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DIREITO DAS SUCESSÕES – SUMÁRIOS PARA AULAS - 2023/2024

PROGRAMA GERAL

O presente programa foi concebido para a cadeira de Direito das Sucessões para os
estudantes do 5º ano do Curso de Direito do ISPT, referente ao ano académico
2023/2024.

Objectivo

O principal objectivo é de ajudar os estudantes a perceberem os conceitos


fundamentais da disciplina e no final serem capazes de aplicar os pressupostos legais
nos casos ligados à partilha da herança.

Introdução

Considerações gerais

Enquadramento histórico

Sentidos do termo Sucessão

CAPITULO I: DAS SUCESSÕES EM FGERAL

1. Conceito do Direito das Sucessões

2. Objecto e âmbito do Direito das sucessões

3. Sucessão em vida e por morte

4. Especies de sucessões

5. Partilha em vida

Elaboração: Nicolau Daniel Página 1


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CAPITULO II: O HERDEIRO E O LEGATÁRIO

1. Antecedentes legislativos

2. Especies de sucessíveis

3. Análise do artigo 2030º CC; o critério legal de distinção entre

4. O critério legal de distinção entre o herdeiro e o legatário

4.1. A totalidade do património e universalidade dos bens

4.2. Noção de quota

4.3. Determinação, determinabilidade e especificação

4.4. A qualificação legal de algumas deixas duvidosas

4.5. O teor da relevância da vontade do testador

4.6. Explicações do critério legal do artigo 2030º, nº 2

5. Os estatutos legais do herdeiro e do legatário

5.1. O direito de exigir parilha

5.2. Responsabilidade pelos encargos da partilha

5.3. O direito de acrescer

5.4. Instituição a termo

5.5. Distinção em matéria de invetário

5.6. Direito de preferência na venda da herança

5.7. Prerrogativa na protecção da personalidade do de cujo

5.8. Indivisibilidade da vocação

5.9. A posição reciproca do herdeiro e do legatário

6. O problema da essência e finalidade da herança e do legado

Elaboração: Nicolau Daniel Página 2


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O FENÓMENO JURÍDICO-SUCESSÓRIO

Capítulo I: Abertura da Sucessão

1. A morte como pressuposto da sucessão

2. O momento da abertura da sucessão

3. O lugar da abertura da sucessão

Capitulo II: A vocação sucessória

1. Conceito de vocação – vocação e devolução

1.1. Divergência doutrinária

2. Pressupostos da vocação

2.1. Existência do chamado

2.2. A titularidade da designação prevalente

2.3. A capacidade sucessória – indignidade e deserdação

3. Modalidades de vocação

3.1. Vocação una e múltipla

3.2. Vocação directa e indirecta

4. Vocações anónimas

4.1. A substituição directa ou vulgar

4.2. O direito de representação

4.3. O direito de acrescer

4.4. A substiuição fideicomissária

5. A herança jacente

Elaboração: Nicolau Daniel Página 3


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6. A aceitação e o repúdio

7. A administração, liquidação e partilha da herança

Capítulo III: A sucessão legitimária

1. Cálculo da legítima

2. Efectivação do direito à legítima

2.1. O legado por conta da legítima

2.2. O legado em substituição da legítima

2.3. As doações ou liberalidades em vida

2.3.1. Imputação

2.3.2. A colação

2.3.3. O Legitimário-donatário

2.3.4. A partilha em vida

3. A intangibilidade quantitativa e qualitativa da legítima

4. A natureza do direito à legítima

BIBLIOGRAFIA

1. Carlos Pamplona Corte Real. Curso de Direito das Sucessões. Edição Quid juris?,
Lisboa 2012.

2. Cristina Araújo Dias. Lições de Direito das Sucessões. 7ª Edição. Almedina,


Coimbra, 2021.

3. Cristina Araújo Dias. Código Civil Anotado. Livro V – Direito das Sucessões. 2ª
edição. Coimbra, 2022.

4. Jorge Augusto Pais de Amaral. Direito da Família e das Sucessões. 6ª Edição,


Almedina. Coimbra, 2022.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 4


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Introdução

Enquadramento histórico

Torna-se importante considerar que a transmissão das relações jurídicas patrimoniais


para outrem por força da morte do seu titular é reconhecida pelas sociedades na
atualidade e ao longo da história. Este fenómeno foi sempre reconhecido, sendo este
um direito de caráter consuetudinário.

A transmissão dos bens, para os povos germânicos, não obedecia a uma demonstração
de vontade por parte do titular dos mesmos. A propriedade não está encabeçada no
individuo, mas no grupo familiar, e o chefe do grupo não é um proprietário
individual, mas um administrador dos bens que se encontram em situação de
propriedade coletiva. Morto o chefe da família, os bens não são devolvidos a um
sucessor segundo uma disposição voluntária dos mesmos, efetivada pelo seu titular.
Os bens continuam a pertencer ao grupo ou à família; estão reservados para ela e
acontece apenas que um novo membro do grupo (por exemplo, um filho do falecido)
assume a titularidade dos mesmos como administrador dos bens que a todos
pertencem num regime de comunhão ou propriedade coletiva.

No DIREITO ROMANO, a concepção é radicalmente oposta, centrando-se na total


liberdade de designar um sucessor por testamento. Havia consagração plena e
ilimitada da liberdade de testar. Não se obrigava o testador a deixar bens a
determinadas pessoas, não havendo herdeiros legitimários (forçosos ou necessários, a
quem é sempre atribuída uma parte da herança, independentemente da vontade do
falecido).

COMPARAÇÃO: Desta forma, consideram-se duas linhas de evolução histórica no


que toca ao chamamento dos sucessores à herança: 1- Evolução dos direitos germânicos:
ideia de propriedade familiar e sucessão reservada aos membros da família → Mas
reconhecimento posterior da liberdade de dispor de uma quota da herança; 2- Evolução
do direito romano e dos povos latinizados: ideia de total liberdade de testar → Mas
estabelecimento ulterior de restrições, em ordem a dar cumprimento ao dever de
auxílio e assistência aos familiares.

→ Surgimento da legítima: Para o direito romano, a quota legítima é excepção,


constituindo uma restrição à liberdade de testar. Para o direito germânico, a
quota disponível é excepção, sendo uma limitação da reserva hereditária

Elaboração: Nicolau Daniel Página 5


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destinada à família. A maior parte dos ordenamentos jurídicos, hoje reconhece:


1- Sucessão testamentária: corolário na liberdade de atestar. 2- Sucessão
legitimária: corolário no cumprimento do devedor moral de assistência
recíproca entre familiares, mesmo para além da morte. A solução resulta destas
duas evoluções históricas.

Exemplo: Kirk Douglas faleceu recentemente e deixou toda a sua fortuna a uma
fundação, os filhos receberam 0. Nos EUA, país anglo-saxónico, o testador tem
uma ampla liberdade de testar. Em Portugal e demais países do direito latino-
germanico, o testador pode dispor na totalidade ou de parte dos seus bens; mas,
se o de cujus tiver herdeiros legitimários (cônjuge, ascendentes, descendentes),
não pode dispor da totalidade da herança. Na melhor das hipóteses, pode
dispor de metade da herança (se houver cônjuge e descendentes, só pode dispor
de 1/3). A liberdade do testador é limitada.

Por muito limitado que possa ser o âmbito da sucessão, há sempre um conjunto
de direitos e de obrigações que não se extinguem à morte do seu titular, sob
pena de soluções inaceitáveis e injustas. Por exemplo: extintos os créditos, os
devedores ficariam liberados das suas dividas em consequência do falecimento
do credor; ou extintas as dividas, os credores do falecido veriam frustrados os
seus direitos de crédito e injustamente prejudicados. Assim, o fenómeno
sucessório assegura a continuidade das relações jurídicas do decujos, evitando
a sua extinção. A existência do fenómeno sucessório está ligada ao
reconhecimento da propriedade privada, que só é plenamente assegurada se se
admitir a sua transmissibilidade em vida e por morte.

CAPITULO I: DAS SUCESSÕES EM GERAL

1. Conceito do Direito das Sucessões

Direito das Sucessões é o conjunto de normas que disciplinam a transferência do


património (activo e passivo – créditos e débitos) de alguém, depois de sua morte, em
virtude da lei ou testamento. Está regulado nos arts. 2.024º a 2334º CC. O
fundamento do direito sucessório é a propriedade, conjugada ou não com o
direito de famílmia.

Em termos genéricos, a sucessão é o fenómeno pelo qual uma pessoa se


substitui a outra, tomando seu lugar. Para Pereira Coelho, “existirá um fenómeno

Elaboração: Nicolau Daniel Página 6


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sucessório sempre que uma pessoa assume, numa relação jurídica que se mantém
identica, a mesma posição que era ocupada anteriormente por outra pessoa”1.

Para Cristina Araujo, a sucessão pode ser considerada “a titulo singular ou


universal. Será singular se a sucessão ocorrer em certo direito ou em certa vinculação de
forma isolada (Ex deixo o meu livro de sucessóes ao meu amigo Manuel). A sucessão
universal se verifica abarcando várias vinculações consideradas de forma conjunta.
Nesta modalidade adquire-se o patrimonio na totalidade”.

Conceito Legal de sucessões

Nos termos da lei, o artigo 2024º, CC define a sucessão como o chamamento de


uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa
falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.

Em relação ao conceito de sucessões, a doutrina é díspare. Parte da doutrina


entende a sucessão como uma harmonização “mortis causa”, porque existem direitos e
obrigações que se encontravam na esfera jurídica do decujus e devido a sua morte esses
direitos e obrigações deixam de estar na esfera jurídica do decujus e transferem-se para a
esfera jurídica do sucessor. Devido a ocorrência da morte, os direitos e obrigações
do decujus mudam de titular.

Outro sector da doutrina analisa as coisas numa perspectiva diferente. A morte


extingue a personalidade jurídica do decujus. Logo, alguém tem de ocupar a posição
deste. Portanto, não são os direitos e obrigações que mudam de titular. Quem adquire
a posição do decujus adquire os seus direitos e obrigações.

Porém, tanto um sector como outro, prevalece a ideia de que a sucessão é sempre
uma aquisição mortis causa. É a morte de uma certa pessoa que faz com que os seus bens
sejam adquiridos por outrem.

2. Objecto e âmbito de Sucessões (art. 2025º, CC)

“ 1. Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por
morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.
“ 2. Podem também extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos
renunciáveis” (art. 2025º).

1
Cfr. Pereira Coelho in Lições de Direito das sucessões de Cristina Araujo Dias, 7ª ed, pg.45.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 7


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O problema
Com a determinação do objecto da sucessão pretendemos aferir que situações
são transmissíveis e que situações são intransmissíveis por morte. Para
chegarmos a essa con clusão, temos que fazer uma distinção prévia entre
situações jurídicas de carácter patrimonial e situações jurídicas de caracter
pessoal.

A intransmissibilidade por morte de certas situações jurídicas patrimoniais


Relativamente a estas situações há casos em que a lei determina a
intransmissibilidade de situações jurídicas de carácter patrimonial. Ex: o direito do
usufruto, o direito de uso e habitação, o direito a alimentos e o direito a preferência
convencional.

2.1. Análise crítica do artigo 2025º, cc

O art. 2025, efectua uma delimitação negativa do objecto da sucessão, ou seja,


diz-nos o que não se pode transmitir por via da sucessão. Portanto, tudo o que
não for ex cluído é passível de transmissão por morte. Há, porém, relações
jurídicas que, com a morte do titular extinguem-se. Esta extinção acontece por
duas vias:

Em razão da sua natureza


Por força da lei

Relativamente a esta questão, deparamo-nos com uma querela doutrinária


apresentada por diferentes professores.

Professor Galvão Teles: segundo ele, quando o legislador diz “em razão da sua
natureza”, é porque nos encontramos perante uma norma imperativa ou seja,
uma norma que não pode ser afastada por vontade das partes. Quando o
legislador diz “por força da lei”, neste caso, estamos perante uma norma
supletiva. Quer isto dizer que, em princípio, a lei proíbe. Porém, se o decujus
quiser estabelecer de outro modo pode faze-lo.

Professor Spinoza Gomes da Silva: para este, quando o legislador diz “em razão
da sua natureza” refere-se a direitos que se encontram de tal forma ligados ao
seu titular, que não podem ser transmitidos a outros. Ex: contrato de trabalho,
direito a alimentos… São direitos que, mesmo que a lei dissesse que se
transmitiam por sucessão isto não poderia ocorrer, já que estaríamos perante
uma incompatibilidade em virtude da natureza do direito. A lei não poderia
despor neste sentido. Assim sendo, são relações jurídicas que se extinguem com
a morte, em razão da sua natureza.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 8


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Quando o legislador diz “por força da lei”, tratam-se de situações em que a lei
dispôs deste modo mas que poderia tê-lo feito de forma diferente. O legislador
entende que estas relações jurídicas não se deveriam transmitir por morte.

O legislador entende desta forma porque quis, na medida em que, neste caso,
não há nada na sua natureza jurídica que o impeça de ser transmitido por
morte. O direito de preferência convencional não se transmite por morte. O
legislador legislou deste modo porque entendeu ser o melhor. No entanto, não
há nada na natureza desse direito que o impeça de ser transmitido por morte.
Situações jurídicas de caracter pessoal

Para além das situações jurídicas patrimonias, a lei prevé igualmente a


intransmissibilidade de situações jurídicas de caracter pessoal, insusceptíveis de
avaliação pecuniária. Ex: direitos de personalidade, direitos de caracter político…. Em
princípio, estes direitos não são transmissíveis por morte. No entanto, há
algumas situações que nos causam dúvidas.

Em determinados casos, parecem existir direitos de natureza pessoal que se


transmitem ao sucessor do falecido. Ex. art. 71 e sgts, CC. Em todos estes casos
parece que se transmitem situações jurídicas de caracter pessoal. Há também
outras situações duvidosas relacionadas com o processo civil. Admite-se que
certos familiares do decujus possam prosseguir acções de estado que tenham
sido intentadas por ele em vida. Ex. reconhecimento de união de facto e
paternidade.

Nestes casos, a doutrina é unanime em considerar que não há transmissão de


situações jurídicas de caracter pessoal. Em relação a esta questão, não se trata de
direitos de caracter pessoal que se transmitem mas sim de direitos novos que
nascem na esfera jurídica dos familiares deste. Ex. direito ao bom nome… Não se
trata de transmissão do direito ao bom nome do decujus para os seus familiares.
Estamos sim perante um direito que os familiares têm de não ver o nome de um
familiar seu já falecido ser ofendido.

Conclui-se desta forma que, não há transmissão por morte de situações


jurídicas de caracter pessoal. Há direitos novos que surgem na esfera jurídica
dos familiares ou herdeiros.

2.2. Indemnização do dano morte

A doutrina faz uma referência ao problema da transmissibilidade mortis causa


do direito de indemnização de danos não patrimoniais. Note-se que esta
questão só se coloca se o credor do direito de indemnização tiver morrido antes

Elaboração: Nicolau Daniel Página 9


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de exercer o seu direito: se já o exerceu e o direito está reconhecido pelo


devedor ou por decisão judicial, ou se a indemnização já foi paga, esse
montante pecuniário transmite-se, nos termos gerais, aos sucessores. Se a
indemnização ainda não foi paga, o correspondente crédito transmite-se aos
sucessores, entendendo a doutrina que se deve admitir a transmissibilidade do
direito de indemnização de danos não patrimoniais.

Questão particular é a de do ato ilícito que gera o dever de indemnização


decorrer a morte do lesado. A lei estabelece um regime próprio para o caso de
lesão de que proveio a morte (495º/1). Questão diferente é a de saber se o
próprio dano morte do lesado é indemnizável, e, sendo-o, se ele se constitui na
sua esfera jurídica e se é transmissível aos seus herdeiros: a situação vem
regulada no art. 496º/4, cuja interpretação gera dúvidas e divisão doutrinária. E
se a morte ocorrer imediatamente, por efeito da lesão e no momento dela?

Caso prático: A foi à discoteca e é assaltado por B que tem como arma uma seringa com
vírus de HIV. A oferece resistência e B injecta o seu conteúdo. Dois anos depois, A
morre. Terá A direito a indemnização pela sua morte?
Soluções:

Indemnização do dano morte

Existem quatro argumentos no sentido de não ser a própria vítima a receber a


indemnização:

1. O bem vida não tem um valor monetário, portanto, não deve existir qualquer
indemnização;

2. Não faz sentido atribuir à vítima uma indemnização, uma vez que esta nunca
poderá beneficiar da mesma;

3. A vítima não pode receber a indemnização porque não se pode receber em


vida uma indemnização pela morte;

4. Se se admitir o direito de a vítima receber uma indemnização pela sua morte,


os herdeiros receberiam duas indemnizações. A primeira devido a transmissão
da indemnização adquirida pela vítima e a segunda seria a indemnização
atribuída pelo sofrimento causado pela morte do seu familiar.

Apreciação doutrinária
1. Respondendo ao primeiro argumento, segundo o qual a vítima não pode
receber indemnização, visto que o bem vida não é avaliável pecuniariamente,

Elaboração: Nicolau Daniel Página 10


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ninguém contesta este argumento. É certo que o bem vida não é avaliável em
termos pecuniários. De qualquer forma, é melhor indemnizar do que
absolutamente não fazer nada.

2. Se se indemnizam danos menos graves, como são as ofensas corporais, então,


por maioria da razão tem que se indemnizar o dano mais grave, que é a morte.
Para o professor Galvão Teles, o argumento que defende que a pessoa não pode
receber a indemnização pela sua própria morte, porque já não tem
personalidade jurídica não colhe. A morte é o último momento da vida.
Quando a pessoa começa a morrer ainda está viva. Logo, possui personalidade
jurídica.

Existem todavia outras posições doutrinárias que tentam defender a


indemnização por morte, como é o caso do professor Vaz Serra ao estabelecer
algumas premissas que levam a concluir que a pessoa pode receber a
indemnização pela morte. O que determina a indemnização não é dano e sim, o
facto ilícito.

O professor Leite Ramos entende que a vítima pode receber a indemnização


pela própria morte, porque o momento decisivo para se atribuir a indemnização
é o início do dano.

A doutrina dominante diz que a indemnização pela morte é um direito


concedido aos familiares do de cujus. Portanto, é uma indemnização que decorre
de facto por se ter causado um grande sofrimento a alguém devido a perda do
ente querido. Assim, a indemnização surge como “compensação” pelo sofrimento
dos familiares pela perda e não a morte propriamente dita.

Esta indemnização é um direito novo que surge na esfera jurídica dos familiares
do de cujus. Não se trata aqui de uma indemnização que entra na esfera jurídica
do falecido e posteriormente transmitida por via sucessória.
Assim sendo, para o professor Galvão Teles, nos termos do art. 496,3 estão em
causa duas indemnizações:
A primeira é a que a vítima recebe pela morte e é transmitida aos sucessores pela
via sucessória normal ou seja, de acordo com a ordem estabelecida pelo art. 2133,
cc.
A segunda indemnização é atribuída por direito próprio pelos familiares em
virtude de terem perdido um ente querido. Quem recebe esta indemnização são
as pessoas indicadas no art. 496,2. Para este professor, só assim que se explica a
parte final do art. 496,3. CC.

Posição dos professores Spinoza Gomes da Silva e Pereira Coelho: Defendem estes
autores que, só está em causa uma indemnização que será atribuída às pessoas que

Elaboração: Nicolau Daniel Página 11


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constam do art. 496,2. Não admitem aqui a indemnização por morte que
posteriormente é transmitida por via sucessória. No entanto, para se determinar
o valor da indemnização é necessário ter em conta dois factores:
1º os danos sofridos pelas pessoas que constam do art. 496,2 e
2º os danos sofridos pela própria vítima.

Trata-se de uma indemnização com duas parcelas. É esta a interpretação que


estes autores fazem da parte final do art. 496,3. Esta posição apresenta algumas
deficiências:
1- vai contra as regras da responsabilidades civil, porque ninguém pode ser
indemnizado por um dano sofrido por outra pessoa;
2- como as pessoas que recebem a indemnização são apenas as que constam do
art. 496,2, caso estas não existam também não haverá indemnização.

Professor Pamplona Corte Real: para ele, o art. 496,3 refere-se a 2 tipos de danos:
Os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima – relativamente a estes
será a própria vítima a receber a indemnização;
Os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima.

O art. 496,3 aplica-se àquelas situações em que existe um lapso de tempo entre a
lesão que vai provocar a morte e a própria morte. Aplica-se àqueles casos em
que a morte não é imediata. Neste caso, a própria vítima vai receber uma
indemnização pela presciência da morte. O saber que se vai morrer causa
sofrimento e este sofrimento é um dano patrimonial que deverá ser
indemnizado. Neste caso em que existe um lapso entre a causa da morte e a
morte, a vítima deverá ser indemnizada: primeiro pelos danos causados pela
presciência da morte e segundo pelos danos ocorridos quando a morte não é
instantânea.

Em relação ao caso prático, existe um lapso de tempo entre o momento em que o


conteúdo da seringa é injectado a A e a morte. O A que foi contaminado deve
ser indemnizado pelo seguinte:

Pelo facto de saber que vai morrer;


Tem que ser indemnizado por todas as situações causadas pela evolução do
HIV, Ex. gastos com os medicamentos, antirretrovirais, etc.

No entanto, a sucessão não seguirá a via sucessória normal, quer dizer, não
segue a lista indicado no art. 2133. A sucessão da indemnização far-se-á de
acordo com a lista indicada no art. 496,2, ou seja, aparece logo em primeiro
lugar o cônjuge, filhos, os ascendentes, irmãos, sobrinhos….

Elaboração: Nicolau Daniel Página 12


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A indemnização que está em causa aqui, não é a indemnização pela morte e


sim, pelo sofrimento da pessoa que sabe que vai morrer. Esta indemnização vai
ser transferida às pessoas que constam no art. 496,2.

Para o professor Pamplona Corte Real, o artigo 496,3, parte final, (podem ser
atendidos não só os danos patrimoniais….) porque quando a morte for
instantânea, não existirá lapso de tempo entre a lesão e a própria morte e
portanto, não existe lugar a esta indemnização (por isso se diz podem….). Se a
morte for instantânea ninguém pode ser indemnizado pela presciência da morte
e não há tempo para que esta pessoa gaste dinheiro com as despesas de
medicamentos e outras…

3. Sucessão em vida ou por morte

Existirá um fenómeno sucessório sempre que uma pessoa assume a mesma


posição que era ocupada anteriormente por outra pessoa. Neste conceito amplo
integram-se dois elementos: 1- Modificação subjetiva numa relação jurídica; e 2-
Relação jurídica mantém-se a mesma; A sucessão pressupõe que o direito que
se transmite para um novo titular permanece o mesmo. Ao transmitir-se, não se
extingue.

Sucessão em vida, a modificação subjetiva da relação jurídica opera em vida do


anterior titular, por força de um ato jurídico translativo do direito ou obrigação,
que consubstancia um negócio outorgado entre o antigo e o novo titular e de
que resulta a transmissão. Na sucessão em vida, a morte é irrelevante, ou seja, a
morte não é a causa da transmissão de bens ou de direitos sobre os bens. Para o
Professor Jorge de Amaral2, a sucessão inter vivos depende de um acto de disposição
por parte do titular do direito a que corresponde um acto de vontade do adquirente,
existindo assim uma verdadeira transmissão. A sucessão inter vivos pode ser
voluntária (compra e venda, doação, cessão de crédito..) ou forçada e coactiva
(expropriação por utilidade pública ou venda judicial em processo executivo).

Já na sucessão “mortis causa” a referida modificação subjetiva só se verifica após


a morte do anterior titular da relação jurídica. “Em vida deste não se opera qualquer
transferência do direito, que continua radicado na sua esfera jurídica”3. Aqui, a morte
é a a verdadeira causa da transferência da titularidade dos bens ou dos direitos
sobre os bens. No fundo, na sucessão mortis causa, a morte é a causa da
transferência da titularidade dos bens ou dos direitos sobre os bens. A distinção

2
Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito da Família e das sucessões, 6ª edição, pag. 269.

3
Cfr. Cristina Araujo Dias. Lições de Direito das Sucessões. Pag. 50-51

Elaboração: Nicolau Daniel Página 13


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é relevante, uma vez que só à sucessão mortis causa se aplicam as normas do


Livro V do CC. À sucessão em vida aplicam-se as regras próprias do negócio
em causa.

Desta forma, existe alguma discussão em admitir algumas situações, como as


doações, como sucessão mortis causa. Entre estas podemos mencionar as
seguintes:

1- Doação por morte (art. 946º): se a doação é feita por causa da morte, isto
é, se a morte do doador é causa da transmissão dos bens doados. De
acordo com a regra geral do artigo 946º, as doações por morte são
proibidas.
2- Doação em vida: se a doação produz imediatamente os seus efeitos,
atribuindo ao donatário um direito sobre os bens doados.

Cabe então fazer uma delimitação negativa daquilo que, embora com as
devidas aspas, não é uma sucessão mortis causa:

1- Doação com reserva de usufruto (958º) O doador tem a faculdade de


reservar para si ou para terceiro o usufruto dos bens doados. Nesse
sentido, apesar de a propriedade plena sobre os bens doados só se
produzir na esfera jurídica do donatário após a morte do doador
(quando se extingue o usufruto), a doação produz imediatamente os seus
efeitos, sendo, portanto, uma doação em vida.
2- Doação com reserva do direito de dispor (959º) Trata-se também de uma
doação em vida: o doador pode reservar para si o direito de dispor – por
morte ou por ato entre vivos – de alguma ou algumas das coisas
compreendidas na doação, ou o direito a certa quantia sobre os bens
doados. O direito de dispor, de caráter pessoal, extingue-se por morte do
doador. Assim, só com a morte deste é que o donatário adquire o direito
de propriedade pleno sobre os bens doados, mas estes transmitem-se
imediatamente ao donatário, ainda que sob tal condição resolutiva de o
doador exercer o direito de dispor que se reservou.
3- Doação “cum moriar” (quando eu morrer) O doador pode estipular que
os bens doados só se transfiram para o donatário quando o doador
falecer. Também aqui a doação é em vida, uma vez que o donatário
adquire logo um direito sobre os bens doados.
4- Doação “si praemoriar” Esta doação produzirá efeitos: a) Quando o
doador falecer (termo suspensivo); b) Se ele morrer antes do donatário
(condição suspensiva). Não se trata de uma doação sujeita a termo, como
a anterior, mas sujeita a termo e condição. Esta é uma doação sujeita a
termo e condição. Trata-se de uma doação em vida que atribui
imediatamente ao donatário um direito sobre os bens doados (de que o

Elaboração: Nicolau Daniel Página 14


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donatário já pode dispor em vida do doador, nos termos gerais do art.


274º).

4. Especies de sucessão (art. 2026º-2028º, CC)

Rebuscando o artigo 2024º CC, a primeira questão que se coloca é como é que o
CC regula a transmissão dos bens por morte, como se processa a sucessão com
o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais do falecido?

O artigo 2026º CC responde esta questão ao estabelecer os títulos de vocação


sucessória, que aqui designamos tambem como “Especies de sucessões”, sendo
admitidos três:
1- Lei;
2- Testamento;
3- Contrato.

Olhando para os títulos de vocação sucessória do artigo epigrafado, podemos


perceber que na prática existem duas especies de sucessões mortis causa: a
sucessão legal e a sucessão voluntária, sendo as demais sub partes de cada uma
das duas especies. Assim, sendo vamos analisar as duas especies de sucessões.

1- Sucessão Legal: decorre da lei e se subdivide em: legítima e legitimária,


consoante possa ou não ser afastada pela vontade da pessoa falecida
(2027º).

 Sucessão legitimária: é deferida por lei e não pode ser afastada pela
vontade do autor da sucessão. “Diz respeito à porção de bens de que o
de cujus não pode dispor por estar destinada por lei aos herdeiros
legitimários, nos termos do artigo 2157º CC”.

Nos bens do de cujus pode-se distinguir duas porções de bens: a quota


indisponível ou legítima – porção de bens de que o autor da sucessão não pode dispor,
por estar destinada ao conjuge, descendentes ou ascendentes, como herdeiros
legitimários- (art. 2158º - 2161º) e a quota disponível ( porção de bens que o
autor da sucessão pode dispor a favor de quem entender). Assim, havendo
herdeiros legitimários, os poderes de disposição (mortis causa e até inter vivos,
art. 242º, 2) do autor da suessão estão limitados, uma vez que não pode afetar a
porção dos bens reservados a tais herdeiros.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 15


DIREITO DAS SUCESSÕES – SUMÁRIOS PARA AULAS - 2023/2024

A sucessão legitimária tem um caracter imperativo, na medida em que o autor


da sucessão está impedido, por lei, de alterar o elenco dos herdeiros
legitimários muito menos modificar a legítima que lhes cabe, bem como não
pode afastar os seus herdeiros legitimários, salvo nas situações de deserdação4,
previstas no artigo 2166º.

Ao considerar com exclusividade os herdeiros legitimários (cônjuge,


descendentes e ascendentes), o legislador pretendeu acautelar uma proteção da
família mais próxima. A estes sucessíveis é reservada uma parte dos bens do
decujos, a legitima ou quota indisponível, sobre a qual o autor da sucessão não
pode exercer a sua liberdade de disposição. O autor da sucessão, tendo
herdeiros legitimários, tem de respeitar as suas quotas legítimas. Caso não
respeite, porque, por exemplo, não tem matematicamente presente quanto cabe
a cada herdeiro, nestes casos as liberalidades do de cujus ofendem a legítima,
pelo que serão reduzidas ou revogadas por serem inoficiosas. Dá-se a redução
por inoficiosidade (2168º ss.).

Importa referir que os herdeiros legitimários têm, ja em vida do autor da


sucessão, uma expectativa juridicamente tutelada de receber a sua legítima. Daí
que, para proteger esta expectativa o legislador entendeu limitar os poderes de
disposição em vida do autor da sucessão. Por este motivo, a lei proibe os
negócios simulados em vida do autor da sucesão, conforme previsto no artigo
242º,2.

 Sucessão legitima: esta é também deferida por lei, porém pode ser
afastada pela vontade do autor da sucessão. De acorodo com o
artigo 2131º, são chamados à sucessão os herdeiros legítimos nas
situações em que o falecido não tenha disposto valida e
eficazmente, no todo ou em parte, dos bens que de que podia
dispor para depois da morte.

4
Deserdação (art. 2166º) O CC permite ao autor da sucessão privar o herdeiro legitimário da
quota legítima em testamento, isto é, impedir que um ou todos os herdeiros legitimários
venham a receber os bens após a sua morte. É a deserdação: deserdar um herdeiro legitimário
significa impedir que essa pessoa venha a receber os bens. Em todo o caso, esta possibilidade é
muito, mas muito limitada, só podendo fundamentar-se numa das situações previstas no artigo
supra. Por exemplo, se o filho não ligava aos pais, não queria saber deles, não se pode deserdar
com base nesse fundamento. Mais uma vez, a posição do legislador visa tutelar o valor
constitucional da família, embora na prática possa não ser muito justo, prestando-se a abusos.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 16


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Neste tipo de sucessão, o autor da sucessão pode, por testamento ou contrato,


afastar os sucessíveis legítimos ou até alterar a ordem de sucessão, podendo até
buscar os sucessíveis legítimos mais afastados.

Quota disponível que o autor da sucessão pode dispor-se livremente por


testamento ou contrato. De acordo com o artigo 2156º, entende-se por legitima a
porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada
aos herdeiros legitimários.

2- Sucessão voluntária: O fundamento da sucessão voluntária está no


princípio da autonomia privada e da liberdade de disposição. O
proprietário dos bens tem a liberdade de dispor dos mesmos, tanto a
título oneroso como gratuito. Resulta de testamento ou contrato (doação
por morte). Não havendo herdeiros legitimários ou havendo-os, nos
limites da quota disponível, o autor da sucessão pode dispor livremente
por testamento ou contrato. A sucessão voluntária desdobra-se em duas
categorias:

 Testamento (art. 2179): é o negócio jurídico unilateral e revogável


pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da sua morte, de todos
os seus bens ou de parte deles. Trata-se de um negócio jurídico
elaborado pelo testador em que este dispõe do seu património,
com efeitos após a morte. Determina a devolução dos bens
segundo a vontade do de cujus, expressa em testamento válido e
eficaz.
Desta forma, a sucessão testamentária é aquela em que a transmissão
hereditária se opera por acto de ultima vontade, revestido da solenidade
requerida por lei. O testamento serve, igualmente para nomear tutores,
reconhecimento de filhos, deserdação de herdeiros, revogação de testamentos
anteriores e outras declarações de ultima vontade.

Por ser um acto unilateral e individual, o testamento não pode ser feito em
conjunto com outra pessoa (é nulo o testamento conjunto). Para a sua validade,
requer a capacidade do agente, objecto licito e forma prescrita ou não defesa em
lei. A não observância das solenidades exigidas por lei, o acto pode considerar-
se nulo (art. 166,5,cc).

 Contrato (art 2028º): a sucessão contratual é admitida em casos


muito excecionais. Basicamente, a sucessão voluntária é o
testamento. Na sucessão contratual, a Quanto ao contrato, aliás, a
regra é a da proibição de pactos sucessórios. Entre a sucessão
testamentária e a sucessão legitimária há uma estreita ligação,

Elaboração: Nicolau Daniel Página 17


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dado que uma e outra se limitam reciprocamente. O autor da


sucessão pode dispor do património por morte, com plena
liberdade, em testamento, mas não pode afetar a quota que a lei
reserva aos herdeiros legitimários. Nota-se aqui um conflito entre
a liberdade de testar e a proteção da família.

5. Partilha em vida (2029º)

Também aqui não há sucessão por morte. Não se trata de pacto sucessório, um
vez que os bens são doados em vida, não são deixados pelo doador e não fazem
parte da sua herança. A partilha não é da herança, mas de bens presentes. A
partilha em vida é relativamente frequente e pode ter várias razões,
designadamente evitar futuros conflitos entre os herdeiros legitimários quanto
à partilha da herança. Em todo o caso, esta partilha apresenta certos
inconvenientes, como o de poder prejudicar interesses de alguns dos herdeiros
legitimários, nomeadamente em caso de variação do valor dos bens doados e a
de possibilitar que os doadores venham a encontrar-se em estado de carência.

Segundo Cristina Araujo5, “os bens que forem objecto de partilha em vida não são
restituidos à massa da herança para igualação da partilha, nos termos do artigo
2104º...”

5
Cristina Araujo Dias, Código Civil Anotado (Livro V, Direito das Sucessões), pg. 24.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 18


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CAPITULOII: ESTATUTO LEGAL DO HERDEIRO E DO LEGATÁRIO

Só se passa para o encargo seguinte, caso existam na herança bens suficientes


para a satisfação dos encargos antecedentes. Se a herança for tão pequena que
se esgota com as despesas do funeral e com os encargos da administração, as
dívidas do falecido e também os legados ficam por satisfazer, isto porque, a
responsabilidade do herdeiro é limitada aos bens da herança. Por tanto, mesmo
que estejamos perante uma herança deficitária ou seja uma herança cujo passivo
é superior que o activo, em princípio, o herdeiro não vai responder com bens
próprios pela dívida da herança.

Existem duas modalidades de aceitação da herança:


Aceitação da herança por benefício do inventário;
Aceitação da herança pura e simples (art. 2071)

Herança por benefício do inventário (art. 2071º, 1)


Só os bens que constam do inventário respondem pela dívida da herança.
Porém, há uma ressalva na parte final do nº 1 do art. 2071, “salvo se os
credores….”. Isto porque pode acontecer que os herdeiros não queiram pagar a
totalidade do imposto sucessório e , por tanto, não indicam determinados bens
para que o imposto não recaia sobre estes, ou seja, certos bens que pertencem a
herança não vão ser colocados no inventário.

Se os credores forem conhecedores desta situação, podem alegar que existem


mais bens pertencentes a herança. Se assim for, estes terão de provar a
existência destes bens, ou seja, o ónus da prova vai ser dos credores e não dos
herdeiros.

Herança pura e simples (art. 2071º, 2)


Nesse caso concretos, também são os bens da herança que respondem pela
herança. Em princípio, o herdeiro não responderá com o seu património mas
vai acontecer o seguinte: o herdeiro que aceitar a herança é que terá que provar que os
bens que constam da mesma não são suficientes para cobrir os encargos. Neste caso,
verifica-se uma inversão do ónus da prova. Por tanto, não são os credores que terão
que provar que os bens da hera nça são suficientes e sim os herdeiros é que
terão que provar que os bens da mesma não são suficientes para fazer face aos
encargos.

Sempre que o herdeiro desconfie que a herança é deficitária, tem duas opções
ou alternativas:

Elaboração: Nicolau Daniel Página 19


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Ou aceita
Ou não aceita a benefício do inventário.
Portanto, já fica “ab initio” protegido de responder aos encargos da mesma com
o seu património pessoal.

Diferenças entre o estatuto do herdeiro e do legatário:

Modos como os encargos são satisfeitos


Existem duas situações para explicar esta questão:
1ª Situação: A herança encontra-se indivisa, ou seja, a partilha ainda não foi efectuada
(art. 2091,1)
2ª Situação: A partilha já se encontra efectuada.

1 ª Situação: Herança ainda indivisa


De acordo com o art. 2091,1, os direitos relativos a herança só podem ser
exercidos conjuntamente com todos os herdeiros, isto é, os credores da herança
para verem os seus créditos satisfeitos não podem demandar apenas alguns
herdeiros. Terão que demandar todos os herdeiros sob pena de ilegitimidade.

2ª Situação: Herança já partilhada


Sobre esta matéria rege o art. 2098. Caso a herança já tenha sido partilhada, mas
os encargos ainda não tenham sido satisfeitos, os credores vão ter que
demandar cada um dos herdeiros na proporção da sua quota.

Ex: A e B são dois herdeiros em que A recebeu 3000 e B recebeu 1000 e uma dívida de
2000. A e B terão de pagar a dívida na proporção da sua quota. Assim, A pagará 1500 e
B 500.

Nos termos ainda do art. 2098, alei permite que os herdeiros convencionem
duas coisas:

1º Apenas um ou alguns herdeiros pagarão os encargos e quando isso sucede,


por regra, dá-se mais bens a esse herdeiro que vai responder pelos encargos,
para que posteriormente fique na posição de igualdade de circunstâncias com
os demais.

2 º Que se convencione que se deixará um determinado montante ou um bem


que não será partilhado pelos herdeiros e que vai ter como função específica
pagar os encargos da herança.

Portanto, caso uma ou outra alternativa seja convencionada, os credores da


herança vão ser obrigados a respeitar o acordo feito pelos herdeiros. Assim

Elaboração: Nicolau Daniel Página 20


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sendo, não poderão demandar todos os herdeiros na proporção das suas quotas
e sim, o herdeiro que ficou responsável pelos encargos.

Relativamente aos legados e a responsabilidade pelos encargos da herança, por


regra, estes não respondem pelos encargos da herança. No entanto, existirão
algumas situações em que os legados responderão pelos encargos da herança.
1ª Situação: verifica-se quando todos os bens forem distribuídos em legados
(art. 2277). Neste caso, os legatários vão ter que desempenhar o papel que
caberia aos herdeiros. Se existirem vários legatários, estes responderão pelos
encargos da herança na proporção dos bens que receberem. No entanto, pode o
testador dizer que, apesar de ter distribuído toda a herança em legados, deseja
que, apenas o legatário A ou B seja responsável pelos encargos da mesma.

2ª Situação: quando os bens da herança não são suficientes para pagar os


encargos, os legados serão reduzidos proporcionalmente e pode até acontecer
que para se pagar as dívidas da herança, os legados tenham de ser totalmente
reduzidos. Neste caso, de forma indirecta, os legatários acabarão por responder
pelos encargos da herança.

3ª Situação: sub-legado (art. 2276). De acordo com este artigo, o autor da


sucessão tem a possibilidade de impor encargos sobre os legados. O autor da
sucessão pode dizer o seguinte: “Deixo a minha casa de férias a Catila, desde
que ofereça USD 10.000 ao Sousa”. Nesta imposição, o encargo contido o ónus
de pagamento de uma dívida do autor da sucessão.

“Deixo meu carro ao Sousa que, todavia, terá que pagar a dívida ao mecânico”. Se
Sousa quiser ficar com o carro terá que pagar a dívida que o autor da sucessão
tem para com o mecânico. Nestas situações, temos duas posições divergentes:

A posição do Professor Oliveira Ascensão: no caso do autor da sucessão deixar um


legado que se encontra onerado com uma dívida que era sua, estamos perante
um encargo específico do legado. Portanto, o legatário não vai responder pelas
dívidas da herança.

Posição do Professor Pamplona Corte Real: neste caso concreto, o legatário vai
cumprir o encargo geral da herança, porque o que estava em causa era uma
dívida que pertencia ao decujus e portanto, teria que se pagar pelos bens da
herança.

Não obstante o encargo recair sobre o legatário e, desta forma ser ele o
responsável pelos encargos da herança, estaremos perante uma situação em que
o próprio legatário também será responsável pelas dívidas da herança.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 21


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Perante os credores da herança, quem responderá serão os herdeiros. O que irá


acontecer a posteriori é que estes poderão exercer o direito de regresso contra o
legatário.

Resumindo, por regra, quem tem que satisfazer os encargos da herança são os
herdeiros, ficando assim os legatários com um grande benefício em relação a
estes. As normas que prevêem que os herdeiros são responsáveis pelos
encargos da herança não são imperativas. O autor da sucessão pode determinar
que certos encargos que caberiam aos herdeiros recaiam sobre os legatários.

Direito de exigir partilha (art. 2101)


Partilha: trata-se do modo de pôr fim a indivisão dos bens. Até ser partilhada, a
herança encontra-se numa situação de indivisão. O herdeiro tem de recorrer à
partilha para adquirir os bens que lhe pertencem. Qualquer um deles pode
pedir que a partilha seja efectuada. Não é obrigatório que a partilha se faça, mal
o autor da sucessão venha a falecer.

Se os herdeiros quiserem e assim convencionarem, a partilha não se fará


durante um determinado período que, em princípio, não deve ultrapassar os 5
anos. Existem duas formas de efectuar a partilha:
Forma judicial: ocorre quando não há acordo entre os herdeiros.
Forma extra-judicial: verifica-se quando há acordo entre os herdeiros.
Em determinados casos, mesmo existindo acordo entre os herdeiros, a partilha
terá de ser feita judicialmente. São os casos em que a herança tem que ser aceite
obrigatoriamente através do benefício de inventário (art. 2053,1) e a herança
deferida à pessoa do incapaz ou colectiva. Esta, tem que ser obrigatoriamente a
título de inventário.

O legatário, em princípio, não tem que se recorrer à partilha para adquirir os


bens a que tem direito. Mesmo nos casos em que é deixado um único bem a
vários legatários, não se irá recorrer à partilha.

Põe-se fim a essa indivisão através do processo de divisão de coisa comum,


porque está em causa uma situação de compropriedade. Em relação aos
herdeiros, não existe compropriedade, mas sim, uma indivisão resultante da
comunhão que há relativamente aos bens da herança.
O regime regra é o que o herdeiro tem que recorrer à partilha para receber os bens e os
legatários não. No entanto, há excepções à regra. Há casos em que tem que faze-
lo.
Caso em que se recorre à partilha: quando há um único herdeiro.
Quando há herdeiro remanescente: verifica-se quando o herdeiro sucede em
tudo quanto não foi discriminadamente através dos legados.

Elaboração: Nicolau Daniel Página 22


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Através do usufrutuário: este é sempre legatário (art.2024). No caso em que este


é instituído no usufruto duma parte, tem todo interesse em intervir na partilha
porque precisa saber quais os bens que vai ter direito. Como o usufrutuário tem
um interesse juridicamente relevante, pode intervir na partilha.

Direito de acrescer
O direito de acrescer funciona dentro de cada tipo de vocação. Significa que, os
herdeiros testamentários não acrescem sobre os herdeiros legais me os
herdeiros legais não acrescem sobre os testamentários.
Os herdeiros testamentários são aqueles instituídos pelo testamento e os
herdeiros legatários são os que constam da lei.
Ex: A faz um testamento e institui seus herdeiros B e C. Se um deles não quiser ou não
poder receber a parte que lhe compete, esta será dada ao outro.

Entre legatários o direito de acrescer funciona de forma muito restrita (art.2302).


O direito de acrescer verifica-se entre os legatários que tenham sido designados
em relação ao mesmo bem.
Ex: Se A tiver deixado a mesma casa para B e C e se B não quiser receber, C acresce a B
e fica com a sua parte. Se A tiver deixado um carro a B e outro carro diferente a C e se B
não quiser ou não poder aceitar, C não beneficia do direito de acrescer.

Relativamente aos herdeiros, essa limitação não se verifica. Portanto, desde que
estejamos dentro do mesmo tipo de vocação, isto é, sucessão legal ou sucessão
testamentária, o direito de acrescer irá funcionar, independentemente de estar
em causa o mesmo bem ou bens diferentes (art. 2031 e 2137).

Elaboração: Nicolau Daniel Página 23

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