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Canto X
Canto X
Recomendações finais (uso da apóstrofe e de atos de fala diretivos) e oferta dos seus serviços
(Poeta) ao Rei D. Sebastião, apelando à sua benevolência, pretendendo por ele ser aceite, assim
como o seu “canto” (epopeia), daí a insistente valorização da arte (em que se inclui a Literatura) e
a crítica aos antecessores deste rei e a ilustres seus contemporâneos, que a não valorizaram.
Estrofes 145-148 (Já saíram em exame) - O poeta confessa-se cansado de “cantar a gente surda e
endurecida” que não sabe apreciar o seu canto épico, que não reconhece nem se orgulha dos letrados, mas
antes anda “metida / no gosto da cobiça e na rudeza / Dhua austera, apagada e vil tristeza”. Ou seja,
mostra-se cansado da imagem do Portugal de então, que ele apresenta com alguma mágoa e até sarcasmo,
azedume. O poeta exorta D. Sebastião a ser grande e a continuar os feitos grandiosos dos seus
antecessores, lembrando-lhe que tem “vassalos excelentes”, que demonstram grande força e coragem,
pois enfrentam perigos, obedecem às suas ordens com prontidão e alegria, e farão dele sempre um
vencedor e não um vencido.
Na estância 144, narra-se o regresso dos marinheiros portugueses à sua pátria - concretamente a
Lisboa (“Até que houveram vista do terreno / Em que naceram…”) -, numa viagem que decorreu
tranquilamente, pois o tempo estava ameno (“Com vento sempre manso e nunca irado…” - v. 2) e o mar
calmo (“… cortando o mar sereno…” - v. 1). Entre os versos 5 e 8, o poeta alude ao prémio e à glória que os
marinheiros, com os seus feitos, alcançaram e que agora vêm entregar ao rei para seu engrandecimento e
da Pátria (“E à sua pátria e Rei temido e amado / O prémio e glória dão (…) / E com títulos novos se
ilustrou.” - vv. 6-8).
Nos primeiros quatro versos da estância 145, o poeta começa por se mostrar cansado, desiludido e
incompreendido (“a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida” - vv. 1-2), não pelo canto em si, mas
por “Cantar a gente surda e endurecida” (v. 4) (isto é, gente que não escuta as suas palavras, não valoriza o
seu poema épico, não reconhece o seu talento e mérito), visto que está corrompida pela “cobiça” e num
estado de tristeza, desânimo e apatia (“… a pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza /
Duma austera, apagada e vil tristeza.” - vv. 6 a 8), o que origina uma ausência de fervor patriótico e ânimo:
“Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os ânimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o
rosto.” (vv. 2 a 4 da estância 146).
O poeta mostra-se cansado e desiludido («Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho / Destemperada e
a voz enrouquecida...» - est. 145, vv. 9-10) por o seu canto não ser escutado pela «gente surda e
endurecida», que não reconhece o seu talento e o mérito, ocupada que está na satisfação da «cobiça», com
vista a saciar o seu espírito materialista.
Por outro lado, o poeta mostra-se orgulhoso dos «vassalos excelentes» (o extraordinário povo
português que luta por causas maiores; os guerreiros e os navegadores), pois representam a glória, a
coragem e o espírito patriótico, dispondo-se a enfrentar os maiores perigos e a desenvolver os maiores
sacrifícios somente para engrandecerem o Rei e a Pátria («Olhai (...) / Quais rompentes liões e bravos
touros...» - est. 147, vv. 25-26; «Por vos servir, a tudo aparelhados / De vós tão longe, sempre
obedientes...» - est. 148, vv. 33-34).
Além disso, ele mostra-se espantado pela ausência de orgulho pátrio e de ânimo nos seus
contemporâneos, bem como pela cobiça e corrupção que os dominam («No gosto da cobiça e na rudeza /
Duma austera, apagada e vil tristeza.» - est. 145, vv. 15-16).
Perante este panorama, o sujeito poeta interpela o rei e exorta-o a reconhecer o valor dos seus
“vassalos excelentes”, os quais possuem as qualidades / virtudes necessárias à restauração da grandeza e
orgulho da Pátria:
a. coragem e determinação inexcedíveis (“Quais rompentes liões e bravos touros…” - est. 147, v. 26);
b. espírito de sacrifício e de missão, que os leva a enfrentar os mais diversos perigos e obstáculos (fomes,
vigias, guerras, climas adversos, naufrágios, a própria morte, para engrandecerem o Rei e a Pátria (“Que
vendecor vos façam, não vencido.” - est. 148, v. 40;
c. mostram-se sempre prontos, obedientes e felizes por poderem servir o rei (estância 148).
Os vassalos são apresentados como “vassalos excelentes” (est. 146, v. 8), “ledos” (est. 147, v. 1) e
caracterizados pela coragem e pelo espírito de sacrifício e de abnegação (est. 147). Além disso, mostram-se
“sempre obedientes” (est. 148, v. 2) e preparados para responder ao chamado e aos desejos do seu rei, que
executam “contentes” (est. 148, v. 4) e orgulhosos. Por outro lado, encarnam o espírito de cruzada (est.
151, vv. 1-4), revelando toda a sua coragem e resistência (est. 151, vv. 5-8).
É evidente, neste passo, o contraste que o poeta estabelece entre a situação presente da Pátria -
caracterizada pela cobiça, pela falta de ânimo e pela apatia - com o passado, representado pelos heróis que
ele canta / celebra, que se sacrificaram, enfrentando guerras e os perigos vários enumerados na estância
147, incluindo a própria morte, para engrandecer o rei e a Pátria.
Entre as estâncias 149 e 152, o poeta faz uma série de recomendações ao rei D. Sebastião:
a. recompensá-los, favorece-los e alegrá-los com a sua presença e trato alegre e humano;
b. aliviá-los de leis rigorosas, cruéis / injustas;
c. promover os mais experientes;
d. apoiá-los todos, sem distinção, nos seus ofícios (= profissões), que exercem segundo as suas aptidões, seja
qual for a área em que se distinguem;
e. estimar os que expandiram a fé cristã e o império (apelo ao espírito de cruzada) sem temer os inimigos nem
regatear esforços;
f. velar para que ninguém possa dizer que os Portugueses constituam uma nação servil, em vez de senhorial;
g. receber conselhos apenas dos homens experientes (neste passo, Camões valoriza o conhecimento prático
em detrimento do saber livresco - apesar de os estudiosos possuírem muitos conhecimentos teóricos, os
experientes sabem mais do concreto).
Este conjunto de características configura o perfil de líder, tendo em conta também o pedido do poeta
ao rei para que não permita que os estrangeiros 8alemães, franceses, italianos e ingleses) desvalorizem a
capacidade de os portugueses gerirem o seu destino.
Com estes conselhos, o poeta espera que o rei - neste caso, D. Sebastião - saiba incentivar os seus
vassalos, que apenas esperam a sua liderança para agir. Ele anseia que o monarca exerça o poder com
humanidade e a humildade de quem procura aconselhamento junto dos mais sábios e mais experientes.
Espera ainda que o soberano saiba estimular e aproveitar as energias latentes para dar continuidade aos
feitos do passado e dar matéria a novo canto. Isto significa que a obra termina com uma mensagem
globalizante que abarca o passado, o presente e o futuro, isto é, a glória do passado deverá ser tomada
como exemplo no presente para construir um futuro grandioso (in Plural 12, texto adaptado).
A estância 153 abre com uma alusão a Formião, filósofo grego que discursou diante do general Aníbal
sobre a arte de combater e que foi escarnecido por este. Essa referência funciona como exemplo para
constatar que a arte da guerra se aprende na prática, isto é, «vendo, tratando e pelejando» (v. 8), e não
teoricamente (“Sonhando, imaginando ou estudando” - v. 7).
Na estância 154, Camões traça o seu autorretrato:
a. “humilde baxo e rudo”;
b. possuidor de “honesto estudo”;
c. misturado com “longa experiência”;
d. possuidor de “engenho” / talento;
e. disposto a servir o rei em combate;
f. disponível para cantar o rei e os seus feitos.
Ora, este autorretrato corresponde ao do homem ideal do Renascimento:
i. possuidor de um saber feito de estudo e experiência (conciliação do saber teórico e do saber prático);
ii. detentor de talento e inspiração artísticos;
iii. possuidor da lealdade, da coragem e do desapego do bom soldado, sempre disponível para servir o seu rei.
Falta apenas ao poeta ser aceite pelo monarca, pois possui virtudes que devem ser reconhecidas. De
seguida, mostra a sua disponibilidade para cantar os seus feitos futuros (“… e o vosso peito / Dina empresa
tomar de ser cantada” - est. 155, vv. 5-6).
Na última estância, o poeta incentiva o rei a prosseguir a guerra de cruzada no Norte de África e
oferece-se para a cantar, assegurando-lhe que será cantado e os seus feitos em todo o mundo e que será
mais temido em Marrocos que tudo (observar a comparação hiperbólica dos versos 1 e 2 - Atlante teria
sido transformado em pedra pela visão da cabeça de Medusa, uma das três Górgonas, que transformava
quem a contemplasse em pedra). O próprio Alexandre Magno rever-se-ia em D. Sebastião, sem invejar a
glória de Aquiles, pois a do soberano português seria muito superior.
A finalizar a análise destas últimas estâncias do poema, ficam aqui as palavras de António José Saraiva,
no prefácio de uma das edições da obra:
“Na Dedicatória, o poeta convida o moço rei a «ver» os feitos dos seus vassalos, isto é, do Gama e seus
companheiros, como se estivessem a ocorrer diante dos olhos de ambos. Há nela também referências ao
tema da Cruzada. Só depois se segue a ação. E, no final do poema, o autor volta a dirigir-se ao rei numa
longa conclusão de 10 estrofes e meia, em que outra vez o exorta a «olhar» os seus vassalos, lhe dá vários
conselhos e o incita à guerra de cruzada próxima, que o autor se oferece para cantar. Assim, a narração
insere-se entre as duas falas ao rei. O poema poderia ser interpretado como um longo discurso feito a D.
Sebastião, que é diretamente interpelado no começo e no fim.”
Com base nestas intervenções, esta epopeia pode ser vista como obra didática, na qual se estabelece um
modelo de valores que devem ser considerados como uma teoria, definindo normas morais a seguir,
enfim, um texto que critica os vícios que assolam a sociedade da época, propondo aos portugueses,
contemporâneos de Camões, que corrijam os seus vícios para atingirem um nível superior de
humanidade, ou, melhor dizendo, a perfeição.