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ÉTICA DAS RELIGIÕES

AULA 3

Prof. Antonio Carlos da Silva


CONVERSA INICIAL

Osvaldo Ferreira de Melo (2007, p. 5), estudando sobre a sociedade em


meio ao iluminismo, na França, comenta que

pouca gente consegue lidar com a fraternidade como preceito ético


supremo, para enfrentar o desamor entre as criaturas. Daí as
desesperadas tentativas de construir um conceito que não tivesse uma
conotação religiosa ou um nível de pura abstração filosófica
incondizente com o pragmatismo da linguagem política e social, como
é o caso de fraternidade. Adotou-se então o significante solidariedade
que, se não expressa toda a riqueza espiritual contida na palavra
fraternidade, pode dela aproximar-se bastante, pelo menos em uma de
suas significações mais relevantes: o dever moral incondicionado.

Pensando sobre esse dever moral incondicionado é que nos surge a


perspectiva para estudarmos a importância da ética religiosa atenta aos direitos
e deveres que cada cidadão tem em exercer sua religiosidade e respeitar aquela
que é praticada por seu semelhante.

CONTEXTUALIZANDO

Gregório Robles (2005, p. 36) escreve que todo ser humano tem a
necessidade de responder a seguinte pergunta: para que vivo? Segundo ele,
trata-se de uma necessidade psíquica, mental e espiritual que afeta o estrato
mais nobre da personalidade humana. A ética religiosa serve como referencial
para orientar as práticas de fé a compreenderem os direitos e deveres a serem
exercidos na vida acadêmica e sociocomunitária.
Manfredo Oliveira, estudando aos apontamentos de Martelli (1995, p. 453)
comenta que atualmente é acentuada a compreensão da religião como espaço
de articulação do sentido da vida, ela constitui na presente geração uma reserva
de símbolos e significados, reproduzidos institucionalmente ou livremente,
buscados pelos indivíduos, dentro de uma multiplicidade de percursos e níveis.
Para Catão (1995, p. 63), "toda religião comporta uma ética e toda ética
desemboca numa religião, na mesma medida em que a ética se orienta pelo
sentido do transcendente da vida humana”.

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TEMA 1 – NA FORMAÇÃO ACADÊMICA

Desde a mais tenra idade às idades avançadas, fazemos parte de um


processo de aprendizado contínuo. Estamos em formação e passamos
frequentemente por aperfeiçoamentos. Diamantino L. R. Bártolo (2007, p. 142)
escreve que:

A sociedade humana, que é uma construção do génio humano,


continua, complexa, apesar de toda a evolução da sua estratégica
organização, da proliferação e aplicação de regras, complexa, difícil e
conflituosa, gerando situações que já não são compatíveis com o
estatuto superior que deveria corresponder à dignidade da pessoa
humana, numa sociedade que tem a obrigação de se conduzir pelos
valores e princípios referenciais desta superior espécie.

Afonso Soares (2009, p. 2) escreve sobre a importância em se buscar


conhecer os elementos básicos do fenômeno religioso a partir da experiência
dos alunos; expor e analisar o papel das tradições religiosas na sociedade e na
cultura; contribuir com a compreensão das diferenças e semelhanças entre as
tradições religiosas.
Élcio Cecchetti e Lilian B. de Oliveira (2015) comentam que, garantir uma
interação positiva entre diferentes identidades culturais é parte da busca pela
promoção da dignidade humana. Valorizar e reconhecer a diversidade implica
considerar que cada sujeito e grupo social têm sido formado num processo
histórico diferente, constituindo identidades, a partir de uma perspectiva que
condiciona, possibilita e limita um modo de ser humano.
Micheline Milot (2012) comenta que a tomada de consciência da
diversidade religiosa na educação intercultural pode constituir uma contribuição
preciosa a uma cultura de paz, a uma abertura para outras culturas, à tolerância
e ao respeito dos direitos do ser humano.

TEMA 2 – NA AÇÃO SOCIAL

Paulo Pinheiro (2015) estuda as propagações do fundamentalismo


religioso e da intolerância que avançam na contemporaneidade. Eles ganham
contornos singulares para uma profissão que na atualidade afirma publicamente
o combate aos preconceitos e às opressões, que defende o princípio de uma
atuação laica e que busca consolidar, tanto a atuação profissional como a
formação de futuros assistentes sociais, com base num arcabouço teórico crítico,
radical e histórico.
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Uma das prerrogativas da ética religiosa interessada pela vida em
comunidade é pensar que no exercício dela pode ser prestado atendimento
especial às pessoas que sofrem vulnerabilidade social, quando o nível de bem-
estar está aquém da dignidade humana. Essa vulnerabilidade pode ser dividida
em dois grupos. Um grupo de pessoas com vulnerabilidade alta, quando o nível
de renda é o pior aliado ao baixo nível de escolaridade, com famílias formadas
por jovens e com alto número de crianças; e outro grupo de “média
vulnerabilidade”, quando a renda é ainda pior, e o nível de escolaridade é ainda
pior. Esse grupo é formado por famílias com pessoas de idade mais avançada e
com pequeno número de crianças.
Manfredo Oliveira (2014) também observa que a partir de sua visão de
todo e do lugar que o ser humano ocupa no universo, a religião é chamada a
contribuir no debate e no enfrentamento das grandes questões que a
humanidade se depara atualmente.
No desenvolvimento de uma ética religiosa social relevante, se faz
importante se dedicar a uma reflexão teológica que analise a atual sociedade de
consumo ou reflita sobre valores espirituais por uma comunidade que ajude a
construir uma categoria teológica de “suficiência” (Oliveira; Schaper, 2015). Na
qual, o trabalho por um desenvolvimento sustentável é persistente.

TEMA 3 – NO ENVOLVIMENTO POLÍTICO

Há algumas ocasiões específicas na história da humanidade que


podemos consultar para tentarmos compreender sobre possíveis ligações que
há entre religião e política. Quando estudamos os Impérios anteriores a Cristo e
também os reinos posteriores a ele, conseguimos perceber, por exemplo, no
caso do Império Romano, que o imperador era venerado como divindade. Havia
a pax romana, que em princípio poderia ser desfrutada por todos desde que o
reino do imperador não se sentisse ameaçado.
Segundo Israel Serique (2011), a pax romana seria uma expressão que
intitulava ações políticas e militares que procuravam manter todos os territórios
e localidades conquistados estáveis, pois o alcance do Império era vasto. Ela
também denotaria um forte teor ideológico que procurava mascarar o sistema de
perseguição, exploração, morte e assimetrias existentes no Império (Serique,
2011). Por outro lado, a paz oferecida por Cristo seria o elemento para pacificar

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os corações de seus seguidores diante do grande Império. Havia o respeito ao
Império e o receio quanto a transgredir os seus preceitos.
A ética religiosa em meio ao exercício político foi um desafio naquele
período e assim tem sido ao passar dos séculos. Luís Gustavo T. Silva (2017)
comenta que a relação entre religião e política é objeto de estudo recorrente nas
ciências sociais. A ascensão da religiosidade nas últimas décadas tem
mobilizado ampla atenção dos pesquisadores para a interface entre essas
esferas no mundo contemporâneo.
Diamantino Bártolo (2007) comenta que em cada momento, o ser
humano, por força dos vários papéis que vai desempenhando, tem o dever de
assumir o seu exercício de cidadania, sempre a partir dos deveres e dos direitos,
nos limites estabelecidos pela ética.
José Luiz Ames (2006) observa que, para Maquiavel, por meio da religião,
se faz possível reconhecer e respeitar as regras políticas a partir de um
mandamento religioso. Esse pensamento seria uma norma coletiva que pode
assumir tanto o aspecto coercivo exterior, ligado à disciplina militar ou à
autoridade política quando pensamos sobre o caráter persuasivo interior da
educação moral e cívica para que seja gerado um consenso coletivo.
Marcos Martins (2000) comenta que assim como na Grécia Antiga, havia
duas categorias de cidadãos, os passivos e os ativos, no gerenciamento da vida
coletiva. Atualmente, isso também acontece na realidade nacional brasileira.

TEMA 4 – NA IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE

O mundo em que vivemos é dotado de belezas naturais riquíssimas. Seja


no ocidente ou no oriente, no hemisfério sul ou norte, seja em meio às selvas ou
à beira mar, diante da biodiversidade amazônica ou do esplendor do litoral norte
da Austrália, todos estes lugares estão correndo riscos de perderem seu brilho.
Em termos históricos, há religiões que celebram seus cultos e prestam sua
reverência aos seus deuses sob o calor do sol ou sob a claridade da lua. Mas a
natureza de modo geral vem sendo explorada e enfraquecida pela prática
colonizadora humana.
Segundo Renan Santos (2019), o antropocentrismo e o desencantamento
do mundo difundidos no Ocidente pelas religiões cristãs corresponderiam, na
visão de White (2007), às “raízes históricas da nossa crise ecológica”.

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O que pode ser feito pela natureza a partir de uma compreensão ético-
religiosa pluriparticipativa? Melhorar os índices de salubridade do planeta como
objetivo a ser alcançado também pelos religiosos.
Richard A. S. Rosa (2018) estudando sobre religião, educação e direito
analisa a ótica do judaísmo sobre o meio-ambiente. A religião dos judeus,
segundo ele, tem um comprometimento ambiental que cultiva a moral, a
prudência e o contato com Criador para que se viva de forma justa. Quando não
há o devido cuidado com o meio-ambiente para preservá-lo e dá-se lugar a
depravação e a barbaridade, gera-se um desequilíbrio, no qual se manifestam
oscilações sociais e cósmicas.
Isabel Carvalho e Carlos Alberto Steil (2008) comentam que hábitos
ecológicos de cuidado responsável para com o ambiente e a natureza passaram
a fazer parte de sistemas de crenças religiosas que visam situar o sujeito no
mundo, na sociedade e na natureza, e ao mesmo tempo de uma experiência do
sagrado, no sentido de que a reconexão com a natureza passa a fazer parte de
um sistema de crenças ecológicas.
Geneci Bett comenta que a educação ambiental visa auxiliar o aluno a
agir no espaço e a influir na sua construção. Efetivamente possibilita: atitude de
participação ativa na construção e produção de moradia; corresponsabilidade
em gestão territorial; valorização da vida no espaço; respeito ao direito das
pessoas pelo deslocamento espacial e ética ambiental.

TEMA 5 – NA LIBERDADE DE CULTO

Quando se observa a natureza e em especial os pássaros, notamos que


eles desfrutam de liberdade. Das pequeninas às grandes aves, elas têm
liberdade para voarem, fazerem seus ninhos e cantarem onde e quando
quiserem. Partimos dessa descrição da natureza para estudarmos as tribos
indígenas, por exemplo. Observamos em sua história a diversidade de ritos e
celebrações pertinentes a cada uma delas. Realidade experimentada também
por povos africanos. Mas também notamos que estes e outros exemplos
sofreram perdas pelo fato de não serem respeitados eticamente por muitos
daqueles que os doutrinaram, catequisaram ou evangelizaram.
Em tempos contemporâneos e em termos jurídicos, Rondinei Alves (216)
escreve que a liberdade de crença é garantida no art. 5, inciso VI, que explana
ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, estando garantido o livre
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exercício dos cultos religiosos e assegurada, por lei, a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias.
Marcio E. P. Morais (2011) escreve que a religião faz parte da vida do
homem, desde eras remotas, mas a liberdade religiosa é uma conquista recente
da humanidade, lembrando-se do pensamento de Georg Jellinek (1851-1911),
que a liberdade religiosa é um dos primeiros direitos fundamentais conquistados
pelo homem, sendo tal liberdade, dentro da divisão de gerações de direitos
fundamentais, estruturada por Norberto Bobbio (1909-2004), um direito de
primeira geração.
Silvia Araújo Dettmer (2002), tomando a perspectiva de Paulo Adragão
como base, comenta que a dimensão objetiva da liberdade religiosa “manifesta-
se na integração da rede de princípios e normas de organização que
regulamentam a realidade em torno do direito fundamental de liberdade religiosa.

NA PRÁTICA

Diante do que estudamos nesta aula, no que se refere à esfera da religião,


é possível destacar que, numa perspectiva mais geral, é importante analisar até
que ponto dentro de uma sociedade multicultural, busca-se lidar com questões
referentes a problemas entre culturas diferentes. Deve-se aceitar todo tipo de
postura religiosa? Historicamente, a intolerância estará presente se assim for
praticado.
Se as relações humanas são fundadas em sentimentos e crenças
religiosas peculiares e íntimas, o que fazer para que seja estabelecido um
equilíbrio no convívio comunitário? Outra questão, mais específica, visa
distinguir as atitudes de constituição de identidades, dos desenvolvimentos de
preconceitos estigmatizantes que podem conduzir a posturas intolerantes.

FINALIZANDO

Abordamos os direitos, deveres e a ética religiosa e seus desdobramentos


no convívio comunitário sociorreligioso. Estudamos a ética religiosa em meio à
formação acadêmica e suas contribuições.
Analisamos opiniões de alguns autores comprometidos com a prática de
ações sociais nas quais são necessárias uma conduta ético-religiosa tolerante e
relevante no atendimento às necessidades sociais da vida humana.

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Estudamos a ética religiosa praticada em questões políticas e abordamos
como é importante pensar nas necessidades do meio ambiente a partir de uma
perspectiva religiosa. Por fim, observamos que a liberdade de culto é um direito
nacional e inviolável. Todos são livres para cultuarem conforme suas convicções
religiosas lembrando-se sempre de respeitar as diferenças de credos,
convicções e práticas.

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