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13 Doutrina Da Salvacao B3o4
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13 Doutrina Da Salvacao B3o4
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Esta matéria é uma propriedade intelectual de
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DOUTRINA DA SALVAÇÃO
PAULO RIBEIRO
Versão da matéria: 1.0
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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO
Sumário
03 u Introdução
03 Breve histórico da disciplina e pressupostos fundamentais
04 Importância e diversidade teológica
64 u Conclusão
67 u Referências bibliográficas
q Introdução
Capítulo
q Salvação:
1
terminologia e significado;
objetividade e subjetividade
Terminologia bíblica
Significado de salvação
Como foi dito na introdução desta matéria, dois fatos subjazem à doutrina da
salvação, sendo pressupostos pela mesma: (I) a condição caída do ser humano e
a consequente distância intransponível entre ele e Deus; e (II) a necessidade que
o ser humano tem de se relacionar com Deus, visto que foi projetado e criado para
manter relacionamento com este.
Capítulo
q A paixão de Cristo
2
É oportuno iniciarmos o estudo da doutrina da salvação sob o enfoque da
paixão de Cristo, uma vez que absolutamente todas as facetas da obra sal-
vífica centrifugam em torno do evento histórico da cruz. A totalidade da obra de
salvação, desde seu planejamento pelo Deus triúno, na eternidade, passando pela
sua aplicação no Antigo Testamento, prosseguindo para a era neotestamentária,
adentrando nos primeiros séculos da era cristã, alcançando o tempo presente e
culminando no retorno de Jesus, na consumação de todas as coisas e no estabe-
lecimento da nova criação, todos estes eventos, tanto passados quanto futuros,
giram em torno da morte de Cristo na cruz do Calvário; absolutamente todos. Mui-
tas pessoas têm dificuldade de conceber os homens do Antigo Testamento (antes
da crucificação de Jesus) sendo redimidos em Cristo pelo simples fato de que a
encarnação e a crucificação ainda não haviam ocorrido. Eles questionam: “Como
podem os santos do Antigo Testamento serem redimidos em Cristo se este veio mui-
to tempo depois da era veterotestamentária?”. O fato é que, se a humanidade
pré-crucificação não pode ser redimida em Cristo, por que a humanidade pós-cru-
cificação poderia? A conclusão é que o evento da crucificação de nosso Senhor é
objetivo, mas sua aplicação é atemporal. Tanto os homens do Antigo quanto os do
Novo Testamento, inclusive nós, hoje, somos redimidos em Cristo e unicamente em
Cristo. Portanto, cabe-nos analisar, primariamente, o evento central da história da
criação: a paixão de Cristo.
A necessidade da paixão
A pessoa da paixão
Ao mesmo tempo, para que houvesse remissão, o ser remidor precisa ser seme-
lhante ao ser redimido. Retomando conceitos cristológicos:
Capítulo
q O significado da morte de Cristo
3
T amanho é o impacto da morte de Cristo sobre toda a ordem criada, que
tentativas de analisá-lo exaustivamente são, de pronto, fadadas ao fracas-
so. A morte do Filho de Deus tem implicações globais, universais e cósmicas; afetan-
do, de algum modo, tudo e todos, sendo tanto qualitativa quanto extensivamente
significante. E, de muitas maneiras, seu significado pleno em todas as dimensões
imagináveis nos é incognoscível. Porém, é concebível que a Revelação Especial de
Deus nos apresente o cerne deste significado.
É verdade que o ser humano, essencialmente finito, não é capaz de vislumbrar
perfeitamente todas as dimensões do sentido da paixão de Cristo; todavia, se não
houvesse um núcleo no significado de tal evento, sequer poderíamos falar sobre
isto. O conhecimento de determinado objeto pressupõe o conhecimento de algu-
mas das propriedades deste objeto.
Com efeito, a morte de nosso Senhor, embora não possa ser entendida plena-
mente em todo o matiz de sua significância, pode nos ser totalmente compreendi-
da em seu significado central; e é sobre este significado central que repousará este
capítulo.
Erigir uma compreensão correta acerca da morte de Jesus é a diferença entre
vislumbrar o sentido eterno e real de sua paixão e identificar ramificações secundá-
rias de sua morte, de importância relativa. Charles C. Ryrie captura bem a questão
com as seguintes palavras:
Não enfatizar esses [...] aspectos [principais] ou não insistir em sua importância
para o entendimento correto da morte de Cristo é comprometer ou até mes-
mo perverter o conceito bíblico. Por exemplo, é uma ideia bíblica e apropria-
da encarar a morte de Cristo como uma grande demonstração do amor de
Deus ou entender isso como exemplo, para nós, do auto-sacrifício de Cristo.
Essas são verdades bíblicas (Jo 15.13; Rm 5.8); mas, se representassem o único
significado da morte de Cristo, não teriam valor eterno” (2004, p. 331).
Nestes dois textos, a palavra grega que nos aponta o sentido vicário da morte
de Cristo é a preposição anti , que significa “em lugar de” ou “em vez de”. O uso
de anti como palavra que designa substituição é apoiado por outras referências
escriturísticas, nas quais esse vocábulo indica substituição. Confira, por exemplo,
Mt 2.22; 17.27; Lc 11.11; Rm 12.17; 1Ts 5.15; 1Pe 3.9. Portanto, a preposição anti , con-
siderando o contexto neotestamentário, não pode ser interpretada de outra forma
que difira do significado exposto.
Há também outros textos que evidenciam a morte substitutiva de Cristo:
“nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que
não pereça a nação toda. Ora, isso não disse ele por si mesmo; mas, sendo
o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela
nação” (Jo 11.50,51).
“Pois, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios.
Porque dificilmente haverá quem morra por um justo; pois poderá ser que
pelo homem bondoso alguém ouse morrer. Mas Deus dá prova do seu amor
para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por
nós” (Rm 5.6-8).
“Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21).
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque
está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gl 3.13).
“que se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purifi-
car para si um povo todo seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14).
“Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injus-
tos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivifica-
do no espírito” (1Pe 3.18).
Nestes textos, a palavra grega utilizada para designar a ideia de troca é a pre-
posição hyper. Embora a ideia básica de hyper possa incluir a ideia de “benefício”
(em vez de abarcar somente a ideia de “substituição”), esta preposição também
pode designar “no lugar de”. Há teólogos que não creem na morte de Cristo como
uma expiação vicária e, para fundamentar suas proposições, excluem de hyper o
sentido de substituição. Todavia, existe uma variedade de textos bíblicos que tra-
zem hyper com o vetor de substituição. Em alguns destes textos, a ideia de substi-
tuição é inequívoca, como por exemplo: Rm 9.3; 1Co 15.29; Fm 13. Assim, embora
a palavra hyper possa designar “em benefício de”, há numerosos textos nos quais
ela apresenta seu significado básico “em lugar de”, enquanto “em benefício de”
se torna apenas uma conotação dessa preposição.
O primeiro apelo teológico de que a morte de Cristo foi uma expiação vicária
se caracteriza pelo tipo de necessidade da natureza caída - toda a ordem criada
corrompida pelo pecado. A natureza caída fora contaminada pelo pecado de
forma tal que apenas uma correção de percurso não bastaria para resolver seu
problema; ela precisava ser resgatada, redimida de sua condição. Não bastaria
que Deus apenas apontasse o caminho a ser percorrido, uma vez que a aflição da
natureza caída não era a falta de discernimento em si, mas a incapacidade de
seguir o caminho certo. Portanto, a natureza pós-Queda precisava que Deus fizesse
por ela o que precisava ser feito, e não apenas que lhe mostrasse o que precisava
ser feito. Uma vez que a natureza caída precisava de redenção, a morte de Cristo
não poderia apenas servir como um exemplo ou como qualquer outro tipo de me-
dida paliativa; ela precisava servir como substituição.
Outra razão teológica, que aponta para a morte de nosso Senhor como uma
morte substitutiva, jaz no sistema sacrificial do Antigo Testamento, cuja natureza
tipificava o sacrifício perfeito e único do Verdadeiro Cordeiro. Embora houvesse
diversos tipos de sacrifício que visavam expiação pelos pecados, o derramamento
de sangue era o principal (Lv 17.11; Hb 9.22), pois representava com maior exatidão
a lógica da substituição penal. Em Gn 2.17, vemos que a penalidade estipulada por
Deus para o pecado é a morte. Nada mais coerente, então, que o substituto, que
receber a penalidade em lugar do infrator, receba a pena de morte. Portanto, o sis-
tema sacrificial do Antigo Testamento era, claramente, um sistema de substituição
penal. E, considerando a verdade bíblica evidente de que esse antigo sistema de
sacrifícios tipificava o sacrifício perfeito de Cristo (Hb 9.9-15; 10.1), concluímos que
a morte do Messias tem que ser uma morte substitutiva.
Cristo morreu em lugar dos pecadores. Ele não morreu apenas para satisfazer
um código de ética, para nos dar um exemplo de obediência e abnegação, ou
para nos despertar a simpatia pelo Divino; antes, morreu em nosso lugar. Suportou a
pena que estava direcionada a nós. E, se de fato suportou a morte em lugar dos pe-
cadores, a conclusão é que “agora, nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus” (Rm 8.1). A penalidade a que o homem estava sujeito era a morte,
portanto, nada menos do que a morte poderia satisfazer a pena com justiça. E se o
homem está fadado a morrer por causa de seu pecado, a única maneira pela qual
ele pode ser poupado é a de alguém que não cometeu infração alguma assumir o
seu lugar em caráter substitutivo.
Capítulo 4
q Consequências da expiação vicária
Redenção
Objeto da redenção
Ao falarmos em redenção, fica subentendido que alguém ou algo é ou será
redimido. No caso da soteriologia bíblica, o homem e toda a ordem criada (Cl 1.20)
são redimidos. A maneira pela qual a obra de Cristo é aplicada ao pecador, ao
passo que este é retirado da condenação para a vida, é pauta para capítulos pos-
teriores. Por ora, basta saber que o homem é o alvo da obra de redenção.
O texto de 2 Pedro 2.1 diz que Jesus resgatou, pagando o preço pelos pecados
dos falsos doutores (neste caso, o texto não diz que os falsos mestres têm parte com
Deus, mas sim que o preço que Cristo pagou foi suficiente para salvar todos, inclu-
sive os falsos mestres; estes, porém, o recusaram). Gálatas 3.13, por sua vez, diz que
Cristo nos resgatou da maldição da Lei, e o texto de Atos 20.28 diz que Deus, pelo
sangue de Cristo, resgatou o seu povo. Tito 2.14 e 1 Pedro 1.18,19 também atestam
claramente o fato de que fomos redimidos.
Contraparte da redenção
Se Deus nos resgatou, ele obviamente nos resgatou de algo. Mais uma vez, o
texto de Gálatas 3.13 atende aos nossos propósitos e nos responde a questão: Deus,
mediante a expiação vicária de Cristo, nos resgatou da maldição da Lei.
Moeda da redenção
Finalidade da redenção
Uma vez libertos da condenação da morte mediante o resgate que foi o san-
gue de Cristo, somos chamados a renunciar essa liberdade voluntariamente, e ser-
vir ao Senhor que nos redimiu (2Co 5.15). O texto de Romanos 6.8, bem como o de
Romanos 14.7-9, também enfatiza esse fato. Por essa razão, o apóstolo Paulo foi ca-
paz de dizer que o amor de Cristo nos constrange (2Co 5.14), ou seja, a magnitude
do amor de Cristo por nós, evidenciado por sua obra redentora, nos leva a querer
servi-lo. Resumindo, somos libertos do pecado e chamados a ser escravos do ma-
ravilhoso Senhor que nos comprou. No regime da Lei, nosso fim era a morte. Agora,
tendo sido adquiridos por Cristo, nosso fim é a vida plena, a qual nos é antecipada
ainda nesta existência.
Reconciliação
A morte vicária de Cristo também proporcionou reconciliação entre Deus e o
homem; e reconciliação significa restabelecimento de relação, de uma inimizade
ou desavença à amizade e à comunhão.
A necessidade de reconciliação
Se a morte de Cristo no lugar da humanidade gera reconciliação entre Deus e
o homem, é pressuposta uma inimizade entre ambos. E, com efeito, essa inimizade
é mostrada na Bíblia de forma cristalina. O quinto capítulo da carta de Paulo aos
romanos fala sobre isso em sua totalidade, porém, o v.10 menciona explicitamente
a inimizade entre Deus e o homem, além do fato de que esse relacionamento foi
restaurado por meio da obra expiatória de Cristo. O texto de 2 Coríntios 5.18 cor-
robora a verdade de que Deus e o homem eram inimigos, e Efésios 2.3 apoia esse
fato dizendo que éramos (antes de a morte sacrificial de Cristo ser aplicada a nós
pelo Espírito Santo) “filhos da ira”, isto é, destinados à ira de Deus. Portanto, diante
da rica exposição bíblica sobre o assunto, na qual os textos mencionados se consti-
tuem apenas como uma fração, fica evidente que a necessidade de reconciliação
deve-se à inimizade que há entre Deus e o homem. Neste ponto, cabem duas colo-
cações estratégicas; uma delas relacionada ao motivo da inimizade entre ambos,
e a outra ligada à questão da ira de Deus, um assunto polêmico no pensamento
cristão popular.
No que concerne à razão pela qual há inimizade entre Deus e o homem, está
claro que o pecado justifica esse relacionamento quebrado. Em Romanos 1.18-32,
o pecado é descrito como o motivo pelo qual Deus e o homem são inimigos. A perí-
cope de Romanos 3.9-19 também atribui ao pecado a inimizade entre Deus e o ho-
mem, e 1 João 1.5-7 diz que em Deus não há treva alguma e, por isso, os que vivem
alienados de Deus, inconsequentemente imersos no pecado, não desfrutam da
amizade com o Criador. Estes, entre outros inúmeros textos escriturísticos, mostram,
vividamente, que a inimizade entre Deus e o homem deve-se ao pecado. E peca-
do, aqui, pode ser entendido em todas as suas dimensões, ou seja, não somente os
atos pecaminosos pessoais que são cometidos, mas a própria semente corruptível
que habita nas pessoas, a sua natureza pecaminosa.
Em relação à ira de Deus, movida pelo pecado (conforme as últimas linhas), mui-
tos empreendem esforços para minimizar ou mesmo negar essa expressão da perso-
nalidade divina. No cristianismo popular, diz-se que um Deus bom não poderia se irar
com ninguém e, selecionando textos isolados da Bíblia, conclui-se que Deus não se ira
pois “Deus é amor” (1Jo 4.8). No entanto, mesmo no círculo acadêmico, houve ten-
tativas de negar a ira divina, atribuindo a textos que a mencionam uma influência do
paganismo grego, recheado de divindades antropomorfizadas e antropopatizadas.
A causa da reconciliação
O objeto da reconciliação
Analisando a Escritura, observamos que Deus é aquele que está ativo na recon-
ciliação (2Co 5.18,19), mas os homens é que são reconciliados (Rm 5.10; 2Co 5.20;
Ef 1.9,10; 2.5,16). Em outras palavras, o homem é que é reconciliado com Deus,
enquanto Deus foi o agente que viabilizou e efetuou essa reconciliação. Todavia,
o fato de o mundo ser reconciliado com Deus não significa que, por extensão, não
possamos falar de uma reconciliação mútua. Conquanto não percamos de vista o
fato de que os homens é que foram reconciliados, é possível aceitar, como conse-
quência disso, que ambos foram reconciliados por meio da morte substitutiva de
Cristo.
Como efeito da reconciliação, podemos estar certos de que “toda vez que a
palavra de reconciliação é proclamada por aqueles a quem Deus a entregou, e
toda vez que é apropriada por um pecador, não importa quem ele seja ou onde
esteja, essa pessoa é reconciliada por Deus para ele mesmo. [...] Deus não mais im-
puta sobre ele [o homem redimido em Cristo] suas transgressões, ou seja, não mais
cobra dele seus pecados” (TASKER, 1958, p. 89 apud RYRIE, 2004, p. 340).
Propiciação
A necessidade da propiciação
Conforme observamos anteriormente, Deus está irado com o homem; e essa
ira deve-se ao pecado como realidade ou ato que macula a imagem de Deus no
homem. Assim, a ira de Deus deve-se ao pecado em todas as suas acepções possí-
veis. Também vimos que a ira de Deus, além de real, é verdadeira e concreta; uma
vez que a premissa de que “Deus não se ira porque ele é amoroso” é falaciosa.
Em outras palavras, a ira divina não é abstrata, impessoal e passiva, mas pessoal e
positiva. Ela resulta de um ato (e em um ato) voluntário, e não meramente da na-
tureza e da circunstancialidade das coisas. Deus não está irado com o conceito do
pecado, mas com os homens. A ira de Deus concretiza-se em ações positivas de
sua parte; ela é pessoal e direcional.
Os textos de Êxodo 15.7, 32.10-12 e Números 11.1 associam inequivocamente
a ira de Deus ao pecado do homem, conforme mencionamos. Além disso, provam
que a ira divina é pessoal. O verso de 2 Reis 13.3 sublinha, tal como os demais, que
a ira divina resulta em punições positivas da parte de Deus. Poucas linhas depois,
em 2 Reis 23.26, também nota-se a ira de Deus em uma expressão pessoal.
Em João 3.36, já no Novo Testamento, é mostrado que aqueles que não aco-
lhem o Filho pela fé permanecem sob a ira de Deus; e a ênfase não recai sobre um
grupo ou uma instância representante, mas sobre indivíduos: as pessoas que não
derem razão a Cristo serão, individualmente, alvos da ira escatológica de Javé. Ou-
tra importante passagem que trata da ira divina repousa sobre o primeiro capítulo
da carta de Paulo aos romanos. Efésios 5.6 e Colossenses 3.6, por fim, são também
transparentes na afirmação de que a ira de Deus tem um alvo específico: os que,
por sua desobediência resoluta, provam que não fazem parte da aliança da fé
com Deus; sobre os tais permanece a ira divina.
Vale também esclarecer que a ira de Deus, como podemos deduzir, não resul-
ta de um emocionalismo divino e nem de um descontrole da parte da Divindade.
Antes, deriva-se de seu caráter santo e justo, e se expressa em punições temporais
e eternas dirigidas aos homens. Conforme atesta Carson, “a ira de Deus não é, evi-
dentemente, uma fúria emocional, mas sim uma oposição firme e absoluta a tudo
o que é mal. É algo que é parte da essência do caráter de Deus” (2009, p. 1688).
Com isso, vemos claramente que Deus está irado com as pessoas que rejeitam,
por declaração ou por atos, o Filho a quem enviara como fundamento de reconci-
liação. E a ira de Deus, que se ascende como consequência de seu caráter santo,
precisa ser aplacada para que não recaia sobre as pessoas. Desse modo, alguém
que tome o lugar do homem, que o represente, precisa receber a plenitude da ira
de Deus para que esta ira não mais seja direcionada aos que acolherem tal repre-
sentante - Cristo.
A provisão da propiciação
A única pessoa que poderia receber a ira de Deus no lugar do homem é Je-
sus. Romanos 3.25 diz que Jesus foi quem propiciou a ira de Deus, além de definir
a fé (confiança) como o meio exclusivo pelo qual podemos nos apropriar da obra
propiciatória de Cristo. O texto de Hebreus 2.17 mostra que, na pessoa de Jesus,
Deus se fez semelhante aos homens para receber a ira divina, uma vez que essa ira
estava destinada à raça humana. As passagens de 1 João 2.2 e 4.10 dizem, respec-
tivamente, que o sacrifício de Cristo serve como propiciação boa o suficiente para
aplacar uma ira destinada a toda a humanidade, e que a providência de Jesus
como propiciação resulta do amor de Deus.
Um importante ponto prático é que, uma vez que Cristo morreu e que Deus está
satisfeito, já não há necessidade de pedir que Deus nos seja propício. Deus está
acalmado, aplacado e eternamente satisfeito (RYRIE, 2004, p. 343). Assim, já não
há mais ira de Deus sobre os que confiam no efeito propiciatório da obra de nosso
Senhor. Em resumo, Deus não se ira com os verdadeiros salvos; certamente os re-
preende em amor, quando necessário, e os castiga quando precisam restabelecer
alvo e conduta corretos. Contudo, em nenhuma dessas circunstâncias está presen-
te qualquer tipo de ressentimento da parte de Deus para com seus filhos. O Deus
eterno e eternamente justo se satisfez plenamente com o sofrimento substitutivo de
Jesus e, agora, já não resta condenação para os que nele creem (Rm 8.1).
Justificação
A justificação do pecador é uma das consequências mais importantes da ex-
piação vicária de Cristo. Além disso, é uma doutrina cardinal, fundamental para
o cristianismo reformado, assim como para os grupos indiretamente derivados da
Reforma. Não nos estranha, portanto, que a justificação represente uma doutrina
de relevância central na teologia cristã.
Justificação é, acima de tudo, um anúncio; é o pronunciamento de um vere-
dicto de absolvição do qual se exclui qualquer possibilidade de condenação (c.f.
Rm 8.33). Ligado à soteriologia cristã, esse conceito significa que Deus, por causa
da morte vicária de Cristo, anunciou pública e irrevogavelmente a absolvição dos
pecadores, livramento de sua merecida sentença de morte.
Necessidade da justificação
Conforme o que foi estabelecido até o momento, podemos facilmente deduzir
que a necessidade da justificação para o homem jaz no fato de que ele está con-
denado. Apesar de já terem sido formuladas e endereçadas nas linhas anteriores,
duas perguntas importantes merecem consideração aqui: (I) Por que o homem está
condenado? E (II) qual é a sua sentença?
Para evitarmos repetições desnecessárias, precisamos apenas nos lembrar de
que o homem está condenado por causa de seu pecado. E seu pecado se expres-
sa não somente nos atos pecaminosos atuais (seus chamados “pecados pessoais”),
mas sobretudo no fato de que o primeiro representante legal do homem pecou
fazendo com que seu erro fosse atribuído a todos os que representava, em suma, a
toda a raça humana. Por isso, não importa o gênero, época ou contexto cultural no
qual as pessoas nasçam, desde o ventre de suas mães são legalmente consideradas
pecaminosas (Sl 51.5) e dignas de receberem a condenação para seu pecado.
Isso nos leva à resposta da segunda indagação. A sentença para a desobedi-
ência do homem, conforme a chamada Aliança das Obras, é a morte (Gn 2.17). E
a morte, como efeito da desobediência humana, se qualifica principalmente pelo
afastamento de Deus e a consequente privação de todas as bênçãos derivadas
da comunhão com a Divindade. O homem, afastado de Deus naturalmente por
causa do pecado, é descrito na Bíblia como um homem morto (Ef 2.1), ainda que
suas funções biológicas estejam em funcionamento. E, além do estado de morte
pelo qual passa sua vida biológica, há também a morte eterna ou “segunda morte”
(Ap 20.14), caracterizada pela perpetuação eterna do estado de morte já em vigor
desde a sua concepção.
Portanto, a condição do homem, como podemos perceber, não poderia ser
mais grave. Ele foi justamente condenado pelo Senhor à morte. Tal morte, para-
doxalmente, ocorre ainda em seu estado de vida (biológica), e se estende para
a eternidade. Essa condenação brutal, porém justa, na qual o homem sujeitou a
si mesmo, é o motivo pelo qual ele necessita de justificação. Da mesma maneira
que o anúncio de um julgamento de morte fora proferido contra ele, é necessário
que um novo anúncio, de uma absolvição da sentença, seja pronunciado em favor
dele pelo Sumo Juiz.
Meio da justificação
A justificação do pecador ocorre como efeito da morte substitutiva de Cristo.
Todavia, vale adentrarmos um pouco mais profundamente na questão. O homem,
para ser declarado justo, precisaria reverter em sua própria vida os efeitos da
Duas conclusões, assim, são inevitáveis. A primeira delas é que o homem não
é absolvido pelo cumprimento da Lei, nunca foi e jamais será (Rm 3.19,20). A Lei,
por refletir diretamente o caráter perfeito de Deus, é impraticável para seres caí-
dos, corruptos, cujas vontades estão, no mínimo, pendentes ao pecado. A segunda
conclusão é que, para que haja absolvição, além da necessidade do cumprimento
da condenação (é necessário que alguém morra em favor dos homens, ou que to-
dos os homens morram, individualmente), há também necessidade do cumprimen-
to perfeito da vontade de Deus, de sua Lei. Ora, da mesma maneira que houve um
representante da raça humana que, com sua decisão, afetou todos os seus seme-
lhantes; há também necessidade de um outro representante que, além de pagar
pela condenação do primeiro, por sua decisão, afete todos os que representa.
Com efeito, Jesus é este segundo representante.
O texto de Romanos 5.8,9 diz vividamente que Cristo morreu por nós, peca-
dores, e que mediante essa morte substitutiva somos declarados justos por Deus
(justificados). Pouco mais adiante, em Romanos 5.16, Paulo reafirma que o pecado
contaminou o mundo por uma só desobediência (a de Adão); mas que a graça
de Deus é tão grande que, por meio da expiação vicária de Cristo, toda a deso-
bediência acumulada de todas as eras (as do passado, do presente e do futuro)
é revertida pela obediência perfeita de Cristo. Isso é dito claramente no versículo
18: “Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para
condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os
homens para a justificação que dá vida”. Além disso, ainda em Romanos, uma car-
ta que mui se aproxima de um tratado soteriológico, o tema da justificação persiste
(Rm 8.30,33).
Conquanto a justificação seja garantida pela obra objetiva de Cristo, sua aplica-
ção aos pecadores será estudada em capítulo posterior, quando tratarmos de como
os benefícios da expiação vicária são aplicados aos pecadores, individualmente.
A prova da justificação
O pagamento pelo pecado foi, conforme vimos, efetuado por Cristo em sua
morte no Calvário. Todavia, alguém poderia indagar de que modo poderíamos saber
com certeza se o pagamento de Jesus foi realmente recebido por Deus. Vejamos.
O Logos eterno se fez carne para que assumisse, em si mesmo, a natureza cria-
da, e a pudesse redimir. Entretanto, no que consiste essa redenção? Sumariamente,
uma vez que a morte e a corrupção são consequências da Queda, a redenção
da ordem criada (na qual os humanos se incluem) consiste na geração de uma
nova vida. Diante dessa constatação, a ressurreição de Jesus, com um novo cor-
po, revestido de incorruptibilidade, apresenta-se a nós com um claro significado:
mostrar-nos que o homem foi redimido e, se foi redimido, é porque a redenção efe-
tuada por Cristo foi, de fato, aceita por Deus. Isso é dito de modo suficientemente
didático em Romanos 4.25: “o qual [Jesus] foi entregue por causa das nossas trans-
gressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”. Em outras palavras, Paulo,
o apóstolo, está nos dizendo que a morte de Cristo foi uma expiação vicária e que
sua ressurreição serve ao propósito de nos mostrar que a expiação foi aceita. Cristo
não somente pagou o preço de nossos pecados morrendo em nosso lugar como
também ressuscitou como uma declaração pública de que, por sua morte substitu-
tiva, Deus nos declara plenamente justos.
Dessa forma, finalmente, damos cabo ao escopo soteriológico do ponto de vis-
ta objetivo. A partir do próximo capítulo, iniciar-se-á o estudo da aplicação da obra
objetiva de Cristo ao pecador, tratando, portanto, da soteriologia subjetiva.
Capítulo 5
q Ordo Salutis : conceito e considerações
Considerações preliminares
A primeira observação a ser delineada sobre a ordo salutis é que a sua or-
ganização intrínseca, ou melhor, suas propostas de organização não in-
tentam ser uma organização cronológica. Em outras palavras, nenhuma afirmação
que busque ajustar os diversos ministérios relacionados à aplicação da salvação
procura organizá-los em termos cronológicos (embora algumas operações do Es-
pírito nos salvos de fato aconteçam cronologicamente). Na verdade, as propostas
de ordens de salvação são, acima de tudo, propostas de ordenações lógicas.
Um segundo ponto que merece atenção é o fato de que a ordo salutis não
pressupõe uma fragmentação da ação divina em aplicar ao pecador os benefícios
da obra de Cristo. Falar em ordo salutis não equivale a entender a existência de
várias aplicações individuais e distintas umas das outras, e de diversos ministérios
decorrentes da expiação vicária. Na verdade, a afirmação de uma ordo salutis
apenas reconhece, visualiza e distingue vários movimentos que perfazem uma só
aplicação da obra salvífica ao pecador e, portanto, está plenamente cônscia de
que se trata de apenas uma única aplicação. Berkhof resume a questão nas se-
guintes palavras:
Quando falamos de uma ordo salutis, não nos esquecemos de que a ação
de aplicar a graça de Deus ao pecador individual é um processo unitário,
mas simplesmente ressaltamos o fato de que é possível distinguir vários mo-
vimentos no processo, que a obra de aplicação da redenção segue uma
ordem definida e razoável, e que Deus não infunde a plenitude da sua
salvação ao pecador num ato único (2009, p. 384).
Finalmente, uma terceira e importante observação é a indagação sobre a Bí-
blia, em algum momento ou de alguma maneira, insinuar qualquer ordem de sal-
vação. A resposta a essa questão pode ser buscada em uma análise sistemática
de determinados trechos da Escritura. Tais trechos, por sua diversidade, não serão
analisados aqui, mas nos capítulos subsequentes, nos quais serão abordados e re-
lacionados à ordo salutis . Embora a Palavra de Deus não mencione explicitamente
uma ordem de salvação, ela sugere extensivamente tal encadeamento entre di-
ferentes movimentos ligados à aplicação da salvação ao pecador. Vale também
lembrar que pouca coisa a Bíblia expõe de forma explícita, mas nem por isso as ver-
dades deduzidas a partir da Bíblia, pelo uso responsável da razão, são indignas de
confiança e não devem ser consideradas como Palavra de Deus (e.g., a afirmação
cristã de um Deus triúno).
Alguns exemplos de como a Escritura inter-relaciona as diversas operações, das
quais é possível (e até mesmo necessário) inferir uma ordo salutis, podem ser encon-
trados no texto de Romanos 3.30, 5.12, 10.17, Efésios 4.1,2, entre outros. O apóstolo
Paulo, em Romanos 3.30, afirma que somos justificados pela fé, o que equivale a di-
zer que a fé é o meio pelo qual somos justificados. Mais à frente, em Romanos 5.12,
fica claro que a paz com Deus e o livre acesso à Divindade vêm em decorrência
da justificação. Romanos 10.17 afirma que a fé é produzida mediante o contato
com a Palavra de Deus, e Efésios 4.1,2 diz que é preciso andarmos de modo digno
da vocação com que fomos chamados, evidenciando que a vocação de Deus à
salvação antecede a experiência de santificação progressiva do salvo.
Assim, devido às inúmeras evidências bíblicas de que existe uma certa ordem
lógica entre as operações de aplicação da salvação, e devido ao fato de que tais
Capítulo 6
q Ordo salutis - Eleição e predestinação
Conceito reformado
Ainda que o pensamento correto fosse nesses termos, podemos dizer que todos
os homens estão condenados pela imputação do pecado de seu primeiro repre-
sentante, Adão. Assim, em primeiro lugar, Deus não é obrigado a salvar ninguém
e, se o faz, o faz por pura graça. Uma vez que todos os homens são merecedores
da condenação divina e Deus não é realmente obrigado a salvar ninguém, sua
voluntariedade em libertar certo número de pessoas mostra, na verdade, uma mi-
sericórdia inenarrável.
Deus deu vida ao homem enquanto este estava morto (Ef 2.1). Dessa forma, po-
demos dizer que a salvação é um ato monergístico de Deus, que salva o homem
contra sua própria vontade, e aplica nele os benefícios da obra de Cristo. Uma
vez regenerado e com sua vontade liberta por Deus, o homem, constrangido pelo
amor de Cristo (2Co 5.14), voluntariamente se volta para ele (2Co 5.15), a fim de
servi-lo em amor.
Conceito arminiano
Escopo geral das doutrinas da eleição e predestinação
Por esse motivo, constata-se que Deus elegeu um grupo, e não indivíduos. A
eleição de Deus tem como alvo um grupo, a Igreja. “Deus elegeu para si um povo
chamado Igreja, e não indivíduos, isoladamente. Somos predestinados porque so-
mos parte da Igreja de Deus; não somos parte da Igreja porque fomos, antes, indivi-
dualmente, predestinados” (GILBERTO, 2008, 371). Segundo os arminianos, qualquer
pessoa que crê em Jesus torna-se um dos escolhidos de Deus. A eleição não produz
a salvação, mas é um resultado dela.
Entretanto, saindo da Igreja, os indivíduos saem do grupo eleito, e não podem mais
receber esse epíteto. Ademais, a eleição foi feita em amor (Ef 1.4,5) e expressa a mi-
sericórdia divina (Rm 9.13-15), além de revelar a graça inexplicável de Deus (Ef 2.7,8).
Por fim, o propósito supremo da eleição é revelar a glória de Deus (Ef 1.6,12,14).
Capítulo 7
q Ordo salutis - Regeneração e conversão
Conceito reformado
Conceito arminiano
Escopo geral da doutrina da regeneração
A regeneração, no conceito arminiano, possui uma definição semelhante à
postulada anteriormente pelo pensamento reformado. Ela é “o ato interior da con-
versão, efetuada na alma pelo Espírito Santo. Conversão é mais o lado exterior e
visível da regeneração” (GILBERTO, 2008, p. 361). Ademais, visto que a natureza da
Capítulo 8
q Ordo salutis - Fé e arrependimento
Conceito reformado
Diante do que se está expondo, podemos dizer que a fé, por ser uma resposta
consciente do homem à sua regeneração, o capacita a “se apropriar” da salva-
ção que lhe foi aplicada, de modo inédito em sua nova vida. Não significa que a
salvação tenha se iniciado com sua fé (já vimos a posição que a fé ocupa na ordo
salutis reformada) ou que sua fé tenha produzido sua salvação. Antes, significa que,
para o homem, a consciência sobre sua própria condição e a confiança em Cristo
para salvá-lo caracterizam o despertamento cognitivo que ilumina seus olhos pela
primeira vez acerca de sua salvação. Assim, o texto de Efésios 2.8 diz que a salva-
ção ocorre pela fé.
Conceito arminiano
Escopo geral da doutrina da fé
A definição de fé, para os descendentes teológicos de Armínio, não difere da
anteriormente exposta. A fé não é um mero assentimento intelectual à determina-
da informação ou postulado doutrinário, sendo, ao contrário, muito mais uma con-
fiança interior e pessoal. Concernentemente à fé cristã, ela implica no exercício da
confiança pessoal em Cristo e sua obra expiatória. A consequência desse fato é
que, quando a porção neotestamentária da Escritura menciona, de algum modo,
a fé salvadora, ela não se refere à adesão a normas, regras, doutrinas etc. (embo-
ra, obviamente, a fé seja operada pela Palavra como instrumento e esta possua um
corpo doutrinário), porém, designa a confiança, conforme já esclarecido.
Na ordo salutis arminiana, a fé ocupa um lugar de primazia em relação à rege-
neração e à conversão que, afinal, são duas facetas de um só movimento na or-
dem de salvação. Isso significa que a fé, bem como o arrependimento, precede à
conversão/regeneração na ordo. O homem, valendo-se de seu livre-arbítrio, exer-
ce a fé e se arrepende de seus erros diante de Deus e, assim, se converte a Cristo,
aderindo ao Evangelho.
Uma vez que a conversão é operada pela instrumentalidade da Palavra de
Deus, e a fé e o arrependimento antecedem a conversão, sendo pré-requisitos
para ela, é nítido que, no pensamento arminiano, a fé e o arrependimento também
sejam viabilizados por meio da Palavra. Mesmo que esses elementos antecedam a
conversão, é preciso lembrar que a ordo salutis pretende ser muito mais uma orga-
nização lógica do que cronológica dos movimentos ligados à aplicação da salva-
ção. Portanto, podemos sintetizar da seguinte maneira: o pecador, na faculdade
de sua livre-volição, quando tem contato com a mensagem do Evangelho (confor-
me registrada na Palavra), tem a oportunidade de exercer fé e se arrepender dian-
te de Deus. Se ele fizer isso, então é regenerado e convertido. Assim, diante do que
foi exposto, o sentido de Efésios 2.8 fica bastante claro: “a salvação vem pela fé”.
O homem passa à condição de salvo, sendo habitado pelo Espírito, após crer e se
arrepender. A regeneração e conversão vêm depois da fé e do arrependimento.
Capítulo 9
q Ordo salutis - Justificação e santificação
Conceito reformado
Conceito arminiano
Uma vez que Deus já foi mui misericordioso em proporcionar o livre-arbítrio para o
homem mediante sua graça preveniente, o fato do homem pôr em ação essa fa-
culdade não anula a gratuidade da justificação. O homem apenas e tão somente
se apropria dela, com a mão estendida.
Por isso, podemos asseverar que não é exatamente a teologia arminiana que
defende a doutrina da perfeição cristã ou a da perfeita santidade; a teologia que
o faz é a que podemos chamar de teologia armínio-wesleyana.
Tanto a doutrina da perfeição cristã, conforme - parcialmente - concebida por
John Wesley, quanto a doutrina da santificação plena ou perfeita santidade, con-
cebida por ramificações posteriores do movimento holiness, estão equivocadas à
luz da Bíblia. Todo o testemunho escriturístico nos mostra claramente que a santifi-
cação é progressiva até a glorificação final do salvo e, em momento algum, abre
a possibilidade para a concepção de um “estágio mais elevado” de santidade ou
de pureza experimentado por nós enquanto não morrermos biologicamente ou for-
mos transformados na segunda vinda de nosso Senhor. Até lá, haverá uma guerra
sem tréguas entre a carne e o Espírito (Rm 7.19,20; 8.6; Gl 5.17). Nesta guerra, mui-
tas vitórias poderão ser experimentadas, assim como, certamente, haverá algumas
derrotas. Em casos extremos, como veremos no próximo capítulo, o arminianismo
entende que alguns cristãos verdadeiramente salvos poderão se perder. Mas são
casos específicos, não caracterizados por singulares derrotas para o pecado ou
para a tentação. Antes, estamos conscientes de que aquele que começou a boa
obra em nós a aperfeiçoará até o Dia de Cristo Jesus (Fp 1.6), e nesta certeza des-
cansamos.
Capítulo 10
q Ordo salutis - Perseverança dos santos e glorificação
Conceito reformado
A intercessão de Cristo em favor dos seus também é, por si só, garantia de que
os salvos perseverarão. A Escritura diz que Cristo intercede em favor daqueles por
quem padeceu a ira divina (Hb 7.25), e ressalta que a oração de Cristo é eficaz
(Jo 11.42).
Conceito arminiano
Escopo geral da doutrina da perseverança
Logo após a conversão do pecador, da justificação promovida pelo sacrifício
de Cristo e da obra santificadora no cristão, chega-se à discussão sobre a perse-
verança dos santos na fé que receberam. Neste ponto, o pensamento arminiano
afirma que os que foram verdadeiramente salvos podem decair de seu estado de
graça e, mediante apostasia, afastarem-se voluntariamente de Deus e perderem
sua salvação.
Todos os argumentos empregados no arminianismo para afirmar a possibilidade
de se perder a salvação são derivados, em última análise, do (I) livre-arbítrio huma-
no; (II) da natureza sinergística da obra salvadora subjetiva; e (III) de declarações
bíblicas que expressam o caráter volátil da salvação (não por qualquer ineficiência
de Deus, obviamente, mas pela fragilidade e corrupção humanas).
Antes de expandirmos estes argumentos sobre a perseverança dos santos no
conceito arminiano, precisa-se fazer jus a esta teologia e desmistificar algumas
ideias que o cristianismo popular formula em torno dela. Primeiramente, ao contrá-
rio do pensamento arminiano caricaturizado por muitos grupos, a salvação de um
cristão não é tão frágil quanto se pensa. Embora o arminianismo entenda como real
a possibilidade de se cair da graça, afirma simultaneamente as diversas razões pe-
las quais o salvo pode sentir-se seguro em sua união com Cristo. Nenhum arminiano
ignora as poderosas atuações do Espírito em prol do cristão, tampouco o magnífico
ministério sacerdotal de Cristo, pelo qual os crentes são continuamente apresenta-
dos a Deus em oração intercessora eficaz. Em segundo, o entendimento arminiano
não diz que os pecados individuais do cristão podem fazê-lo perder sua salvação.
Essa tradicional teologia entende perfeitamente a qualidade da obra expiatória
de nosso Senhor e defende seus efeitos para os que nele confiam. A assertiva armi-
niana sobre a possibilidade de um salvo decair de seu estado de favor divino não
se justifica na existência dos pecados pessoais do cristão, mas no fato de que ele
pode - após uma larga, contínua e resoluta negligência para com os apelos do
Espírito - se afastar de Deus e cometer uma apostasia irreversível. Portanto, vale
sublinhar: o arminianismo não intenta fragilizar a expiação vicária de Cristo nem a
aplicação dessa obra expiatória ao pecador pelo Espírito.
Retiradas as marcas falsas impostas inadvertidamente à teologia arminiana,
podemos retornar aos pontos descritos anteriormente, em virtude dos quais se crê
que a salvação pode ser perdida.
Em primeiro lugar, o homem é um ser livre e, da mesma forma como livremente
aceitou a Cristo e foi salvo, pode renunciar a Cristo e perder a vida eterna. Antônio
Gilberto afirma que “um cristão salvo pode vir a se perder; pode, sim, desviar-se,
Glorificar significa tornar algo glorioso, ceder honra, exaltar algo. Quando este
termo se aplica aos salvos, portanto, denota a condução final dos crentes ao esta-
do de exaltação, quando suas almas já glorificadas e livres de corrupção encon-
trarão seus corpos; e estes, estando já novos, glorificados e incorruptíveis. Dessa
forma, a glorificação dos santos corresponde à transformação final e perfeita pela
qual passarão, e equivale à aplicação final da redenção divina para o homem.
A Escritura não disserta com detalhes exaustivos sobre a natureza da glorificação
como elo final da ordo salutis . Mesmo assim, algumas informações cruciais nos são
fornecidas, a fim de que desfrutemos do abundante conforto que essa doutrina
proporciona.
Partindo das principais passagens bíblicas que falam sobre o assunto e sinte-
tizando seus ensinamentos, podemos estabelecer os principais elementos da dou-
trina da glorificação. Em primeiro lugar, pode-se dizer que há um estágio inicial da
glorificação, que parte do momento em que a alma/espírito dos salvos são rece-
bidos no céu, logo após se separarem de seus corpos na morte destes (Lc 23.43;
2Co 5.8). Ao retornar para Deus, em estado de total consciência e felicidade (Fp
1.23; Ap 7.15-17), a alma dos justos é plenamente aperfeiçoada em santidade (Hb
12.23; Ap 14.5) e passa a contemplar, sem o obstáculo ofuscante do pecado, a
face de Deus (Fp 1.23; 1Co 13.12). Mas, nesse ínterim, a glorificação dos santos
ainda não está completa, pois esperam pelo momento em que suas almas/es-
píritos retornam aos seus corpos (Rm 8.23,24), estes, porém, estando igualmente
glorificados.
Em segundo, a Bíblia diz que os corpos dos salvos são ressuscitados em glória
(1Co 15.42,43). É difícil saber com precisão o que significa “ser ressuscitado em
glória”, mas é provável que este termo conflagre tudo o que está envolvido no
conceito da glorificação, porém, aplicado ao corpo ressurreto do crente. Ou seja,
provavelmente o termo “em glória” represente um antônimo a todo o tipo de cor-
rupção proporcionada pelo pecado. Ademais, este fato é apoiado pelo raciocínio
de que fomos feitos à imagem de Deus e, antes da Queda, esta imagem era per-
feita. Com o advento do pecado, a imagem de Deus no homem tornou-se obscura
e opaca, mas a ressurreição trará novamente aquela imagem perfeita (Fp 3.21).
Assim, a “glória” do corpo ressuscitado pode ser contrastada com todo o pacote
de consequências para a pessoa trazido pelo pecado e, em última análise, com o
pecado em si. Acrescenta-se a isso a oposição explícita feita por Paulo na própria
passagem de 1 Coríntios 15.42,43: “glória” versus “desonra”. A “desonra” comporta
a corrupção, a morte, o medo, a vergonha, a ofensa, a não-beleza, a imoralidade,
a imperfeição, e todos os efeitos devastadores do pecado que mancham a ima-
gem de Deus no homem. Quando os corpos dos salvos, portanto, ressuscitarem em
glória, significa que seu corpo será perfeito e incorruptível, digno de ser chamado
“imagem de Deus”.
q Conclusão
Aos que Deus elegeu e predestinou, ele envia seu Espírito, a fim
de implantar neles o princípio da nova vida, fazendo-os nascer
REGENERAÇÃO
de novo para que possam responder ao chamado do Evangelho
e gozar de todas as outras bênçãos da aplicação da salvação.
*Os movimentos destacados por retângulos de maior espessura são os que contam
para fins de avaliação e, juntos, resumem a natureza desta ordo salutis ; não signifca, porém,
que os outros movimentos, grafados em retângulos de menor espessura, não perfaçam a
estrutura essencial desta ordem de salvação.
Na eternidade, Deus elegeu um povo para ser salvo sem ter em mente
ELEIÇÃO indivíduos específicos, mas qualquer pessoa que manifestar fé.
*Os movimentos destacados por retângulos de maior espessura são os que contam
para fins de avaliação e, juntos, resumem a natureza desta ordo salutis ; mas não signifca,
porém, que os outros movimentos, grafados em retângulos de menor espessura, não perfa-
çam a estrutura essencial desta ordem de salvação.
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