é liderada pelos dois estados mais
ricos da federação, a Califórnia, que é democrata, e o
Texas, trumpista. E seus métodos não são democráticos.
Guerra Civil não trata de quem tem razão, mas do que
significa uma guerra para valer (feia, suja, bruta, perver-
sa, estúpida), nos Estados Unidos, com americanos co-
muns combatendo dos dois lados. A última vez que os
americanos tiveram uma guerra em seu próprio solo foi
na Guerra Civil, há mais de 150 anos. No Brasil, a última
vez foi na Revolução de 1932, e não foi nem remotamente
parecido. Nenhum americano ou brasileiro vivo cogita
uma guerra em casa. Guerra Civil presta o serviço de lem-

“Quando os confrontos
acontecem, o que
importa não é tanto
quem estava certo,
mas a destruição”
2|3
INÊS249

brar ao distinto público, americano ou brasileiro, que


guerras civis acontecem. E que, quando acontecem, o que
importa não é tanto quem estava certo, mas a destruição.
Guerra Civil não é um filme grandioso, não explode
monumentos de maneira espetaculosa — com uma exce-
ção. Sem ver a estátua que o edifício abriga, poucos espec-
tadores reconhecerão o Lincoln Memorial, homenagem
ao homem que manteve o país unido durante a Guerra Ci-
vil autêntica e é considerado o maior presidente que o país
já teve. Ele refundou a democracia e a definiu: “O governo
do povo, para o povo e pelo povo”.
A democracia é a maneira de resolver conflitos pacifi-
camente; sem ela, resta a violência. A destruição do Lin-
coln Memorial representa melhor do que qualquer coisa a
morte da democracia e do sonho americano. A remoção
do presidente do filme não trará de volta a democracia e a
unidade antes existentes: após derrubarem o presidente,
Califórnia e Texas começarão a brigar entre si.
Americanos e brasileiros perderam a capacidade de
dialogar, estamos viciados em briga. Direita e esquerda
culpam-se e xingam-se mutuamente, como se isso resol-
vesse o problema em vez de agravá-lo. Não é certo que vá
acontecer uma guerra civil nos Estados Unidos ou no Bra-
sil. Mas estamos no caminho que leva a ela. Não sairemos
dele se não pararmos de brigar. ƒ

3|3
INÊS249

BRASIL ELEIÇÕES

AS DORES DO
ENCOLHIMENTO
Fora da disputa nas principais cidades, o PT pretende
usar a força do governo e a popularidade de Lula para
tentar retomar o comando de São Bernardo do Campo
RICARDO CHAPOLA

O ESCOLHIDO Lula e Luiz Teixeira: “Tenho um perfil


diferenciado dentro do partido”

INSTAGRAM @LUIZFERNANDOPT13

1|6
INÊS249

O PT VENCEU cinco das últimas seis eleições presidenciais e


é, sem sombra de dúvida, o partido mais organizado do país —
e dono de uma militância extremamente aguerrida. Com Lula
de volta ao Planalto e a máquina federal nas mãos, a legenda,
em tese, teria todas as condições de ampliar seu raio de poder,
elegendo um número elevado de prefeitos em outubro e inver-
tendo uma tendência. Desde que foi confrontado com os casos
de corrupção na Operação Lava-Jato, o partido enfrenta um
processo de encolhimento. Em 2012, antes das investigações,
eram 630 os municípios comandados por petistas. Hoje são
apenas 179 — número que pode diminuir ainda mais a partir
do ano que vem. Numa estratégia considerada incerta pelos
próprios militantes, o PT vai abrir mão de candidaturas pró-
prias para apoiar aliados, inclusive em cidades importantes co-
mo Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, a maior do país. Na
raiz dessa decisão, está o projeto de reeleição de Lula.
Coadjuvante nos grandes centros, o partido vai se de-
dicar a batalhas menores. Uma delas será em São Bernar-
do do Campo, onde o sindicalismo se encontrou com a
política no início dos anos 80, deu origem ao PT e proje-
tou seu principal líder. A cidade é uma espécie de meca
para o partido. É lá que Lula mantém seu domicílio eleito-
ral e também onde viveu uma das passagens mais mar-
cantes de sua biografia recente: o dia em que teve a prisão
decretada pela Operação Lava-Jato e se refugiou na sede
do Sindicato dos Metalúrgicos, antes de se entregar à po-
lícia. Antes disso, em 2012, o então prefeito da cidade, o

2|6
INÊS249

FACEBOOK @FABRICADECULTURA4.0SBC

HOMENAGEM Museu Lula: a obra foi concluída,


mas ganhou outra destinação

petista Luiz Marinho, chegou a iniciar a construção de um


museu em homenagem ao presidente.
O partido comandou São Bernardo por 24 anos, em seis
mandatos não consecutivos. Em 2016, o PSDB interrompeu a
hegemonia e, entre várias mudanças, pôs um ponto-final no
projeto do tal museu. Para o PT, recuperar o território é uma
missão. Para Lula, além de uma missão, é questão de honra.
Desde o ano passado, o presidente vem articulando pessoal-
mente a escolha de um nome para disputar a eleição. Perder
não é uma opção. Se nada mudar, o candidato petista será o de-
putado estadual Luiz Fernando Teixeira, irmão do ministro do
Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. Lula já decidiu que
vai se empenhar pessoalmente na tarefa. Hoje, como em prati-
camente todo o país, a polarização política também vai influir
na disputa local. O atual prefeito da cidade, o tucano Orlando
Morando, está no seu segundo mandato, é dono de uma gestão

3|6
INÊS249

muito bem avaliada e já disse que seu candidato, embora ainda


não definido, contará com o apoio do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, que, por sua vez, atrairá o bolsonarismo. Ou
seja, a cidade vai acabar reproduzindo o cenário nacional: pe-
tistas de um lado e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro
do outro. “Lula tem uma influência na cidade pelo seu histórico.
Mas o candidato dele em São Bernardo não tem consistência
nem dentro da própria base petista”, minimiza o atual prefeito.
A disputa tende a ser acirrada. Uma pesquisa feita pelo
instituto Paraná Pesquisas em fevereiro revelou que a popu-
laridade de Lula, embora não seja a mesma de outros tem-
pos, continua alta no município. O levantamento mostrou
que 51,8% dos entrevistados aprovam o seu governo, en-
quanto 44,7% desaprovam. Nos cálculos do presidente, para
eleger o futuro prefeito da cidade será necessário atrair elei-
tores que tradicionalmente não votam no PT. Por isso, a op-
ção por Luiz Fernando Teixeira. Empresário do ramo de
consultoria e evangélico, o deputado está em seu terceiro
mandato, não é sindicalista como todos os seus antecessores
e se define como moderado. “Tenho um perfil diferenciado
dentro do partido”, destaca ele. “Nas últimas eleições, mesmo
as pessoas que não gostam do PT votaram em mim”, ressalta
o pré-candidato. Reverter o atual cenário não será uma tare-
fa fácil, mesmo entrando em cena um petista diferenciado.
O mesmo instituto Paraná Pesquisas mostrou que o de-
putado federal Alex Manente (Cidadania) largaria na frente,
com 37% das intenções de voto, seguido pelo também depu-

4|6
INÊS249

ASCENSÃO E QUEDA
O PT experimentou o auge do poder
municipal durante o primeiro governo
de Dilma Rousseff, e o pior momento
nas últimas eleições

630

559

411

254

187 179

2000 2004 2008 2012 2016 2020

5|6
INÊS249

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

DESAFIO Marinho: o ministro foi um dos escalados


para ajudar na campanha

tado Marcelo Lima (PSB), com 21,8%. Luiz Teixeira apare-


ce em terceiro lugar (9,9%). O PT acredita que o apoio do
presidente e o empenho do governo mudarão rapidamente
esse quadro. Lula já esteve duas vezes na cidade, visitou
montadoras, anunciou investimentos e inaugurou obras. Os
ministros paulistas Fernando Haddad, da Fazenda, Márcio
França, da Microempresa, Luiz Marinho, o ex-prefeito que
agora comanda a pasta do Trabalho, além do vice-presiden-
te Geraldo Alckmin, foram escalados para ajudar na missão.
Para alguns petistas, essa nacionalização da disputa é uma
operação política de risco. Em caso de vitória, São Bernardo
não representaria nada muito além do resgate de um cobiça-
do troféu. Já uma derrota no berço esplêndido seria interpre-
tada como um avanço significativo do processo de miniatu-
rização do partido, sem contar o abalo no prestígio pessoal
do presidente. Ou seja: muito risco, pouca recompensa. ƒ

6|6
INÊS249

BRASIL SEGURANÇA

ARMADOS
E PERIGOSOS
Desvio de armas de uso restrito adquiridas
por civis aumenta no país e piora um cenário já
preocupante criado pela falta de fiscalização
e pelos desencontros do governo VICTORIA BECHARA

TIRO LIVRE Praticante em clube:


só 3% dos CACs foram fiscalizados

EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

1|6
INÊS249

NO INÍCIO do mês passado, a polícia de Tocantins apreen-


deu catorze armas em Araguaína, no norte do estado, in-
cluindo pistolas de grosso calibre, espingardas e centenas de
munições. E o mais importante: desarticulou um esquema
de desvio de material comprado legalmente com registro de
caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs.
Segundo a investigação, os envolvidos registravam boletins
de ocorrência para simular o roubo dos armamentos, que
eram vendidos no mercado ilegal. Catorze pessoas foram
presas, incluindo um sargento da PM que, nas redes sociais,
apresentava-se como diretor de dezoito clubes de tiro e pré-
candidato a vereador pelo PP. O episódio ilustra os gargalos
da política pública para a questão e a crescente ameaça re-
presentada pela livre circulação de armas no país, facilitada
pela flexibilização promovida por Jair Bolsonaro e que se-
gue desafiando o poder público, apesar da promessa da ges-
tão Lula de retomar o controle sobre a situação.
O desvio de armas obtidas legalmente é cada vez maior.
Dados obtidos por VEJA com o Exército mostram que no
primeiro trimestre deste ano 655 armas em poder de CACs
foram registradas como furtadas, roubadas ou perdidas, a
maior média desde 2018 (veja o quadro). Essa categoria foi
a principal beneficiada pelos decretos de Bolsonaro que
permitiram a compra de armas de uso restrito por cidadãos
comuns. “Tem a pessoa bem-intencionada que compra uma
pistola para praticar o esporte e, de fato, tem sua casa rou-
bada. Mas há também casos recorrentes de laranjas do cri-

2|6
INÊS249

me organizado ou gente que compra a arma com a intenção


de vender para o mercado ilegal”, alerta a pesquisadora Na-
tália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
Outros números reforçam o tamanho do problema. Um
relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou
que mais de 5 200 condenados por crimes conseguiram o
registro de CAC no governo Bolsonaro. Para piorar, o Exér-
cito, responsável pelo controle, fiscalizou apenas 3% dos
CACs do país em 2023 — não à toa, a tarefa será da PF a

ARSENAL NAS RUAS


Extravio de pistolas, revólveres, fuzis e outros
é o maior dos últimos anos

250 MÉDIA MENSAL DE ARMAS 214,6


DE CACs* FURTADAS, ROUBADAS
200 OU PERDIDAS

150
114 102,6
100
62,5 69,4 75
54,5
50

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024

* Colecionadores, atiradores e caçadores

3|6
INÊS249

partir de 2025, por decisão do governo Lula. E, para fechar,


o poder público não sabe a real situação de 6 156 armas de
uso restrito que deveriam ter sido recadastradas na PF em
2023. Na época, o então ministro da Justiça, Flávio Dino,
chegou a dizer que quem não fizesse o registro estaria co-
metendo crime e teria o equipamento sujeito à apreensão.
Mas não foi isso que aconteceu. O Exército diz que o decre-
to não fixa consequências a quem não cumpriu a obrigação
e alega não ter recebido informação sobre o resultado do

655 ARMAS
FORAM DESVIADAS EM TRÊS MESES DE 2024, QUASE
O MESMO QUE EM TODO O ANO DE 2020 (654)

6 156 ARMAMENTOS
NÃO FORAM RECADASTRADOS NA PF EM 2023,
COMO ERA EXIGIDO PELO NOVO GOVERNO

1 340 FUZIS
FORAM APREENDIDOS NO BRASIL NO ANO
PASSADO, O MAIOR NÚMERO DESDE 2017

Fontes: Comando do Exército; Polícia Federal; Tribunal


de Contas da União; Ministério da Justiça

4|6
INÊS249

recadastramento. Já a PF diz que os dados foram “ampla-


mente divulgados” e lembrou que a competência sobre a
fiscalização é dos militares até 1º de janeiro de 2025.
A transição não será simples. A PF diz não ter estrutura
suficiente e espera contratar 222 delegados, 195 psicólo-
gos, 585 policiais, 1 570 agentes administrativos e 780 ter-
ceirizados para atender à demanda. “Embora tenhamos
iniciado essas tratativas em agosto de 2023, não temos au-
torização para a realização de concurso e ainda não temos
o aporte do recurso financeiro. É um sinal de alerta que
precisa ser observado pelos órgãos competentes”, diz o de-
legado Cristiano Campidelli, coordenador-geral de Con-
trole de Serviços e Produtos da PF. Há, ainda, outras pon-
tas soltas deixadas pela gestão Dino. “Até agora não foi
apresentado um programa de recompra de armas, como
prometido”, exemplifica Roberto Uchôa, do Fórum Brasi-
leiro de Segurança Pública.
No âmbito estadual, a falta de integração entre as polí-
cias e entre os bancos de dados é apontada como um desa-
fio. Há apenas duas delegacias especializadas — no Rio e
no Espírito Santo. “Falta uma rede nacional que busque o
combate ao tráfico de armas e munições”, afirma o delega-
do Daniel Belchior, da Delegacia Especializada em Armas,
Munições e Explosivos do Espírito Santo. Enquanto isso
não acontece, o país empilha marcas negativas: só no ano
passado, foram apreendidos 1 340 fuzis — símbolos do po-
derio das facções criminosas —, maior número desde 2017.

5|6
INÊS249

POLÍCIA CIVIL RJ/DIVULGAÇÃO

ALERTA Fuzis recolhidos no Rio:


total apreendido no país é o maior desde 2017

O governo Lula acertou ao apertar o freio na caótica


liberação feita por Bolsonaro. As ideias lançadas, no en-
tanto, não prosperaram e a eficácia da política foi como
um tiro no escuro. A barafunda na fiscalização só au-
mentou, assim como o desvio de armas para criminosos.
Além disso, os defensores do armamento da população
não baixaram suas armas. A “bancada da bala” pressiona
pela revisão de restrições, e o ministro da Justiça, Ricar-
do Lewandowski, já assentiu que parte das regras pode
ser rediscutida. As idas e vindas do governo, porém, po-
dem agravar um quadro perigoso para a sociedade. É ur-
gente que o poder público retome o controle sobre uma
questão tão sensível. ƒ

6|6
INÊS249
INÊS249

RADAR ECONÔMICO
PEDRO GIL

Com reportagem de Diego Gimenes


e Felipe Erlich
MAIRA ERLICH/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

NA MESA Restaurante Madero: negociação com credores


para alongar dívidas

A conta, por favor ros. A intenção é liquidar


Com dívidas de 700 mi- metade disso.
lhões de reais, o grupo pa-
ranaense de restaurantes Próximos passos
Madero está em negocia- O empresário Junior Durs-
ções com os principais ki, acionista majoritário do
credores — Bradesco, Itaú grupo, traça planos de ex-
e Banco do Brasil — para pansão para os próximos
alongar os títulos mais ca- anos, assim que as contas

1|3
INÊS249

forem equacionadas. Sua dução de gás no futuro,


meta é triplicar o número mas não enxerga boas
de lojas com investimentos oportunidades de negócios
de 2 bilhões de reais. Uma neste momento.
eventual abertura de capital
poderá acelerar o processo. A perder de vista
Enquanto o Grupo Casas
Calma lá Bahia anunciava a recupe-
Presidente da Azul, o india- ração extrajudicial, o Ma-
no Abhi Shah nega que a galu, seu principal concor-
companhia aérea já tenha rente, quitava 2 bilhões de
negociado a compra da reais em dívidas de curto
Gol. “Estamos olhando o prazo. A operação ocorreu
mercado, mas nosso foco no começo da semana.
de investimentos agora está Agora, todas as dívidas da
na compra de aeronaves e empresa são de médio e
na internacionalização da longo prazos.
marca”, diz ele.
Nas nuvens
Dinheiro no bolso O Magalu é um dos maio-
A Ultragaz, empresa de res beneficiados pelo calvá-
distribuição de gás do Gru- rio do concorrente, segun-
po Ultra, tem cerca de 500 do avaliação da XP Resear-
milhões de reais em caixa ch. Em 2024, a empresa de
para investimentos. A Luiza Helena Trajano pre-
companhia não descarta tende aumentar investi-
entrar no mercado de pro- mentos na divisão de tec-

2|3
INÊS249

nologia, especialmente na Fartura


recém-lançada plataforma O Atlético-MG, que já rece-
de serviços na nuvem. beu 200 milhões de reais em
aportes de Daniel Vorcaro,
Casa nos EUA dono do Banco Master, em-
A Invisto, plataforma bra- bolsará até o fim do ano mais
sileira de investimentos 35 milhões do Figa, um fundo
imobiliários nos Estados de investimento de torcedores
Unidos, quer levantar 100 ilustres do Galo. Outros 65
milhões de dólares até o milhões de reais do fundo de-
fim do ano em uma nova vem vir nos próximos anos.
rodada de capitalização
junto a family offices. O IPO da bola
primeiro fundo, lançado no Com recursos dos acionis-
ano passado, arrebanhou tas, a dívida do clube caiu de
60 milhões de dólares. 2,1 bilhões para 1,3 bilhão de
reais. Liderada pelo bilioná-
Moeda forte rio Rubens Menin, da MRV,
O ex-ministro Rubens Ri- a sociedade anônima do fu-
cupero, que comandou o tebol que controla o time
Ministério da Fazenda na planeja incorporar novos in-
época do Plano Real, vai vestidores ou abrir o capital
lançar um livro de memó- até 2030. ƒ
rias em junho. A obra, da
Editora Unesp, celebra os OFERECIMENTO
trinta anos de circulação
da moeda no país.

3|3
INÊS249

ECONOMIA POLÍTICA MONETÁRIA

LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL

PREOCUPAÇÃO Campos Neto: as incertezas fiscais


ameaçam trazer de volta o aumento da inflação brasileira

MUDANÇA FORÇADA
Juros altos nos Estados Unidos e piora do cenário
fiscal no Brasil levam economistas a revisar suas
projeções para a taxa Selic. Isso é péssimo para
o país, que poderá crescer menos
JULIANA MACHADO E PEDRO GIL

1 | 10
INÊS249

TON MOLINA/NURPHOTO/GETTY IMAGES

DESLIZE Haddad: a mudança de metas tira a credibilidade


do sistema de arcabouço fiscal

N
o próximo dia 8 de maio, o Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central reúne-se
mais uma vez para definir qual taxa de juros ba-
lizará a economia brasileira. Desde que o BC ini-
ciou o ciclo de corte da Selic, em agosto do ano
passado, a opção sempre foi pela redução de 0,50 ponto
percentual da taxa, mas agora o cenário é diferente. Es-
pecialistas já apostam numa queda menor, de 0,25 ponto

2 | 10
INÊS249

percentual, o que representaria um freio que, até pouco


tempo atrás, parecia fora de cogitação. No início de 2024,
analistas da economia chegaram a projetar que a Selic
chegaria até os 8% ao ano ao fim do atual ciclo de corte
de juros, na esteira de uma inflação mais comportada e
do mercado de trabalho menos aquecido. O que antes se
desenhava como um afrouxamento monetário, contudo,
agora dá lugar a estimativas conservadoras — os econo-
mistas já revisam seus cenários para uma Selic parando
na casa dos 10% ao ano. Se ficar por aí, irá gerar uma
grande decepção entre os que esperavam por uma nova e
promissora era na política monetária do Banco Central.
Há várias razões para a provável mudança de rumo. A
primeira delas diz respeito à inflação americana, que tei-
ma em não ceder na velocidade
esperada. Com os temores em
relação à resistência dos preços,
o Federal Reserve (Fed), o
banco central dos Estados
CHIP SOMODEVILLA/GETTY IMAGES

Unidos, manteve os juros por


lá inalterados na reunião da
quarta-feira, 1º de maio, na faixa
de 5,25% a 5,50% ao ano — é o

FORA DA META Powell,


presidente do Fed: está difícil
domar a inflação

3 | 10
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SOBE E DESCE
O histórico da taxa Selic na última década
TAXA (em porcentagem)

14,25
13,75

11 10,75

6,5

2,75

0
14

15

16

17

18

19

20

21

22

23

24
20

20
20

20
20

20
20

20

20
20

20
4/

4/
4/

4/
4/

4/
4/

4/

4/
4/

4/

Fonte: Banco Central

4 | 10
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maior nível desde 2001. “Nos últimos meses, não houve


novos progressos em direção ao objetivo de inflação de
2%”, disse Jerome Powell, presidente do Fed, para justi-
ficar a decisão. A inflação anual nos Estados Unidos está
por volta de 3% e, com a atividade econômica aquecida,
nada indica a queda desejada.
Com o receio inflacionário, a perspectiva de redução
de juros, de fato, mudou. Se no final de 2023 muitos ana-
listas apontavam a possibilidade de o Fed fazer até sete
cortes na taxa em 2024, agora o movimento pode ser até
mesmo na direção contrária. Em sua carta anual endere-
çada a acionistas, Jamie Dimon, presidente do banco J.P.
Morgan, afirmou que os juros americanos poderão subir
para 8% nos próximos anos como resultado de déficits
colossais na economia e da piora de conflitos geopolíti-
cos. Seria um recorde histórico e a erupção de um tre-
mendo obstáculo para o crescimento econômico global.
O que isso tem a ver com o Brasil? “O juro americano
mais alto é um fato, está dado, e ele é o piso para os juros
no mundo inteiro porque dita o custo do dinheiro global-
mente”, afirma Fernando Fenolio, economista-chefe da
gestora WHG. Quando a taxa americana está em nível
elevado, investidores passam a se interessar menos por
mercados emergentes, considerados mais arriscados. No
Brasil, os estrangeiros bateram em retirada: em 2024, a
saída de recursos da bolsa já somou 30 bilhões de reais
até o final de abril, no maior fluxo negativo da série ini-

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INÊS249

DEBANDADA Sede da B3: em 2024, estrangeiros já


retiraram 30 bilhões de reais da bolsa brasileira

ciada em 2016. Isso explica a cotação do dólar já ter ul-


trapassado a barreira dos 5 reais e a bolsa brasileira se-
guir sem brilho.
Não é apenas o contexto internacional que justifica a
mudança de perspectiva na política monetária brasileira.
Uma velha conhecida do investidor ajudou a piorar o
sentimento em relação à Selic: a política fiscal. Não bas-
tasse a posição já frágil do Brasil enquanto emergente, o
país não cansa de enviar mensagens equivocadas. Desta
vez, foi a revisão das metas de resultado primário das
contas públicas anunciada pelo ministro da Fazenda,
ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA

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INÊS249

CAMINHOS OPOSTOS
Enquanto o Ibovespa cai, o dólar sobe
IBOVESPA (em pontos)
132 000
129 000
126 000

100 000

2/1/24 2/2/24 1/3/24 1/4/24 30/4/24

CÂMBIO (cotação do real em relação ao dólar)


4,9 4,9 4,9 5 5,2

2/1/24 2/2/24 1/3/24 1/4/24 30/4/24


Fonte: Investing.com

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ZANONE FRAISSAT/FOLHAPRESS
EM ALTA Casa de câmbio: a cotação do dólar superou o
nível dos 5 reais

Fernando Haddad. Para 2025, a meta saiu de um superá-


vit de 0,5% do PIB para zero. Para 2026, o superávit de
1% do PIB cairia para 0,25%.
Após as revisões, um relatório da Instituição Fiscal In-
dependente, órgão ligado ao Senado Federal, atestou que
a decisão afeta a credibilidade do arcabouço fiscal pro-
posto pelo governo, com efeitos em inflação, juros e dívi-
da pública. “A alteração de metas de superávit coloca bas-
tante incerteza no mercado quanto à forma de o governo
conduzir a questão fiscal”, diz Juliana Inhasz, professora
de economia do Insper. “As pessoas estão tirando o pé do

8 | 10
INÊS249

acelerador. É uma revisão total de expectativas no curto


prazo.” Por isso, a recente melhora de perspectiva de nota
do Brasil anunciada pela agência de classificação de risco
Moody’s veio com uma ressalva: o risco fiscal.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
expôs sua preocupação em evento recente promovido pe-
la gestora XP. Afirmou que a incerteza fiscal já fez com
que o cenário mudasse, levando a uma revisão da política
de juros no país. Isso se dá porque, quando o governo não
mostra compromisso com o equilíbrio das contas e amplia
os gastos, há efeito inflacionário na economia. O Banco
Central então é forçado a adotar uma política mais restri-
tiva. A nova realidade que se impõe vem levando institui-
ções financeiras a revisitar seus cenários para a Selic.
Pautado pelo ambiente mais desafiador tanto no cená-
rio externo quanto doméstico, o Itaú alterou sua projeção
para a taxa Selic no fim deste ano de 9,25% para 9,75%,
com o dólar valendo 5 reais. Em relatório assinado pelo
economista-chefe da casa, Mário Mesquita, a instituição
pondera que as estimativas mais conservadoras são re-
sultado dos efeitos da política fiscal praticada no país,
considerando a dificuldade do governo em manter uma
“trajetória de convergência” de resultados primários. Ou-
tro exemplo de quem já trabalha com níveis de Selic mais
elevados é o do J.P. Morgan, que recentemente recalculou
a estimativa para a taxa de 9,5% para 10% ao ano. Em
documento assinado pelos economistas Cassiana Fer-

9 | 10
INÊS249

nandez e Vinicius Moreira, o banco assinala que já havia


mudado a perspectiva para a trajetória de juros no mun-
do, considerando os efeitos de uma política monetária
mais restritiva nos Estados Unidos. Agora, afirma a insti-
tuição, um “novo desafio” surge no horizonte no Brasil,
com as mudanças na meta de superávit — uma combina-
ção bombástica para a política de juros local.
Outros fatores alimentam a preocupação. “O excesso
de dívida em vários países, no contexto de juro mais ele-
vado, está produzindo grande piora do déficit nominal”,
diz Gabriel Barros, economista-chefe da gestora Ryo As-
set. “Esse cenário reduz a paciência do investidor com
países em que o lado fiscal é desarrumado, como o Bra-
sil.” Por ora, não parece haver disposição do governo para
arrumar a casa, o que poderia ser feito essencialmente via
corte de despesas. Afinal, o zelo pelas contas públicas ra-
ramente foi uma característica das gestões petistas. Mas a
gastança desenfreada traz inflação e, com ela, a necessi-
dade de aumento dos juros. É uma escolha que impede o
país de crescer tudo o que poderia — e que precisa. ƒ

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INÊS249

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

MAIS ALTO FORA,


MENOS BAIXO AQUI
A perspectiva de juros mais elevados nos EUA
impõe limites ao BC

OS DESENVOLVIMENTOS das últimas semanas sugerem


que, ao contrário do que muitos esperavam no fim do ano pas-
sado e no começo deste ano, o Federal Reserve (Fed, o banco
central americano) deve ser bem mais comedido quanto à re-
dução de sua taxa básica de juros, a Fed Funds Rate (FFR).
Muito embora os membros do comitê de política mone-
tária tenham acenado no fim de 2023 com a perspectiva de
três reduções da FFR, que a levariam do atual intervalo
5,25-5,50% ao ano para 4,50-4,75% ao ano no fim de 2024,
o mercado de renda fixa por lá chegou a apostar em cinco
ou seis quedas de 0,25 ponto porcentual.
Todavia, a resistência da inflação à queda, provavel-
mente resultado de uma economia ainda bastante aqueci-
da, acabou levando a uma revisão considerável. Neste mo-
mento, o cenário mais provável aponta para apenas um
corte (com sorte, dois).
Apesar disso, o BC brasileiro ainda sinaliza a continuida-
de de seu processo de redução da Selic. Até que ponto, per-

1|3
INÊS249

gunta-se, um ambiente de juro mais alto nos EUA pode limi-


tar a ação do Copom? Como lembrado repetidas vezes pelo
próprio BC, não há uma ligação automática entre o juro
americano e o local, o que não quer dizer que não haja im-
pacto sobre outras variáveis que possam acabar afetando
em algum grau a decisão sobre a taxa de juros. O canal mais
relevante é a cotação do dólar. O juro mais alto nos EUA afe-
ta o dólar no Brasil por dois mecanismos similares.
Um deles é a diferença entre o juro local e o internacio-
nal. Quanto mais positiva for a diferença, maior é a tendên-
cia de que o real ganhe valor ante o dólar, pois tal diferença
estimula ingressos de capitais, barateando a moeda estran-
geira. No caso, porém, a perspectiva de juros mais altos no
exterior reduz a diferença, tornando o dólar mais caro.
O que é verdade na relação entre o Brasil e os EUA
também é verdade no caso dos demais países. Um mundo

“Dada a valorização
do dólar, não devemos
nos surpreender se o
BC previr inflação mais
alta em 2025”
2|3
INÊS249

de juro americano alto leva tipicamente à valorização do


dólar frente às moedas internacionais, como o euro e o ie-
ne. Ocorre que as variações do dólar ante as moedas dos
países desenvolvidos tendem a se replicar por aqui, em al-
guma medida. Assim, quando o dólar ganha terreno con-
tra, por exemplo, o euro, ele tende também a ficar mais
caro por aqui, independentemente da diferença dos juros
brasileiro e americano.
O encarecimento do dólar no período mais recente está,
portanto, intimamente ligado à mudança esperada da pos-
tura do Fed em termos da definição da FFR. Isso significa
que os preços dos bens que importamos e exportamos ten-
dem a subir, de modo a se alinhar aos preços internacionais
corrigidos por um dólar mais caro, com algum impacto so-
bre a inflação, seja porque tais preços subirão mais rapida-
mente, seja porque cairão mais lentamente.
Dado isso, não devemos nos surpreender caso o BC na
próxima semana eleve suas perspectivas de inflação para
2025. Não deve, é bom que se diga, levar à interrupção do
ciclo de redução de juros, mas seu ritmo deve cair já agora
em maio e a taxa terminal do ciclo, que se esperava atingir
9% ao ano, deve ficar na vizinhança de 10%.
Culpa do Fed, mas também de nossos problemas. ƒ

3|3
INÊS249

ECONOMIA PRÊMIO

PELOTÃO
DE ELITE
Nova publicação do Grupo Abril, VEJA NEGÓCIOS
premia as 100 empresas mais influentes do Brasil
e destaca a superação dos obstáculos que persistem
no ambiente por aqui JULIANA ELIAS

VENCEDORES Troféu na mão: CEOs


marcaram presença no concorrido evento

EVANDRO MACEDO/LIDE

1|5
INÊS249

FAZER NEGÓCIOS no Brasil nunca foi tarefa fácil. Buro-


cracia excessiva, carga tributária elevada e gargalos de in-
fraestrutura, para citar apenas alguns exemplos, são obstá-
culos que emperram o desenvolvimento e, em maior ou
menor grau, impedem o país de realizar seu verdadeiro
potencial. Por isso mesmo, sobreviver e prosperar em meio
a tantos desafios é algo que merece ser louvado — trata-se,
afinal, de uma vitória da perseverança. Para reconhecer as
companhias que se destacam nesse ambiente árduo, VEJA
e sua mais jovem publicação, VEJA NEGÓCIOS, promove-
ram a primeira edição do prêmio As 100 Empresas Mais
Influentes do Brasil, realizada na segunda-feira 29, no Ho-
tel Palácio Tangará, em São Paulo, com a presença de pre-
sidentes das principais com-
panhias do país.
Fruto de parceria entre a
VEJA NEGÓCIOS e o LIDE
— Grupo de Líderes Empre-
sariais, a premiação elencou
as 100 companhias que fa-
zem a diferença no ambiente
corporativo brasileiro. “Pode-
riam ser as maiores ou as
mais rentáveis, mas são as
mais influentes, que é o que LANÇAMENTO
impor ta”, disse Rubens VEJA NEGÓCIOS: cobertura
Ometto, sócio controlador do econômica de qualidade

2|5
INÊS249

EVANDRO MACEDO/LIDE
MENSAGEM Carvalho: “Precisamos de estabilidade”

Grupo Cosan, empresa com atuação destacada no agrone-


gócio, na distribuição de combustíveis e na logística, e uma
das premiadas no evento. O engenheiro de 74 anos, que as-
sumiu o negócio da família em 1986 para transformá-lo
num dos maiores conglomerados empresariais do país, foi
convidado a subir ao palco para falar em nome dos empre-
sários presentes. “Ser influente não é só ter poder econômi-
co. É tocar a vida com retidão, se importar com as pessoas
e usar essa influência para o bem do país”, disse.
Os grandes temas nacionais dominaram os discursos. O
CEO do Grupo Abril e publisher de VEJA, Fabio Carvalho,
destacou a necessidade de perseguir um país estável, com
instituições fortes e responsabilidade fiscal dos governos.

3|5
INÊS249

DESAFIO Doria:
“Não é fácil ter
companhias de
sucesso no Brasil”
EVANDRO MACEDO/LIDE

“Não haverá desenvolvimento econômico no Brasil e em


nenhum lugar do mundo sem investimentos, e não há in-
vestimento sem o mínimo de segurança institucional”, afir-
mou. Fundador e co-chairman do LIDE, o ex-governador
de São Paulo João Doria falou sobre o desafio de empreen-
der por aqui. “Não é fácil ter companhias de sucesso em um
país como o Brasil, com tantas intempéries e tantas varia-
ções econômicas”, disse Doria. “As nossas empresas de su-
cesso valem em dobro se comparadas àquelas que fazem o
mesmo sucesso em lugares mais estáveis.” O evento contou
ainda com uma homenagem a Abilio Diniz, o empresário
que transformou a rede de supermercados Pão de Açúcar
em uma das empresas mais influentes do país e que morreu
em fevereiro passado, aos 87 anos.

4|5
INÊS249

O reconhecimento das empresas mais proeminentes do


Brasil marcou também a chegada de VEJA NEGÓCIOS ao
mercado, uma realização que reforça a confiança do Gru-
po Abril no país e na contribuição de nossa cobertura jor-
nalística para o cenário nacional. “Nosso objetivo é fazer
sempre um jornalismo de alto padrão, independente e ali-
nhado com os valores que defendemos. Além de informa-
ções exclusivas, temos por tradição uma abordagem analí-
tica, que aponta erros e cobra melhorias. Mas sabemos
também destacar os bons exemplos, as pessoas, iniciativas
e empresas que servem de inspiração para os que desejam
vencer”, disse Mauricio Lima, diretor de redação de VEJA
e VEJA NEGÓCIOS.
Com a primeira edição lançada em 26 de abril, a nova
revista será mensal e estará disponível nas versões impres-
sa e digital. Seu foco será a cobertura de negócios, com o
olhar voltado para todos os aspectos que dizem respeito a
esse universo — inovação, gestão, tecnologia, finanças,
agenda ESG, entre muitos outros. Como não poderia dei-
xar de ser, os grandes assuntos macroeconômicos — ques-
tões fiscais, reformas estruturais e o que de mais relevante
movimentar a agenda em Brasília — também estarão con-
templados na nova publicação. Com o lançamento do pro-
jeto editorial, ganham os leitores, que passam a contar com
uma importante fonte para a obtenção de informações
confiáveis e de qualidade, preceitos que vêm marcando a
trajetória do Grupo Abril em seus 74 anos de história. ƒ

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INÊS249

INTERNACIONAL ESPECIAL

PASSANDO
DO PONTO
Os protestos pró-palestinos que tomaram conta das
universidades americanas e se espalham pelo mundo
radicalizam e testam os limites da liberdade de expressão
RICARDO FERRAZ E CAIO SAAD
ALEX KENT/GETTY IMAGES/AFP

AÇÃO Universidade Columbia, em Nova York: janelas


quebradas, paredes pichadas, prédio ocupado e trinta prisões

CAPA: FOTO DE ALEX KENT/GETTY IMAGES/AFP

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istante cerca de 9 000 quilômetros da Faixa de

D
Gaza, palco do sangrento conflito atual entre as
Forças Armadas de Israel e o grupo palestino
Hamas, Nova York se tornou nos últimos dias o
epicentro da reação — a mais intensa já registra-
da — da sociedade civil aos desdobramentos do ataque-
surpresa que matou 1 200 israelenses em 7 de outubro do
ano passado. O furor com que o atentado terrorista foi re-
vidado, fazendo do estreito e superpovoado território às
margens do Mediterrâneo uma tira de terra arrasada, ti-
rou o apoio à causa palestina da apatia a que estava rele-
gado, fomentou manifestações e tomou conta dos debates
nas universidades, desde sempre palco de provocações à
ordem estabelecida feitas na medida para chamar atenção,
em movimento político.
De protesto em protesto, a onda foi se alastrando até
entrar em ebulição quando a reitoria da prestigiadíssima
Universidade Columbia (de onde saíram 87 vencedores do
Prêmio Nobel), fincada em plena ilha de Manhattan e cai-
xa de ressonância de ideias progressistas, decidiu chamar
a polícia inicialmente para desmontar um acampamento
de estudantes em frente ao edifício principal e, depois, pa-
ra remover alunos que haviam ocupado um de seus pré-
dios — medida que precipitou uma reação em cadeia ca-
paz de, em menos de uma semana, engolfar mais de 100
universidades nos Estados Unidos e 800 mundo afora.
O rastilho de pólvora que percorre o ambiente universitá-

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ETIENNE LAURENT/AFP

REAÇÃO Universidade da Califórnia


em Los Angeles: polícia contra pancadaria

rio com rapidez e mostras de intolerância nunca vistas tem


origem, como tudo que acontece atualmente, no cada vez
mais polarizado mundo acadêmico, em que a saudável e ne-
cessária troca de ideias perde espaço para o radicalismo. Ma-
nifestações contra o establishment são capítulos históricos e
democráticos da maioria das universidades americanas, in-
centivadas como parte de um efervescente questionamento
relativo a princípios éticos e morais. A reivindicação de ces-
sar-fogo e criação de um Estado palestino, contudo, descam-
bou para gritos, faixas e slogans de rejeição total a Israel, ao
sionismo e, por tabela, aos judeus em geral. Dessa forma, im-
pôs-se no campus um discurso manchado de ódio e antisse-
mitismo que testa os limites da liberdade de expressão.

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Entoando as clássicas palavras de ordem que defendem


uma Palestina “do rio ao mar”, o que implicaria a extinção
de Israel, os manifestantes passaram a impedir o acesso às
salas de aula, a constranger professores e alunos que não
se alinham à causa e a assediar e insultar qualquer judeu à
vista. “Diga em alto e bom som: não queremos sionistas
aqui”, pregava um grito de guerra no campus. “Quando a
situação passa de palavras desagradáveis para ocupação de
propriedade privada, depredação e hostilidade aberta con-
tra outros grupos que também querem protestar, a coisa
muda de figura”, diz Natalia Pasternak, cientista brasileira
que trabalha em Columbia e vem acompanhando os acon-
tecimentos de perto.
Depois de chamar os agentes de segurança para des-
montar o acampamento do protesto (que foi imediatamen-
te remontado) e transferir todas as aulas para o sistema
on-line, a direção de Columbia tentou negociar um desfe-
cho pacífico, acenando com a possibilidade de cumprir sem
atrasos o calendário escolar. Simultaneamente, ameaçava
suspender e até expulsar os alunos envolvidos na manifes-
tação. Não houve acordo e o caldo entornou de vez quando
um grupo mais radical de estudantes, funcionários e pes-
soas sem vínculo com a universidade invadiu o Hamilton
Hall, na terça-feira 30, prédio tradicional ocupado várias
vezes por ativistas no passado.
Em meio a barricadas nas portas, paredes pichadas e ja-
nelas quebradas, a polícia prendeu 300 manifestantes em

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ANAS ZEYAD FTEHA/ANADOLU/GETTY IMAGES

AGRADECIMENTO Aliados: palestinos


comemoram o apoio dos alunos revoltosos

uma tarde. “Não tivemos escolha”, justificou a reitora Mi-


nouche Shafik. Ela e seus colegas tentam se equilibrar atual-
mente sobre uma linha finíssima entre preservar a indepen-
dência acadêmica e a liberdade de expressão, de um lado, e
frear os excessos e a intolerância contidos no radicalismo, de
outro. Reivindica-se, entre os militantes, o corte de qualquer
laço de patrocínio para Columbia de empresas que forneçam
equipamento e assistência militar a Israel. A contrapartida,
assustadora para a saúde financeira da instituição: o risco de
perder as generosas doações de ex-alunos de origem judaica
incomodados com a virulência dos protestos.
Em dezembro, as reitoras de Harvard, Claudine Gay, e
da Penn State, Liz Magill, pediram demissão depois de se

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FOTOS SAUL LOEB/AFP; TIMOTHY A. CLARY/AFP

VOTOS EM JOGO Biden e Trump:


protestos entram na campanha eleitoral

recusarem a condenar sem meias-palavras o tom antisse-


mita dos protestos nas duas universidades, durante depoi-
mento na comissão de educação da Câmara dos Deputa-
dos. Lição aprendida, ao se apresentar perante os mesmos
congressistas há duas semanas, Shafik, indagada se com-
parar a situação em Gaza com o Holocausto, como fazem
os manifestantes, viola o código de conduta de Columbia,
respondeu que sim. Essa confirmação e a presença de po-
liciais no campus (ela pediu que lá permaneçam até o fim
do semestre universitário) representam um rompimento da
tradição liberal que impera entre professores e alunos do
ensino superior. Para traçar uma linha clara entre a liber-
dade de expressão e a xenofobia, a Câmara aprovou a to-

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que de caixa, na quarta-feira 1º, uma ruidosa lei que amplia


o conceito de antissemitismo. É um modo de acuar os gru-
pos mais radicais de esquerda que, agora, empunham a
bandeira pró-palestinos (sempre cara à ala progressista,
mas nunca com tamanho rancor).
Órfãos de causas barulhentas desde que se uniram fu-
gazmente na luta contra a desigualdade social em 2011, no
movimento que ficou conhecido como Occupy Wall Street,
os jovens da fileira mais progressista hoje tecem loas ao
Hamas como se não se tratasse de um grupo terrorista en-
raizado no fundamentalismo islâmico, que oprime mulhe-
res e minorias e jamais permitiria manifestações do gênero
em seus domínios. E exigem que a direção das escolas on-
de estudam faça o mesmo. “Não é aconselhável que as uni-
versidades tomem partido e posições políticas em questões
globais complexas e controversas”, pondera David Medni-
coff, diretor do departamento de estudos judaicos e do
Oriente Médico da Universidade de Massachusetts.
A ebulição não para de aumentar, como imitação da
guerra, em que os dois lados tendem ao precipício. Poucas
horas depois da desocupação do Hamilton Hall em Nova
York, no campus da Universidade da Califórnia em Los
Angeles, um grupo mascarado, pró-Israel, atacou a golpes
e pontapés as barricadas erguidas em torno de um acam-
pamento a favor da Palestina, dando início a uma panca-
daria generalizada. As aulas foram suspensas. “Estávamos
ali pacificamente, havia pessoas judias, cristãs, muçulma-

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OLIVIER CHASSIGNOLE/AFP

GLOBALIZOU Ato pró-palestinos na Universidade


Sciences Po, em Paris: movimento se espalha pelo mundo

nas, budistas, de várias origens étnicas”, disse a VEJA Sa-


rah, 28 anos, estudante da pós-graduação que se juntou ao
grupo que apoia a causa palestina e prefere não dizer o so-
brenome, com medo de represálias. Na manhã seguinte, as
forças de repressão voltaram a agir para pôr fim ao acam-
pamento e prenderam outras 200 pessoas.
Ao longo da semana, guardas foram acionados para dar
fim a 34 revoltas em uma centena de universidades confla-
gradas, o que resultou na prisão de cerca de 2 000 estudan-
tes. No campus de Tulane, em Nova Orleans, a reconheci-
damente truculenta polícia da cidade deteve manifestantes
em um protesto pacífico e controlado. “Não havia qualquer
possibilidade de o ato escalar para algo mais grave”, diz o

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DREW ANGERER/AFP

LINHA FINA

WILL OLIVER/EPA/EFE
As reitoras Shafik (acima)
e Gay: emprego complicado

brasileiro Idelber Avelar, professor de estudos latino-ame-


ricanos da universidade. “Estamos vivendo uma situação
muito particular, em que bandeiras, lenços e cartazes são
interpretados como apoio ao terrorismo.” Trata-se do nó
de sempre: os sensatos pagam pelos radicais.
Além de insuflar revoltas e violência em toda parte, o
movimento dos universitários pró-palestinos é uma dor de
cabeça para os democratas, faltando seis meses para a
eleição. O presidente Joe Biden, empatado ou atrás de Do-
nald Trump nas pesquisas e precisando de cada voto, teme
que o eleitorado jovem — ao menos o bloco anti-israelense
— o abandone. Nos Estados Unidos, a maioria das pessoas
com menos de 30 anos simpatiza mais com a Palestina do

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que com Israel (33% a 14%), situação inversa à do total dos


votantes (16% a 31%). Pressionado a tratar do assunto des-
de que os protestos irromperam, Biden quebrou o silêncio
na quinta-feira para repetir o óbvio aos estudantes: “Eles
têm o direito de protestar, mas não de causar o caos”. Os
republicanos, por seu lado, não perdem a chance de explo-
rar os protestos como uma mostra de fraqueza do gover-
no. “Os democratas não conseguem controlar a universi-
dade no momento em que os alunos estão entrando nos
exames finais”, disse o presidente da Câmara, o republi-
cano Mike Johnson, em visita a Columbia na qual criticou
o movimento pró-palestinos: “É injusto, é errado, é inse-
guro e precisa parar”.
Um bom exercício, dada a quentura de agora, é olhar
para o passado. Alvo preferencial do alistamento militar
obrigatório durante a Guerra do Vietnã, os universitários
americanos se mobilizaram em uma ação conjunta que
atingiu seu ápice em maio de 1970, quando 4 milhões de
jovens protestaram em mais de 700 universidades depois
que o então presidente Richard Nixon anunciou a invasão
do Camboja. O enfrentamento com a Guarda Nacional le-
vou à prisão e até morte de manifestantes, mas também
contribuiu para influenciar a opinião pública, que passou a
pressionar pela retirada das tropas. Dificilmente a onda
pró-palestinos de agora terá resultado parecido, não ape-
nas pelo fato de os EUA não estarem diretamente envolvi-
dos no confronto, como também pela intolerância que to-

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ED FARRAND/THE BOSTON GLOBE/GETTY IMAGES

1970 Estudantes americanos pedem a paz no Vietnã:


protestos surtiram efeito

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mou conta das manifestações. “Tanto o discurso antisse-


mita quanto o antipalestino, que distingue indivíduos por
sua etnia ou origem, representam discriminação e não po-
dem ser tolerados”, diz Anthony Romero, diretor-executivo
da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU).
No final do século XVIII, o seleto grupo de líderes que
se reuniu para superar as diferenças políticas depois da
Guerra da Independência e fundar os Estados Unidos esta-
beleceu a liberdade de expressão como um dos pilares fun-
damentais da recém-nascida democracia. A primeira
emenda à Constituição do país garantiu aos cidadãos o di-
reito de se reunir e propagar ideias sem qualquer tipo de
censura, uma regalia de valor incomensurável que, infeliz-
mente, vem sendo constantemente achincalhada e abusada
em tempo de fake news e extremismos. Nas universidades,
onde a intensa troca de ideias e opiniões forma corações e
mentes, expressar-se livremente é uma necessidade a ser
preservada com clareza, responsabilidade e a tolerância
necessária ao bom exercício da democracia. A violência
não se encaixa nisso. ƒ

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GENTE
VALMIR MORATELLI

PASSARELA
COM CONTEÚDO
Ao longo de duas déca-
das de uma bem-suce-
dida carreira internacio-
nal, CAROL TRENTINI,
36 anos, viu a disputada
primeira fila dos gran-
des desfiles ser tomada
por influenciadores da
moda, fenômeno que só
se expande. A inconve-
niente turma, segunda
ela, não larga o celular e
entope as redes de co-
mentários com a inten-
ção de ditar tendência,
DIVULGAÇÃO

não raro “sem a consis-


tência” de uma top mo-
del. “Nosso trabalho é de criação, é entrar num personagem an-
tes de encarar as passarelas e ir fazendo a cabeça dos outros
de forma artística e sem esse imediatismo”, dispara ela, que, de-
pois da maternidade, decidiu investir no ramo das roupas infan-
tis. “Meus filhos são meus modelos”, conta Carol, que filosofa:
“Estou indo com calma. A vida é um passo de cada vez”.

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BELEZA NÃO TEM IDADE


As regras dos concursos de miss vêm sendo chacoalhadas por bem-
vindos ares de modernidade, que trazem mais diversidade e flexibilizam
o padrão do que é belo. Hoje, o principal palco deste sacolejo é a Argen-
tina, onde a advogada e modelo ALEJANDRA RODRÍGUEZ, 60 anos,
venceu a concorrida etapa
de Buenos Aires e se pre-
para para a batalha nacio-
nal, ainda em maio, com os
olhos no Miss Universo. É a
primeira vez que o evento
dissolve a barreira da ida-
de, antes restrita a mulhe-
res entre 18 e 28 anos. “Be-
leza não é só estética, tem a
ver com atitude perante a
vida”, diz Alejandra, segura
de si e feliz com “a quebra
de estereótipos”. Não pas-
sa um dia sem que não a
chamem à TV para entre-
gar sua fórmula da jovialida-
de, ao que responde, sucin-
MARCOS GOMEZ/AFP

ta: “Alimentos saudáveis, de


preferência orgânicos”.

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INÊS249

JO HALE/WIREIMAGE/GETTY IMAGES
A VOZ VOLTOU
O problema nas cordas vocais já se anunciava há anos, mas JON BON
JOVI, 62, ia deixando para depois. Até que, em 2022, por recomenda-
ção da cantora canadense Shania Twain, que havia enfrentado algo se-
melhante, ele resolveu se tratar e acabou passando por cirurgia. Na
ocasião, a amiga não deu detalhes, que, imaginou, fariam com que Bon
Jovi fugisse do consultório. “Ela me enganou, dizendo que eu sairia de lá
muito antes. Sabia que, se não fosse assim, eu desistiria”, conta ele na
série documental Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story, que acaba
de estrear no Star+. Até hoje o cantor se recupera, cumprindo uma ex-
tenuante agenda de exercícios vocais. “Todo dia é um passo à frente”,
relata, mais rouco. Sem previsão de retornar aos palcos, ele lança, em 7
de junho, o álbum Forever, todo gravado em estúdio.

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INÊS249

SERÁ O
CAPÍTULO FINAL?
Quando parece que as águas es-
tão menos revoltas para BRIT-
NEY SPEARS, 42 anos, surge
mais uma disputa judicial em sua
longa trajetória de batalhas nas
cortes contra o pai, Jamie
Spears. A mais recente contenda
girou em torno dos honorários do
processo que tirou de Jamie a tu-
tela sobre as finanças da filha,
em 2021. Ele bateu o pé para que
ela arcasse com os custos legais,
em torno de 2 milhões de dóla-
INSTAGRAM @ BRITNEYSPEARS_._

res, e Britney pagou para encer-


rar o caso. “Minha família me ma-
chucou. Não há justiça e prova-
velmente nunca haverá. É engra-
çado porque, até hoje, não falei com eles cara a cara. Honestamente,
não seria seguro”, desabafou em um post, que logo deletou. Agora, os
amigos vêm manifestando preocupação sobre sua capacidade de ge-
renciar seu patrimônio, estimado em 60 milhões de dólares. “Ela não
tem noção de dinheiro”, disse um deles, sem revelar o nome, ao site Pa-
ge Six. E o público aguarda as cenas dos próximos capítulos.

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INÊS249

VALMIR MORATELLI

METAMORFOSE AMBULANTE
Em dia de gravação no Projac, o script é o mesmo. O rapper e
poeta XAMÃ, 34 anos, vai no caminho tirando o esmalte que in-
variavelmente cobre suas unhas. O visual, com o qual encara a vi-
da nos palcos, não combina em nada com o que faz hoje na TV. “O
esmalte é para o lado cantor, que não funciona na televisão”, re-
conhece ele, às voltas com sua primeira novela, Renascer, a tra-
ma global das 9h, na qual vive um jagunço que tinha a missão de
matar o protagonista. “Quase caí da cadeira quando me convida-
ram”, conta Xamã, que adora um folhetim. Segundo ele, a avó,
com quem morava, o fez “noveleiro de carteirinha”. Só não o cha-
mem de galã. “Isso, não. Sou é malvadão”, esclarece, referindo-se
a um de seus vários hits. ƒ

5|5
INÊS249

GERAL COMPORTAMENTO

CAMPO DE RIQUEZAS
A pujança do dinheiro do agro deu frutos em Goiânia como
em nenhum outro lugar do Brasil, transformando-a em
uma das cidades que mais crescem e prosperam no país

ADRIANA FERRAZ E ISABELLA ALONSO PANHO


@MOI.STAS @PARAMONOVA_MOVIES

DO CENTRO-OESTE PARA A ITÁLIA O casal Bruna


Kehrnvald e Manoel Neto: 72 horas de festas na região de Como

1 | 14
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m dos lugares mais luxuosos e deslumbrantes da

U
Itália, o Lago de Como, aos pés dos Alpes, já ser-
viu de cenário para filmes de Hollywood, a
exemplo de Doze Homens e Outro Segredo, cujo
protagonista, George Clooney, na vida real, é do-
no de um dos palacetes por ali. Nos últimos tempos, entre
vários sotaques de visitantes ouvidos por lá, o arrastado
“r” da turma de Goiânia começou a ser notado com mais
frequência em baladas de fazer inveja a magnatas russos,
em gastos que chegam à casa de 30 milhões de reais.
Exemplo dessa riqueza originada no Centro-Oeste que
atravessa o Atlântico, o casal formado por membros do
high society da capital de Goiás, a influenciadora Bruna
Kehrnvald e o empresário Manoel Neto, comemorou o
matrimônio em julho do ano passado ao lado de 300 con-
vidados. Foram 72 horas de celebrações em alguns dos
endereços mais disputados da região, como a Villa Gas-
tell, que já foi um convento beneditino, e o Hotel Villa
d’Este, um dos mais famosos do mundo desde 1873, quan-
do passou a receber hóspedes. “Fui pedida em casamento
numa viagem que fizemos a Como e, por isso, voltamos
para selar lá nossa união”, conta Bruna. “Foi um sonho.”
O dinheiro de Goiânia, semeado em grande parte pela
pujança do agronegócio, não irriga apenas as engrenagens
financeiras do exterior. São Paulo é uma das paradas obri-
gatórias desse capital. Shoppings sofisticados da maior me-
trópole do país vivem estendendo o tapete vermelho a con-

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CLAUDIO GATTI
JOIAS Teixeira: criações exclusivas
que chegam a custar 1 milhão de reais

sumidoras vindas do Centro-Oeste. Serviços de luxo varia-


dos, de cabeleireiros estrelados a joalheiros em alta cotação,
também se habituaram a receber — e a lucrar — com esse
público. “A cliente de Goiânia tem alto poder aquisitivo. O
que não encontra por lá ela vem buscar aqui em São Paulo”,
conta o designer Paulo Teixeira, que fez fama ao criar, sob
medida, um colar de esmeraldas para a cantora Marília
Mendonça, morta em um acidente aéreo, em 2021, quando
era embaixadora não só da música sertaneja, mas também
da capital de Goiás, onde cresceu e fez carreira. Algumas
peças exclusivas criadas por Teixeira, com vários quilates
de diamantes, chegam a custar 1 milhão de reais. “Em al-
guns meses, recebo até sete clientes de Goiânia”, contabiliza.

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Boa parte desse dinheiro fica dentro de casa, ajudan-


do a transformar a cidade do Centro-Oeste numa das ca-
pitais que crescem mais rápido no país. O mercado imo-
biliário local é um dos melhores termômetros para medir
o ritmo impressionante desse progresso. Nos bairros Bue-
no e Marista brotam empreendimentos nos terrenos ain-
da disponíveis. O preço dos imóveis residenciais teve um
aumento de 18,2% de 2022 para 2023, segundo a Asso-
ciação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás,
acima da média nacional. O valor geral de vendas dos
empreendimentos saltou 130% — de 2,6 bilhões de reais,
em 2014, para quase 6 bilhões de reais, em 2023 — al-
cançando o posto de terceiro maior mercado nacional,
atrás apenas de São Paulo e Rio. O setor já negocia imó-
veis residenciais de alto padrão a quase 14 000 reais o
metro quadrado e oferece luxos personalizados aos clien-
tes, que incluem irrigação automatizada de floreiras e até
elevador exclusivo para carros, privilégio dos moradores
do Victorian Living Desire, único prédio do país que per-
mite aos proprietários subir com o veículo e estacionar
dentro do apartamento. “É bem diferenciado mesmo e fa-
cilita a vida quando fazemos compras ou trazemos coisas
da fazenda”, diz o empresário Edwaldo Stival, dono de
uma BMW 745L.
Dar uma volta pelos bairros nobres da cidade, aliás, é
acompanhar um desfile de veículos importados pelas ru-
as, especialmente nos fins de semana e nos arredores do

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O VIGOR DO
CENTRO-OESTE
Alguns dados impressionantes sobre
a pujança da capital de Goiás

O PIB PER CAPITA


DA CIDADE SALTOU

77%
DE 2002 A 2021

LIDERA A VALORIZAÇÃO DE
IMÓVEIS ENTRE AS CAPITAIS,
COM 14% DE ALTA
ENTRE 2022 E 2023

O NÚMERO DE LANÇAMENTOS DE
CONDOMÍNIOS AUMENTOU QUASE
80% NOS ÚLTIMOS ANOS

O METRO QUADRADO NOS BAIRROS


MAIS VALORIZADOS VALE ATÉ

13 697 REAIS, PREÇO


EQUIVALENTE AO DE ALGUMAS REGIÕES
NOBRES DE SÃO PAULO E RIO

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A ARRECADAÇÃO MUNICIPAL
COM ITBI, O IMPOSTO PAGO NAS
TRANSFERÊNCIAS DE TITULARIDADE DE
IMÓVEIS, CRESCEU
114% ENTRE 2019 E 2023,
ALCANÇANDO
296 MILHÕES DE REAIS

TERÁ UM AEROPORTO DEDICADO


À AVIAÇÃO EXECUTIVA
ATÉ O FIM DE 2024, CONSTRUÍDO
COM UM INVESTIMENTO DE

100 MILHÕES DE REAIS

É HOJE UM DOS LUGARES MAIS QUENTES


DO PAÍS NO COMÉRCIO DE CARRÕES
IMPORTADOS. EXEMPLO DISSO É A
PORSCHE, QUE, EM 2023, AMPLIOU EM

45% AS VENDAS EM GOIÂNIA


NA COMPARAÇÃO COM O ANO ANTERIOR.
A MARCA VENDE QUASE UM MODELO
POR DIA NA CIDADE

Fontes: Abrainc, Ademi-GO, prefeitura de Goiânia


e Ecio Costa/UFPE

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Flamboyant Shopping, o principal polo de luxo da cidade,


onde a classe alta de Goiânia consome grifes internacio-
nais como Gucci, Dolce&Gabbana, Giorgio Armani, Lou-
is Vuitton e Bulgari, que só têm unidades próprias na ca-
pital de Goiás e de São Paulo. Recentemente, abriu por lá
uma butique da Montblanc, com vitrines exibindo os fa-
mosos relógios suíços e outros produtos caros. Ali perto, a
concessionária da Porsche vende quase um carro por dia
e a gigante das picapes, a RAM, comercializa entre 45 e
cinquenta unidades por mês, com foco total no cliente do
agronegócio. Para facilitar as vendas, a marca americana
chegou a negociar em dólar ou mesmo em grãos. “Goiânia
é a Dallas brasileira”, afirma o vice-presidente da RAM
para a América do Sul, Juliano Machado, referindo-se à
cidade símbolo de riqueza no campo nos Estados Unidos.
Não por acaso, referências em diversas áreas do setor
de serviços começam a desembarcar em Goiânia. Assim,
aos poucos, a cidade se transforma com escolas e hospi-
tais de ponta, sendo que uma das mais recentes pitadas
de mudança veio na forma da abertura de restaurantes
locais comandados por chefs renomados, como é o caso
de Ian Baiocchi. Depois de estudar gastronomia na Euro-
pa e trabalhar com nomes badalados como Alex Atala e
Helena Rizzo, em São Paulo, ele fez as malas rumo ao
Centro-Oeste. Dono de cinco estabelecimentos e duas
sorveterias na cidade, o chef virou celebridade a partir do
sucesso de seu rooftop, o Grá Bistrô do Edifício Órion, de

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MARCELLO DANTAS/DAI

NEGÓCIOS A explosão imobiliária no centro (acima)


e campo de golfe em condomínio: mercado em alta
MARCELLO DANTAS/DAI

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onde se tem uma vista privilegiada do horizonte. A com-


petição vai se tornando mais acirrada nesse mercado. No
ano passado, o grupo Alife Nino, dono de quinze marcas
e 41 operações, inaugurou a primeira unidade do italiano
Nino Cucina no setor Bueno, com casa cheia especial-
mente no almoço, onde salas reservadas atraem executi-
vos. Ainda neste semestre o francês Claude Troisgros, es-
trela de programas de TV, promete abrir os restaurantes
Cucina Mia e Mon Bistrô no Flamboyant Shopping, que
tem disputa por espaços e fila para novas lojas nacionais
e internacionais — a Chanel será a próxima a se mudar
para lá. “Apesar de todo esse crescimento, Goiânia ainda
é sinônimo de qualidade de vida”, conta Bruna Kehrn-
vald, que se casou na Itália, mas vive com o marido em
um apartamento de luxo na cidade. “A tranquilidade não
tem preço”, acrescenta.
Toda essa evolução econômica local está diretamente
ligada ao agro. Em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a agropecuária brasileira
cresceu 15,1%, movimentando 677,6 bilhões de reais e pu-
xando para cima o produto interno bruto do Brasil, que
aumentou 2,9% em relação a 2022. A alta recorde do se-
tor — o número é o maior da série histórica, iniciada em
1995 — teve impacto direto nos estados produtores, como
Goiás, onde a expansão do PIB foi de 4,4%, bem acima da
taxa nacional. “A localização da cidade no mapa do país
proporciona muitos outros tipos de investimentos, como

9 | 14
INÊS249

BRENNO CARVALHO/AGÊNCIA O GLOBO

REQUINTE Flamboyant Shopping:


porta de entrada das grifes internacionais

indústria, setor imobiliário e de serviços. Isso com mão de


obra especializada e operações mais baratas do que no ei-
xo Rio-SP. É, sem dúvida, o mercado da vez”, destaca Ro-
drigo Neiva, diretor comercial do Antares Polo Aeronáu-
tico, o futuro aeroporto que deve ser inaugurado até o fim
do ano na cidade vizinha, Aparecida de Goiânia. Dedica-
do à aviação executiva, a expectativa é de que o negócio
tenha 100 aeronaves em operação por mês. Hoje, o trecho
SP-Goiânia, feito de jatinho, sai por 70 000 reais.
A aposta do setor se baseia no fato de Goiânia ter se
tornado não só a capital do Centro-Oeste, mas também de
estados produtores da Região Norte, especialmente o sul
do Pará e do Tocantins. Com mais estrutura, segurança e

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INÊS249

MARCELLO DANTAS/DAI
“GARAGEM VIP” Edwaldo Stival:
BMW 745L parada dentro do apartamento

uma gama cada vez maior de serviços de alto padrão a


oferecer, na comparação com Belém e Palmas, a capital
de Goiás passou a rivalizar com municípios do Sudeste na
disputa por investidores, estudantes e pacientes de cen-
tros médicos modernos e de marca, como a rede Albert
Einstein, que escolheu a cidade para abrir sua primeira
unidade fora de São Paulo. O poder aquisitivo dos fazen-
deiros do estado e região — e de seus herdeiros — tam-
bém explica parte do sucesso. Entre 2017 e 2022, segundo
o Observatório de Política Fiscal da FGV, o rendimento
do 0,1% dos mais ricos cresceu 42%, acima da inflação
média nacional, mas nos estados dominados pelo agrone-

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BRENNO CARVALHO/AGÊNCIA O GLOBO

VITRINE O Grá Bistrô: exemplo de expansão


dos negócios da alta gastronomia na cidade

gócio essa alta foi bastante superior — de 67% em Goiás


(quinto do ranking), 99% em Mato Grosso do Sul e 117%
em Mato Grosso, o líder da lista. O reflexo do levanta-
mento feito pelo economista Sérgio Wulff Gobetti, do Ins-
tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pode ser
visto em outra lista, a dos mais ricos do mundo. Segundo
a Forbes, dezoito brasileiros com negócios nas cadeias
produtivas do agro figuram nesse ranking.
A locomotiva econômica do agro ajudou ainda a soltar
as rédeas da indústria da música sertaneja que, aos pou-
cos, virou um elemento-chave do que se poderia chamar
de soft power goiano. Alguns dos artistas mais populares

12 | 14
INÊS249

JOEL SILVA/FOTOARENA/AGÊNCIA O GLOBO


POLÍTICA Bolsonaro, Tarcísio e Caiado:
aparição na Agrishow

desse mercado decidiram permanecer na cidade mesmo


após alcançar fama nacional, quebrando a lógica de que
quem quer ser visto deve morar e frequentar o eixo Rio-
SP. São exemplos desse comportamento a dupla Maiara e
Maraisa e os cantores Gusttavo Lima e Zé Felipe, marido
de Virginia Fonseca. O casal, aliás, soma seguidores ao
expor nas redes sociais detalhes da construção de uma
nova mansão em um dos condomínios horizontais mais
disputados, o Residencial Aldeia do Vale, onde o valor do
metro quadrado pode passar de 18 000 reais. Erguido em
um terreno de 7 000 metros quadrados, o imóvel dos ar-
tistas tem sete suítes, sauna nos banheiros e jardim de in-

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INÊS249

verno climatizado. Na área de lazer anexa, que será aces-


sada por um carrinho de golfe, o projeto prevê ainda ofurô
para doze pessoas, salão de beleza, brinquedoteca e uma
piscina de 150 000 litros com cobertura automatizada.
O clima de sucesso é compartilhado por políticos lo-
cais, que festejam os resultados positivos do agro, surfam
nas preferências conservadoras do eleitorado e já proje-
tam voos mais altos, a exemplo do governador de Goiás,
Ronaldo Caiado (União Brasil), primeiro pré-candidato
declarado à próxima corrida pelo Palácio do Planalto.
Caiado esteve recentemente na Agrishow, no interior de
São Paulo, ao lado do governador paulista Tarcísio de
Freitas e do ex-presidente Jair Bolsonaro. A pretensão do
governador goiano é amparada por conquistas como os
bons indicadores econômicos exibidos pelo estado e avan-
ços na área de segurança, o que lhe conferiu uma taxa de
aprovação de 86% entre os eleitores. Nas rodas de conver-
sas pela cidade, pode haver dúvidas se o projeto nacional
de Caiado vai sair do chão, mas o que é indiscutível é o or-
gulho provocado pela ascensão da capital. “As pessoas
ainda acreditam que Goiânia é roça, mas isso é preconcei-
to”, afirma o estilista Tomtom Fonseca, que atende clien-
tes como o cantor Mateus, da dupla Jorge & Mateus. De
fato, a cara de Goiânia mudou para sempre: ela é agora o
exemplar mais cintilante do luxo do agro. ƒ

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INÊS249

GERAL SAÚDE

REMÉDIO
AMARGO
Projeto de lei para pesquisas clínicas aprovado
no Senado busca acelerar a participação brasileira
na vanguarda científica, mas rende debate
sobre proteção aos voluntários PAULA FELIX
BRAUNS/E+/GETTY IMAGES

SALTO NO RANKING Presença do Brasil nas pesquisas


internacionais: meta é subir da 20ª para a 10ª posição

1|7
INÊS249

DESDE QUE o médico escocês James Lind descobriu, no


século XVIII, como salvar marinheiros que pereciam por
escorbuto, doença causada pelo déficit de vitamina C, adi-
cionando frutas cítricas à dieta, os ensaios clínicos se tor-
naram a melhor maneira de comprovar quais medidas
realmente fazem a diferença na saúde e de desenvolver no-
vos fármacos por meio da mobilização de voluntários
acompanhados com rigor. De vacinas a analgésicos, pas-
sando pelas terapias celulares, qualquer medicamento dig-
no de crédito em termos de segurança e eficácia precisa se
submeter ao escrutínio de pesquisas com seres humanos
após demonstrar seu valor em testes com células e animais.
Nessa seara, o Brasil é apontado como um decisivo po-
lo para a criação de tratamentos promissores, tanto pela
mão de obra qualificada como pela diversidade genética
da população. Ainda assim, entraves estruturais e buro-
cráticos limitam a participação do país no front científico.
É com o objetivo de mudar essa situação e projetar a nação
no cenário internacional que o Senado aprovou um proje-
to de lei (PL), em regime de urgência, a fim de atualizar as
regras a serem adotadas por pesquisadores e empresas pa-
trocinadoras de estudos, prevendo também os direitos dos
pacientes envolvidos.
A discussão sobre mudanças no marco regulatório pa-
ra os ensaios com humanos teve início em 2015, quando
foi desenhado o primeiro texto a ser apreciado na Câmara
dos Deputados, com o objetivo de estabelecer normas pa-

2|7
INÊS249

NOS BASTIDORES
Ensaios clínicos com humanos ocorrem após testes
com células e animais

Voluntários se apresentam nas


instituições de pesquisa e recebem todas
as informações sobre o estudo

Pacientes elegíveis são selecionados; é


assinado um termo de consentimento,
como deveres e direitos a ser respeitados

A saúde do participante é avaliada


antes, durante e depois do
ensaio clínico

3|7
INÊS249

AS E TA PAS

FA S E I
A droga em teste é avaliada em um grupo reduzido de
indivíduos (20 a 100 pessoas), geralmente sadios, para
o estabelecimento da segurança, tolerabilidade e
atuação no organismo

FA S E I I
O produto passa a ser testado em pacientes com a
doença a ser combatida em um grupo maior (70 a 200
voluntários); a meta é determinar a segurança a curto
prazo, relação dose-resposta e eficácia

FA S E I I I
O ensaio se torna mais robusto, com 300 a 3 000 voluntários,
e entram os critérios que são padrão-ouro nos estudos:
participantes são divididos de forma aleatória, parte recebe o
tratamento e outra, placebo. Nessa etapa, os pesquisadores
verificam risco/benefício e reações adversas e comparam
os resultados com os de terapias existentes

FA S E I V
Mesmo após a aprovação por agências
reguladoras, os fármacos continuam sob
análise para verificar resultados e efeitos
adversos a longo prazo
Fontes: Conselho Nacional de Saúde; Instituto Butantan;
Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica

4|7
INÊS249

E+/GETTY IMAGES
MISCIGENAÇÃO Diversidade genética:
o chamariz brasileiro para estudos globais

ra dar celeridade à participação do Brasil em pesquisas


globais. O plano era flexibilizar regras estabelecidas em
1996 e acompanhadas pelos Comitês de Ética em Pesquisa
(CEPs) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(Conep). A partir de 2017, começou a queda de braço por
alterações em parágrafos cruciais do PL. O novo docu-
mento, que segue para sanção presidencial, recebeu aplau-
sos, mas também críticas.
De um lado, parlamentares e representantes da indús-
tria farmacêutica louvam as mudanças para reduzir buro-
cracias nos trâmites e facilitar a inclusão do país nos estu-
dos multicêntricos. “O Brasil ocupa a 20ª posição no ran-
king, com apenas 2% das pesquisas clínicas no mundo.

5|7
INÊS249

Com essa lei, pode passar a figurar em 10 º lugar”, afirma


Renato Porto, presidente da Associação da Indústria Far-
macêutica de Pesquisa (Interfarma). A entidade estima
que o impacto positivo para a economia pode circundar os
5 bilhões de reais por ano ao atrair aportes estrangeiros.
“O ecossistema de inovação depende de muito investimen-
to e poderá beneficiar cientistas e universidades nacio-
nais”, diz Porto.
Por mais que se tenha o progresso em mente, no proje-
to também há pontos sensíveis. Coordenadora do Sistema
CEP-Conep, Laís Bonilha explica que assegurar a lisura
dos testes e os direitos dos voluntários é bandeira indiscu-
tível. “Mas a visão do PL coloca essas questões como uma
barreira, o que não faz sentido, porque ninguém tem inte-
resse em desenvolver pesquisas sem ética”, afirma. Ao lon-
go dos debates no Congresso, a necessidade de análise pe-
lo órgão foi mantida e o tópico que isentava patrocinado-
res de arcar com o ônus dos ensaios foi removido. Passou,
no entanto, o artigo que determina que o acesso às drogas
em testes será garantido aos voluntários até cinco anos
após o início da oferta comercial, não mais “para sempre”.
“Quando esse produto é benéfico para o participante, con-
tudo, ele merece continuar recebendo e, às vezes, para o
resto da vida”, diz Laís.
Um dos gargalos que a proposta quer diluir é a morosi-
dade para captar voluntários para as grandes investiga-
ções. Nesse sentido, um aliado é a própria tecnologia: re-

6|7
INÊS249

cursos como inteligência artificial já começam a ser usa-


dos para rastrear pacientes que poderiam se beneficiar de
um tratamento experimental — o que representa, inclusi-
ve, uma alternativa de acesso à medicina de ponta. “Te-
mos a missão de fazer com que estudos cheguem às mais
diversas populações e periferias”, diz Juliana Mauri, fun-
dadora da plataforma LifeTime, que busca fazer esse mat-
ch acontecer. Ganham a indústria, os cientistas e, claro,
quem enfrenta uma doença. “Eu me sinto privilegiada e
queria que todos os pacientes tivessem essa oportunidade
uma vez na vida”, diz a autônoma Jocy Silva, de 40 anos,
voluntária em um estudo para o tratamento do câncer de
mama. Que mais brasileiros tenham essa chance. ƒ

7|7
INÊS249

GERAL GUERRA FRIA

UMA BIG ENCRENCA


Em meio à crescente tensão entre os países,
governos de Estados Unidos e China ampliam o cerco
a grandes empresas de tecnologia. O alvo da vez é a
rede social TikTok CAMILA BARROS

RISCO No celular: para americanos,


o app chinês vaza dados

NIKOLAS KOKOVLIS/NURPHOTO/GETTY IMAGES

1|5
INÊS249

A REDE SOCIAL chinesa TikTok conseguiu o que pare-


cia ser impossível nos Estados Unidos: unir campos polí-
ticos divergentes. Há alguns dias, o presidente democrata
Joe Biden sancionou, com apoio dos republicanos, uma
lei que fecha o cerco contra o gigante chinês no país. En-
tre outros pontos, determina que a controladora da mar-
ca, a ByteDance, venda a operação americana do TikTok.
Caso isso não ocorra, a rede social poderá ser banida dos
Estados Unidos no ano que vem. Com 1 bilhão de usuá-
rios no mundo — dos quais 150 milhões em território
americano e 98 milhões no Brasil — o aplicativo é consi-
derado pelo governo Biden uma ameaça à segurança na-
cional. O argumento, contudo, não esconde o fato de que
as grandes empresas de tecnologia se tornaram protago-
nistas da guerra comercial e das crescentes tensões geo-
políticas entre Estados Unidos e China.
Criado em 2016, o TikTok extrapolou suas atribuições
originais. Com o tempo, o aplicativo de compartilhamen-
to de vídeos se tornou muito mais do que uma rede social
de dancinhas divertidas. Hoje em dia, é uma das princi-
pais fontes de informação para jovens da geração Z (os
nascidos de 1995 a 2010), representando uma ameaça até
mesmo para o Google (leia o quadro). Na visão dos con-
gressistas de Washington, o perigo do TikTok reside na
possibilidade de vazamento de dados de cidadãos ameri-
canos para os chineses. Muitos analistas, porém, conside-
ram que há bem mais em jogo. “Ao mesmo tempo que o

2|5
INÊS249

UMA FORÇA EM ASCENSÃO


O TikTok não é apenas uma rede social
de dancinhas

40%
DOS JOVENS DA
GERAÇÃO Z UTILIZAM O
TIKTOK, E NÃO O GOOGLE,
COMO PRINCIPAL
FERRAMENTA DE
BUSCA

20%
DOS JOVENS ENTRE 18 E
24 ANOS PREFEREM
CONSUMIR NOTÍCIAS
PELO TIKTOK

Fonte: Sensor Tower

governo usa a justificativa de vazamento de dados, existe


a questão de proteção das tecnologias nacionais”, diz Leo-
nardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteli-
gência Internacional da Fundação Getulio Vargas.
Os críticos das restrições impostas pelo governo Bi-
den dizem que elas contrariam um princípio que fez dos
Estados Unidos o mais poderoso dos países: a livre ini-

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INÊS249

SCOTT EELLS/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

PREGÃO IPO do Alibaba nos EUA: governo chinês


era contrário à iniciativa

ciativa. Ao impedir que um rival externo enfrente as em-


presas locais, os americanos estariam repetindo os méto-
dos das nações que desprezam a liberdade econômica.
Não é a primeira vez que isso ocorre. Um caso emblemá-
tico é o da Huawei, outro destaque chinês de tecnologia.
A fabricante de equipamentos de telecomunicação sofre
restrições comerciais nos Estados Unidos desde 2019,

4|5
INÊS249

sob o mesmo argumento — o risco à segurança nacio-


nal. Segundo o governo, os equipamentos da compa-
nhia, uma das líderes da tecnologia 5G, poderiam ser
utilizados para espionagem.
A China, claro, não fica atrás quando o assunto é inge-
rência indevida do Estado nos desígnios da iniciativa pri-
vada. No ano passado, o governo proibiu que funcionários
públicos utilizem iPhones durante o trabalho, numa inves-
tida para diminuir a dependência de equipamentos es-
trangeiros e impulsionar o uso de smartphones nacionais.
Mais recentemente, segundo informou o jornal britânico
Financial Times, o país também instituiu diretrizes para
que os computadores oficiais do governo não incorporem
chips das americanas Intel e AMD. Como se não bastasse,
o Partido Comunista Chinês veta no país o uso de redes
sociais e sites tradicionais no Ocidente, como Facebook,
Google, Instagram e YouTube. Na direção oposta, empre-
sas chinesas como a plataforma de comércio eletrônico
Alibaba tiveram de superar inúmeros obstáculos para
abrir capital nos Estados Unidos — os chineses não que-
riam que o gigante tivesse grandes acionistas estrangei-
ros. O próprio TikTok não existe por lá — também perten-
cente à ByteDance, a versão chinesa do aplicativo chama-
se Douyin e é operada com submissão a orientações go-
vernamentais. Na guerra fria entre as nações, é o consu-
midor que sai perdendo ao ser impedido de escolher o
produto de acordo com os seus próprios interesses. ƒ

5|5
INÊS249

GERAL NONONOE M P A R I S

2 0 2 4

E SE LIBERAR GERAL?
A absurda e antiética ideia de Olimpíada sem
testagem para doping pode virar realidade
ainda em 2024, em falso exercício democrático.
O COI já acendeu o alerta vermelho CAIO SAAD

INFÂMIA O canadense Ben Johnson,


em 1988: sempre inaceitável

STEVE POWELL/ALLSPORT/GETTY IMAGES

1|5
INÊS249

A PERGUNTA É incômoda, dado o absurdo da improbabili-


dade e o soco na ética, mas precisa ser feita: e se o doping fos-
se liberado na Olimpíada? É indagação que ganhou tempera-
tura com um ruidoso comunicado feito recentemente pelo
empresário australiano Aron D’Souza. Ele anunciou a reali-
zação, até o fim deste ano, do que batizou de Enhanced Ga-
mes (Jogos Aprimorados). Na competição, não haveria testa-
gem alguma para substâncias químicas em competições de
cinco modalidades: atletismo, natação, levantamento de pe-
so, ginástica artística e lutas. O site de divulgação do torneio
vai direto ao ponto: “A cada Olimpíada, outro grupo de atle-
tas corajosos estabelece novos recordes mundiais apenas pa-
ra ter as medalhas revogadas, as carreiras suspensas e os no-
mes arrastados para a lama. É hora de acabar com esse ciclo
opressivo”. Um vídeo de propaganda aumenta a aposta, ao
mostrar um velocista que, supostamente, teria batido o recor-
de mundial de Usain Bolt nos 100 metros rasos. A voz em off
proclama, como manifesto: “Ele desbloqueou o verdadeiro
potencial atlético de seu corpo, mas o mundo não está pronto
para ele. Ele foi difamado. Ele será vingado”.
A provocação atraiu interesse. Segundo D’Souza, mais de
350 esportistas o procuraram para poder participar do even-
to. O nadador australiano James Magnussen aceitou uma
proposta de 1 milhão de dólares, feita por uma fintech, para
tomar medicamentos proibidos e tentar vencer a marca mun-
dial do brasileiro Cesar Cielo nos 50 metros. Um suposto
“conselho esportivo” é formado por quatro atletas olímpicos.

2|5
INÊS249

FERNANDO BIZERRA/EFE

E DAÍ? Nadadora chinesa em Tóquio: flagrada


no teste, ainda assim competiu

O investimento vem de nomes grandes do Vale do Silício que


adoram aparecer e não hesitam em andar fora do trilho. Um
deles é Peter Thiel, um dos fundadores do PayPal e alavanca-
dor dos primórdios do Facebook. Outro tubarão é Balaji Sri-
nivasan, ex-diretor de tecnologia da casa de câmbio Coinba-
se, amante dos riscos, não importa de onde venham.
A tese central do anúncio dos Enhanced Games é sim-
ples: como a briga entre o doping e os laboratórios é briga de
gato e rato sem fim, e com a contrafação sempre na frente, o
melhor seria tomar a estrada do “liberou geral”. Eis um re-
sumo do raciocínio de D’Souza ao desenhar o futuro espor-
tivo, como se fosse salto científico: “Se você for aos cinemas,
ninguém mais se interessará por histórias do passado”. O

3|5
INÊS249

plano, é natural, produziu grita imediata. A VEJA, o Comitê


Olímpico Internacional, o COI, tratou o assunto como estu-
pidez. “Se quisermos destruir qualquer conceito de fair play
e competição leal no esporte, eis aí uma boa maneira de fazê
-lo. Pior do que isso, nenhum pai desejaria ver o seu filho
competir em formato tão prejudicial, no qual as drogas que
melhoram o desempenho são parte central do conceito. A
ideia de ‘indivíduos soberanos’, promovida pelos apoiantes
destes ‘Jogos Aprimorados’, significa que não existem regras
ou valores. Isto está completamente em desacordo com a
ideia e os valores dos Jogos Olímpicos.”
É posição sensata e necessária. Contudo, convém não
desdenhar dos problemas a que a ideia maluca encaminha. É
hipocrisia imaginar que os controles atuais sejam suficientes
para afastar a desonestidade. Tome-se como exemplo recen-
te a denúncia, feita pelo jornal The New York Times, de que
23 nadadores chineses flagrados no doping foram autoriza-
dos a competir nos Jogos de Tóquio, em 2021, em decisão do
governo e com desleixo da agência mundial antidopagem, a
Wada. Os chineses e as autoridades científicas negam tudo,
é claro. Ainda assim, a alegação da turma de D’Souza de que
os Enhanced seriam democráticos, ao pôr em pé de igualda-
de todos os países, é balela. “Levantar a proibição de doping
proporcionaria vantagens competitivas adicionais aos atle-
tas que representam superpotências econômicas como os
EUA e a China”, diz William Devine, pesquisador da área de
Ética no Esporte da Universidade Swansea.

4|5
INÊS249

DOMÍNIO PÚBLICO

1904 O maratonista americano Thomas


Hicks: estricnina e ajuda na chegada

Não há dúvida, ainda que a tese dos jogos “livres” faça


pensar: não pode. Não há como achar que vitórias como a
do canadense Ben Johnson, em 1988, nos 100 metros,
possam representar um avanço da humanidade. E nem
mesmo há como achar positivo o esforço sobre-humano
do vencedor da longínqua maratona de 1904,o americano
Thomas Hicks, que engoliu uma mistura de estricnina —
também conhecida como veneno de rato — e clara de ovo
crua, interpretadas, já naquele tempo, como estimulantes
energéticos. E pior: na chegada, ele ainda foi carregado
por dois membros de sua equipe. A utopia bonita seria ou-
tra, embora improvável: Olimpíada sem doping algum,
simples assim. ƒ

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INÊS249

PRIMEIRA PESSOA

COMLURB

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INÊS249

DEIXEI DE SER
TRANSPARENTE
Observador de gestos de amor e ódio nas ruas, o gari
Valdeci Boareto, 55 anos, fala de sua trajetória em Harvard

NASCI EM ACARI, comunidade pobre da Zona Norte ca-


rioca, em uma família de cinco irmãos. Para ajudar, come-
cei a catar latinhas na rua para reciclagem, aos 7 anos.
A comida era escassa e, quando a fome batia, minha mãe
dizia: “Dorme que passa”. Não passava. Eu não gostava de
estudar. Acho que me faltava autoestima para acreditar
que conseguiria aprender e chegar a algum lugar com
aquilo. Mas aí veio a adolescência, e eu, muito tímido, des-
cobri companhia nos livros de autoajuda, que me abriram
a cabeça. Fui de uma leitura a outra, variando nos assun-
tos, e isso me transformou. Me fez inclusive mais interessa-
do no convívio com as pessoas. O que eu nunca imaginaria
é que um dia seria eu um autor e que, num lance surpreen-
dente, acabaria indo falar sobre minha vida em Harvard,

2|4
INÊS249

uma das melhores universidades do mundo. E o melhor:


pela primeira vez, havia gente que queria ouvir.
Me formei em escola pública, mas não segui para a
universidade. Precisava trabalhar e arranjei emprego na
Fiocruz, como segurança. Detestava aquilo, por isso me
veio a ideia de tentar ser gari — havia vagas na prefeitu-
ra e me abriria uma janela para ter contato com os ou-
tros, ver a vida de perto. Quando contei para meus ami-
gos e familiares, eles estranharam. É uma profissão ul-
tradesvalorizada, cercada de preconceitos, como tantas
que envolvem trabalho braçal e serviços como esses no
Brasil. É difícil achar quem entenda a importância da
turma da limpeza, essencial para a saúde pública. Tam-
bém há uma incompreensão sobre a visão privilegiada
que um gari tem das ruas — ali vi muita briga de casal,
discussões sem sentido na mesa de bar, a falta de modos
e a intolerância. Foi dessa experiência que me veio a ins-
piração para o livro que mudou tudo.
Na pandemia, decidi começar a escrever sobre o que
observei nessas mais de duas décadas. Claro que esbarrei
com cenas de amizade e amor, porém também presenciei
muita confusão gratuita, pessoas querendo resolver as coi-
sas no grito, o que me fez refletir sobre a necessidade de
mais solidariedade e inteligência para conviver em socie-
dade. Eu próprio já fui alvo de ódio inexplicável, enquanto
exercia minha profissão, mas a função de gari acabou me
fazendo bom de conversa e assim tento resolver os emba-

3|4
INÊS249

tes. Por incrível que pareça, esses pensamentos tão simples


viraram um livro, Comportamento que Te Salva. Publiquei
pela Sal e Luz, uma editora on-line. A surpresa veio depois.
Contei aos professores da escola municipal onde faço a faxi-
na, eles gostaram muito e pediram que falasse às crianças
sobre como dar respostas não violentas às adversidades do
dia a dia e sobre a relevância do diálogo.
Dei a palestra e, no boca a boca, outras escolas se interes-
saram. Numa delas, o secretário de Educação, Renan Ferrei-
rinha, estava na plateia. Ele gostou tanto da iniciativa que
me convidou para lançar a obra na Bienal do Livro. E foi
além: sabia que havia inscrições abertas em Harvard para
palestrantes em um evento voltado para o Brasil e colocou
meu nome lá. Quando me disseram que eu havia sido aceito,
não acreditei. Aos 55 anos, sair de Acari, pegar meu primei-
ro avião e falar sobre minha história, que não tem nada de
muito especial, era inacreditável. Pessoas como eu normal-
mente são transparentes. Pois naquele dia lá estava eu, dian-
te de 300 pessoas, tomado de nervoso. Tremi no início, mas
fui em frente, e vi a emoção no rosto de pessoas que pare-
ciam admirar o gari que começou a gostar de ler e a filoso-
far. Uma editora francesa se disse até interessada em tradu-
zir o livro para o francês. Saí de lá com a sensação de estar
no rumo certo e com vontade de ler e estudar muito mais.
Que venham outros voos. ƒ

Depoimento dado a Mafê Firpo

4|4
INÊS249

GERAL ANIMAIS

VIDA DURA
PRA CACHORRO
Tragédia com um golden retriever, morto ao
ser transportado por uma companhia aérea,
reacende o debate sobre o transporte de bichos
de estimação no Brasil MARÍLIA MONITCHELE

REVOLTA Protesto no aeroporto do Galeão, no Rio de


Janeiro: por justiça e regras rígidas para trato dos bichos

EVANDRO LEAL/AGÊNCIA ENQUADRAR/AGÊNCIA O GLOBO

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INÊS249

HOUVE GENUÍNA comoção. Em 28 de abril, aeroportos


das principais capitais brasileiras foram tomados por protes-
tos contra a morte de um cachorro de estimação extraviado
pela companhia aérea por meio da qual seu tutor viajava.
Em São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte e Salvador, do-
nos de animais, ativistas e políticos se uniram para pedir
justiça e cobrar mais segurança no transporte dos bichos em
voos e outros deslocamentos.
A irritação era justificada. No dia 22, o golden retriever
Joca foi encontrado morto por seu dono, João Fantazzini, no
canil da Gol Linhas Aéreas, no aeroporto de Cumbica, em
Guarulhos. O animal, que tinha 5 anos de idade, deveria via-
jar de São Paulo para Sinop, em Mato Grosso. No entanto,
devido a um erro da companhia, o bicho foi enviado para
Fortaleza, no Ceará, onde permaneceu por várias horas,
sem água ou comida, e exposto ao calor. Até ser mandado
de volta para o estado de São Paulo.
Depois da tragédia, a Gol admitiu a falha e afirmou estar
“profundamente abalada” com o ocorrido. Além disso, sus-
pendeu o transporte de pets por um mês, enquanto apura o
caso. Disse já ter deflagrado medidas para evitar que o episó-
dio se repita. Infelizmente, calamidades como essa não são
isoladas, nem circunscritas a apenas uma empresa aérea. De-
vem-se, antes de tudo, ao aumento do vaivém dos animais de
estimação em travessias nacionais e internacionais.
Os números são contundentes. Em 2023, a Azul levou cerca
de 53000 pets em suas cabines, um aumento de 16% em rela-

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INÊS249

INSTAGRAM @ JOCAGOLDENR

AMIZADE João Fantazzini com seu pet: extravio da caixa de


viagem resultou na morte do cãozinho

3|5
INÊS249

ção ao ano anterior. A GolLog, serviço de cargas da Gol, carre-


gou mais de 5600 animais em seus porões, e aproximadamen-
te 57000 nas cabines — salto de 21% ante os doze meses ante-
riores. Nesse cenário, a eficácia das portarias nacionais que re-
gulam esses serviços está sendo posta em cheque, por ser frágil.
No Brasil, a única exigência evidente para transporte de fau-
na é o Certificado Veterinário Internacional (CVI), atestando
que o animal não teve nenhuma doença contagiosa nos quaren-
ta dias anteriores à viagem. Em alguns traslados é necessário
apresentar o Certificado Zoossanitário Internacional (CZI), ex-
pedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
mento (Mapa). Anualmente são emitidos mais de 10000 CVIs
e a quantidade aumenta expressivamente em época de férias.
Em geral, as companhias internacionais aderem às regras
dos países em que operam e às orientações da Associação In-
ternacional de Transporte Aéreo (IATA). A IATA desenvolveu
a Live Animals Regulations (LAR), conjunto de regras e dire-
trizes para o transporte seguro de animais por via aérea. “Sem
uma regulamentação federal, a situação tende a ficar mais difí-
cil e o animal pode ficar sem a devida assistência”, diz Claudia
Nakano, advogada especializada em saúde animal.
Os protocolos da IATA definem, por exemplo, que as cai-
xas de transporte de cães e gatos devem ser feitas de material
firme, como fibra de vidro ou madeira, ter bons sistemas de
ventilação e tamanho suficiente para que o bicho consiga ficar
de pé e também possa dar um giro em torno de seu próprio
eixo. “Como no Brasil não há um órgão regulador para esse

4|5
INÊS249

DAVID MCNEW/GETTY IMAGES


NO EXTERIOR Determinação da IATA: caixas de transporte
devem ser de material firme e ter boa ventilação

tipo de serviço, acabam surgindo muitas deficiências no pro-


cesso de transporte”, afirma Marcos Zamai, sócio da Zoomm-
pet, especializada em transporte de animais de estimação.
O documento da IATA é utilizado por muitas companhias
aéreas em todo o mundo, mas nenhuma empresa brasileira
ainda tem esse selo. Aqui, as aéreas são livres para definir
suas regras de transporte para animais. A boa nova: um pro-
jeto de lei, já apelidado de Lei Joca, tramita em regime de ur-
gência e busca sanar de vez a lacuna. Ele prevê o transporte
de animais exclusivamente na cabine, serviço de rastreamen-
to durante o voo e médico veterinário nos aeroportos. “Com
essas medidas, acreditamos que temos uma boa resposta para
evitar novos casos”, defende o relator do PL, o deputado fede-
ral Fred Costa (PRD-MG). Se a morte de Joca não foi a pri-
meira, que ao menos seja a última. ƒ

5|5
INÊS249

GERAL ARQUITETURA

LUZ NO FIM
DA TORRE
Ninguém mais acreditava que a Sagrada Família,
em Barcelona, um dia seria concluída, mas será:
2026 é o ano em que a obra-prima de Gaudí,
depois de longa saga, enfim ficará pronta CAIO SAAD
MOMENT/GETTY IMAGES

CARTÃO-POSTAL
A igreja: belo exemplar do modernismo catalão

1|5
INÊS249

A CATEDRAL de Colônia, cujos pináculos parecem rasgar


os céus da cidade alemã, é dona de um impressionante re-
corde: levou 640 anos, entre os séculos XIII e XIX, para to-
mar as belas formas góticas apreciadas ainda hoje. No tem-
po em que começou a ser erguida, o trabalho era essencial-
mente manual — gigantescos blocos de pedra vindos de lon-
ge eram movidos por meio de rudimentares engrenagens e,
mesmo irregulares, precisavam se encaixar uns nos outros.
Por isso espanta que, com todos os avanços acumulados de
engenharia, a basílica da Sagrada Família, obra-prima de
Antoni Gaudí (1852-1926), plantada em Barcelona, na Espa-
nha, siga inacabada há 142 anos. Muita gente nem mais
acreditava que o conjunto pudesse um dia ficar pronto de-
pois de tão arrastada epopeia, mais eis que, enfim — e apele-
se a São Tomé, é ver para crer —, foi divulgada uma data pa-
ra que o edifício seja concluído: 2026, de modo a coincidir
com as celebrações do centenário da morte de Gaudí, que
testemunhou apenas 15% de seu projeto de pé. Ele revelava,
porém, uma daquelas certezas inabaláveis: “Pessoas de todo
o mundo virão ver o que estamos fazendo aqui”, dizia.
O arquiteto, que se dedicou à construção por 44 anos,
não estava errado: a basílica, uma expressão do modernis-
mo catalão, com influências do neogótico ao art nouveau,
ocupa as primeiras posições entre os monumentos mais visi-
tados do planeta. Com uma nave pensada para lembrar uma
floresta, apoiada em colunas que se ramificam como árvo-
res, seu interior é banhado de luz graças à farta coleção de

2|5
INÊS249

DIVULGAÇÃO
O AUTOR E
SUA OBRA
Gaudí (à dir.) e
desenhos do
projeto: quase
todos os
registros se
perderam
APIC/GETTY IMAGES

3|5
INÊS249

vitrais. A depender da estação do ano e da hora do dia, as


cores refletidas na estrutura, repleta de detalhes como pás-
saros, insetos e plantas, produzem um efeito diferente. Pro-
fundamente religioso, Gaudí, que via nas várias manifesta-
ções da vida algo de divino, costumava afirmar: “Nada é in-
ventado. Está tudo escrito na natureza”. Gostando-se ou não
do excesso de ornamentos e curvas — certa vez, o sempre
afiado George Orwell escreveu estar diante de “um dos pré-
dios mais horríveis” que já haviam cruzado seu caminho —,
o invento de Gaudí intriga o olhar.
Tamanho atraso para ver a basílica finalizada se explica,
em boa parte, pelas turbulências das décadas que se segui-
ram ao marco zero, 1881, quando um livreiro comprou o ter-
reno no distrito de Eixample com a ideia de abrigar ali uma
pequena igreja. Foi um ano mais tarde que Gaudí entrou em
cena e começou a conceber algo bem maior no quinhão da
cidade que seria arrematado pela diocese de Barcelona. Aí
veio a Primeira Guerra, depois a gripe espanhola e, em 1926,
o arquiteto seria vítima de um atropelamento fatal. Seus dis-
cípulos assumiram as rédeas, mas, nos anos de 1930, com a
Guerra Civil na Espanha, o estúdio onde ainda ficavam
guardados seus desenhos e maquetes, que traduziam seus
megalômanos planos para a Sagrada Família, pegou fogo e
quase todo o material desapareceu.
Sem a memória do original, cada profissional que assu-
mia a missão de tocar a obra o fazia ao seu modo, elevando
a fervura entre os críticos, que disparavam contra algo que

4|5
INÊS249

não reconheciam como autêntico Gaudí. “Claramente, não


se trata de um desenho fechado, mas de um projeto que sem-
pre deixou a porta aberta a interpretações dos que vieram
depois dele”, observa David Cohn, especialista em história
da arquitetura. “É como se fosse um trabalho de Gaudí e não
Gaudí ao mesmo tempo”, define, como tantos outros que en-
xergam o ímpeto inovador do mestre nas linhas tortuosas
da igreja, mas imaginam outras trilhas que ele teria percor-
rido para arrematar seu mais ambicioso trabalho.
Das dezoito prometidas torres, cada qual simbolizando
uma figura bíblica, faltam apenas duas — a que representa
Cristo baterá recorde mundial de altura, 172,5 metros. O di-
nheiro para levantar tão grandiosa obra vem dos ingressos e
de doações de gente ansiosa por um ponto-final. Ainda que
nem tudo ali tenha saído da fervilhante cabeça de Gaudí, au-
tor de outros icônicos monumentos que fazem a festa dos tu-
ristas em Barcelona, como a Casa Milà e o Parque Güell, sua
marca está gravada na construção convertida em basílica pe-
lo papa Bento XVI, em 2010. “A superioridade do projeto de
Gaudí vem de sua capacidade de criar imagens fortes e cha-
mativas, buscando a novidade sempre movido pelo uso de
materiais e formas pouco convencionais”, diz Juan José Lah-
uerta, diretor da cátedra Gaudí da Universidade Politécnica
da Catalunha. De alguma forma, o arquiteto se alimentava
da demora em seu incessante processo criativo. Aos que lhe
perguntavam quando a última torre despontaria na paisa-
gem, limitava-se a dizer: “Meu cliente não tem pressa”. ƒ

5|5
INÊS249

GERAL ESPAÇO

FASE NOVA A beleza


branca vista de longe:
agora, detalhes
inéditos

NASA

A LUA ESTÁ NO MAPA


Após cinco décadas de protagonismo americano, os
chineses tomam a frente da cartografia do satélite com
o lançamento de um atlas mais preciso e detalhado
LUIZ PAULO SOUZA

1|5
INÊS249

MUITO ANTES de o astronauta americano Neil Arms-


trong (1930-2012) pisar na Lua pela primeira vez, em 20 de
julho de 1969, dando “um pequeno passo para um homem e
um grande salto para a humanidade”, observadores antigos
já imaginavam como seriam os relevos de nosso satélite na-
tural. Um dos atlas mais antigos do corpo celeste, o Seleno-
graphia, data do século XVII e foi criado pelo astrônomo
polonês Johannes Hevelius, que documentou cada cratera,
encosta e vale observado por meio de um telescópio caseiro.
Depois, várias outras cartas surgiram ao redor do mundo.
A missão Apollo 11, comandada por Armstrong, permi-
tiu à Nasa a criação de um catálogo lunar abrangente. Du-
rante décadas, as agências espaciais dependeram quase
sempre desse documento. No entanto, as conquistas tecno-
lógicas e o renovado interesse em estabelecer uma base
avançada no espaço exigiram a criação de uma versão mais
atualizada do compêndio. Ela acaba de ser lançado. O novo
atlas lunar da Academia Chinesa de Ciências é um celebra-
do movimento da corrida espacial, atalho para impulsionar
as pesquisas. É também uma piscadela da China ao passado.
No fim do século XX, a China criou o projeto de explora-
ção lunar Chang’e — nome da deusa chinesa da Lua. Recen-
tes missões não tripuladas de diversos países coletaram
enorme quantidade de dados e amostras de rochas lá de ci-
ma. “No entanto, desde a era Apollo ninguém tinha feito um
mapeamento geológico tão completo”, disse a VEJA Liu
Jianzhong, um dos responsáveis pela iniciativa. Em abril de

2|5
INÊS249

LIU XIN/XINHUA/AFP

2020, os Estados Unidos chegaram a reeditar com esmero o


conjunto de desenhos compilados com o tempo, mas sem to-
tal representação de descobertas modernas.
Os cientistas orientais deflagraram a recente aventura
em 2012. O resultado, disponível de maneira digital, é claro,
com o dobro de resolução da versão anterior, foi também
encadernado em um volumão pesado que lembra os antigos
atlas escolares consultados nas aulas de geografia. Os deta-
lhes são fascinantes, tal como a marcação precisa das crate-
ras Tycho e Copernicus ou as terras altas Fra Mauro e Des-
cartes. A riqueza de minúcias impressiona: são mais de
12 000 crateras e pelo menos dezessete tipos de pedra, cada
uma delas com potencial exploratório diferente.

3|5
INÊS249

AVANÇO
Há os desenhos
acessados digitalmente
e o livrão: mapas com o
dobro da resolução da
versão anterior

A atualização foi bem recebida pelos especialistas. “É co-


mo ver uma imagem na televisão que antes estava em Full
HD e agora está em 4K”, diz o físico Bruno Leonardo do
Nascimento-Dias, pesquisador do Instituto Europeu de As-
trobiologia. “Conhecer bem a Lua implica conhecer melhor
a sua origem”, ecoa o astrofísico Enos Picazzio, da Universi-
dade de São Paulo. Trata-se, enfim, de um mapa que por ora
pode soar um tanto etéreo, coisa de quem anda no mundo
da Lua, mas que no futuro abrirá portas de conhecimento e,
por que não, também de algum tipo de extração.
O efeito mais imediato, contudo, tem caráter geopolítico.
O claro objetivo chinês era vencer a corrida contra os ameri-
canos. A última missão tripulada da Nasa à Lua aconteceu

4|5
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PEGADA
DE 1969
A marca de
Armstrong:
um novo passo
foi dado
CORBIS/GETTY IMAGES

em 1972. Depois, não fazia mais sentido torrar bilhões de


dólares para deixar os soviéticos no espelho retrovisor. As
pesquisas remotas, porém, continuaram e, com a entrada de
novos atores no espaço, ficou evidente que o satélite é rico
em terras e minerais raros com alto potencial para explora-
ção. O solo flicts pode guardar surpresas valiosas e, mais
decisivo, pode haver água. “A baixa gravidade lunar tam-
bém facilitaria lançamentos espaciais”, afirma Picazzio.
A corrida — que agora envolve também a saudável força
econômica de empresas privadas — está apenas começan-
do. Pode-se compará-la a uma guerra, fria como a dos anos
1960, mas em um planeta de extraordinários instrumentos
de informação não custa nada imaginar um sonho. “Cienti-
ficamente, pode não haver uma disputa, mas uma colabora-
ção para o progresso”, diz Nascimento-Dias. Um ponto é in-
questionável: quem chegar primeiro tem preferência. É pas-
so da humanidade que depende de um mapa preciso. ƒ

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INÊS249

GERAL GASTRONOMIA

PALADARES
À PROVA
Rótulos desconhecidos podem superar ícones
estabelecidos, como ocorreu com vinhos
do Chile e dos Estados Unidos. Resta saber de
onde virá a próxima revelação ANDRÉ SOLLITTO

SURPRESA A icônica seleção apresentada em 2004,


em Berlim: chilenos na frente dos europeus

THE BERLIN TASTING/DIVULGAÇÃO

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INÊS249

FOI UM ESPANTO. Em 2004, o vinho chileno era co-


nhecido no mundo por ser bem-feito e barato, mas não era
considerado bom o suficiente para figurar nos debates so-
bre os grandes rótulos de países como França, Itália e Es-
panha. Foi preciso um julgamento às cegas reunindo es-
pecialistas internacionais para mostrar que poderia com-
petir com os principais nomes do mercado. Na época, o
enólogo chileno Eduardo Chadwick, responsável por vi-
nhedos na região do Vale do Aconcágua, organizou uma
degustação em Berlim. Selecionou três de seus próprios
vinhos, Don Maximiano, Seña e Viñedos Chadwick, to-
dos elaborados com base de cabernet sauvignon, e
instalou-os ante grandes nomes de Bordeaux, como Châ-
teau Margaux e Château Lafite Rothschild, ambos da sa-
fra 2000, donos de 100 pontos do renomado crítico ame-
ricano Robert Parker, e ante rótulos da Toscana, como o
Solaia. Sem saber o que estavam degustando, os críticos
escolheram dois vinhos chilenos como os melhores da-
quele painel. E o resultado foi uma aprovação global da
bebida produzida no Chile, não apenas aqueles de Cha-
dwick. A partir de então, passou-se a reconhecer a quali-
dade dos bravos rótulos produzidos na América do Sul.
Agora, vinte anos depois, uma nova rodada de degus-
tações está sendo organizada em cidades como Tóquio,
Seul, Zurique, Toronto e Nova York. Desta vez, a prova
não será às cegas, mas vertical, quando várias safras de
um mesmo vinho são provadas. O objetivo é mostrar co-

2|5
INÊS249

BELLA SPURRIER
REVOLUÇÃO Julgamento de Paris, em 1976:
vitória dos rótulos americanos

mo o vinho chileno evoluiu com o tempo, ao comemorar o


episódio de vinte anos atrás. E a turnê levanta uma per-
gunta fundamental: de onde virá a próxima revelação, a
surpresa a vencer os campeões?
Não é nova a ideia de experimentação às cegas para co-
locar outro país no mapa dos vinhos. Em 1976, o negocian-
te de vinhos britânico Steven Spurrier, na época vivendo
em Paris, resolveu medir rótulos dos Estados Unidos, sem
nenhuma tradição, ante ícones de Bordeaux e da Borgo-
nha. A proposta foi vista com ceticismo, mas vários espe-
cialistas se apresentaram na ocasião, dispostos a assegurar
a superioridade francesa. O que aconteceu, no entanto, foi
o oposto. O tinto Stag’s Leap Wine Cellars, elaborado com

3|5
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HOBERMAN COLLECTION/GETTY IMAGES

TERROIR Vinhedo no Chile:


ótimas condições para trabalhar boas safras

a uva cabernet sauvignon, bateu concorrentes como Châ-


teau Mouton-Rothschild e Château Haut-Brion, ícones
bordaleses, e ficou em primeiro lugar. O branco Chateau
Montelena, feito com chardonnay, também superou, com
folga, o segundo colocado, o Mersault Charmes Roulot, da
Borgonha. Os vinhos californianos mostraram que havia
ótima qualidade no Vale de Napa e o mundo ficou surpre-
so. A incrível história virou até filme, O Julgamento de Pa-
ris, de 2008, com Alan Rickman (1946-2006), o Snape de
Harry Potter, no papel de Spurrier.
O impacto de degustações de olhos vendados é imenso,
de forma a derrubar preconceitos com a origem de deter-
minados vinhos. Foi assim com os americanos, na década

4|5
INÊS249

de 1970, e com os chilenos, no início dos anos 2000. A


qualidade é assegurada sem que os especialistas saibam a
origem. “Não precisamos mais provar nada”, disse Eduar-
do Chadwick a VEJA. “Mas ainda existem desafios, como
conseguir entrar em restaurantes estrelados pelo Miche-
lin, muitos deles na França, onde imperam chefs e som-
meliers franceses. Mas não se questiona mais a qualidade
de nossos vinhos.” Depois da prova de Berlim, outros
grandes tintos chilenos, como Don Melchor e Almaviva,
por exemplo, também começaram a ser cobiçados pelos
colecionadores e enófilos de várias partes do mundo.
Imaginar as futuras surpresas, insista-se, é movimento
fascinante. Vários países já são reconhecidos pela quali-
dade de seus vinhos, como Argentina, África do Sul e No-
va Zelândia, mas nunca realizaram um teste semelhante.
Outros, como a China, vêm avançando na produção, mas
a bebida feita por aquelas bandas é praticamente desco-
nhecida no Ocidente, e ainda há insistente tabu. É chega-
do o momento de saber mais sobre a produção asiática e
ampliar, como se deve, o conhecimento. Só não vale o
prejulgamento. ƒ

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INÊS249

CULTURA MÚSICA

ACORDES SELVAGENS
Na mais afiada biografia do Led Zeppelin, agora lançada no
país, Bob Spitz se propõe uma tarefa épica: separar o que é
mito do que é real na história da monumental banda de rock
FELIPE BRANCO CRUZ

SOM E FÚRIA Em ação:


alta potência nos shows
— e nos bastidores

CORTESIA DE JEANNE BUSSON

1|7
INÊS249

oucos meses após lançar seu primeiro álbum, em

P
1969, os britânicos do Led Zeppelin viram sua po-
pularidade explodir nos Estados Unidos — e no
mesmo ano começaram a gravar o segundo disco
num estúdio de Los Angeles. Entre uma sessão e
outra, eles ficavam hospedados no luxuoso Chateau Mar-
mont, com seus bangalôs de fácil acesso, perfeitos para a
presença das groupies, meninas entre 13 e 18 anos que não
conseguiam entrar nos shows por ser menores de idade, mas
zanzavam livremente no hotel. Em dado momento, o em-
presário da banda, Peter Grant, entrou num dos quartos dos
roqueiros e deparou com cena forte: uma menina estava
amarrada à cama pelos pulsos e tornozelos. Após perguntar
o que estava fazendo ali, ela respondeu: “Não sei, mas vocês
não param de entrar aqui e transar comigo”. Sem se abalar,
Grant disse: “Ah, ok. Tenha um bom dia”.
A obscena (e real) história confirma: a banda que deu ao
mundo as espetaculares Kashmir e Whole Lotta Love não
só elevou a música a um patamar de fúria nunca antes visto,
como também foi a epítome da tríade sexo, drogas e ro-
ck’n’roll. Sua trajetória o registro mais criterioso e completo
pelas mãos do escritor e jornalista Bob Spitz no livro Led
Zeppelin: A Biografia, lançado nos EUA em 2021 e cuja pri-
meira tradução para o português chega às livrarias brasilei-
ras no próximo dia 10. Ainda que excessos de todos os tipos
tenham de fato ocorrido, as andanças do grupo ensejaram
ao longo dos anos um apanhado de causos cabeludos cria-

2|7
INÊS249

dos por fãs ou fofoqueiros que, ávidos


por mais perversões, botavam a ima-
ginação para funcionar. Não por aca-
so, o Led Zeppelin se tornou uma das
bandas mais biografadas da história,
com cerca de 150 títulos publicados.
Com a exaustiva missão de discernir
o que é mito ou real, Spitz passou cin-
co anos mergulhado em vasta pesqui-
sa, que envolveu centenas de entrevis- LED ZEPPELIN:
tas e viagens a locais marcantes. Ao A BIOGRAFIA,
navegar por águas tão tortuosas, o au- de Bob Spitz
tor usou sua experiência como bió- (Belas Letras;
grafo dos Beatles, e também de famo- tradução Paulo
sos tão díspares quanto Julia Child e Alves; 720 págs.;
Ronald Reagan, para contar a saga do 149 reais)
grupo despido de paixões.
Ao avançar na missão de separar o joio do trigo, Spitz
praticamente soluciona casos como o do suposto roubo de
200 000 dólares do cofre do hotel Drake, na Nova York de
1973, investigado por anos pelo FBI e contado em outras
biografias como uma falha de segurança. O episódio, na re-
alidade, foi um modo que o empresário da banda encontrou
para não declarar o dinheiro no Reino Unido e escapar de
impostos que comiam até 90% da renda. Outro mistério
desvendado é a história de que Jimmy Page teria apenas
desmaiado em 1977, antes de um show no estádio Pontiac

3|7
INÊS249

MICHAEL OCHS ARCHIVES/GETTY IMAGES

FARRA Com groupies num bar:


sexo, drogas e rock’n’roll na altura máxima

Silverdome, nos EUA. O guitarrista, na verdade, sofreu uma


overdose de heroína e foi resgatado pelo chefe da turnê, Ri-
chard Cole. Page constantemente subia ao palco chapado,
errava notas e não sabia quando parar em seus solos. “Ro-
bert Plant ficava fitando Jimmy com um olhar que dizia:
‘Que porra você está fazendo?’”, diz no livro o engenheiro de
som Benji LeFevre.
As farras geralmente acabavam em confusões causadas
pelo baterista John Bonham, o Bonzo. Ele chegou a jogar te-
levisores do oitavo andar de um hotel na Sunset Boulevard,
em Los Angeles. Na época, alguém relatou ter visto um pia-
no vertical também cair, mas Spitz descarta essa versão de-
vido à fonte apócrifa. Além disso, Bonzo era violento. Ele

4|7
INÊS249

CORTESIA DE BOB GRUEN

NO AUGE Os músicos diante de seu famoso avião:


dinossauros setentistas

tentou enforcar uma pessoa durante uma discussão e provo-


cou uma briga com Glenn Hughes, do Deep Purple, ao jogar
um papelote de cocaína no rosto dele. Certa vez, no avião da
banda, agarrou uma comissária de bordo por trás, deu um
mata-leão nela e levantou sua saia para tentar estuprá-la —
foi impedido a tempo pelo empresário Grant. Diante de tu-
do, não surpreendeu ninguém, tristemente, sua morte por
overdose de álcool em 1980. “Senti que precisava dar ao lei-
tor uma noção do mau comportamento da banda na estra-
da, mas fui muito criterioso em como apresentar esse mate-
rial para equilibrá-lo com a música e não transformar meu
livro em uma sucessão de histórias escabrosas”, disse o bió-
grafo Spitz a VEJA (leia ao lado).

5|7
INÊS249

“PLANT NÃO PRONUNCIA NOME DE PAGE”


O americano Bob Spitz falou a VEJA sobre a biografia do Led Zeppe-
lin, a chance de uma volta da banda e o tema de seu próximo livro:

O senhor é autor de biografias tão distintas quanto a


dos Beatles e as de Julia Child e Ronald Reagan. Como
os escolheu? Diante dos personagens, sempre me pergunto:
“Eles mudaram a cultura?” e “Foram amados?”. Tenho 20 000 vinis.
Porém, quando meu editor me convidou para escrever sobre o
Zeppelin, não tinha nenhum álbum deles. Para falar a verdade, eu
era um pote vazio e foi como se os tivesse ouvido pela primeira vez.

Afinal, há alguma chance de retorno do Led Zeppe-


lin? Não. Plant terminou a banda enojado com o comportamento de
Jimmy, com seus solos de vinte minutos. E, depois, outros vinte minu-
tos de solos do Bonzo. Ainda por cima, veio a morte de Karac, filho de
Plant. A perda do (baterista) Bonzo foi só a gota d’água. Hoje, Plant não
pronuncia o nome de Page. Refere-se a ele como “ex-co
“ex-co-
NICHOLAS HUNT/GETTY IMAGES

lega de banda” ou “ex-guitarrista da nossa banda”.

Qual sua próxima biografia? Os Rolling


Stones. São sessenta anos de banda, tenho
muita história para contar sobre sua traje
traje-
tória. Eles amam o Brasil, e músicas impor
impor-
tantes surgiram por aí.

BIÓGRAFO Spitz: ele não


conhecia o Zeppelin até fazer o livro

6|7
INÊS249

Enquanto nos palcos o Led Zeppelin se mostrava uma


potência inigualável — os solos de Page com arcos de vio-
linos, guitarras de dois braços e o uso de instrumentos co-
mo teremim inspiraram uma geração — , o comportamen-
to errático fora deles marcou o fim da inocência dos anos
60, sepultando de vez a geração paz e amor e pavimentan-
do o caminho para que grupos de heavy metal como Black
Sabbath pudessem vingar. O espírito transgressor dos ro-
queiros foi louvado por décadas, mas hoje, ironicamente,
as atitudes do Led Zeppelin nos bastidores seriam compli-
cadas — fato que impactou, inclusive, a pesquisa para o li-
vro. Avessos a entrevistas, os remanescentes Robert Plant,
Jimmy Page e John Paul Jones haviam aceitado falar com
Spitz em 2017. A agenda, porém, coincidiu com a eclosão
do movimento feminista #MeToo. Sem explicações, os três
cancelaram os encontros — provavelmente, diz o autor,
com receio de que aquelas histórias retornassem aos holo-
fotes. Os acordes selvagens fizeram história — mas nos
dias atuais aquela inconsequência lendária certamente
provocaria ruídos de condenação. ƒ

7|7
INÊS249

CULTURA TELEVISÃO

TIETAGEM EXPLÍCITA
Anne Hathaway é uma mulher madura apaixonada
por um jovem ídolo no filme Uma Ideia de Você,
novo expoente de um filão rentável: as fanfics,
histórias açucaradas criadas por fãs
PRIME VIDEO

POMBINHOS Nicholas Galitzine e Hathaway na produção do


Prime Video: inspiração em romance real de Harry Styles

1|3
INÊS249

COBERTO de tatuagens joviais, um cantorzinho de 24


anos brilha no palco do festival Coachella. No meio da
apresentação, porém, avisa os colegas de boyband que de-
seja alterar o repertório, trocando um hit por uma canção
romântica. Ele então se derrete ao microfone, prende o
olhar numa fã afortunada, e uma grande história de amor
começa. A fantasia remete aos sonhos que milhares de me-
ninas nutriam por Harry Styles nos tempos do One Direc-
tion — mas o jovem artista tem outro nome, Hayes Camp-
bell (Nicholas Galitzine), e a sortuda é Solène (Anne Hatha-
way), mulher de 40 anos que só estava lá para acompanhar
a filha adolescente. As semelhanças com a realidade não
são por acaso: estreia do Prime Video, o filme Uma Ideia
de Você vem de uma fonte que se mostra altamente rentável
para Hollywood: as fanfics.
Literatura amadora popularizada em sites gratuitos, a fan
fiction (ou ficção de fã) consiste em histórias que fazem re-
leituras de personagens conhecidos ou criam enredos inédi-
tos a partir de figuras públicas. A prosa varia de qualidade,
do extremo cafona ao razoável, mas uma constante é a fran-
queza sobre os desejos de suas autoras — e, logo, leitoras.
Exemplos são o fenômeno Cinquenta Tons de Cinza, advin-
do de Crepúsculo, e os livros da série After, também inspira-
da por Styles, que acumula mais de 700 milhões de leituras
no site Wattpad. Ambos os trabalhos foram resgatados pelo
mercado editorial e resultaram em adaptações cinematográ-
ficas de receita milionária — mas qualidade pífia.

2|3
INÊS249

Como provou o insosso Cinquenta Tons de Cinza, o su-


cesso das fanfics logo extrapolou o segmento juvenil, cha-
mando a atenção de mulheres adultas — público cativo de
melodramas sensuais. Assim a escritora Robinne Lee teve a
sacada de ouro por trás de Uma Ideia de Você, publicado co-
mo livro em 2017. Após descobrir que o britânico Styles ha-
via namorado a apresentadora Caroline Flack, dezesseis
anos mais velha, ela criou o mocinho popstar de sua história
e decidiu narrar os obstáculos enfrentados por uma mulher
divorciada rumo a uma nova vida sexual e amorosa.
Ao dispensar os piores cacoetes das fanfics, como rela-
cionamentos abusivos e ingenuidade excessiva, a autora pro-
duziu o melhor expoente do filão até o momento — que não
tardou a chamar a atenção de Anne Hathaway e do diretor
de comédias Michael Showalter. O filme não nega o drama-
lhão, mas se revela uma trama romântica palatável, graças,
em larga medida, ao carisma de Hathaway. Na pele da so-
nhadora madura que renasce com um jovem amor, ela mos-
tra que a tietagem explícita tem lá seu valor. ƒ

Thiago Gelli

3|3
INÊS249

CULTURA TELEVISÃO

JORNADA QUÂNTICA
Em Matéria Escura, que conta com Alice Braga no elenco,
um homem preso entre realidades paralelas vive uma
saga peculiar que explora teorias complexas da física
RAQUEL CARNEIRO

POSSIBILIDADES Edgerton na série: cientista transita por


mundos assombrosos na tentativa de voltar para sua casa

SANDY MORRIS/APPLE TV+

1|6
INÊS249

EM 1935, o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961)


sugeriu um experimento para explicar de forma didática
uma inescrutável teoria da mecânica quântica. O primeiro
passo é imaginar um gato fechado em uma caixa onde
também há um frasco com material radioativo. Se esse re-
cipiente quebrar, o gato morre. Caso contrário, ele vive.
Para quem não enxerga dentro da caixa, o resultado é apa-
rentemente ilógico: segundo o cientista, o animal está, pa-
ra quem olha assim, vivo e morto ao mesmo tempo. Quem
abrir a caixa, contudo, verá só um dos dois desfechos. Não
se trata de mera charada: o experimento amplamente co-
nhecido como o Gato de Schrödinger sugere que existem
duas realidades paralelas — e, em uma delas, o bichano te-
ve mais sorte que na outra. Na série Matéria Escura, que
estreia na quarta 8, na Apple TV+, a teoria é destrinchada
pelo professor Jason Dessen — vivido pelo australiano Joel
Edgerton — para uma sala de alunos pouco interessados.
Tal distração é desaconselhada para quem assiste à trama:
inteligente e ágil, a adaptação do livro de mesmo nome de
Blake Crouch demanda atenção. Como recompensa, ofere-
ce entretenimento de engenhosa qualidade.
Matéria Escura reforça uma leva recente de séries clas-
sificadas como hard sci-fi, um subgênero da ficção científi-
ca no qual teorias difíceis são explicadas de forma detalha-
da, acompanhadas de visual arrojado e aplicações práticas
na sociedade. É o caso da pop O Problema dos 3 Corpos, da
Netflix, sobre um enigma envolvendo forças gravitacionais

2|6
INÊS249

e uma invasão alienígena; e da incensada Fundação, tam-


bém da Apple TV+, inspirada na obra de Isaac Asimov, na
qual a humanidade é regida por uma ciência estatística que
se propõe a prever ações coletivas. Em Matéria Escura, o
autor do livro, que também atua como showrunner nos bas-
tidores, explora os meandros do dito multiverso, termo que
se tornou comum no cinema de super-heróis nos últimos
anos, mas que ganha uma roupagem mais elegante e de
apelo humano na série.
Jason é um professor universitário, pai de um adolescente
e casado com Daniela, papel de Jennifer Connelly. Um dia
ele é sequestrado e acorda em um lugar desconhecido.
Quando entra em sua casa, não encontra a família, mas, sim,
uma namorada, Amanda, interpretada pela brasileira Alice
Braga, que trabalha como psiquiatra na empresa onde Jason
é uma estrela da pesquisa quântica. A vida aparentemente
melhor, mais próspera e profissionalmente realizada não é
suficiente para prender o protagonista, que quer voltar à sua
realidade original — trilha que dá mote a uma viagem de
possibilidades obscuras e até apocalípticas, passando por
mundos onde a civilização e o planeta não acabaram bem.
Parte essencial da trama, a personagem de Alice segue a
mesma trajetória, e com um extra: ao contrário do livro, na
série ela ganha um passado que aponta para suas raízes
brasileiras — adaptação feita especialmente pelo autor para
a atriz. “Hollywood mudou bastante”, diz Alice a VEJA
(leia entrevista à dir.). “Latinos eram resumidos a papéis

3|6
INÊS249

EM CENA
Na pele da
psiquiatra:
personagem
moldada
para ela

APPLE TV+
“HOLLYWOOD MUDOU BASTANTE”
A atriz Alice Braga, de 41 anos, falou a VEJA sobre Matéria Escu-
ra e sua nova (e boa) fase no exterior.

A série passa por diferentes mundos, muitos deles


moldados pela pergunta “e se eu tivesse feito outra
escolha?”. Você pensa nisso? Já pensei, claro. Por
exemplo, e se eu não tivesse feito comerciais que me levaram a
conhecer o Fernando Meirelles? Logo, e se não tivesse feito Ci-
dade de Deus? Mas acho que eu provavelmente ainda seria
atriz, talvez mais no Brasil que nos Estados Unidos, pois eu
sempre amei estar em um set de filmagem.

Seu currículo tem várias produções de ficção cientí-


fica, como Elysium e Assassinato no Fim do Mundo.
Coincidência ou escolha? São felizes coincidências que
surgiram e eu quis fazer. Gosto do gênero, mas o que me atrai
são histórias voltadas para a construção dos personagens, suas

4|6
INÊS249

emoções e como elas se conectam com o público. Aqui falamos


de amor, família, encontro. São temas que pautam nossa vida.

Como sua nacionalidade brasileira entra nessas his-


tórias? Tivemos a sorte nessa série de ter o autor do livro ati-
vo nos bastidores como showrunner. Quando eu fui seleciona-
da para o papel, ele falou: você é brasileira, então a Amanda
também é. A partir daí, ele desenvolveu uma história para ela
que não tem no livro.

Raramente o papel de uma médica é dado a uma


atriz latina. Como vê essa evolução da indústria
americana? Hollywood mudou bastante. Latinos eram resu-
midos a papéis estereotipados, de traficantes e assassinos, por
exemplo. Hoje, temos múltiplas oportunidades. O que importa é
a atuação, e não a etnia em papéis que funcionam para qualquer
nacionalidade.

Ao se dividir entre dois países, o que perdeu e o que


ganhou com a escolha? Eu resumiria isso na palavra sau-
dade. Quando estou em Los Angeles, morro de saudade da mi-
nha família no Brasil. E, quando estou em São Paulo, sinto falta
da vida que construí aqui e das pessoas que amo. Mas acho a
saudade linda. Ela não é um sentimento, mas, sim, um estado de
espírito. E isso me consola.

5|6
INÊS249

estereotipados, de traficantes e assassinos. Hoje, temos


oportunidades múltiplas. O que importa é a atuação, e não
a etnia.” A atriz, que despontou no filme Cidade de Deus
(2002), hoje se divide entre Los Angeles e São Paulo, e
mostra na prática essa evolução. Entre 2016 e 2021, ela
protagonizou A Rainha do Sul — que, apesar de ser uma
série notável, é sobre latinos envolvidos com o narcotráfi-
co. Já na minissérie Assassinato no Fim do Mundo, lança-
da aqui no ano passado pela plataforma Star+, Alice inter-
preta uma médica astronauta, também caracterizada co-
mo brasileira. “São papéis que funcionam para qualquer
nacionalidade”, diz.
No caso de séries como Matéria Escura, em nada atra-
palha a variedade de origens dos personagens — pelo con-
trário, ela a enriquece. Para além da roupagem sci-fi, o
drama reflete sobre as consequências das escolhas que ca-
da um faz ao longo da vida. No Brasil ou nos Estados Uni-
dos, sempre existirão indivíduos felizes e arrependidos,
realizados e ressentidos. Uma jornada quântica que, ao
menos por enquanto, só a ficção pode percorrer. ƒ

6|6
INÊS249

CULTURA LIVROS

SUCESSOS AO
PÉ DO OUVIDO
Consolidados no mercado americano, os audiolivros
ganham impulso no Brasil com empurrão de gigante
do ramo e narração de atores conhecidos
AMANDA CAPUANO

SONORAS Obras
para ouvir: setor já
fatura 7,9 bilhões
de dólares
globalmente
CIMMERIAN/E+/GETTY IMAGES

1|5
INÊS249

EM 1865, o escritor José de Alencar lançou Iracema, clás-


sico indianista obrigatório nas prateleiras de qualquer bi-
blioteca brasileira. Quase 160 anos depois, o romance do
português Martim com a indígena Iracema —que, na his-
tória, dá origem ao Ceará — pode ser consumido na ínte-
gra não só nas páginas dos livros, mas também nos fones
de ouvido: um audiolivro do clássico de Alencar narrado
pelo cearense Silvero Pereira, conterrâneo do autor, acaba
de ser lançado pela empresa especializada Audible. “É
uma obra com que tive contato lá atrás. Agora, posso usar
da minha voz e sotaque para levar a história para outras
pessoas”, diz o ator, que leu o livro quatro vezes e passou
cinco dias em estúdio para realizar a missão.
Estabelecidos nos Estados Unidos há alguns anos, os
audiolivros surgiram como uma alternativa à leitura em
tempos de correria e caíram no gosto de uma geração fas-
cinada pelos podcasts — em sua maioria, os ouvintes de
audiolivros nos Estados Unidos são jovens, com 57% ten-
do entre 18 e 44 anos, de acordo com a Audio Publishers
Association. Narradas na íntegra, as obras podem ser con-
sumidas no metrô, na hora da ginástica ou antes de dor-
mir, emulando a memória afetiva das contações de histó-
rias na infância. O formato movimentou, em 2024, um
mercado global de respeitáveis 7,9 bilhões de dólares. Já
são 1,5 bilhão de usuários globais — número que deve su-
bir para 1,9 bilhão até 2029, segundo projeções do portal
estatístico Statista Market Insights.

2|5
INÊS249

AMANDA TREVISAN
VOZ CONHECIDA Silvero Pereira:
narrador do clássico nacional Iracema

Com potenciais 26,2 milhões de usuários até 2029, o


Brasil vive no momento uma corrida ao ouro no setor —
impulsionada inclusive pela entrada de capital estrangeiro
no negócio. Há seis meses no país, a Audible, maior player
internacional, colocou no mercado cerca de 1 700 audioli-
vros em português. Nas últimas semanas, a Universo dos
Livros também lançou por aqui os primeiros audiolivros
da Disney em nossa língua — O Estranho Mundo de Jack,
Star Wars — Ahsoka e A Fera em Mim. Já lá fora, a Audi-
ble anunciou para 2025 audiolivros de toda a saga Harry
Potter narrados por um elenco de 100 pessoas.

3|5
INÊS249

No campo nacional, as produtoras estão apostando,


entre outras coisas, em uma tática que se mostrou vence-
dora nos Estados Unidos: dar a esses lançamentos ares de
superproduções com narração de famosos. Além de Silve-
ro, nomes conhecidos da TV e do streaming, como Cami-
la Pitanga, Isabel Teixeira, Fábio Porchat e Mel Lisboa,
foram acionados para a competição. Produzidos com
olhar mais artístico, os audiolivros podem contar também
com efeitos especiais e trilha sonora.
Com mais obras disponíveis, aumenta-se também o le-
que de opções para o público. “O que temos visto agora é
um movimento de consumidores se engajando”, atesta
Adriana Alcântara, diretora-geral da Audible no Brasil.
Apesar do frisson fomentado pelos investimentos da gi-
gante ligada à Amazon, a produção de audiolivros vem se
desenvolvendo no país também por meio de empresas na-
tivas. Fundada em 2014, a Tocalivros é pioneira com ca-
tálogo de 2 500 audiolivros recheado de clássicos — em
breve, chega à plataforma Orgulho e Preconceito, de Jane
Austen, com elenco de oito vozes. “É algo novo, mas o ou-
vir está na gênese brasileira. Somos ótimos contadores e
absorvemos boas histórias”, diz Clayton Heringer, diretor
artístico da empresa, citando radionovelas e telenovelas.
Além de levar a literatura para momentos do dia a dia
em que ler as páginas seria uma alternativa mais compli-
cada, o modelo é uma forma importante de inclusão. Cria-
da há nove meses, a Supersônica surgiu da vontade da di-

4|5
INÊS249

retora Daniela Thomas — filha de Ziraldo — e de Maria


Carvalhosa de desenvolver uma biblioteca em áudio de
qualidade. Estudante de letras, Maria perdeu a visão aos
13 anos, mas nunca abandonou a paixão pela literatura.
“Ela não queria ficar ouvindo livros só com voz robótica.
Uma pessoa com deficiência não deve ser privada de uma
biblioteca moderna e interessante”, opina Daniela.
Produzidos em estúdios, os audiolivros são disponibili-
zados em plataformas digitais que se assemelham aos
streamings, com assinaturas mensais na faixa de 19,90
reais, que dão acesso ilimitado aos catálogos. Lá fora, o
Spotify lançou recentemente uma assinatura exclusiva pa-
ra o modelo, surfando na tendência. É possível também
adquirir as obras “à la carte” e aproveitar testes gratuitos
(ainda não há data para a chegada do serviço por aqui). É
importante lembrar que nada substitui a experiência de
folhear e ler um livro de verdade — mas saboreá-los ao pé
do ouvido também está valendo. ƒ

5|5
INÊS249

CULTURA VEJA RECOMENDA


MARK HILL/NETFLIX

DRAMA AMERICANO Jeff Daniels (centro) em Um Homem


por Inteiro: poder e falcatruas de um magnata

TELEVISÃO
UM HOMEM POR INTEIRO (A Man in Full, Estados Unidos, 2024. Disponível na Netflix)
Charlie Croker (Jeff Daniels) é um magnata do mercado
imobiliário determinado a manter seu domínio sobre a cida-
de de Atlanta. Para isso, entretanto, ele precisa sair de uma
dívida que ameaça levá-lo à falência e reavaliar a extrava-
gância do cotidiano cheio de festas da alta sociedade — vivi-
da por grande elenco, com Diane Lane e Lucy Liu, entre ou-
tros. Típico americano materialista, o protagonista é foco da
sátira que denuncia a desigualdade social aguda nos Estados
Unidos e os efeitos da especulação imobiliária nas tensões
raciais da metrópole. Adaptada do livro homônimo de Tom
Wolfe por David E. Kelley, de Big Little Lies, e dirigida por
Regina King, a minissérie traz a escrita lacerante do autor de
A Fogueira das Vaidades para 2024 e preserva sua sagaci-
dade e delicioso humor perverso.

1|8
INÊS249

TELEVISÃO
O VÉU (disponível no Star+, com episódios semanais às terças-feiras)
Em um campo de refugiados na fronteira da Síria, uma mu-
lher está em vias de ser linchada, acusada de ser agente in-
filtrada do Estado Islâmico. É salva a tempo por soldados
locais e isolada dos outros. A desconfiança, então, é geral e
válida quando Imogen (Elisabeth Moss) aparece por lá inte-
ressada na prisioneira. Espiã inglesa disfarçada, ela deve
descobrir se a mulher é ou não uma perigosa líder do grupo
terrorista que planeja, em breve, um atentado. Em ritmo de
thriller e mistério, com pitadas de drama, a série explora a
luta de egos que pauta a geopolítica, enquanto transita pela
história e pelas belas paisagens de lugares remotos da Euro-
pa e da Ásia.
STAR+

ESPIÃ Elisabeth Moss na série O Véu:


agente disfarçada em busca da verdade

2|8
INÊS249

DISCO
NONETHELESS,
de Pet Shop Boys (disponível nas plataformas de streaming)
Uma das mais aclamadas duplas pop dos anos 1990, o Pet
Shop Boys chega ao 15º álbum de estúdio fiel ao seu DNA.
Apesar do cantor Neil Tennant e do tecladista Chris Lowe
afirmarem que se trata do álbum menos dançante da carrei-
ra, ele é sem dúvida o mais melódico deles. Composto na
pandemia, carrega a melancolia do isolamento em canções
como Loneliness e Why Am I Dancing. Já Dancing Star, que
conta com o uso mais intensivo de sintetizadores, fala sobre
o bailarino soviético Rudolf Nureyev (1938-1993). ƒ

3|8
INÊS249

CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 QUARTA ASA
Rebecca Yarros [0 | 2#] PLANETA MINOTAURO

2 A BIBLIOTECA DA MEIA-NOITE
Matt Haig [1 | 95#] BERTRAND BRASIL

3 QUEBRANDO O GELO
Hannah Grace [0 | 2#] ROCCO

4 TUDO É RIO
Carla Madeira [2 | 83#] RECORD

5 EM AGOSTO NOS VEMOS


Gabriel García Márquez [4 | 7#] RECORD

6 A EMPREGADA
Freida McFadden [9 | 16#] ARQUEIRO

7 É ASSIM QUE ACABA


Colleen Hoover [3 | 137#] GALERA RECORD

8 NEM TE CONTO
Emily Henry [0 | 1] VERUS

9 VERITY
Colleen Hoover [7 | 106#] GALERA RECORD

10 JANTAR SECRETO
Raphael Montes [0 | 2#] COMPANHIA DAS LETRAS

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INÊS249

NÃO FICÇÃO
1 RITA LEE: UMA AUTOBIOGRAFIA
Rita Lee [0 | 68#] GLOBO LIVROS

2 NAÇÃO DOPAMINA
Dra. Anna Lembke [3 | 40#] VESTÍGIO

3 RÁPIDO E DEVAGAR
Daniel Kahneman [5 | 194#] OBJETIVA

4 O PRÍNCIPE
Nicolau Maquiavel [6 | 42#] VÁRIAS EDITORAS

5 AS SEIS LIÇÕES
Ludwig von Mises [2 | 3#] LVM EDITORA

6 EM BUSCA DE MIM
Viola Davis [8 | 76#] BEST SELLER

7 SOCIEDADE DO CANSAÇO
Byung-Chul Han [9 | 57#] VOZES

8 AMÉRICA LATINA LADO B


Ariel Palacios [0 | 1] GLOBO LIVROS

9 BOX BIBLIOTECA ESTOICA: GRANDES


MESTRES Vários autores [0 | 36#] CAMELOT

10 MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS


Clarissa Pinkola Estés [10 | 186#] ROCCO

5|8
INÊS249

AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 CAFÉ COM DEUS PAI 2024
Junior Rostirola [1 | 19#] VÉLOS

2 OU VAI OU VOA
Josef Rubin e Hendel Favarin [2 | 3] BUZZ

3 O LIVRO QUE VOCÊ GOSTARIA QUE SEUS PAIS


TIVESSEM LIDO Philippa Perry [3 | 6#] FONTANAR

4 PAI RICO, PAI POBRE


Robert Kiyosaki e Sharon Lechter [0 | 118#] ALTA BOOKS

5 HÁBITOS ATÔMICOS
James Clear [7 | 46#] ALTA BOOKS

6 A PSICOLOGIA FINANCEIRA
Morgan Housel [9 | 32#] HARPERCOLLINS BRASIL

7 O HOMEM MAIS RICO DA BABILÔNIA


George S. Clason [8 | 166#] HARPERCOLLINS BRASIL

8 MÃE, ME CONTA SUA HISTÓRIA?


Elma Van Vliet [0 | 1] SEXTANTE

9 ESSENCIALISMO
Greg McKeown [0 | 38#] SEXTANTE/GMT

10 COMO FAZER AMIGOS & INFLUENCIAR


PESSOAS Dale Carnegie [0 | 120#] SEXTANTE

6|8
INÊS249

INFANTOJUVENIL
1 CADERNO DE MALDADES DO SCORPIO
Maidy Lacerda [0 | 1] OUTRO PLANETA

2 AMÊNDOAS
Won-pyung Sohn [0 | 21#] ROCCO

3 PROMESSAS CRUÉIS
Rebecca Ross [3 | 3] ALT

4 O PEQUENO PRÍNCIPE
Antoine de Saint-Exupéry [2 | 416#] VÁRIAS EDITORAS

5 TAYLOR SWIFT ATRAVÉS DAS ERAS


Universo dos Livros [0 | 1] UNIVERSO DOS LIVROS

6 O FABRICANTE DE LÁGRIMAS
Erin Doom [1 | 4] HARPERCOLLINS BRASIL

7 DIVINOS RIVAIS
Rebecca Ross [0 | 4#] ALT

8 MINHA VIDA FORA DE SÉRIE


Paula Pimenta [0 | 2#] GUTENBERG

9 A LENDA DA CAIXA DAS ALMAS


Paola Siviero [4 | 2] GUTENBERG

10 HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL


J.K. Rowling [5 | 424#] ROCCO

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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita: Real
Peruíbe, Barueri: Travessa, Belém: Leitura, SBS, Travessia, Belo Horizonte: Disal, Jenipapo,
Leitura, Livraria da Rua, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura, Blumenau:
Curitiba, Brasília: Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura, Cachoeirinha:
Santos, Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila, Loyola, Senhor
Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do Jordão: História sem Fim, Campos dos
Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler, Santos, Capão da Canoa: Santos, Caruaru: Leitura,
Cascavel: A Página, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura, Cotia: Prime, Um
Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba, Disal, Evangelizar,
Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Catarinense, Fortaleza: Evangelizar,
Leitura, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Frederico Westphalen: Vitrola, Garopaba: Livraria Navegar,
Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS, Governador Valadares: Leitura, Gramado: Mania de Ler, Guaíba:
Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Ipatinga: Leitura,
Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa: Leitura, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de
Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí: Leitura, Limeira: Livruz, Lins: Koinonia, Londrina: A Página,
Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura, Maceió: Leitura, Livro Presente, Maringá: Curitiba,
Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar, Leitura, Natal: Leitura, Niterói: Blooks, Palmas: Leitura,
Paranaguá: A Página, Pelotas: Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa:
Curitiba, Porto Alegre: A Página, Cameron, Disal, Leitura, Macun Livraria e Café, Mania de
Ler, Santos, SBS, Taverna, Porto Velho: Leitura, Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes, Ribeirão
Preto: Disal, Livraria da Vila, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura,
Leonardo da Vinci, Odontomedi, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz, LDM,
Leitura, SBS, Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura,
Santos: Loyola, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila, São João
de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura, São José dos Campos:
Amo Ler, Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, São Luís: Hélio Books, Leitura, São
Paulo: A Página, B307, Círculo, Cult Café Livro Música, Curitiba, Disal, Dois Pontos,
Drummond, Essência, HiperLivros, Leitura, Livraria da Tarde, Livraria da Vila, Loyola,
Megafauna, Nobel Brooklin, Santuário, SBS, Simples, Vozes, Vida, WMF Martins Fontes,
Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga: Leitura, Taubaté: Leitura,
Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, SBS, Umuarama: A Página, Vila Velha: Leitura, Vitória:
Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, internet: Amazon, A Página, Authentic E-commerce,
Boa Viagem E-commerce, Canal dos Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza,
Sinopsys, Submarino, Travessa, Um Livro, Vanguarda, WMF Martins Fontes

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JOSÉ CASADO

TUDO PELO “SOCIAL”


UMA EMPRESA pública de energia resolveu pulverizar
um terço de sua receita com a venda de eletricidade em doa-
ções financeiras a prefeituras do Paraná e de Mato Grosso
do Sul neste ano de eleições municipais. O custo dessa mag-
nanimidade, naturalmente, é repassado na conta de luz,
principalmente aos consumidores do Sul e do Sudeste.
Itaipu Binacional está doando 460 milhões de dólares,
ou 2,3 bilhões de reais, a projetos que classifica como “so-
cioambientais” em 430 municípios, onde vivem 11 milhões
de eleitores. Paga a construção de pontes, de trechos de ro-
dovias, de ciclovias, reformas de aeroportos e quase todo ti-
po de iniciativa caraterizável como “social” ou “ambiental”.
Não é pouco dinheiro. Equivale à metade da verba pública
prevista para financiamento das campanhas de mais de
55 000 candidatos a prefeito e vereador em 5 570 cidades. Vo-
lume de recursos assim é miragem em qualquer ministério. Se-
ria suficiente para bancar, por exemplo, a construção em todo
o país de 990 novas Unidades Básicas de Saúde, mais da meta-
de das 1 800 que o governo Lula anuncia como prioritárias.
Itaipu fragmenta um terço de seu faturamento anual com a
justificativa da “responsabilidade socioambiental”. É o que diz

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o balanço financeiro de 2023 que divulgou na semana passa-


da. A empresa opera com regras peculiares, criadas a partir de
acordos com o Paraguai. Sua administração é paritária e obe-
diente a uma “regra de ouro”: para cada dólar gasto num país
haverá, obrigatoriamente, despesa de igual valor em outro.
Do lado brasileiro, o diretor-geral é o ex-deputado federal
Enio Verri, provável candidato do Partido dos Trabalhadores
ao governo do Paraná em 2026. No conselho de administra-
ção estão a tesoureira do PT, Gleide Andrade de Oliveira, e
cinco ministros (Casa Civil, Minas e Energia, Gestão, Fazen-
da e Itamaraty). Por coincidência, o calendário da empresa
para patrocínio de projetos a fundo perdido começa na cam-
panha eleitoral deste ano, atravessa as eleições gerais de 2026
e se estende até o meio do mandato do próximo governo.
Itaipu é uma ilha no arquipélago corporativo do Estado
brasileiro. Não reconhece nem se submete às normas de
transparência e de prestação de contas aos órgãos nacionais
de fiscalização. No início do ano, o Tribunal de Contas da
União mandou a Casa Civil da Presidência estabelecer crité-
rios de seleção e prioridade de investimentos em projetos
“socioambientais”. O Senado cobrou. Na última quarta-feira
(30/4), o chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse aos senadores
que não é possível controlar gastos nessa empresa pública
sem “descumprir um tratado internacional”.
A generosidade com prefeituras foi incorporada ao custo
operacional da usina hidrelétrica. Como registraram audito-
res da PricewaterhouseCoopers no balanço financeiro, as

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“Itaipu virou usina de


doações bilionárias na
temporada eleitoral”
doações acabaram transformadas em “componente perma-
nente da atividade de geração de energia”, com repasse dire-
to ao bolso dos consumidores.
Eram residuais vinte anos atrás. Mas em 2022, durante a
campanha de Jair Bolsonaro à reeleição, as despesas “socio-
ambientais” brasileiras subiram para 252 milhões de dóla-
res (1,2 bilhão de reais). No ano passado, o governo Lula de-
cidiu elevá-las exponencialmente. E assim, os gastos “socio-
ambientais” com prefeituras cresceram para 460 milhões de
dólares (2,3 bilhões de reais). Ou seja, aumentaram 82,5%
em apenas uma dúzia de meses.
É incomum uma empresa, pública ou privada, presentear
um terço da sua receita operacional. Mais raro ainda é uma
usina hidrelétrica doar dinheiro numa escala 20% acima
das próprias despesas declaradas com “operação, manuten-
ção e administração”. A liberalidade de Itaipu com 399 pre-
feituras do Paraná e 31 de Mato Grosso do Sul já custa à em-
presa pública 50% mais que a folha de salários.
No Congresso, prevalece a percepção de que se trata de um
orçamento eleitoral secreto, ou paralelo, sem controle ou fisca-

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lização, usado por Bolsonaro e consagrado por Lula. O custo


crescente despertou a curiosidade de entidades de consumido-
res. Na semana passada, divulgaram uma análise demons-
trando que o preço da energia vendida por Itaipu já é quase o
triplo do cobrado por outras oito grandes usinas hidrelétricas.
Um dos efeitos do alto preço da energia no Brasil, que é das
mais caras do planeta, é a corrosão da renda das famílias mais
pobres. Cerca de 10% da renda doméstica desaparece no con-
sumo de eletricidade, mostram estudos recentes da Abrace
Energia. Esse gasto acaba duplicado pelo custo da energia
embutido em mercadorias e serviços. Itaipu é caso exemplar
de filantropia com peso específico no bolso dos pobres. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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