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Aulas Teorias Da História
Aulas Teorias Da História
Fato histórico
Fonte histórica
As fontes ainda podem ser primárias ou secundárias. As primárias são aquelas que
remetem diretamente ao fato estudado, como um documento, uma fotografia, um
relato ou até mesmo um livro. As secundárias são aquelas que, de alguma forma,
foram intermediadas por um leitor ou agente.
Por exemplo:
Um livro escrito durante o Renascimento pode ser uma fonte primária para o
estudo do período. Mas um estudo do século XX sobre um livro escrito no
Renascimento nos traz informações do período, mediadas pela leitura do
historiador ou autor que se debruçou sobre o livro original.
Por que essa mudança com relação ao uso das fontes? Porque o pensamento
histórico, que conduz a análise histórica, mudou. Ou, de outra forma, o que os
historiadores entendem como sendo o pensamento, que norteia e/ou define a
escrita da história, foi alterado.
Quando os historiadores entendiam que a história seria o relato ou a narrativa dos
grandes acontecimentos do passado, era necessária a consulta das fontes capazes
de fornecer os elementos ou dos dados passíveis de auxiliar nos relatos desse fato
histórico específico. Se a história a ser contada era aquela dos reis, dos
governantes, dos nobres, enfim dos grandes eventos políticos, o historiador deveria
consultar as fontes que diriam a ele os dados necessários. Mas se os historiadores
entendem que a história de um homem do povo, de um comerciante ou de uma
professora foi significativa para o grupo a que eles pertenceram e pode, ainda,
ajudar a entender as relações estabelecidas ou fundadas a partir de sua ação,
serão necessários, talvez, outros tipos de fontes para fundamentarem essa
construção histórica.
Exemplo:
A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atitudes das
classes subalternas do passado é com certeza o primeiro – mas não o
único – obstáculo contra o qual as pesquisas históricas do gênero se
chocam. Porém, é uma regra que admite exceções. Este livro conta a
história de um moleiro friulano — Domenico Scandella, conhecido por
Menocchio — queimado por ordem do Santo Ofício, depois de uma
transcorrida em total anonimato. A documentação dos dois processos
abertos contra ele, distantes quinze anos um do outro, nos dá um quadro
rico de suas ideias e sentimentos, fantasias e aspirações. Outros
documentos nos fornecem indicações sobre suas atividades econômicas,
sobre a vida de seus filhos. Temos também algumas páginas escritas por
ele mesmo e uma lista parcial de suas leituras (sabia ler e escrever).
Gostaríamos, é claro, de saber muitas outras coisas sobre Menocchio. Mas
o que temos em mãos já nos permite reconstruir um fragmento do que se
costuma denominar “cultura das classes subalternas” ou ainda “cultura
popular”.
(GINZBURG, 2006, p. 11)
Diversos historiadores do século XX se debruçaram sobre fatos históricos medievais,
como a Inquisição, por exemplo, mas utilizando fontes que mostravam a atuação
da Igreja na vida do homem comum. Nesse caso, processos inquisitoriais podem
fornecer importantes e interessantes informações. Principalmente nos casos em
que eles trazem notícias da vida desses homens, capazes de permitir a
reconstrução do meio em que eles viviam, do ambiente no qual circulavam, das
ideias e pensamentos que defendiam, enfim, do espaço de vida em que se inseriam
os historiadores. A questão se altera quando, no lugar de buscar as fontes com o
intuito de que elas forneçam os elementos capazes de reconstituir a história, o
historiador passa a interrogá-las. Quando o pensamento histórico muda, além dos
fatos e das fontes, muda também a análise histórica, que se dá de diversas formas.
Contudo, duas têm sido recorrentes no campo da historiografia, a que implica no
processo de julgar e no de compreender.
A análise histórica pressupõe que o historiador se debruce sobre os fatos e fontes
com um determinado intuito. Na sucessão dos tempos, esse objetivo pode ser
traduzido pelo ato de julgar os fatos ocorridos ou de compreender esses mesmos
fatos.
O século XVIII ficou conhecido como o século da razão, em que os intelectuais e os
estudiosos estavam buscando o conhecimento crítico de seu mundo. É nesse século
que o pensamento histórico começou o processo que viria a transformá-lo em
ciência. Dialogando com a proposta iluminista, analisando o fazer histórico, José
Carlos Reis afirma que:
A história é um sujeito autônomo e poderoso que realiza o trabalho de
autoprodução. É um singular-coletivo que reúne todos os eventos em um
plano único. A história é um processo coerente, unificado e acelerado da
humanidade em direção ao futuro racional, à liberdade, à sociedade
moral, livre. A história está à disposição de um sujeito-singular-coletivo,
a humanidade universal, que se constrói, construindo-a. A história é a
marcha da humanidade em busca da liberdade, garantida pela razão que
governa o mundo.
(REIS, 2006, p. 35)
Composta por um princípio, ao mesmo tempo tão singular e tão coletivo, a
história, pensada pelos historiadores dos séculos XVIII e XIX, ensaiava uma
autonomia que se queria científica. Seguindo o caminho da sociologia, mais do que
narrativa, aspirava a ser ciência. Ocorre que, para adquirir o status de ciência, a
história precisava que seus elementos, como os fatos, as fontes e o conhecimento
construído, fossem abordados a partir de uma metodologia. O modelo
metodológico em curso naqueles anos era aquele tomado de empréstimo das
ciências naturais. Foram as ciências da natureza que forneceram, inicialmente, a
base metodológica com o que o fato histórico seria abordado.
Até que ponto seria possível abordar de forma objetiva o passado? Se ele não mais
existe, se somente pode ser acessado por intermédio de vestígios, é possível
alcançar seu significado lógico?
Para saber mais sobre consciência histórica assista ao programa Opinião Minas
(2011) em entrevista com o professor José Carlos Reis, parte 01 e parte 02.
Com tantas objeções, e não citamos todas, como é possível a história se aproximar
da ciência? Acontece que essa aproximação se dá por intermédio da negação do
lendário, do falso e da ficção na busca da verdade e da realidade empírica.
E recordando ainda que a palavra ciência deriva do termo latino scientia que
significa “conhecimento” ou “saber”.
Vamos conhecer os quatro modelos propostos para que a história científica, ou o
conhecimento histórico, seja possível.
Modelo nomológico
É um modelo neopositivista, austríaco e inglês, elaborado entre os anos de
1930-1950, que defendia a unidade da ciência. Acreditavam que a história poderia
ter o mesmo padrão científico da física.
Um dos principais defensores dessa corrente é Karl Hempel, que, em 1942,
publicou um artigo intitulado A função das leis gerais em história. Os partidários
desse modelo acreditavam que mesmo que fosse possível uma compreensão dos
eventos históricos, sua abordagem estaria submetida a uma explicação causal. Por
isso, seu caráter compreensivo e narrativo eram negados, pois entendiam que todo
fato, fosse ele natural ou histórico, estaria sujeito às leis. No caso da história,
essas leis explicariam a causa da vida humana no tempo, sendo esse seu objetivo,
mais do que descrever ou narrar os fatos ou eventos do passado, pois ela se
ocuparia em encontrar as leis que haviam definido esses eventos. Para isso,
contaria com o auxílio das leis que compõem as várias ciências. De outra forma,
quais as leis biológicas, geográficas, climáticas, entre outras, que poderiam ter
influenciado para que tal evento acontecesse da forma como aconteceu?
No entanto, os cientistas, durante o século XX, começaram a questionar o quanto
de objetividade é possível encontrar, até mesmo nas ciências da natureza.
Entendendo a ciência como um diálogo entre o homem e a natureza, já que seu
objetivo é compreender uma realidade distinta daquela própria do homem, é
necessário admitir que esse diálogo será sempre fragmentado e condicionado pela
própria interação entre os elementos que o compõe. Essas mesmas questões
haviam sido levantadas pelos historiadores que, ainda no século XIX, se opuseram
ao modelo positivista defendido por aqueles que, num primeiro momento,
buscaram afirmar a história enquanto ciência. Por isso, para responder às lacunas
encontradas no modelo nomológico, foi proposto o modelo compreensivo.
Modelo compreensivo
Existem duas versões do modelo compreensivo: a intuitiva de Wilhelm Dilthey e a
racional de Max Weber. Elas partiam do pressuposto de que, enquanto as ciências
naturais buscavam uma generalização a partir da aplicação das leis, as ciências
humanas, ou do espírito, eram individualizantes e avaliadoras.
Dilthey acreditava que o método mais propício às ciências humanas teria a
compreensão e a interpretação como instrumentos. O conhecimento histórico
resultaria, assim, do diálogo entre o presente e o passado, e entre o historiador e
os homens que o antecederam. Reis (2006) explica que, para eles, o mundo
histórico é um “universo de significações compartilhadas, onde a comunicação
entre os homens se realiza”. Nisso está a objetividade do conhecimento histórico,
na interpretação e decodificação das relações estabelecidas entre os homens. A
compreensão é um processo complexo que vai do evento ocorrido às causas
possíveis para a ocorrência do evento. E, após terem sido feitas as relações que
trarão sentido ao evento, ocorre o retorno da compreensão, que se dá por
intermédio do reviver o evento.
Max Weber entende a compreensão de uma forma mais racional. Essa deve
constituir-se de uma operação lógica e, para isso, é necessário o domínio
intelectual do contexto em que a ação se insere. Inspirado em Kant, Weber
acredita que a construção de um tipo ideal pode ser útil para a compreensão, pois
permitiria, por meio dos desvios desse tipo ideal, medir os desvios irracionais ou as
alterações. O tipo ideal facilita a abordagem e a apreensão do real. Weber propõe,
portanto, uma sociologia compreensiva, capaz de afastar a história do
irracionalismo. Dessa forma, o conhecimento histórico, entendido por Weber, é
racionalmente conduzido por meio da compreensão e pelos conceitos em que se
fundamenta.
Modelo conceitual
A história proposta por Max Weber é uma história que entende ser necessária a
uma organização lógica do passado, que é irrecuperável, e, por isso, seu interesse
deve ser intelectual e sociológico. O discurso histórico é composto pelos conceitos
criados pelo historiador, uma vez que os homens de uma determinada época,
geralmente, não têm consciência da originalidade dos elementos que compõem o
seu tempo. Por outro lado, ele também é composto pelo conteúdo concreto dos
documentos, registros da experiência vivida pelos homens do passado, que são as
fontes históricas.
Paul Veyne também defendia uma história conceitual ligada às ciências sociais e é
nessa medida que ela se torna científica. Os conceitos permitem que a história
tenha uma inteligibilidade, para além da condição de narrar, compreender e trazer
à tona o passado. Essa inteligibilidade seria atingida por meio de uma comparação
conceitual, fundamentada racionalmente e teorizada, capaz de revelar
semelhanças e diferenças. Porém, Veyne não descarta a linguagem narrativa no
contexto do conhecimento histórico. Ele entende que, apesar de existir uma
linguagem histórica, essa se aproxima mais da cotidiana, portanto narrativa, do
que da científica. Por isso, depois de, num primeiro momento, afastar-se da
narrativa para garantir sua cientificidade, no final do século XX, a história buscou
um retorno a ela.
Modelo narrativo
Para os historiadores do século XIX e da primeira metade do século XX, aceitar a
associação da história com a narrativa seria equivalente a condenar a
cientificidade do conhecimento histórico. A narrativa, tradicionalmente vinculada
à literatura, era considerada superficial e ingênua, sendo a biografia, por sua vez,
sua forma mais comum. Narrar correspondia a mostrar o fato como ele havia
acontecido. No entanto, a simples narrativa não era capaz de suprir as
necessidades da história-problema, proposta no século XX. Se o historiador escolhe
e constrói seu objeto de estudo, se ele interroga o passado, como ele poderia
narrar os fatos pura e simplesmente? Para esses historiadores, o texto histórico
resulta de uma construção teórica e a construção teórica e narrativa eram
entendidos como elementos incompatíveis.
Percebeu-se, no entanto, que a forma conceitual da história-problema era
insatisfatória por não levar em conta o indivíduo e sua temporalidade. Paul Ricoeur
defende o caráter narrativo do conhecimento histórico. Reis cita Ricoeur em sua
tese sobre o tempo e a narrativa.
O tempo torna-se tempo humano na medida em que é articulado de
maneira narrativa. A narrativa é significativa na medida em que ela
desenha os traços da experiência temporal. Esta tese apresenta um
caráter circular. A circularidade entre temporalidade e narrativa não é
viciada, mas duas metades que se reforçam reciprocamente.
( RICOEUR, 2006, p. 137)
Existe uma correlação entre a atividade lógica da narração de uma história e o
caráter temporal da experiência humana. Quando o tempo é articulado de forma
narrativa, ele torna-se humano. Ao mesmo tempo, quando a narrativa se torna
condição da experiência temporal, ela ganha significado.
Reis recorda que, para os pré-socráticos, a arte tem mais valor do que a verdade,
uma vez que ela serve à vida, mais do que a ciência. Ela expressa as forças
fundamentais, os instintos e a vontade. Seria também no campo da arte que o ser
humano pode ser revelado em toda sua essência, já que ela não isola, não
fragmenta o ser humano, ao contrário, mostra-o em todas suas facetas e
fragilidades. É pensando nessa condição que Ricoeur e outros defendem o retorno
da narrativa à história.
Essa orientação proposta por Koselleck (2006) cria um novo ponto de observação
para o historiador, ao mostrar que cada período histórico se relaciona de maneira
própria com os períodos que o antecederam. De outra forma, é na relação entre os
períodos históricos que cada período ganha sua identidade.
Já para os historiadores vinculados à Escola dos Annales, o tempo histórico passou
a ser entendido em duas dimensões. Marc Bloch (2001, p. 55) defende esse tempo
como sendo contínuo, mas estando em perpétua mudança. Inspirados pelas
ciências sociais, os historiadores dos Annales transportaram para o campo da
história o entendimento trazido pelos cientistas sociais com relação às estruturas
sociais. Era assim que o tempo era visto. Enfatizava, por isso, nem tanto as
mudanças qualitativas, mas buscava valorizar as transformações estruturais. Daí o
conceito de longa duração, o qual permitiria abordar os eventos históricos
entendendo que, da mesma forma que estes estão em mudança constante, alguns
elementos estruturais das sociedades humanas permanecem, independentemente
das mudanças observadas a princípio.
CIENCIAS NATURAIS
As ciências naturais são aquelas que se dedicam ao estudo da natureza. Tratam dos
aspectos objetivos da realidade e podem ser organizados em torno de cinco
grandes núcleos: a biologia, a física, a química, a geologia e a astronomia.
CIÊNCIAS HUMANAS
Ciências humanas
As ciências humanas correspondem ao estudo científico do conhecimento
produzido a partir das ações humanas, em suas diversas dimensões. Elas têm como
objeto de pesquisa aquilo que o homem tem de humano. Essa ideia remonta a
outros tempos. Os renascentistas já procuravam por meio dos estudos da
Antiguidade resgatar e desenvolver esse caráter de humanidade dos seres
humanos. Inspirados nos estudos de Cícero, político, orador, escritor e filósofo
romano do séc. I a.C., os intelectuais do Renascimento buscaram organizar seus
estudos. Cícero, partindo dos estudos gregos, escreveu sobre gramática, retórica,
poesia, história e moral filosófica. Os intelectuais do Renascimento, ou
humanistas, buscaram resgatar esses conhecimentos antigos para o enriquecimento
do homem e descortinaram, com isso, todo um panorama de possibilidades, ao
abrirem o pensamento para a grandiosidade de possibilidades de ação humana no
mundo. É assim que começa o caminho que levará ao desenvolvimento das
chamadas ciências humanas.
O século XVIII, com as leituras racionais da humanidade feitas pelos pensadores do
iluminismo, trouxe novamente à cena a proposta de uma história universal,
distinta, porém, do modelo que havia sido tão cultivado durante os anos da idade
média. Naquele contexto, a história do mundo era perpassada pela tradição cristã.
No século XVIII, veio atrelada aos ideais do racionalismo e tinha a intenção de levar
à sociedade a moral universal.
Era o momento da filosofia da história, em que os filósofos buscavam o lugar da
história dentro do novo contexto da sociedade, norteada pelos princípios adotados
então. Não mais o foco estava no passado ou no presente, mas no futuro, como
possibilidade de salvação, tendo a história como meio para alcançá-la
Sobre a transição entre o modelo de filosofia da história para o de história
conhecimento, ainda em construção, José Carlos Reis afirma o seguinte:
A partir do que foi visto até agora, como você acha que esses primeiros cientistas
historiadores do século XIX articulavam esse pensamento histórico em construção
com a questão do tempo?
Para aprofundar seu conhecimento sobre as ciências humanas e a
interdisciplinaridade, estude o artigo: Sobre o conceito de interdisciplinaridade.
Na mitologia grega, a história é representada como uma das nove musas. Clio é o
seu nome e, no friso acima, é a primeira da esquerda para a direita. É
representada com uma pena e um livro ou rolo de pergaminho. As musas são filhas
de Zeus e Mnemósine (a memória), presidem as artes e as ciências e os seus dons
são utilizados para auxiliar os governantes e trazer a paz aos homens.
Como a história pode auxiliar os governantes e trazer a paz aos
homens?
Sobre a História
O termo “história” sempre foi utilizado tanto para se referir aos acontecimentos
do passado quanto para dizer da narrativa ou conhecimento construído a partir
desse passado. Isso explica o porquê de a história, até o século XIX, ser vista
simplesmente como a escrita ou narrativa do acontecido. Essa escrita ou narrativa
não era nem inocente, nem neutra, sempre se prestava a alguma ideologia que
norteava os interesses dos grupos para quem se dirigia. Foi assim com a história
dos santos e dos padres da Igreja, com a escrita da história que serviria de
fundamento para a identidade das nações que surgiam, com a memória que se
queria preservar dos reinados.
Foi somente no século XIX que a história passou por um processo de reflexão e
construção da sua prática pensada a partir dos conceitos e preceitos defendidos
pelo iluminismo. A busca da razão, da luz, contrária às trevas do antigo regime, à
ignorância que se queria abolir, atingiu as diversas áreas do conhecimento da
época. E esses intelectuais, imbuídos desses ideais, pretenderam fornecer também
as bases para uma história que se prestasse aos novos ideais. Eles não
desconheciam o fato de que a verdade e o real podem ser manipulados para
atender aos objetivos de pequenos grupos que dominam muitas vezes nações
inteiras. Porém, tinham o ideal de chegar a uma verdade plena, pura, absoluta.
Como, porém, chegar a essa verdade?
Como alcançar, com o mínimo de falhas, a escrita real sobre o
acontecido?
Os historiadores do século XIX chegaram à conclusão de que o melhor caminho para
se alcançar essa regularidade em torno do conhecimento produzido pela história
seria aplicar aos fatos a serem estudados um método capaz de garantir a
regularidade necessária para a percepção das leis que regeriam os fenômenos, os
fatos. Esse método, tomado de empréstimo das ciências naturais, modelo que
existia àquela época, buscou uma regularidade por meio de uma padronização das
fontes a serem utilizadas e de um afastamento da narrativa e da ficção.
Falamos um pouco atrás que a história no século XIX foi pensada de forma distinta
da ocorrida até a época, e que esse processo se deu com a influência do
pensamento iluminista do século XVIII. Alguns filósofos deste século, por motivos
diversos, pensaram sobre a história e sua utilidade.
MONTESQUIEU
Montesquieu estudou as origens da civilização utilizando, para isso, a história dos
sistemas jurídicos.
VOLTAIRE
DIDEROT E D’ALEMBERT
Esses filósofos do século XVIII buscavam na história os conhecimentos necessários
para garantir que a humanidade alcançasse o progresso a que estava destinada. A
história das civilizações ajudaria a compreender a sua própria época. Foi daí que
surgiu a ideia da história como conhecimento para se entender o presente e
preparar ou planejar o futuro. Acontece que, a partir do século XIX, a concepção
metafísica perdeu o espaço diante do avanço positivista nas ciências.
É esse modelo metafísico que o positivismo de Comte vai combater. Os estudiosos
passam a entender que o modelo metafísico não é mais capaz de responder às
questões propostas pelo homem, somente o que é percebido pelos sentidos poderia
ser comprovado, poderia ser considerado real. E é o positivismo que vai fornecer
as bases para o desenvolvimento das ciências durante o século XIX. Sobre esse
assunto, o conhecimento positivo, Reis cita Lefebvre quando este afirma que
competia a esse conhecimento, o positivista, “observar os fatos, constatar suas
relações, servir-se delas para a ciência aplicada”. (REIS, 2011, p. 13). Daí a
preocupação com a utilização das fontes para se alcançar a cientificidade do
conhecimento construído, mesmo que o conhecimento ainda deva se constituir em
torno dos grandes fatos, aqueles significativos para a história da humanidade ou da
nação. E, nesses casos, os documentos oficiais ainda eram os mais confiáveis para
a história que se queria escrever.
Outro elemento importante para se alcançar esse caráter científico relacionava-se
à necessidade da narrativa. Isso significava, no século XIX, afastar-se da narrativa.
A narrativa era entendida como elemento da literatura, como característica de um
modelo de escrita da história que precisava ser revisto. A literatura não era
conhecida por sua adesão à verdade, e a busca da verdade deveria ser a primeira
preocupação do historiador. Uma verdade que se pretendia absoluta, capaz de ser
comprovada pelas fontes consultadas por meio de um método seguro, neutro o
suficiente para que o historiador pudesse ser alçado à condição de cientista.
Positivismo histórico
O historicismo
Com base no que foi visto até aqui, seria possível pensar em um outro modelo de
escrita da história durante o século XIX além daqueles que se relacionavam ao
modelo das ciências naturais e aquele proposto pelos historicistas?
Materialismo histórico
A primeira geração
A primeira corresponde ao período em que Lucien Febvre esteve dirigindo a
revista, de 1929 até sua morte, em 1956. Esse período se caracteriza pela ênfase
em uma produção histórica de base interdisciplinar, não factual. A proximidade
com as ciências sociais e a geografia é clara, e os pesquisadores ligados à escola
nesse momento se afastaram deliberadamente da história política, que privilegiava
os grandes homens e os grandes fatos ou guerras, prática comum entre os
historiadores positivistas.
José Carlos Reis apresenta as diferenças e semelhanças entre Lucien Febvre e Marc
Bloch, ao descrever as principais características das três gerações dos Annales.
Febvre preferia tratar de sincronias, de estruturas fechadas, de uma
história imóvel, e não de uma história linear, progressiva e
emancipacionista, como era a iluminista. [...] Bloch também não era
plenamente iluminista: neodurkheimiano, também já percebia estruturas,
o inconsciente repetitivo, as durações longas, os limites à ação, e já era
crítico em relação a teleologias. Ambos procuraram superar
dialeticamente o evento, isto é, negá-lo, integrando-o em uma longa
duração. Mas ambos ainda guardavam da tradição iluminista o otimismo
em relação ao futuro, o humanismo, e faziam ainda de certa forma uma
história do sujeito e da consciência.
(REIS, 2006, p. 79, grifos do autor)
Para Reis, é na atuação dos dois fundadores que a primeira geração apresenta
uma relação dos Annales com o iluminismo, guardando o devido distanciamento
relativo da atuação dos dois com relação à proposta iluminista, como citado
acima.
O que esses dois historiadores buscavam era uma história mais abrangente, que
incluísse, além dos diálogos com as ciências sociais, reflexões acerca da psicologia
e da linguística. Buscaram, ainda, libertar-se da história que pressupunha o uso
exclusivo da documentação histórica e a preocupação cronológica dos fatos,
antecipando, em parte, discussões que seriam mais aprofundadas pelos estudiosos
da segunda e terceira gerações.
De novo o tempo
Quando Fernand Braudel escreve O Mediterrâneo, ele apresenta uma conceituação
em torno do tempo, a qual será tema de um estudo intitulado A longa duração,
publicado em 1965, no número 62 da Revista de História.
Nesse artigo, Braudel (1965) defende que a história decompõe o tempo passado,
escolhendo uma dentre as suas diversas realidades cronológicas. Contudo,
referindo-se às abordagens possíveis, esse autor também defende que campos de
conhecimento distintos promovem abordagens distintas com relação ao tempo.
O tempo breve ou curto é o tempo do indivíduo, dos acontecimentos. Esse era o
tempo tratado pela historiografia tradicional. O tempo lento seria o que se
enquadra no objeto de estudo das ciências sociais e econômicas, em que os ciclos
sobre os quais oscilam os eventos duram, às vezes, 10, 20, 50 anos ou mais. A
história referente a esse tempo seria aquela que estuda as estruturas criadas pela
civilização: o tempo da longa duração. Existe, ainda, um tempo que é
praticamente imóvel: o tempo dos homens e do ambiente.
É na longa duração que Fernand Braudel dialoga com o estruturalismo de Claude
Lévi-Strauss.
Fernand Braudel dirigiu a revista dos Annales de 1956, ano da morte de Lucien
Febvre, até 1968. Apesar de não ter atuado nesse campo, foi durante sua gestão
que alguns pesquisadores ligados à escola começaram a desenvolver as pesquisas
que ficaram conhecidas como pertencentes ao campo da história das
mentalidades.
A história das mentalidades busca nos seus estudos o modo de pensar e o modo de
agir dos grupos sociais. Dialogando diretamente com a psicologia, buscou temas
pouco convencionais. Importantes historiadores da segunda metade do século XX
fazem parte desse grupo. Robert Mandrou estudou a persistência dos modos de
sentir que incentivaram a prática da feitiçaria e sua repressão. Jean Delumeau
estudou o medo em complexos que permitiram, com a superação desses medos, a
passagem para o mundo moderno. Philippe Ariès e Michel Vovelle estudaram os
sentimentos humanos diante da morte (BARROS, 2005).
Porém esses estudos somente foram possíveis devido à utilização de alguns
elementos metodológicos próprios a esse campo: a abordagem serial, o recorte
temporal e a abordagem extensiva de fontes diversas.
Barros explica a necessidade dessa metodologia. Para falar da abordagem serial
extensiva de fontes diversas, usa o exemplo de Michel Vovelle nos estudos relativos
à morte.
[...] Vovelle examinou com precisão e método milhares de testamentos
provençais — sempre de forma maciça e procurando enxergar serialmente
padrões e deslocamentos de padrões que denunciassem as variações das
atitudes diante da morte na longa duração escolhida por ele. Quando
examina fontes iconográficas, afasta-se da abordagem qualitativa livre
para avaliar topicamente a recorrência e a ruptura de certos modos de
representar, às vezes medindo espaços no interior da representação
iconográfica e quantificando elementos figurativos. Se vai às fontes da
cultura material, à arquitetura funerária por exemplo, faz medições das
distâncias que separam túmulos e altares. Sua abordagem é, portanto,
sistemática, cuidadosamente preocupada com a homogeneidade das
fontes e com o seu lugar preciso dentro da série.
(BARROS, 2005, p. 41)
Esses estudos envolvidos na proposta da história das mentalidades abriram as
portas para outras abordagens. A partir de 1968, evidenciou-se cada vez mais a
identidade própria, apesar de ainda em construção, do grupo da terceira geração.
A proposta trazida por eles ficou conhecida genericamente como a da nouvelle
histoire, ou “nova história”.
A nova história
A micro-história
Wilhelm Dilthey
O pensamento de Dilthey
Vale recordar que nos séculos XVIII e XIX, a narrativa histórica, vinculada aos
modelos utilizados para construir a história das nações, era defendida por diversos
iluministas. E foi percorrendo inicialmente esses caminhos que o conhecimento
histórico foi gradativamente sendo alçado à condição de conhecimento científico.
Lyotard, ao apresentar sua incredulidade com relação às metanarrativas,
exprimiu seu “descrédito a qualquer teoria com aspirações de totalidade sobre
o mundo e as experiências humanas” (MARCZAL, 2016, p. 196). Ele partiu do
pressuposto de que a mudança no estatuto do saber acompanhava o ingresso das
sociedades em uma era pós-industrial e a cultura em um período de
pós-modernidade. Esse período caracterizou-se pela reconstrução e pela
reorganização do pós-guerra, assim como pelo surgimento de novos problemas e
desafios, essenciais na reorganização dos saberes e das maneiras de se entender
a realidade (MARCZAL, 2016, p. 195-196).