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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS

HISTÓRICOS
AULA 1

Prof. Caio de Amorim Féo


CONVERSA INICIAL

História é uma área do conhecimento responsável por estudar as


sociedades humanas no tempo. Sua prática remonta desde a Antiguidade e,
durante o passar das eras, foi sofrendo constantes modificações, seja em seus
objetivos e preocupações, quanto na sua prática pelos que se dedicavam a
praticá-la.
Nesse sentido, a presente aula tem por objetivo iniciar o aluno nos
princípios básicos acerca da História, desde suas primeiras manifestações na
Antiguidade até seus desenvolvimentos futuros passando pelos séculos XIX, XX,
terminando com as discussões mais recentes. Além disso, buscamos trazer à
tona a discussão a respeito do fazer historiográfico, bem como as novas
pretensões para a utilidade da História a partir da implementação do Novo
Ensino Médio no Brasil.

TEMA 1 – GÊNESE

Tradicionalmente, a História é vista como tendo se manifestado


inicialmente entre os gregos a partir dos escritos de Heródoto (c. 484 – c.425
a.C.), porém, segundo José D’Assunção Barros (2011), os estudiosos sabem
hoje que as primeiras práticas ditas historiográficas a que temos registros
remontam à monarquia de Akkad, na Mesopotâmia, datada entre 2270 – 2083
d.C.
A principal distinção entre a produção de Heródoto e dos subordinados de
Akkad é, ainda de acordo com Barros, que o autor grego foi, até onde se sabe,
o primeiro a decidir individualmente realizar reflexões e produzir discurso acerca
da história, ao contrário dos escribas akkadianos que foram mobilizados a
escreverem pelo interesse da estrutura política monárquica em produzir sua
história. Ainda assim, é preciso compreender mais acerca da prática e
perspectiva do autor grego a fim de vislumbrar as transformações que viriam
séculos à frente no fazer historiográfico.

1.1 Heródoto e o início da historiografia grega

De acordo com José D’Assunção Barros (2011), a historiografia Pré-


Moderna possui certos objetivos que lhe serve de guia, variando conforme o
período histórico. No caso dos gregos, em que Heródoto constitui o principal
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exemplo, a História possuía um objetivo de evitar o esquecimento. Por isso,
conforme nos explica Barros (2011), Heródoto encara a pesquisa histórica como
tendo de ser, obrigatoriamente, orientada para o relato da verdade, ou pelo
menos com a “intenção de verdade” (Barros, p. 34, 2011).
Essa veracidade seria obtida a partir das fontes que aquele que relatava
os acontecimentos – ou seja, o historiador, que, nesse caso específico, se trata
de Heródoto – tinha contato para ter acesso aos fatos. Para Barros (2011), é
possível estabelecer que Heródoto seguia estes passos na elaboração de seu
discurso histórico: um processo de investigação a respeito de algo tido como
importante de ser registrado; essa investigação geralmente partia da declaração
de testemunhas oculares dos fatos considerados; por fim, o relato da História
seria feito a partir de uma narrativa. Ancorado nesses procedimentos, Heródoto
deu início à atividade do historiador que, como já destacou Marc Bloch,
inaugurou a perspectiva de que o objetivo do historiador era “contar o que foi”,
ou seja, sempre visando a localização da verdade (Bloch, 2001, p. 125).

1.2 Tucídides: a evolução da prática histórica

A Grécia foi o principal berço de historiadores que marcariam o fazer


historiográfico ocidental. Tucídides nasceu aproximadamente entre 460 a.C. e
morreu por volta de 404 a.C., sendo o principal expoente da historiografia
nascente após Heródoto e possuindo como principal obra a História da Guerra
do Peloponeso, conflito entre atenienses e espartanos que ocorreu entre 431
a.C. e 404 a.C. Seu comprometimento com a verdade permanece o mesmo que
seu antecessor Heródoto manifestava, mas Tucídides distribui pesos diferentes
em relação aos procedimentos.
De acordo com Karina Anhezini (2009), o ato de registrar os fatos, para
Tucídides, ganha o primeiro plano em quesito de importância face à investigação
clamada por Heródoto, pois ele entende que o principal meio para chegar ao
conhecimento e, consequentemente à verdade, daquilo que se registra é através
da autópsia (do grego autos, eu; ópsis, ver com os próprios olhos). Nas palavras
de Anhezini, “ao incorporar o ‘eu vi’ à narrativa, conferiu valor à prova” (Anhezini,
2009, p. 23).
Enquanto Heródoto detinha sua preocupação em registrar para guardar
memória acerca dos fatos, Tucídides atribui um maior valor à exemplaridade do
evento. Como bem definiu François Hartog, o historiador grego entendia que
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crises semelhantes à da Guerra do Peloponeso ocorreriam no futuro, mas
registrar os fatos dessa guerra que vivenciou não significava que pretendia se
projetar no futuro, mas, sim, que “propõe simplesmente fazer de seu presente
um ‘exemplo’ para sempre, esse presente que jamais foi tão ‘grande’” (Hartog,
2001, p. 98 apud Anhezini, 2009, p. 24). A História, assim, demonstrava suas
primeiras mutações a respeito do seu método.

TEMA 2 – A HISTÓRIA NA ROMA ANTIGA

Delineadas as principais linhas de configuração da historiografia grega


com as figuras de Hérodoto e Tucídides, é preciso destacar, ainda que
brevemente, a perspectiva historiográfica elaborada na Roma Antiga. Ainda que
insiramos sua abordagem dentro de um contexto mais amplo que denominamos
de Antiguidade, há na abordagem romana uma especificidade que necessita ser
ressaltada.
Esse aspecto característico carrega consigo uma importância que
extrapola os limites temporais em que se circunscreve, uma vez que, como
veremos no tema a seguir, estará presente também nos desdobramentos da
pesquisa histórica do século XIX. Nos referimos aqui à História enquanto “mestra
da vida”. Nesse sentido, abordemos especialmente a figura de Cícero.

2.1 Marco Túlio Cícero e a história mestra da vida

Nascido em 106 a.C. e falecido em 43 a.C., Marco Túlio Cícero pode ser
considerado como um dos grandes e principais historiadores romanos,
especialmente acerca das reflexões que fez acerca da História. Parte dos
avanços feitos por Cícero haviam sido principiados nos escritos de Políbio,
historiador grego de nascença, mas que fez seus principais trabalhos em Roma,
onde foi levado como prisioneiro quando tinha por volta de 40 anos.
Conforme Karina Anhezine (2009), Políbio era convicto de não haver
necessidade de o historiador conferir as partes envolvidas nos fatos e eventos
pois, após a expansão territorial decorrente da vitória de Roma na Segunda
Guerra Púnica (c. 218 – 202 a.C.) só haveria um lado digno de observação, o de
Roma. A História era vista como exemplo.
No entanto, Cícero elevara essa perspectiva a outro patamar vários anos
depois. Em seu entendimento, a História servia através da prática historiográfica

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a particularmente um propósito: garantir que fosse feito o registro de uma
coleção de exemplos e experiências que auxiliaria o aprendizado da sociedade.
Como bem ressalta Igor Moraes Santos (2019), trata-se de uma
concepção de História enraizada no entendimento de que a natureza humana é
imutável e, por isso, os fatos que aconteceram no passado possuem em sua
base uma essência capaz de proporcionar fatos semelhantes, ainda que em
contextos distintos. Em outras palavras, a História aparece como “mestra da
vida” (magistra vitae) ao fornecer exemplos de eventos e fatos que servem de
referência ao leitor como uma espécie de guia moral, indicando o que deve ser
reproduzido e o que se deve evitar.
A perspectiva de Cícero manifesta a junção da tradição grega com a nova
visão romana elaborada desde Políbio. Ainda se busca a verdade pelo registro
da História, já que a base do fazer historiográfico para Cícero está no sentido de
buscar os exemplos sempre nos fatos: o historiador (ou como Cícero coloca, o
orador) deve sempre se ater aos fatos verdadeiros e apresentá-los, mas nunca
os inventar.

TEMA 3 – CONSTRUINDO A HISTÓRIA ENQUANTO DISCIPLINA

Até aqui, vimos como que a História surgiu enquanto prática por
historiadores greco-romanos. Contudo, é preciso salientar que nenhum desses
historiadores carregavam “títulos” ou desenvolviam seus conhecimentos a partir
de uma formação específica. Normalmente, esses indivíduos exerciam
atividades públicas como juristas, políticos ou mesmo clérigos, se pensarmos
nas centúrias que constituíram a Idade Média.
Mas a partir do século XVIII e especialmente durante o decorrer do XIX,
foi sendo construído reflexões acerca da História enquanto disciplina, uma área
do conhecimento separada das demais e que demandava toda uma formação
própria. Isso significou duas coisas: a institucionalização da História enquanto
campo a ser exercido por um indivíduo especializado nas suas competências; a
elaboração das técnicas típicas da História que resultaram na formulação e
fundação de revistas e periódicos específicos que publicaram ensaios e artigos
a respeito de diversas temáticas.

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3.1 Breves considerações a respeito da historiografia moderna

Os avanços do conhecimento humano foram consideráveis se levarmos


em conta os aspectos científicos e filosóficos desenvolvidos na época Moderna,
especialmente com o período conhecido por Renascimento e com o Iluminismo
no século XVIII.
Diversos setores do conhecimento, como Anatomia, Arte, Matemática,
Física, Filosofia, Lógica, entre tantas outras mais, foram aprimoradas e
construtoras de correntes distintas de pensamento a respeito de suas
prerrogativas. A História não esteve a par desse desenvolvimento, sendo
justamente nas últimas décadas do século XVIII que as filosofias da história são
debatidas. Como ressalta José D’Assunção Barros (2011), esse avanço pode
ser considerado a estrutura das posteriores teorias da história formuladas a partir
do século XIX que revolucionariam o fazer historiográfico.
Mas como podemos definir essa Historiografia Moderna? Barros (2011)
explica que as transformações em fins do século XVIII fizeram da História parte
da realidade humana, uma realidade que existe independentemente do registro
do historiador.
Trazendo à tona as reflexões de Reinhart Koselleck, Barros esclarece
que, nesse momento, a História passa a ser configurada como um conceito
“singular-coletivo”, ou seja, “como a interação de todas as experiências
humanas, desaparecendo a tendência a se falar em ‘histórias’ separadas umas
das outras” (Barros, 2011, p. 44).
Em suma, podemos dizer que a verdade a ser buscada no fazer
historiográfico permanece em fins do século XVIII, mas para chegar até ela é
preciso conhecer e estudar os fatos históricos. É aqui que se encontra a raiz da
História sistematizada no século XIX.

3.2 A formação da escola metódica

As perspectivas acerca da História no século XIX se enquadram num


cenário que a Ciência é tida como meio para se chegar à verdade, em qualquer
área do conhecimento. As nações estão em processo de formação e passa a ser
mister recorrer ao trabalho histórico a fim de retornar às origens nacionais. Os
fatos há muito tempo não são mais considerados como aquilo que o historiador
viu ou ouviu falar sobre, mas estão documentados, registrados a partir de

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determinações oficiais das comunidades humanas. Como destaca Ciro
Flamarion Santana Cardoso (1992), os fatos são singulares e, portanto,
irrepetíveis para os pensadores do século XIX.
De acordo com Guy Bourdé e Hervé Martin (1990), a manifestação mais
concreta do proceder dessa nova corrente de pensamento histórico aparece em
1876 com a publicação de um manifesto, escrito pelo historiador francês Gabriel
Monod, que estabeleceu a fundação de A Revista Histórica. A instituição desse
periódico marcaria também a configuração da chamada Escola Metódica,
comumente conhecida também, embora erroneamente como bem destacam
Boudé e Martin (1990), por Escola Positivista. Além de Monod, outros de seus
membros mais destacados foram Ernest Lavisse, Charles Seignobos e o
principal historiador da vertente metódica alemã, Leopold von Ranke.
A partir de meados do século XIX e especialmente com as primeiras ações
da Escola Metódica, a disciplina História cada vez mais foi se consolidando como
área científica autônoma, detentora de métodos rigorosos de análise e fazendo
referência em citações que evidenciam o constante trabalho com as fontes
históricas. Podemos dizer que A Revista Histórica, de 1876, e os metódicos
franceses de forma geral, tinham como referência inspiradora para seus
trabalhos e procedimentos o historiador alemão Leopold von Ranke.
Ranke é considerado como o grande expoente da mudança de se fazer
história a partir da consideração e tratamento das fontes de forma crítica. Seus
principais postulados seguidos pelos historiadores metódicos franceses foram os
seguintes, conforme explicitado por Boudé e Martin (1990):

1- O historiador não deve fazer julgamentos ao passado que analisa, mas,


sim, registrar o que de fato aconteceu.
2- Não há interdependência entre o historiador e o(s) fato(s) considerado(s)
em sua análise, o que garante um juízo imparcial quando se depara com
os eventos no trabalho histórico.
3- A História possui uma estrutura passível de ser conhecida pelos
historiadores, mas não criada por estes. Ou seja, existe de forma objetiva.
4- O trabalho historiográfico é mecanicista, isto é, age de forma passiva
sobre o fato nas fontes com o objetivo de registrá-lo tal como ocorrera no
passado.
5- É obrigação do historiador reunir o maior número possível de dados
provenientes de fontes seguras, sem impor qualquer reflexão teórica na

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análise, pois esta sairia prejudicada pela teoria de abrir precedente de
especulação acerca dos fatos considerados. Em uma palavra, a reunião
dos dados garante que “o registo histórico organiza-se e deixa-se
interpretar” (Boudé; Martin, 1990, p. 114).

Podemos compreender a Escola Metódica como pautada, assim, numa


perspectiva que considera o trabalho do historiador mobilizado por
preocupações objetivas, evitando generalizações e buscando aquilo que há de
singular na história em que se debruça.
Cardoso (1992) nos informa que, no século XIX, há um grande
crescimento de trabalhos monográficos realizados por historiadores – que agora
são considerados profissionais da área – em que o objetivo era justamente
identificar e registrar os fatos únicos que são “absolutamente rebeldes a leis”
gerais ordenadoras (Carsoso, 1992, p. 34).
Para além do trabalho expresso no formato de artigos e ensaios, os
historiadores metódicos também produziam conteúdo endereçado aos materiais
didáticos usados no ensino básico. Evidentemente que essa produção auxiliava
no objetivo de construção e elaboração de uma história nacional, característica
tão marcante do século XIX e que possui preocupações já no Romantismo.
Contudo, embora fosse extremamente influente por muitas décadas e tenha
instaurado o princípio básico e primordial do trabalho historiográfico (a análise
de fontes), nem todos os historiadores concordavam com a visão de História da
Escola Metódica.

TEMA 4 – FONTES HISTÓRICAS

As transformações mobilizadas pela Escola Metódica no século XIX são


fundamentais na consolidação da História enquanto disciplina e ciência humana.
Em especial, é preciso destacar aqui o papel da matéria-prima utilizada pelo
historiador para elaborar o seu trabalho: as fontes. Nenhuma pesquisa de uma
área que clame para si o título de científica pode ser concretizada se não possui
formas de sustentar aquilo que afirma. Por esse motivo, desenvolveremos, neste
tema, o que podemos indicar como constituindo fontes históricas, assim como
quais os cuidados devem ser tomados para que se possa utilizá-las da maneira
mais proveitosa possível.

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4.1 Fontes históricas como documentos

A Escola Metódica fincou os pilares da História no território da Ciência.


Mobilizou rigorosos métodos de análise, demarcou os princípios fundamentais e
consolidou a necessidade de utilização das fontes como espinha dorsal da
prática historiográfica. Mas não seria qualquer objeto que poderia assumir a
condição de fonte histórica. Se a História passou a ser assumida como uma área
específica e que buscava seu espaço entre as demais áreas do conhecimento,
isso significava que havia uma noção “correta” do que era e o que não era
História. Estendendo a perspectiva, para construir o conhecimento histórico da
maneira correta, seria necessário utilizar as fontes “corretas”.
Antonio Fontoura (2016) deixa claro que a perspectiva predominante na
historiografia do século XIX consistia no entendimento de que a fonte histórica
deveria ser sempre uma referência a um texto, cuja origem deveria estar ligada
às documentações oficiais dos governos das sociedades antigas. Essa
documentação traria uma espécie de chancela ao assunto que transmitiam,
sendo possível traçar a gênese dos Estados-nação em que os historiadores do
século XIX pertenciam.
Nesse sentido, as sociedades anteriores ao desenvolvimento da escrita –
na visão da historiografia do século XIX – não possuiriam história. Evidentemente
que isso configura uma clara posição baseada no contexto em que esses
historiadores viviam, de inflamado nacionalismo. Fontoura (2016) destaca, por
isso, que é preciso entender que as documentações a que temos acesso através
dos arquivos, por exemplo, não sobreviveram por acaso, mas, sim, foram ali
mantidas por um interesse preciso de uma época precisa. Em uma palavra,
nenhum “documento existe por si só” (Fontoura, 2016, p. 42).
Os avanços na produção historiográfica a partir do século XX,
especialmente por meio dos postulados da Escola dos Annales, ainda que não
restrita a ela, possibilitaram que outras referências fossem elevadas a condição
de fontes históricas, como aquelas representadas em imagens (iconografias),
música, objetos arqueológicos, oralidade etc. A abertura para utilização de novas
fontes, consequentemente, demandou que os historiadores recorressem a
diversas outras disciplinas, mantendo um diálogo produtivo e instigante que
aprimorou ainda mais os estudos históricos.

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Entretanto, a inclinação à interdisciplinaridade escancarou uma
preocupação fundamental da prática historiográfica enquanto operação
científica: o cuidado com o tratamento da documentação.

4.2 Operando com as fontes históricas

Ciro Flamarion Santana Cardoso (1992) nos fornece uma definição


rápida, porém bastante elucidativa, do que significa o método aplicado nas
ciências de forma geral:

o método científico pode ser definido como o conjunto de recursos de


que dispõe a ciência para propor-se problemas verificáveis
(constrastáveis) e para submeter à prova os resultados ou soluções
que venham a ser sugeridos para tais problemas. (Cardoso, 1992, p.
14)

De que forma o historiador deveria proceder, já que a História é


considerada como uma ciência? Diversos são os cuidados que o pesquisador
deve ter quando realiza o procedimento historiográfico, sendo preciso destacar
algumas dessas preocupações.
Qualquer que seja a pesquisa histórica a ser realizada é preciso
estabelecer o corpus documental a ser utilizado no empreendimento
historiográfico. Como bem definiu José D’Assunção Barros (2012), o corpus
documental trata-se das fontes históricas a serem utilizadas, cujo papel consiste
no fornecimento de “evidências, informações e materiais passíveis de
interpretação historiográfica” (Barros, 2012, p. 413).
Não há uma regra rígida ou bem estabelecida sobre se a escolha
documental precisa ser feita antes ou depois de já se ter definido uma temática
de estudo, da mesma forma que o pesquisador pode utilizar diversas fontes ou
somente uma. Tudo depende do problema posto pelo historiador à(s) fonte(s)
que o mobiliza para iniciar uma pesquisa.
Quando temos acesso a alguma informação, sempre é preciso ter cuidado
com a origem desta, com a História não é diferente. Quando tomamos algo como
fonte para analisar, torna-se imprescindível questionar as origens daquele
material. Pensando especificamente acerca das fontes escritas, questionar
criticamente a documentação reside em buscar respostas para alguns pontos
que podemos resumir da seguinte maneira: Quem produziu o documento? Em
que local? Qual o contexto social em que foi produzido? Quem é/são o(s)

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receptor(es) do que foi registrado? Qual a posição social daquele(s) que a
produziu/produziram?
Barros (2012) prefere resumir todas essas problemáticas por meio de um
termo cunhado por Michel de Certeau na década de 1970, “lugar de produção”,
que inicialmente foi confeccionado para se referir à prática historiográfica, mas
que foi estendido por Barros para as fontes históricas. Por esse motivo, Barros
explicita que “o emissor de um discurso nunca é somente o seu autor nominal
[...] [pois este seria] apenas a ponta de um imenso iceberg” (Barros, 2012, p.
419).
O que o autor pretende informar é que a elaboração de um documento
escrito por um indivíduo diz respeito também ao que sua sociedade compreende
da realidade social, uma vez que todo indivíduo está imerso nas contradições
que envolvem uma sociedade no tempo.
Mas, afinal, trata-se de uma produção consciente ou inconsciente? De
acordo com Barros (2012), ambas as respostas são possíveis. A consciência ou
não da posição assumida em um texto tido como fonte histórica pode realçar a
posição da sociedade à qual o documento pertence originalmente. Seguindo de
perto as considerações do autor, a contextualização das fontes utilizadas se
torna imprescindível justamente por esclarecer os pontos que elencamos
anteriormente, evitando que o historiador seja seduzido pela ideologia presente
na documentação.
Por fim, façamos uma última observação. Todas as produções
historiográficas são produzidas dentro de determinado contexto, sendo
indiscutível que o contexto histórico vivenciado pelo historiador influencia no seu
procedimento, seja ao ser mobilizado por alguma temática específica, seja pelas
questões que faz a determino assunto.
Como ressaltamos, a historiografia do século XIX priorizou as
documentações escritas por conta da busca por referências que justificassem as
origens dos Estados nacionais. Nesse sentido, entender o contexto de produção
não indica um caminho de mão única, levando somente às fontes documentais.
É preciso ressaltar que a própria prática historiográfica pode (e deve), em algum
momento, ser submetida à análise crítica, de modo que possamos não apenas
entender as preocupações de uma dada época, como também o que entendiam
por História e, consequentemente, o que pode ser entendido por fontes
históricas. Em uma palavra, a nossa prática historiográfica também pode ser

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utilizada como fonte histórica, representando o que denominamos de história da
historiografia.

TEMA 5 – A HISTÓRIA ATUALMENTE E SEU LUGAR NO BRASIL

Afinal, o que a História representa nos dias atuais? Após o longo caminho
percorrido desde que se tornou uma disciplina consolidada, praticada por
profissionais capacitados por uma formação específica, a História tem
caminhado para uma direção cada vez mais negligenciada.
Façamos aqui duas reflexões finais: a primeira em relação à perspectiva
que podemos dizer ser “mais aceita” ou pelos menos capaz de mobilizar maior
consenso por parte dos historiadores a respeito da cientificidade da área; a
segunda é promovida a respeito da última reforma do Ensino Médio articulada
pela Lei n. 13.415/2017, que prevê reformulações a serem aplicadas a partir
deste ano de 2022.

5.1 A imposição de um novo cenário a uma ciência em construção

Podemos afirmar que, mesmo após todas as críticas e reformulações de


seus pressupostos teórico-metodológicos básicos, a História se manteve firme.
Dentro das muitas questões suscitadas pela historiografia ao longo das últimas
décadas acerca dos significados da prática da História, apesar das diversas
divergências entre historiadores e historiadoras, ainda é possível destacarmos
alguns consensos.
Diogo da Silva Roiz (2010) nos explicita que o historiador alemão Peter
Gay discordava da crítica da historiografia pós-moderna a respeito da forma
narrativa de escrita da história. Para esse autor, o recurso de metáforas
aplicadas durante a produção do texto historiográfico não obscurecia a
representação da realidade que se fazia referência como argumentavam os pós-
modernos, mas, sim, garantiam uma maior profundidade do conhecimento
histórico produzido. Ainda assim, como ressalta Roiz (2010), Peter Gay
acreditava que a História era “quase” uma ciência, pois, por mais que mantivesse
um rigor teórico-metodológico, ela não estava submetida a leis.
Ciro Flamarion Santana Cardoso (1992) parte de uma perspectiva
diferente, mas que não está tão distante de Gay. Assim como nas demais
ciências, o autor destaca que as teorias históricas quando superadas não são

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descartadas em prol das novas, mas, sim, incorporadas a estas. Nesse sentido,
Cardoso entende que a História é uma “ciência em construção”, pois os
“historiadores ainda estão descobrindo os meios de análise adequados ao seu
objeto” (Cardoso, 1992, p. 49). Entretanto, o autor destaca que ainda que não
considere a História uma ciência completa, não há impeditivos que a impeça de
em algum momento chegar à essa condição.
Os historiadores utilizam sua produção em muitos âmbitos, não somente
em debates internos à academia. Uma de suas práticas, além da investigação e
análise de processos históricos, é o ensino para crianças, jovens e adultos.
Especialmente na educação básica, o espaço do historiador vem sendo
constantemente atacado. Mais recentemente foi aprovada a Lei n. 13.415/2017,
que prevê reformulações no Ensino Médio.
Entre as muitas mudanças, estão a introdução do “itinerário formativo”,
em que cada estudante escolherá, a partir do 1º ano, um setor para se
aprofundar nos conhecimentos. Esses setores serão dispostos de acordo com
separações semelhantes às do ENEM, por exemplo, Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas ou Matemática e suas Tecnologias. Há ainda a opção de
escolher a formação técnica e profissional, que visa capacitar o aluno para entrar
no mercado de trabalho assim que terminar o Ensino Médio.
De acordo com Rodrigo Turin (2018), há a discussão acerca de que a
reforma veio sendo conduzida por expressões como flexibilidade que se conecta
com a aceleração cada vez mais intensa do mercado no mundo capitalista. Para
o autor, o desafio da História na formação das crianças e adolescentes está
agora em provar sua utilidade em suprir as demandas do mercado que, cada vez
mais, se impõe sobre a sociedade.
Isso é algo negativo na visão de Turin (2018), uma vez que a História e
as demais disciplinas estão sendo associadas à formação única e exclusiva de
habilidades requisitadas pelo mercado, sem pensar que a formação escolar está
associada à formação do aluno enquanto ser humano, indivíduo e cidadão.
Por essas razões, qual o papel da História? Em consequência, qual o
papel do historiador? São essas questões que todo indivíduo disposto a se
formar em História precisa estar atento durante seus estudos para além das
questões teórico-metodológicas dispostas nos temas iniciais.

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NA PRÁTICA

As evoluções da disciplina História forneceram as bases para a prática


historiográfica em sentido tanto de investigação a respeito dos assuntos mais
variados quanto da escrita das análises feitas. Com isso, propomos a seguinte
atividade: leia atentamente o trecho a seguir retirado da documentação medieval
conhecida como Anglo-Saxon Chronicle (Anglo-Saxon Chronicle, 1961, p. 36),
que relata acerca de um dos primeiros ataques vikings conhecidos e realize os
procedimentos críticos descritos nesta aula, como de qual estrato social
aparenta pertencer o autor do documento? Em que local foi produzida a
documentação? É possível depreender um juízo de valor acerca do relatado? Se
sim, qual seria?

Neste ano [793], presságios terríveis apareceram na Nortúmbria e


assustaram muito o povo. Eles consistiam em imensos redemoinhos e
relâmpagos, e dragões de fogo foram vistos voando no ar. Uma grande
fome se seguiu imediatamente a esses sinais e, pouco depois, no
mesmo ano, em 8 de junho, a devastação dos homens pagãos destruiu
miseravelmente a igreja de Deus em Lindisfarne, com pilhagem e
matança.

FINALIZANDO

O esquema a seguir resume todas as discussões abordadas ao longo da


presente aula sobre o desenvolvimento da História e do ofício do historiador no
tempo.
•Surgimento das primeiras práticas
historiográficas na Antiguidade, quando os
testemunhos oculares e os exemplos de
1
grandes fatos predominavam, a fim de
indicar as bases que a futura disciplina se
organizaria.
•Consolidação da História enquanto campo do
conhecimento articulado por rigorosos
2 métodos científicos elaborados pela Escola
Metódica e as inovações da Escola dos
Annales.

•O que são fontes históricas e como foram


3 propostas novas utilizações ao longo do
tempo.

•Apresentamos os novos desafios do que o


historiador e a História enfrentam com a
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realidade atual, como por meio das novas
organizações do ensino no Brasil.

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REFERÊNCIAS

ANHEZINI, K. Escrituras da história: da história mestra da vida à história


moderna em movimento (um guia). Guarapuava: Editora Unicentro, 2009.

BARROS, J. D’A. A fonte histórica e seu lugar de produção. Caderno de


Pesquisa do CDHIS Uberlândia, v. 25, n. 2, 2012, pp. 407-429.

_____. Teoria da História. Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo.


Petrópolis: Editora Vozes, 2011. v. 2.

BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:


Editora Zahar, 2001.

BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Portugal: Editora


Publicações Europa-América, 1990.

CARDOSO, C. F. S. Uma Introdução à História. São Paulo: Editora Brasiliense,


1992.

FONTOURA, A. Teoria da História. Curitiba: Intersaberes, 2016.

ROIZ, D. da S. O ofício do historiador: entre a “ciência histórica” e a “arte


narrativa”. Revista História da Historiografia, n. 4, 2010, pp. 255-278.

SANTOS, I. M. A História Mestra da Vida no Iluminismo Francês: um olhar sobre


as concepções de história de Montesquieu a Voltaire. Revista do CAAP, v. 24,
n. 1, 2019, pp. 157-190.

TURIN, R. Entre o passado disciplinar e os passados práticos: figurações do


historiador na crise das humanidades. Revista Tempo, v. 24, n. 2, 2018, pp.
186-205.

WHITELOCK, D. et al (Ed.). The Anglo-Saxon Chronicle. London: Eyre and


Spottiswooode, 1961.

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