13 Doutrina Da Salvacao B3o4

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DOUTRINA DA SALVAÇÃO
PAULO RIBEIRO
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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Sumário

03 u Introdução
03  Breve histórico da disciplina e pressupostos fundamentais
04  Importância e diversidade teológica

06 u Capítulo 1 q Salvação: terminologia e significado;


objetividade e subjetividade
06  Terminologia bíblica
07  Significado de salvação
08  Objetividade e subjetividade da obra salvífica

10 u Capítulo 2 q A paixão de Cristo


11  A necessidade da paixão
13  A pessoa da paixão
13  Os sofrimentos de Cristo e sua paixão

16 u Capítulo 3 q O significado da morte de Cristo


17  Teorias sobre o sentido da morte de Cristo
18  Expiação Vicária: Cristo morreu em lugar dos pecadores

22 u Capítulo 4 q Consequências da expiação vicária


22  Redenção
24  Reconciliação
26  Propiciação
27  Justificação

31 u Capítulo 5 q Ordo Salutis: conceito e considerações


31  Considerações preliminares

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34 u Capítulo 6 q Ordo Salutis: Eleição e predestinação


34  Conceito reformado
38  Conceito arminiano

42 u Capítulo 7 q Ordo Salutis: Regeneração e conversão


42  Conceito reformado
44  Conceito arminiano

47 u Capítulo 8 q Ordo Salutis: Fé e arrependimento


47  Conceito reformado
49  Conceito arminiano

51 u Capítulo 9 q Ordo Salutis: Justificação e santificação


51  Conceito reformado
54  Conceito arminiano

58 u Capítulo 10 q Ordo Salutis: Perseverança dos santos e glorificação


58  Conceito reformado
60  Conceito arminiano
61  Conceitos reformado e arminiano sobre a doutrina da glorificação

64 u Conclusão

65 u Apêndice A - Ordo Salutis Reformada

66 u Apêndice B - Ordo Salutis Arminiana

67 u Referências bibliográficas

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

q Introdução

 Breve histórico da disciplina e pressupostos fundamentais

S oteriologia é uma palavra de origem grega cujo sentido é “doutrina da sal-


vação ( soterios, “salvação”; logia , “doutrina/discurso/palavra”). Na história,
a soteriologia, como disciplina teológica especificamente designada, é relativa-
mente recente dentro do pensamento cristão. Tanto durante a Era Patrística, em
toda sua extensão, como durante a Escolástica, a doutrina cristã da redenção era
estudada sob o ponto de vista da cristologia, em associação com a antropologia
bíblica, na qual se embutia a hamartiologia. A obra de Jesus, abordada pelos te-
ólogos e mestres em um âmbito essencialmente cristológico, era sistematizada de
modo a fornecer, ela mesma, uma explicação panorâmica acerca da redenção
da humanidade. E o conhecimento sobre a redenção, compreendida à luz da na-
tureza humana (que, por sua vez, era explicada a partir de suas origens), era as-
sociado ao entendimento coligido sobre o homem. Assim, formava-se um projeto,
um modelo explicativo que se propunha a expor o modo como a obra do Messias
redimiria a humanidade caída.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Com efeito, a doutrina da salvação especificamente estruturada surgiu no mo-


mento histórico da Reforma Protestante, no século XVI. O fato de o protestantismo
incidir, sobretudo, nas questões doutrinárias do Cristianismo Católico Romano, e
mais precisamente naquelas ligadas à relação entre Deus e o homem, fez com
que os teólogos reformadores sentissem a necessidade de se aprofundar mais nas
questões soteriológicas; ao ponto de, aos poucos, formularem uma doutrina da sal-
vação à parte de outras disciplinas, ainda que indissociavelmente ligada a elas.

A soteriologia, no entanto, nunca deixou de se relacionar profundamente com


as três disciplinas já mencionadas: a cristologia, a antropologia e a hamartiologia.
Por razões bastante óbvias, mas que serão sublinhadas de qualquer maneira; a
doutrina da salvação pressupõe duas verdades preciosamente fundamentais: a
fatualidade de Deus como criador e animador do homem, bem como a fonte de
toda a felicidade e plenitude humanas; e a necessidade humana de se relacionar
com seu criador, fatalmente frustrada pela distância imposta através da emergên-
cia do pecado na ordem criada. Por inferência, pressupõe-se, indiscutivelmente, a
veracidade e a inerrância da Escritura, fonte de toda a dogmática em torno dos
mencionados pressupostos. Desse modo, o foco da soteriologia é entender a natu-
reza da obra salvífica operada por Cristo, a forma com a qual esta obra é aplicada
àqueles que nele confiam e, finalmente, é também compreender as consequên-
cias, para os humanos, do resgate proposto por Deus no Filho.

Antes, porém, de prosseguirmos com esta doutrina da salvação, vale destacar


um comentário que vislumbre a relevância desta matéria numa grade curricular te-
ológica. Ademais, é preciso mostrar que a compreensão sobre a salvação, além de
repousar na Bíblia como instância última, se estabelece em modelos de pensamen-
to (em teologias, no sentido de doutrinas) muitas vezes diferentes e conflitantes em
determinados pontos. Na progressividade dos capítulos, tais acepções receberão
a devida atenção.

 Importância e diversidade teológica

A doutrina da salvação não pode ter sua importância exaltada o suficiente.


Primeiramente, ela compreende o próprio sentido do cristianismo. Propon-
do-se a examinar a obra de Cristo em sua aplicação ao homem, a soteriologia
apresenta o conhecimento central da mensagem do Evangelho (o de que Deus
morreu pelos pecadores - Rm 5.8) exposto e analisado. Para um verdadeiro discí-
pulo de Cristo, tal conhecimento representa um tesouro de informações e fonte de
reflexões que deverá resultar em sólido crescimento, tanto individual quanto comu-
nitário, na medida em que ele se voluntariar a compartilhar a mensagem de Deus
para com as pessoas.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Em segundo lugar, uma correta evangelização só poderá ocorrer na medida


em que o cristão compreender, ao menos, o centro dessa doutrina (este “centro”
será chamado por nós, daqui em diante, de querigma cristão, ou simplesmente
querigma). Portanto, a doutrina da salvação tem sérias implicações em diversas
áreas do campo teológico, como a missiologia, por exemplo.

Em terceiro, a soteriologia, embora não se proponha realmente a isso, acaba


por ser uma síntese dos principais conhecimentos das doutrinas de Cristo, do ho-
mem e do pecado, pondo-as em íntima associação e fixando uma conclusão de
natureza híbrida sobre tais matérias; algo extremamente valioso para uma mente
teológica, assim como deve ser a dos estudantes.

Dada a complexidade da doutrina da salvação e dos processos hermenêu-


ticos e teológicos envolvidos na abordagem sistemática da Escritura, a disciplina
em questão se apresenta a nós em certo número de vias teológicas através das
quais é possível concebê-la, conforme mencionamos previamente. Esta é uma ver-
dade às vezes pouco compreendida: as doutrinas cristãs têm sua fonte última na
Bíblia Sagrada, porém, a partir das escrituras, foram construídas e estruturadas pelas
mentes teológicas da Igreja. Por isso, conquanto os principais ramos teológicos do
cristianismo apresentem as mesmas conclusões acerca das principais doutrinas e
fundamentos do pensamento cristão (algo que unifica os diferentes grupos e os ca-
racteriza como “irmãos em Cristo”), há uma grande diversidade de pensamento no
que concerne a tópicos mais tangenciais do querigma. Em outras palavras, todos os
grupos genuinamente cristãos precisam concordar em pontos básicos da revelação
e da tradição cristã (na proporção em que a tradição reflita com fidelidade o co-
nhecimento revelado na Escritura), mas podem discordar em pontos não tão funda-
mentais ou periféricos da teologia. Na doutrina da salvação, este fato não se mostra
ausente. No decorrer da matéria procuraremos expor os pensamentos das principais
tradições teológicas do cristianismo sobre os pontos centrais da soteriologia.
Entretanto, desde já o aluno precisa assumir o compromisso irênico (concilia-
tório) de entender as conclusões dos diferentes grupos e respeitá-las na qualidade
de modelos explicativos que são. Ao mesmo tempo, espera-se do teólogo que ele
mesmo aprofunde seus estudos ao ponto de discernir qual das teologias propostas
melhor se adequa à sua própria compreensão da obra salvífica. Muitas vezes, este
compromisso teológico faz com que tomemos dramáticas mudanças de posição
teológica em nossas vidas. Outras vezes, isto não ocorre. Porém, em qualquer uma
das situações, o aluno precisa assumir uma posição verdadeiramente investigativa,
respeitosa e, acima de tudo, cristã.

Assim, lancemo-nos ao estudo da soteriologia, disciplina indispensável em um


bom curso teológico, e igualmente imprescindível à compreensão e à maturidade
devocional do cristão.

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Capítulo
q Salvação:
1
terminologia e significado;
objetividade e subjetividade

 Terminologia bíblica

A ntes de assumirmos o compromisso de adentrar nas minúcias desta maté-


ria, é necessário analisarmos os termos bíblicos a ela relacionados, uma vez
que só poderemos abstrair o significado de “salvação” a partir do que a Bíblia diz
sobre ela e da maneira como a Bíblia a define.
No Antigo Testamento, a palavra hebraica mais importante relacionada à sal-
vação é yasha’. O Dicionário Vine, sobre o termo yasha’ , explica que seu signi-
ficado é “ajudar, libertar, salvar” e, essencialmente, “tirar alguém de um fardo,
opressão ou perigo” (c.f. Êx 2.17; Js 10.6). Em Jeremias, yasha’ é comparado com
“habitar com segurança” (23.6) que, segundo Vine, é “uma expressão que identi-
fica o significado de yasha’ com ‘ser preservado do perigo’” (2011, p. 275). Ainda
expondo o sentido desta importante palavra hebraica, porém renunciando uma
exposição exaustiva, Charles C. Ryrie diz que “no Antigo Testamento, a salvação
não era apenas a libertação de alguns problemas, mas também o livramento do
Senhor para um propósito especial (Is 43.11,12; 49.6)” (2004, p. 323).
Na porção neotestamentária da Escritura, o verbo yasha’ e seus respectivos
substantivos são traduzidos pelo verbo grego sozo e seus cognatos soter e soteria.
Porém, no Novo Testamento, as aplicações de sozo são mais claramente definidas
devido à progressividade da Revelação. No Novo Testamento, sozo é aplicado a
(I) livramento material e temporal do perigo, do sofrimento, etc. (Mt 8.25; Mc 13.20;
Lc 23.35; 1Tm 2.15); (II) salvação espiritual e eterna concedida imediatamente por
Deus aos que confiam no Cristo (At 2.47; 16.31; Rm 8.24; Ef 2.5,8; 1Tm 2.4; Tt 3.5); (III)
poder contínuo de Deus em livrar os homens da escravidão do pecado (Mt 1.21; Rm
5.10; 1Co 15.2; Hb 7.25; Tg 1.21), entre outras aplicações.
Embora o significado de sozo possa denotar cura, recuperação, remédio, res-
gate, redenção e bem-estar; o uso feito pelos cristãos está ligado, na maioria das
vezes, ao salvamento da morte eterna e à entrega da vida eterna, por parte de
Deus, às pesssoas que nele confiam (Rm 5.9; Hb 7.25).

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Considerando a terminologia bíblica para designar a salvação, é importante


fixarmos que “o simples uso de palavras não revela tudo o que a revelação bíblica
ensina sobre a salvação. Outros conceitos como sacrifício, redenção, justificação,
reconciliação, propiciação e justificação são vitais para um entendimento comple-
to dessa doutrina” (RYRIE, 2004, p. 324). Tais termos serão analisados em seus devi-
dos lugares no desenrolar desta disciplina, de modo que, a despeito de qualquer
definição inicial de salvação que porventura propormos, um real entendimento
sobre a salvação de Deus somente será galgado com um estudo sistemático e
completo na soteriologia.

 Significado de salvação

D iante da terminologia bíblica ligada à redenção que vem de Deus, é o mo-


mento de propormos uma definição abrangente de “salvação” que orien-
tará o desenvolvimento deste e dos próximos capítulos. Chamamos tal definição de
“abrangente” pelo fato de que nenhuma definição proposta em poucas palavras,
como vimos, poderá esgotar a quantidade de nuanças contidas na doutrina da
salvação. Por outro lado, para que caminhemos na matéria abordando os vários e
complexos tópicos da soteriologia, é necessário um conceito sobre seu significado,
ainda que não exaustivo ou detalhadamente exposto.
Salvação, na acepção teológica do termo (a que nos interessa), designa o ato
de Deus, por meio de Jesus Cristo, em resgatar certo número de pessoas livrando-as
da justa condenação da morte e dando às mesmas, gratuitamente, uma vida eter-
na e abundante, caracterizada pela presença plena da Divindade e pela ausência
absoluta de qualquer coisa que se oponha ao bem. Claro que, durante a evolução
desta matéria, o conceito de salvação não somente se ampliará drasticamente
como adquirirá dimensões que não podem ser encerradas em uma definição con-
cisa como a que foi apresentada. Contudo, uma definição provisória, como subli-
nhamos, tem sua importância.
Ainda tecendo uma compreensão embrionária dessa operação divina, Ryrie
destaca três aspectos cronológicos da salvação (2004, p. 321):

A salvação é um ato do passado: Deus, antes da fundação de todas as coi-


sas, elegeu pessoas (no caso da doutrina reformada) ou um grupo de pes-
soas (no caso da doutrina arminiana) para serem resgatadas por ele (Ef 1.4).
Estas pessoas foram predestinadas na eternidade, e factualmente salvas no
momento em que creram (Ef 2.8; Tt 3.5).
A salvação é um ato do presente: Deus, continuamente, no presente, man-
tém livres do domínio do pecado os que de antemão escolheu, bem como
os santifica e preserva na condição de salvos (Hb 7.25).

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A salvação é um ato do futuro: Deus continuará assegurando os que salvou


(pessoas ou grupo de pessoas) até a consumação de todas as coisas, na
eternidade, quando aqueles, aos quais foi aplicada a obra de Cristo, per-
manecerão cabalmente livres da presença do pecado e de suas influências
(Rm 5.9,10).

Ademais, ao se definir a salvação nos termos em que foi definida, pressupo-


sições implícitas devem ser desmembradas. Por exemplo, falamos em livramento
de condenação, o que pressupõe que há um parâmetro pelo qual haverá conde-
nação ou absolvição; bem como aponta para as possíveis razões para as pessoas
serem condenadas ou absolvidas.

Como foi dito na introdução desta matéria, dois fatos subjazem à doutrina da
salvação, sendo pressupostos pela mesma: (I) a condição caída do ser humano e
a consequente distância intransponível entre ele e Deus; e (II) a necessidade que
o ser humano tem de se relacionar com Deus, visto que foi projetado e criado para
manter relacionamento com este.

 Objetividade e subjetividade da obra salvífica

A complexa obra de salvação, efetuada por Deus em favor da humanidade,


possui um lado objetivo e um lado subjetivo, referentes, respectivamente,
à obra de Cristo realizada no tempo e no espaço, e à aplicação desta obra nos
corações e nas mentes dos pecadores, de modo a restaurar-lhes a comunhão com
o Deus Criador. Pelo fato de muitas obras sobre soteriologia considerarem a obra
salvífica sob estes dois prismas, e em razão de o estudo soteriológico, de fato, po-
der ser fracionado nestes dois aspectos, seguiremos também essa fórmula em nossa
matéria doutrina da salvação. Vejamos de que modo a organização da soteriolo-
gia influencia a matéria em questão, para que possamos empreender o estudo dos
próximos capítulos conscientemente.

A soteriologia objetiva trata da doutrina da salvação sob o enfoque da obra


consumada de Cristo. Pelo fato de a obra de Jesus ser passível de datação e aná-
lise histórica objetiva, neste aspecto, o estudo da doutrina da salvação também
é objetivo. Em outras palavras, quando consideramos o estudo da salvação sob o
prisma da obra de Cristo, não há nada de subjetivo que possa ser identificado. A
obra de Cristo aconteceu no tempo e no espaço, e pode ser investigada factual-
mente como qualquer outro evento histórico. O foco da discussão não são os efei-
tos subjetivos desta obra que afetam as pessoas por ela alcançadas; antes, o cerne
da discussão é a causa exterior e única da obra messiânica (paixão, ressurreição e
ascenção de Cristo), o advento e o evento histórico de Jesus e seus feitos.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Os capítulos 2, 3 e 4 desta disciplina podem ser enquadrados na abordagem


objetiva da soteriologia; tratam da soteriologia sob sua objetividade.

Por sua vez, a soteriologia subjetiva engloba o estudo da salvação a partir de


sua aplicação ao ser humano e dos efeitos desta aplicação ao homem. Oposta-
mente à soteriologia objetiva, a subjetiva é assim chamada por relacionar-se às
consequências do evento histórico de Cristo para o homem, mas não ao evento
histórico em si. Dessa forma, sob o prisma das consequências da obra de Cristo para
o homem, e da aplicação desta obra na totalidade da natureza humana, a soterio-
logia adquire um caráter subjetivo. Não é que não possa ser investigado, uma vez
que a Escritura fala abundantemente acerca dele (inclusive nos fornecendo uma
ordo salutis , como veremos mais adiante), mas, certamente, podemos chamá-lo
de subjetivo, já que seu foco não é um evento externo, mas a aplicação interna do
fato externo e objetivo.

Os capítulos 5, 6, 7, 8, 9 e 10 tratarão da soteriologia em sua abordagem subjetiva.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo
q A paixão de Cristo
2
É oportuno iniciarmos o estudo da doutrina da salvação sob o enfoque da
paixão de Cristo, uma vez que absolutamente todas as facetas da obra sal-
vífica centrifugam em torno do evento histórico da cruz. A totalidade da obra de
salvação, desde seu planejamento pelo Deus triúno, na eternidade, passando pela
sua aplicação no Antigo Testamento, prosseguindo para a era neotestamentária,
adentrando nos primeiros séculos da era cristã, alcançando o tempo presente e
culminando no retorno de Jesus, na consumação de todas as coisas e no estabe-
lecimento da nova criação, todos estes eventos, tanto passados quanto futuros,
giram em torno da morte de Cristo na cruz do Calvário; absolutamente todos. Mui-
tas pessoas têm dificuldade de conceber os homens do Antigo Testamento (antes
da crucificação de Jesus) sendo redimidos em Cristo pelo simples fato de que a
encarnação e a crucificação ainda não haviam ocorrido. Eles questionam: “Como
podem os santos do Antigo Testamento serem redimidos em Cristo se este veio mui-
to tempo depois da era veterotestamentária?”. O fato é que, se a humanidade
pré-crucificação não pode ser redimida em Cristo, por que a humanidade pós-cru-
cificação poderia? A conclusão é que o evento da crucificação de nosso Senhor é
objetivo, mas sua aplicação é atemporal. Tanto os homens do Antigo quanto os do
Novo Testamento, inclusive nós, hoje, somos redimidos em Cristo e unicamente em
Cristo. Portanto, cabe-nos analisar, primariamente, o evento central da história da
criação: a paixão de Cristo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 10


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Paixão significa sofrimento e, particularmente, “o sofrimento de Cristo no perío-


do entre a noite da última ceia e a crucificação” (RYRIE, 2004, p. 325).

 A necessidade da paixão

O primeiro ponto a ser analisado no que concerne à paixão de nosso Senhor


é, evidentemente, a necessidade de tal sofrimento vicário. Não faz senti-
do falar em “paixão de Cristo” ou no “sofrimento de nosso Senhor” se, antes, não
entendermos a razão pela qual tal sofrimento foi necessário e por que Deus, volun-
tariamente, passou por isto.
A necessidade da paixão remonta à (I) pecaminosidade do ser humano e (II) à
bondade e o favor de Deus expressos em seu conselho eterno, pelo qual decretou
a salvação de um povo para si. Para entendermos mais detalhadamente a neces-
sidade da paixão, retomemos alguns pontos abordados na doutrina do pecado.
O homem, inicialmente, desfrutava de uma condição especial, de uma ami-
zade verdadeira com Deus, caracterizada por uma dependência sincera,
uma comunhão profunda, além de uma confiança plena e um conhecimen-
to íntimo, entre outros aspectos. Embora o pecado (a rebeldia, a desobedi-
ência e a afronta) estivesse fora de equação naquele momento primordial
da história humana (Gn 1.26), a possibilidade do pecado existia (Gn 2.16,17).
Naquele momento, o livre-arbítrio do homem era um fato inerente a ele, e
era mais real do que qualquer noção de livre-arbítrio que se possa atribuir ao
homem no cenário pós-Queda. Repare que a ordem de Deus para que Adão
não o desobedecesse pressupõe a possibilidade de escolha por parte do ho-
mem que, aliada ao fato de a imagem de Deus neste ainda estar intacta na-
quele momento, mostra que o homem era um ser puro e sua vontade, livre.
Deus, soberanamente, estabeleceu uma aliança com o homem baseado na
obediência deste, chamada, na teologia, de Aliança das Obras. Nesse con-
certo, de um lado, Deus se propôs a abençoar o homem ricamente, sobretu-
do, provendo e outorgando a ele vida eterna e plena (Rm 5.12-20; Rm 10.5);
uma vez que o homem cumprisse com os termos do acordo, obedecendo
amorosamente ao Deus que o havia criado (Gn 2.17; Gl 3.10). Caso desobe-
decesse, transgredindo os termos da aliança, o homem perderia a vida eter-
na, a plenitude de sua existência, a alegria, a paz, bem como todas as outras
bem-aventuranças consequentes da vida ligada ao Deus que as provê.
Escolhendo seguir a própria vontade, ao invés de submeter sua vontade a
Deus, o homem pecou pela primeira vez (Gn 3.1-7); violando o acordo inicial
mantido com Deus. Este evento, intitulado “Queda” no pensamento cristão,
fixou-se como um marco divisório na história da humanidade; mais ainda, na
história da criação.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Uma vez que o primeiro homem criado era, legalmente, um representante da


raça humana, o pecado de Adão foi imputado (atribuído) a todos os seus
descendentes. Sem exceção, todos os seres humanos, de todas as eras, são
considerados culpados juntamente com Adão pela transgressão da vonta-
de de Deus (Rm 5.12; 1Co 15.22). Em outras palavras, cada ser humano que
existiu, existe ou existirá na face da Terra é legalmente considerado pecador,
antes de mais nada, por causa de Adão; mais precisamente, porque o peca-
do de Adão foi imputado a todos os que representava, por este homem ser
o representante de uma das partes da aliança.

Além do pecado de Adão que fora imputado a todos os homens, e como


consequência direta dessa imputação, todos os homens do pós-Queda tra-
zem consigo uma natureza pecaminosa (Rm 7.5,18; Ef 2.3). Esta natureza se
caracteriza por uma degradação sistêmica do ser humano em todos os as-
pectos de seu ser e de sua existência.

Finalmente, além da imputação do pecado de Adão e da natureza peca-


minosa herdada, novamente, como uma consequência desses dois fatores,
o homem é considerado pecador por causa de seus próprios pecados pes-
soais (1Jo 1.8,10). Não importa o quanto se apresente externamente bom e
dócil, ou o quanto seja reconhecido como piedoso por seus semelhantes; o
ser humano, em todo o tempo, incessantemente, comete pecados pessoais,
conscientemente ou não.

Assim, a pecaminosidade do homem é a chave para entendermos a neces-


sidade da paixão de Cristo. O homem é pecador e, para que viva com Deus em
estado eterno de plenitude, precisa ter os seus pecados perdoados. Deus, por sua
vez, possui a chave para o perdão do ser humano: a morte de Cristo, que, confor-
me veremos, sofreu no lugar do homem a penalidade para este fixada na Aliança
das Obras.

O vocabulário técnico adequado para descrever a condição pecaminosa e


fúnebre, inerente ao homem, foi formulado por um grupo de calvinistas historica-
mente denominado de “contrarremonstrantes”, que denominou tal condição como
“depravação total” (embora a assertiva básica da depravação total seja aceita
também pelos arminianos e remonte ao teólogo Agostinho). Assim, podemos dizer
que o ser humano é totalmente depravado. Isto não significa que todo ser humano
viverá dissolutamente, ou que cada ser humano do planeta impactará negativa-
mente a sociedade; mas significa que o pecado afetou todas as faculdades do
homem; de modo que tanto sua constituição física, quanto seu espírito, sua razão,
vontade e emoção se encontram afetadas pelo pecado. O homem não funciona
perfeitamente em nenhuma de suas esferas.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Por causa disso, o homem é completamente incapaz de se aproximar de Deus


ou mesmo de agradá-lo por seus próprios esforços (Ef 2.1-3). Em outras palavras, o
homem, com seus próprios recursos, é completamente incapaz de se apropriar da
salvação ou de desfrutar de quaisquer bênçãos que dela decorrem.

 A pessoa da paixão

A pessoa necessariamente envolvida na paixão é o Filho de Deus, o Deus


homem: Jesus, o Cristo. Fatores antropológicos e hamartiológicos justificam
essa assertiva. Nenhum homem poderia salvar a humanidade, pois cada homem,
como vimos, é incapaz de salvar a si mesmo. Um ser que não tem comunhão com
Deus não pode promover essa mesma comunhão para outrem. O único ser que
não foi afetado pelo pecado - e nem poderia ser - é o próprio Deus. Assim, somente
Deus poderia efetuar a redenção da humanidade caída.

Ao mesmo tempo, para que houvesse remissão, o ser remidor precisa ser seme-
lhante ao ser redimido. Retomando conceitos cristológicos:

o Senhor declarou que a penalidade pelo pecado deveria ser a morte.


Como Deus não pode morrer, era preciso haver a encarnação para que
existisse uma natureza humana capaz de experimentar a morte e, com isso,
pagar a penalidade pelo pecado. [...] O Salvador precisava ser humano
para que pudesse morrer, pois Deus não pode morrer. Além disso, o Salva-
dor precisava ser Deus para fazer com que a morte fosse um pagamento
eficaz pelo pecado [pelo fato de Deus ser o único ente cujo pecado não
contaminou]. Quando um pecador morre, isso ocorre em consequência de
seus próprios pecados [que, por sua vez, são consequência da natureza
pecaminosa adquirida pela imputação do pecado de Adão]. Somente
uma pessoa sem pecado poderia servir para expiar os pecados dos outros
(RYRIE, 2004, p. 326).

 Os sofrimentos de Cristo e sua paixão

A questão que se levanta aqui é sobre a extensão dos sofrimentos de Cristo,


mais precisamente, sobre quais sofrimentos vividos pelo Senhor perfazem
seus sofrimentos vicários. Sabemos que Jesus passou por diversas situações adversas
em sua vida terrestre, porém, será que todos os sofrimentos de sua vida se consti-
tuem em sofrimentos substitutivos pelo nosso pecado?

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Os teólogos costumam fazer distinção entre a obediência ativa de Cristo e sua


obediência passiva . A primeira designa o caráter obediente da vida de Jesus, que
se iniciou na eternidade (começando por sua aceitação voluntária da encarna-
ção, cf. Hb 10.5-10) e se prolongou por todo o seu período de vida na realidade
material (Lc 2.52; Jo 8.29). Por isso, o autor de Hebreus pode afirmar que Jesus, “em-
bora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5.8). “Essa
vida de aprender obediência compensou a desobediência de Adão (Rm 5.19) e
capacitou Cristo a servir como nosso eterno sumo sacerdote (Hb 2.17-18; 4.15)”
(PRATT, 2009, p. 1650).
A obediência passiva de Cristo, por sua vez, se refere aos sofrimentos que o
Filho passou na cruz, em um dos estágios finais de sua humilhação. São, assim, con-
siderados por alguns como os sofrimentos que, verdadeiramente, servem aos pro-
pósitos legais da expiação de nossos pecados.
O fato é que não há um consenso sobre quais sofrimentos de Cristo, se todos
eles ou se apenas os finais, se qualificam como sofrimentos substitutivos ou vicários.
Contudo, Louis Berkhof, um proeminente teólogo norte-americano do século XX,
em um exame detalhado sobre a questão, a sintetiza dizendo que todos os sofri-
mentos da vida de Cristo podem ser considerados vicários, mas os últimos perfazem
o clímax de sua vida de dores (2009, p. 310).
Berkhof parece apoiar sua conclusão nos seguintes eixos:
A Bíblia, apesar de fazer uma conceituação sintética da morte, a caracteri-
za, em última instância, como a separação de Deus. E, quando se diz que o
homem está separado de Deus pelo pecado, isto não significa somente que
a morte é a consequência natural do pecado, mas principalmente que a
morte é a punição do pecado, judicialmente aplicada.
A natureza humana, desde a Queda, está sujeita à morte e a todos os sofri-
mentos que, juntamente com a morte, acompanham os efeitos do pecado.
Uma vez que Cristo assumiu a natureza humana com todas as suas fra-
quezas, como ela existe desde a Queda, e assim se fez semelhante a
nós em todas as coisas, com a exceção única do pecado, segue-se que
a morte operou nele desde o princípio e se manifestou em muitos dos
sofrimentos aos quais ele esteve sujeito (BERKHOF, 2009, p. 311).
Os sofrimentos vividos por Cristo, apesar de serem consequências de sua en-
carnação na natureza humana sujeita à morte, também eram causados por
uma ação positiva (deliberada, voluntária e dirigida) da parte de Deus, atra-
vés da qual os pecados de todos os homens deveriam incorrer sobre ele (Is
53.6,10). Nas palavras de Berkhof, na cruz, “foi quando pesou sobre ele toda
a ira de Deus contra o pecado” (2009, p. 310).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A conclusão lógica das proposições de Berkhof leva à conclusão de que, “em


última análise, todos os sofrimentos de Cristo resultaram do fato de que ele tomou o
lugar dos pecadores vicariamente” (2009, p. 310). Assim, embora existam opiniões
diferentes relacionadas aos sofrimentos de Cristo e à conexão deles com sua pai-
xão, parece mais aceitável o fato de que todos os sofrimentos da vida de Jesus es-
tão relacionados ao seu sacrifício substitutivo, e não só os sofrimentos ocorridos na
cruz; embora estes últimos representem enfaticamente a aplicação da ira de Deus
sobre o pecador e se constituam como a consolidação, o ápice dos sofrimentos
vicários da vida de nosso Senhor.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo
q O significado da morte de Cristo
3
T amanho é o impacto da morte de Cristo sobre toda a ordem criada, que
tentativas de analisá-lo exaustivamente são, de pronto, fadadas ao fracas-
so. A morte do Filho de Deus tem implicações globais, universais e cósmicas; afetan-
do, de algum modo, tudo e todos, sendo tanto qualitativa quanto extensivamente
significante. E, de muitas maneiras, seu significado pleno em todas as dimensões
imagináveis nos é incognoscível. Porém, é concebível que a Revelação Especial de
Deus nos apresente o cerne deste significado.
É verdade que o ser humano, essencialmente finito, não é capaz de vislumbrar
perfeitamente todas as dimensões do sentido da paixão de Cristo; todavia, se não
houvesse um núcleo no significado de tal evento, sequer poderíamos falar sobre
isto. O conhecimento de determinado objeto pressupõe o conhecimento de algu-
mas das propriedades deste objeto.
Com efeito, a morte de nosso Senhor, embora não possa ser entendida plena-
mente em todo o matiz de sua significância, pode nos ser totalmente compreendi-
da em seu significado central; e é sobre este significado central que repousará este
capítulo.
Erigir uma compreensão correta acerca da morte de Jesus é a diferença entre
vislumbrar o sentido eterno e real de sua paixão e identificar ramificações secundá-
rias de sua morte, de importância relativa. Charles C. Ryrie captura bem a questão
com as seguintes palavras:
Não enfatizar esses [...] aspectos [principais] ou não insistir em sua importância
para o entendimento correto da morte de Cristo é comprometer ou até mes-
mo perverter o conceito bíblico. Por exemplo, é uma ideia bíblica e apropria-
da encarar a morte de Cristo como uma grande demonstração do amor de
Deus ou entender isso como exemplo, para nós, do auto-sacrifício de Cristo.
Essas são verdades bíblicas (Jo 15.13; Rm 5.8); mas, se representassem o único
significado da morte de Cristo, não teriam valor eterno” (2004, p. 331).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

 Teorias sobre o sentido da morte de Cristo

D e fato, a morte de Cristo tem um significado único, eterno e central. Toda-


via, este significado demorou muitos anos para que emergisse estruturada-
mente na teologia. De modo bastante sucinto, vejamos de que forma os diversos
pensadores cristãos, com o passar dos séculos, tentaram modelar, a partir das Escri-
turas, o significado da morte de Jesus.
Irineu (130-202) propôs a teoria da recapitulação, segundo a qual a obra de
Cristo foi recapitular em si mesmo todos os momentos da humanidade, para
reverter o curso da existência determinado pelo erro de Adão. Em suma, o
papel de Cristo foi “fazer tudo certo”, em contraste com Adão, que “fez tudo
errado”. E o motivo para a recapitulação é o de indicar ao homem a direção
correta e, assim, causar uma transformação na humanidade.
Orígenes (185-254) propôs que a morte de Cristo foi um resgate pago a Sa-
tanás. Isto significa que Cristo morreu para satisfazer qualquer acusação que
Satanás tivesse contra o homem. Em última análise, segundo esta teoria, Cris-
to morreu por causa de Satanás.
Anselmo de Cantuária (1033-1109) propôs a teoria da satisfação, segundo a
qual a morte de Cristo foi um sacrifício para satisfazer a honra de Deus, man-
chada pelo pecado do homem.
Abelardo (1079-1142) propôs a teoria da influência moral. Esta teoria defende
a morte de Cristo não como uma expiação pelo pecado, mas como uma de-
monstração do amor de Deus pelo homem através do sofrimento de Cristo.
Tal demonstração teria o objetivo de causar no pecador um constrangimen-
to na consciência, de modo que, por um sentimento de amor responsivo,
ele pudesse abandonar seus pecados e servir a Deus. O sofrimento de Cristo
deve causar no homem uma transformação ética. Schleiermacher, Ritschl e
Bushnell também adotaram este conceito acerca da obra de Cristo.
Os reformadores (Lutero e Calvino) propuseram a teoria da expiação vicária
(ou substituição penal), embora encontremos assertivas claras nesse sentido
já em Agostinho. Segundo o pensamento dos reformadores sobre a morte
de Cristo, o Deus-homem, por não ter pecado, tomou o lugar dos pecadores
para satisfazer a justiça de Deus. Assim, Cristo morreu no lugar do pecador,
para que o pecador não precisasse morrer. Foi uma morte substitutiva: o pe-
cado da humanidade foi imputado a Cristo.
Fausto Socino (1539-1604) propôs a teoria do exemplo, cuja ênfase reside na
obediência de Cristo como uma inspiração, um exemplo para as pessoas
que, constrangidas pela auto-renúncia evidenciada por Jesus, devem bus-
car um modo de vida similar.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Grotius (1583-1645) propôs a teoria governamental, segundo a qual “a es-


trutura do governo de Deus exigia a morte de Cristo para demonstrar o des-
prazer de Deus com o pecado. Cristo não sofreu a penalidade da Lei, mas
Deus aceitou seus sofrimentos como um substituto desta penalidade” (RYRIE,
p. 356). Wardlaw e Miley também entenderam desse modo o significado da
morte de nosso Senhor.
Aulen (1879-1978) propôs a teoria dramática, que explica a morte de Cristo
simplesmente como uma vitória sobre os poderes malignos.
Karl Barth (1886-1968) propôs a teoria neo-ortodoxa, também chamada de “bar-
thiana”. Segundo esta teoria, o objetivo da morte de Cristo foi revelar o amor de
Deus e, simultaneamente, mostrar ao homem o ódio de Deus pelo pecado.

Todas essas proposições, que intentam expor o principal significado da morte


de Cristo, foram formuladas ao longo de séculos. Entretanto, como duas (ou mais)
afirmações contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo
sentido, é claro que apenas uma delas pode ser verdadeira. Embora, em algum ní-
vel, haja aspectos verdadeiros em várias dessas teorias, apenas uma delas melhor
representa a afirmação bíblica central a respeito do significado da morte de Cristo.
Esta é a teoria da expiação vicária.
Também chamada de Substituição Penal, a teoria da expiação vicária é a
explicação sobre a morte do Senhor aceita pelos mais responsáveis cristãos - te-
ólogos ou leigos - e, como iremos demonstrar nesta disciplina, é o modelo teórico
que verdadeiramente se identifica com o significado da morte de Cristo segundo a
Escritura no-lo apresenta. Nas próximas linhas, nossos esforços serão canalizados na
tentativa de provar essa verdade.
Além disso, a expiação vicária tão substancialmente equivale à explicação
bíblica sobre a morte de Cristo que, a partir de agora, não mais a trataremos como
uma teoria, mas como um fato, uma verdade bíblica inequívoca, eterna e irrefutá-
vel. Vejamos, assim, o escopo da doutrina da expiação vicária.

 Expiação Vicária: Cristo morreu em lugar dos pecadores

E xpiação vicária é o mesmo que “substituição penal”. “Expiação” significa


“sofrimento”, enquanto “vicário” denota “aquilo/aquele que faz as veste
de”, ou “que toma o lugar de”. Em suma, a expiação vicária, como significado pri-
mordial da morte de Cristo, indica que a penalidade destinada aos pecadores foi
aplicada a Jesus, que sofreu no lugar deles. Em outras palavras, Cristo não morreu
para nos mostrar algo, antes, morreu em nosso lugar. Ele não morreu para provar
um argumento nem para indicar um caminho correto; ao contrário, morreu em nos-
so lugar e se constituiu, ele próprio, como o caminho correto.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Quais seriam, no entanto, as evidências de que a morte de Cristo existe como


uma expiação vicária? As evidências são tanto bíblicas quanto teológicas. A morte
substitutiva do Senhor em nosso lugar, ao mesmo tempo em que é abundantemen-
te evidenciada nas Escrituras, é também uma necessidade teológica, conforme
veremos.

 Evidências bíblicas da expiação vicária


A Bíblia mostra, claramente, que a morte de Cristo foi substitutiva, em favor da
humanidade. Observe os seguintes textos:
“Pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e
para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10.45).
“o qual se deu a si mesmo em resgate por todos, para servir de testemunho
a seu tempo” (1Tm 2.6).

Nestes dois textos, a palavra grega que nos aponta o sentido vicário da morte
de Cristo é a preposição anti , que significa “em lugar de” ou “em vez de”. O uso
de anti como palavra que designa substituição é apoiado por outras referências
escriturísticas, nas quais esse vocábulo indica substituição. Confira, por exemplo,
Mt 2.22; 17.27; Lc 11.11; Rm 12.17; 1Ts 5.15; 1Pe 3.9. Portanto, a preposição anti , con-
siderando o contexto neotestamentário, não pode ser interpretada de outra forma
que difira do significado exposto.
Há também outros textos que evidenciam a morte substitutiva de Cristo:
“nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que
não pereça a nação toda. Ora, isso não disse ele por si mesmo; mas, sendo
o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela
nação” (Jo 11.50,51).
“Pois, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu a seu tempo pelos ímpios.
Porque dificilmente haverá quem morra por um justo; pois poderá ser que
pelo homem bondoso alguém ouse morrer. Mas Deus dá prova do seu amor
para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por
nós” (Rm 5.6-8).
“Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21).
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque
está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gl 3.13).
“que se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purifi-
car para si um povo todo seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

“Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injus-
tos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivifica-
do no espírito” (1Pe 3.18).

Nestes textos, a palavra grega utilizada para designar a ideia de troca é a pre-
posição hyper. Embora a ideia básica de hyper possa incluir a ideia de “benefício”
(em vez de abarcar somente a ideia de “substituição”), esta preposição também
pode designar “no lugar de”. Há teólogos que não creem na morte de Cristo como
uma expiação vicária e, para fundamentar suas proposições, excluem de hyper o
sentido de substituição. Todavia, existe uma variedade de textos bíblicos que tra-
zem hyper com o vetor de substituição. Em alguns destes textos, a ideia de substi-
tuição é inequívoca, como por exemplo: Rm 9.3; 1Co 15.29; Fm 13. Assim, embora
a palavra hyper possa designar “em benefício de”, há numerosos textos nos quais
ela apresenta seu significado básico “em lugar de”, enquanto “em benefício de”
se torna apenas uma conotação dessa preposição.

Aplicando essas constatações sobre hyper ao conceito da expiação vicária,


concluímos que, apesar da morte de Cristo ter se dado em benefício dos pecado-
res (lembrando que “benefício” pode indicar uma variedade de ações positivas
da parte de Cristo), a síntese de todos esses benefícios é sua vicariedade penal: a
morte de Cristo foi em lugar dos pecadores. Portanto, a ideia de “benefício” está
inclusa, mas não esgota o significado de hyper.

 Evidências teológicas da expiação vicária

As evidências teológicas sobre a realidade da expiação vicária derivam, é


claro, da Escritura; contudo, se estendem, concretizando-se em racionalizações
necessárias.

O primeiro apelo teológico de que a morte de Cristo foi uma expiação vicária
se caracteriza pelo tipo de necessidade da natureza caída - toda a ordem criada
corrompida pelo pecado. A natureza caída fora contaminada pelo pecado de
forma tal que apenas uma correção de percurso não bastaria para resolver seu
problema; ela precisava ser resgatada, redimida de sua condição. Não bastaria
que Deus apenas apontasse o caminho a ser percorrido, uma vez que a aflição da
natureza caída não era a falta de discernimento em si, mas a incapacidade de
seguir o caminho certo. Portanto, a natureza pós-Queda precisava que Deus fizesse
por ela o que precisava ser feito, e não apenas que lhe mostrasse o que precisava
ser feito. Uma vez que a natureza caída precisava de redenção, a morte de Cristo
não poderia apenas servir como um exemplo ou como qualquer outro tipo de me-
dida paliativa; ela precisava servir como substituição.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Outra razão teológica, que aponta para a morte de nosso Senhor como uma
morte substitutiva, jaz no sistema sacrificial do Antigo Testamento, cuja natureza
tipificava o sacrifício perfeito e único do Verdadeiro Cordeiro. Embora houvesse
diversos tipos de sacrifício que visavam expiação pelos pecados, o derramamento
de sangue era o principal (Lv 17.11; Hb 9.22), pois representava com maior exatidão
a lógica da substituição penal. Em Gn 2.17, vemos que a penalidade estipulada por
Deus para o pecado é a morte. Nada mais coerente, então, que o substituto, que
receber a penalidade em lugar do infrator, receba a pena de morte. Portanto, o sis-
tema sacrificial do Antigo Testamento era, claramente, um sistema de substituição
penal. E, considerando a verdade bíblica evidente de que esse antigo sistema de
sacrifícios tipificava o sacrifício perfeito de Cristo (Hb 9.9-15; 10.1), concluímos que
a morte do Messias tem que ser uma morte substitutiva.

Cristo morreu em lugar dos pecadores. Ele não morreu apenas para satisfazer
um código de ética, para nos dar um exemplo de obediência e abnegação, ou
para nos despertar a simpatia pelo Divino; antes, morreu em nosso lugar. Suportou a
pena que estava direcionada a nós. E, se de fato suportou a morte em lugar dos pe-
cadores, a conclusão é que “agora, nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus” (Rm 8.1). A penalidade a que o homem estava sujeito era a morte,
portanto, nada menos do que a morte poderia satisfazer a pena com justiça. E se o
homem está fadado a morrer por causa de seu pecado, a única maneira pela qual
ele pode ser poupado é a de alguém que não cometeu infração alguma assumir o
seu lugar em caráter substitutivo.

Tendo estabelecido, portanto, que o significado da morte de Cristo é o de ex-


piação vicária, vejamos, nas próximas páginas, algumas das principais consequên-
cias de sua obra substitutiva.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo 4
q Consequências da expiação vicária

C ertos aspectos, ligados à morte substitutiva de Cristo, são tão intrinseca-


mente ligados a ela que podem ser considerados não somente suas con-
sequências como também vetores de seu significado. Os conceitos de redenção,
reconciliação, propiciação e justificação representam esses aspectos da expiação
vicária e serão, neste capítulo, por nós estudados.

 Redenção

O significado de redenção é o de libertação por meio de um pagamento


efetuado. De que forma esse conceito se aplica aos cristãos? Sumaria-
mente, abordemos o ensinamento bíblico acerca da redenção.

 Objeto da redenção
Ao falarmos em redenção, fica subentendido que alguém ou algo é ou será
redimido. No caso da soteriologia bíblica, o homem e toda a ordem criada (Cl 1.20)
são redimidos. A maneira pela qual a obra de Cristo é aplicada ao pecador, ao
passo que este é retirado da condenação para a vida, é pauta para capítulos pos-
teriores. Por ora, basta saber que o homem é o alvo da obra de redenção.
O texto de 2 Pedro 2.1 diz que Jesus resgatou, pagando o preço pelos pecados
dos falsos doutores (neste caso, o texto não diz que os falsos mestres têm parte com
Deus, mas sim que o preço que Cristo pagou foi suficiente para salvar todos, inclu-
sive os falsos mestres; estes, porém, o recusaram). Gálatas 3.13, por sua vez, diz que
Cristo nos resgatou da maldição da Lei, e o texto de Atos 20.28 diz que Deus, pelo
sangue de Cristo, resgatou o seu povo. Tito 2.14 e 1 Pedro 1.18,19 também atestam
claramente o fato de que fomos redimidos.

 Contraparte da redenção
Se Deus nos resgatou, ele obviamente nos resgatou de algo. Mais uma vez, o
texto de Gálatas 3.13 atende aos nossos propósitos e nos responde a questão: Deus,
mediante a expiação vicária de Cristo, nos resgatou da maldição da Lei.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Entretanto, no que consiste a maldição da Lei? A Lei, como reflexo do caráter


de Deus, é boa (Rm 7.12). Contudo, precisamente por expressar o padrão do cará-
ter divino, é impraticável para os homens, seres caídos cuja natureza pende para o
mal (Rm 7.15), como vimos anteriormente. E, por ser impraticável, traz condenação
ao homem, que não a cumpre, ao ponto de Paulo chamar a Lei de “ministério da
morte” e “ministério da condenação” (2Co 3.7-11). Uma vez que nenhum homem
é capaz de cumprir a Lei (Rm 3.10-18; 5.12), todos os homens são condenados por
ela (Rm 2.12; 3.20). E é dessa condenação, cuja sentença é a morte (Rm 6.23), que
Cristo nos resgata, nos redime. Em suma, fomos resgatados da morte, como justa
sentença pela desobediência a Deus (Rm 7.14).

 Moeda da redenção

O texto de Atos 20.28, assim como o de Romanos 5.9-21, menciona claramente


o meio pelo qual os pecadores são redimidos: a morte de Cristo, às vezes tratada
de modo figurativo pelo sangue derramado em sua morte. Diversos outros textos
da Escritura apontam vividamente para a morte de Cristo como o meio pelo qual
o pecador é redimido.

 Finalidade da redenção

Uma vez libertos da condenação da morte mediante o resgate que foi o san-
gue de Cristo, somos chamados a renunciar essa liberdade voluntariamente, e ser-
vir ao Senhor que nos redimiu (2Co 5.15). O texto de Romanos 6.8, bem como o de
Romanos 14.7-9, também enfatiza esse fato. Por essa razão, o apóstolo Paulo foi ca-
paz de dizer que o amor de Cristo nos constrange (2Co 5.14), ou seja, a magnitude
do amor de Cristo por nós, evidenciado por sua obra redentora, nos leva a querer
servi-lo. Resumindo, somos libertos do pecado e chamados a ser escravos do ma-
ravilhoso Senhor que nos comprou. No regime da Lei, nosso fim era a morte. Agora,
tendo sido adquiridos por Cristo, nosso fim é a vida plena, a qual nos é antecipada
ainda nesta existência.

Curiosamente, segundo o regime legal do antigo Império Romano, se alguém


comprasse escravos de outro mercador, este alguém poderia usar os escravos ad-
quiridos para o fim que quisesse; de modo que os escravos, quando adquiridos,
mui raramente desfrutavam de uma vida melhor com seu novo senhor. Na maioria
das vezes, eles eram adquiridos somente para continuar em um regime mortal de
servidão. Inescrutavelmente, porém, o Senhor que nos redimiu da servidão ao pe-
cado e à morte nos provê uma nova vida, caracterizada pela paz, pelo amor e
pela felicidade plena advinda da comunhão com ele. A redenção proporcionada
por Cristo representa uma drástica mudança de paradigmas no que concerne à
administração do senhorio.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

 Reconciliação
A morte vicária de Cristo também proporcionou reconciliação entre Deus e o
homem; e reconciliação significa restabelecimento de relação, de uma inimizade
ou desavença à amizade e à comunhão.

 A necessidade de reconciliação
Se a morte de Cristo no lugar da humanidade gera reconciliação entre Deus e
o homem, é pressuposta uma inimizade entre ambos. E, com efeito, essa inimizade
é mostrada na Bíblia de forma cristalina. O quinto capítulo da carta de Paulo aos
romanos fala sobre isso em sua totalidade, porém, o v.10 menciona explicitamente
a inimizade entre Deus e o homem, além do fato de que esse relacionamento foi
restaurado por meio da obra expiatória de Cristo. O texto de 2 Coríntios 5.18 cor-
robora a verdade de que Deus e o homem eram inimigos, e Efésios 2.3 apoia esse
fato dizendo que éramos (antes de a morte sacrificial de Cristo ser aplicada a nós
pelo Espírito Santo) “filhos da ira”, isto é, destinados à ira de Deus. Portanto, diante
da rica exposição bíblica sobre o assunto, na qual os textos mencionados se consti-
tuem apenas como uma fração, fica evidente que a necessidade de reconciliação
deve-se à inimizade que há entre Deus e o homem. Neste ponto, cabem duas colo-
cações estratégicas; uma delas relacionada ao motivo da inimizade entre ambos,
e a outra ligada à questão da ira de Deus, um assunto polêmico no pensamento
cristão popular.
No que concerne à razão pela qual há inimizade entre Deus e o homem, está
claro que o pecado justifica esse relacionamento quebrado. Em Romanos 1.18-32,
o pecado é descrito como o motivo pelo qual Deus e o homem são inimigos. A perí-
cope de Romanos 3.9-19 também atribui ao pecado a inimizade entre Deus e o ho-
mem, e 1 João 1.5-7 diz que em Deus não há treva alguma e, por isso, os que vivem
alienados de Deus, inconsequentemente imersos no pecado, não desfrutam da
amizade com o Criador. Estes, entre outros inúmeros textos escriturísticos, mostram,
vividamente, que a inimizade entre Deus e o homem deve-se ao pecado. E peca-
do, aqui, pode ser entendido em todas as suas dimensões, ou seja, não somente os
atos pecaminosos pessoais que são cometidos, mas a própria semente corruptível
que habita nas pessoas, a sua natureza pecaminosa.
Em relação à ira de Deus, movida pelo pecado (conforme as últimas linhas), mui-
tos empreendem esforços para minimizar ou mesmo negar essa expressão da perso-
nalidade divina. No cristianismo popular, diz-se que um Deus bom não poderia se irar
com ninguém e, selecionando textos isolados da Bíblia, conclui-se que Deus não se ira
pois “Deus é amor” (1Jo 4.8). No entanto, mesmo no círculo acadêmico, houve ten-
tativas de negar a ira divina, atribuindo a textos que a mencionam uma influência do
paganismo grego, recheado de divindades antropomorfizadas e antropopatizadas.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 24


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Contudo, excluindo da fórmula os pressupostos racionalistas sobre os quais os teólo-


gos liberais amparam sua hermenêutica, o texto sagrado delineia a ira de Deus de
modo fatual, autêntico e real. Mas, no momento, restringiremos a essas linhas a pauta
da ira de Deus, visto que ela será tratada logo mais, no tópico Propiciação.

 A causa da reconciliação

Como podemos prever, e de fato mostramos no capítulo anterior, a causa da


reconciliação é a morte substitutiva de nosso Senhor, sua expiação vicária. Roma-
nos 5.10 não poderia ser mais translúcido ao dizer que éramos inimigos de Deus
e que, por meio da morte de Cristo, fomos reconciliados com Deus. O texto de 2
Coríntios 5.18,19 diz exatamente a mesma coisa, e estende: se fomos reconciliados
com Deus por meio da obra de Cristo, cabe a nós anunciar às pessoas essa mensa-
gem de que, no Filho, há esperança de um retorno a Deus. Efésios 2.1-5 assevera,
também, a reconciliação em Cristo, e o maravilhoso verso 20 do primeiro capítulo
de Colossenses fecha o assunto definitivamente: pela morte de Cristo fomos recon-
ciliados com Deus e, portanto, temos paz com ele; nosso relacionamento com o
Criador não é mais de inimizade e de alienação, mas de paz, comunhão e amiza-
de; tudo de forma plenamente legalizada e eterna.

 O objeto da reconciliação

Quando falamos na reconciliação soteriológica, três vias nos são apresentadas,


através das quais podemos compreender o assunto: (I) Deus é reconciliado com o
homem, (II) o homem é reconciliado com Deus, (III) ou, ainda, Deus e o homem são
mutuamente reconciliados um com o outro.

Analisando a Escritura, observamos que Deus é aquele que está ativo na recon-
ciliação (2Co 5.18,19), mas os homens é que são reconciliados (Rm 5.10; 2Co 5.20;
Ef 1.9,10; 2.5,16). Em outras palavras, o homem é que é reconciliado com Deus,
enquanto Deus foi o agente que viabilizou e efetuou essa reconciliação. Todavia,
o fato de o mundo ser reconciliado com Deus não significa que, por extensão, não
possamos falar de uma reconciliação mútua. Conquanto não percamos de vista o
fato de que os homens é que foram reconciliados, é possível aceitar, como conse-
quência disso, que ambos foram reconciliados por meio da morte substitutiva de
Cristo.

Como efeito da reconciliação, podemos estar certos de que “toda vez que a
palavra de reconciliação é proclamada por aqueles a quem Deus a entregou, e
toda vez que é apropriada por um pecador, não importa quem ele seja ou onde
esteja, essa pessoa é reconciliada por Deus para ele mesmo. [...] Deus não mais im-
puta sobre ele [o homem redimido em Cristo] suas transgressões, ou seja, não mais
cobra dele seus pecados” (TASKER, 1958, p. 89 apud RYRIE, 2004, p. 340).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 25


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

 Propiciação

M ais uma consequência da morte vicária de Cristo, e não somente consequ-


ência mas também pilar semântico, é a propiciação resultante de tal ato.
A morte de Cristo foi, para Deus, uma propiciação. Mas qual o significado dessa pa-
lavra tão importante para a teologia? Propiciação significa “sacrifício para aplacar
a ira”, “desvio da ira mediante uma oferta”. Em relação à soteriologia, propiciação
significa aplacar ou satisfazer a ira de Deus por meio do sacrifício expiatório de Cristo.

 A necessidade da propiciação
Conforme observamos anteriormente, Deus está irado com o homem; e essa
ira deve-se ao pecado como realidade ou ato que macula a imagem de Deus no
homem. Assim, a ira de Deus deve-se ao pecado em todas as suas acepções possí-
veis. Também vimos que a ira de Deus, além de real, é verdadeira e concreta; uma
vez que a premissa de que “Deus não se ira porque ele é amoroso” é falaciosa.
Em outras palavras, a ira divina não é abstrata, impessoal e passiva, mas pessoal e
positiva. Ela resulta de um ato (e em um ato) voluntário, e não meramente da na-
tureza e da circunstancialidade das coisas. Deus não está irado com o conceito do
pecado, mas com os homens. A ira de Deus concretiza-se em ações positivas de
sua parte; ela é pessoal e direcional.
Os textos de Êxodo 15.7, 32.10-12 e Números 11.1 associam inequivocamente
a ira de Deus ao pecado do homem, conforme mencionamos. Além disso, provam
que a ira divina é pessoal. O verso de 2 Reis 13.3 sublinha, tal como os demais, que
a ira divina resulta em punições positivas da parte de Deus. Poucas linhas depois,
em 2 Reis 23.26, também nota-se a ira de Deus em uma expressão pessoal.
Em João 3.36, já no Novo Testamento, é mostrado que aqueles que não aco-
lhem o Filho pela fé permanecem sob a ira de Deus; e a ênfase não recai sobre um
grupo ou uma instância representante, mas sobre indivíduos: as pessoas que não
derem razão a Cristo serão, individualmente, alvos da ira escatológica de Javé. Ou-
tra importante passagem que trata da ira divina repousa sobre o primeiro capítulo
da carta de Paulo aos romanos. Efésios 5.6 e Colossenses 3.6, por fim, são também
transparentes na afirmação de que a ira de Deus tem um alvo específico: os que,
por sua desobediência resoluta, provam que não fazem parte da aliança da fé
com Deus; sobre os tais permanece a ira divina.
Vale também esclarecer que a ira de Deus, como podemos deduzir, não resul-
ta de um emocionalismo divino e nem de um descontrole da parte da Divindade.
Antes, deriva-se de seu caráter santo e justo, e se expressa em punições temporais
e eternas dirigidas aos homens. Conforme atesta Carson, “a ira de Deus não é, evi-
dentemente, uma fúria emocional, mas sim uma oposição firme e absoluta a tudo
o que é mal. É algo que é parte da essência do caráter de Deus” (2009, p. 1688).

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Com isso, vemos claramente que Deus está irado com as pessoas que rejeitam,
por declaração ou por atos, o Filho a quem enviara como fundamento de reconci-
liação. E a ira de Deus, que se ascende como consequência de seu caráter santo,
precisa ser aplacada para que não recaia sobre as pessoas. Desse modo, alguém
que tome o lugar do homem, que o represente, precisa receber a plenitude da ira
de Deus para que esta ira não mais seja direcionada aos que acolherem tal repre-
sentante - Cristo.

 A provisão da propiciação
A única pessoa que poderia receber a ira de Deus no lugar do homem é Je-
sus. Romanos 3.25 diz que Jesus foi quem propiciou a ira de Deus, além de definir
a fé (confiança) como o meio exclusivo pelo qual podemos nos apropriar da obra
propiciatória de Cristo. O texto de Hebreus 2.17 mostra que, na pessoa de Jesus,
Deus se fez semelhante aos homens para receber a ira divina, uma vez que essa ira
estava destinada à raça humana. As passagens de 1 João 2.2 e 4.10 dizem, respec-
tivamente, que o sacrifício de Cristo serve como propiciação boa o suficiente para
aplacar uma ira destinada a toda a humanidade, e que a providência de Jesus
como propiciação resulta do amor de Deus.
Um importante ponto prático é que, uma vez que Cristo morreu e que Deus está
satisfeito, já não há necessidade de pedir que Deus nos seja propício. Deus está
acalmado, aplacado e eternamente satisfeito (RYRIE, 2004, p. 343). Assim, já não
há mais ira de Deus sobre os que confiam no efeito propiciatório da obra de nosso
Senhor. Em resumo, Deus não se ira com os verdadeiros salvos; certamente os re-
preende em amor, quando necessário, e os castiga quando precisam restabelecer
alvo e conduta corretos. Contudo, em nenhuma dessas circunstâncias está presen-
te qualquer tipo de ressentimento da parte de Deus para com seus filhos. O Deus
eterno e eternamente justo se satisfez plenamente com o sofrimento substitutivo de
Jesus e, agora, já não resta condenação para os que nele creem (Rm 8.1).

 Justificação
A justificação do pecador é uma das consequências mais importantes da ex-
piação vicária de Cristo. Além disso, é uma doutrina cardinal, fundamental para
o cristianismo reformado, assim como para os grupos indiretamente derivados da
Reforma. Não nos estranha, portanto, que a justificação represente uma doutrina
de relevância central na teologia cristã.
Justificação é, acima de tudo, um anúncio; é o pronunciamento de um vere-
dicto de absolvição do qual se exclui qualquer possibilidade de condenação (c.f.
Rm 8.33). Ligado à soteriologia cristã, esse conceito significa que Deus, por causa
da morte vicária de Cristo, anunciou pública e irrevogavelmente a absolvição dos
pecadores, livramento de sua merecida sentença de morte.

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Mais detalhadamente, vejamos alguns aspectos da doutrina da justificação.

 Necessidade da justificação
Conforme o que foi estabelecido até o momento, podemos facilmente deduzir
que a necessidade da justificação para o homem jaz no fato de que ele está con-
denado. Apesar de já terem sido formuladas e endereçadas nas linhas anteriores,
duas perguntas importantes merecem consideração aqui: (I) Por que o homem está
condenado? E (II) qual é a sua sentença?
Para evitarmos repetições desnecessárias, precisamos apenas nos lembrar de
que o homem está condenado por causa de seu pecado. E seu pecado se expres-
sa não somente nos atos pecaminosos atuais (seus chamados “pecados pessoais”),
mas sobretudo no fato de que o primeiro representante legal do homem pecou
fazendo com que seu erro fosse atribuído a todos os que representava, em suma, a
toda a raça humana. Por isso, não importa o gênero, época ou contexto cultural no
qual as pessoas nasçam, desde o ventre de suas mães são legalmente consideradas
pecaminosas (Sl 51.5) e dignas de receberem a condenação para seu pecado.
Isso nos leva à resposta da segunda indagação. A sentença para a desobedi-
ência do homem, conforme a chamada Aliança das Obras, é a morte (Gn 2.17). E
a morte, como efeito da desobediência humana, se qualifica principalmente pelo
afastamento de Deus e a consequente privação de todas as bênçãos derivadas
da comunhão com a Divindade. O homem, afastado de Deus naturalmente por
causa do pecado, é descrito na Bíblia como um homem morto (Ef 2.1), ainda que
suas funções biológicas estejam em funcionamento. E, além do estado de morte
pelo qual passa sua vida biológica, há também a morte eterna ou “segunda morte”
(Ap 20.14), caracterizada pela perpetuação eterna do estado de morte já em vigor
desde a sua concepção.
Portanto, a condição do homem, como podemos perceber, não poderia ser
mais grave. Ele foi justamente condenado pelo Senhor à morte. Tal morte, para-
doxalmente, ocorre ainda em seu estado de vida (biológica), e se estende para
a eternidade. Essa condenação brutal, porém justa, na qual o homem sujeitou a
si mesmo, é o motivo pelo qual ele necessita de justificação. Da mesma maneira
que o anúncio de um julgamento de morte fora proferido contra ele, é necessário
que um novo anúncio, de uma absolvição da sentença, seja pronunciado em favor
dele pelo Sumo Juiz.

 Meio da justificação
A justificação do pecador ocorre como efeito da morte substitutiva de Cristo.
Todavia, vale adentrarmos um pouco mais profundamente na questão. O homem,
para ser declarado justo, precisaria reverter em sua própria vida os efeitos da

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

desobediência de seu primeiro representante, Adão. Em outras palavras, se Adão


trouxe condenação por sua desobediência, a pessoa que quisesse ser absolvida
de tal condenação deveria obedecer. Entretanto, com a entrada do pecado no
mundo, o homem sujeitou sua vontade (seu arbítrio ou volição) ao mal e, assim, não
consegue obter a salvação pela obediência. E, caso se argumente que o homem,
às vezes, consegue obedecer a um ou a outro mandamento da exigência divina
(argumento dúbio), tal obediência hipotética não poderia comprar sua absolvi-
ção, pois, para Deus, não existe meia justiça: ou a obediência é completa, ou resta
somente a total desobediência (Mt 5.18).

Duas conclusões, assim, são inevitáveis. A primeira delas é que o homem não
é absolvido pelo cumprimento da Lei, nunca foi e jamais será (Rm 3.19,20). A Lei,
por refletir diretamente o caráter perfeito de Deus, é impraticável para seres caí-
dos, corruptos, cujas vontades estão, no mínimo, pendentes ao pecado. A segunda
conclusão é que, para que haja absolvição, além da necessidade do cumprimento
da condenação (é necessário que alguém morra em favor dos homens, ou que to-
dos os homens morram, individualmente), há também necessidade do cumprimen-
to perfeito da vontade de Deus, de sua Lei. Ora, da mesma maneira que houve um
representante da raça humana que, com sua decisão, afetou todos os seus seme-
lhantes; há também necessidade de um outro representante que, além de pagar
pela condenação do primeiro, por sua decisão, afete todos os que representa.
Com efeito, Jesus é este segundo representante.

O texto de Romanos 5.8,9 diz vividamente que Cristo morreu por nós, peca-
dores, e que mediante essa morte substitutiva somos declarados justos por Deus
(justificados). Pouco mais adiante, em Romanos 5.16, Paulo reafirma que o pecado
contaminou o mundo por uma só desobediência (a de Adão); mas que a graça
de Deus é tão grande que, por meio da expiação vicária de Cristo, toda a deso-
bediência acumulada de todas as eras (as do passado, do presente e do futuro)
é revertida pela obediência perfeita de Cristo. Isso é dito claramente no versículo
18: “Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para
condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os
homens para a justificação que dá vida”. Além disso, ainda em Romanos, uma car-
ta que mui se aproxima de um tratado soteriológico, o tema da justificação persiste
(Rm 8.30,33).

A conclusão necessária é que, agora, nenhuma condenação há para os que


estão unidos a Cristo (Rm 8.1), isto é, os que o receberam e que, por isso, estão li-
gados a ele em sua morte e ressurreição. Estes não mais são julgados segundo os
parâmetros da Lei, visto que Cristo a cumpriu em seu lugar (Mt 3.15; Jo 19.30). Ao
contrário, os que estão em Cristo são julgados segundo o “Espírito da vida” (Rm 8.2)
que habita neles como um penhor para a salvação (2Co 1.22; Ef 1.14).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Conquanto a justificação seja garantida pela obra objetiva de Cristo, sua aplica-
ção aos pecadores será estudada em capítulo posterior, quando tratarmos de como
os benefícios da expiação vicária são aplicados aos pecadores, individualmente.

 A prova da justificação
O pagamento pelo pecado foi, conforme vimos, efetuado por Cristo em sua
morte no Calvário. Todavia, alguém poderia indagar de que modo poderíamos saber
com certeza se o pagamento de Jesus foi realmente recebido por Deus. Vejamos.
O Logos eterno se fez carne para que assumisse, em si mesmo, a natureza cria-
da, e a pudesse redimir. Entretanto, no que consiste essa redenção? Sumariamente,
uma vez que a morte e a corrupção são consequências da Queda, a redenção
da ordem criada (na qual os humanos se incluem) consiste na geração de uma
nova vida. Diante dessa constatação, a ressurreição de Jesus, com um novo cor-
po, revestido de incorruptibilidade, apresenta-se a nós com um claro significado:
mostrar-nos que o homem foi redimido e, se foi redimido, é porque a redenção efe-
tuada por Cristo foi, de fato, aceita por Deus. Isso é dito de modo suficientemente
didático em Romanos 4.25: “o qual [Jesus] foi entregue por causa das nossas trans-
gressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”. Em outras palavras, Paulo,
o apóstolo, está nos dizendo que a morte de Cristo foi uma expiação vicária e que
sua ressurreição serve ao propósito de nos mostrar que a expiação foi aceita. Cristo
não somente pagou o preço de nossos pecados morrendo em nosso lugar como
também ressuscitou como uma declaração pública de que, por sua morte substitu-
tiva, Deus nos declara plenamente justos.
Dessa forma, finalmente, damos cabo ao escopo soteriológico do ponto de vis-
ta objetivo. A partir do próximo capítulo, iniciar-se-á o estudo da aplicação da obra
objetiva de Cristo ao pecador, tratando, portanto, da soteriologia subjetiva.

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Capítulo 5
q Ordo Salutis : conceito e considerações

C onforme foi colocado, a salvação, como operação de Deus mediante a


qual pecadores são salvos da morte, possui um lado objetivo (identificado
com o evento histórico da morte de Cristo) e um lado subjetivo (identificado com a
aplicação de todos os efeitos da morte de Jesus ao pecador). A partir deste capí-
tulo, trataremos do lado subjetivo da salvação.
Historicamente, a organização dos diversos ministérios relacionados à aplica-
ção da obra salvífica às pessoas tem sido chamada de ordo salutis , um termo lati-
no que significa “ordem de salvação”. Uma definição mais precisa de ordo salutis
pode ser: organização dos diversos movimentos pelos quais a “obra de salvação,
realizada objetivamente em Cristo, é concretizada subjetivamente nos corações e
vidas dos pecadores” (BERKHOF, 2009, p. 383).
Embora possamos falar em uma ordem de salvação e até mesmo sintetizar uma
definição que se aproxime desse conceito, antes de adentrarmos especificamente
nas discussões a respeito de tais ministérios, será necessário abordarmos algumas
considerações preliminares sobre o assunto.

 Considerações preliminares

A primeira observação a ser delineada sobre a ordo salutis é que a sua or-
ganização intrínseca, ou melhor, suas propostas de organização não in-
tentam ser uma organização cronológica. Em outras palavras, nenhuma afirmação
que busque ajustar os diversos ministérios relacionados à aplicação da salvação
procura organizá-los em termos cronológicos (embora algumas operações do Es-
pírito nos salvos de fato aconteçam cronologicamente). Na verdade, as propostas
de ordens de salvação são, acima de tudo, propostas de ordenações lógicas.

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Um segundo ponto que merece atenção é o fato de que a ordo salutis não
pressupõe uma fragmentação da ação divina em aplicar ao pecador os benefícios
da obra de Cristo. Falar em ordo salutis não equivale a entender a existência de
várias aplicações individuais e distintas umas das outras, e de diversos ministérios
decorrentes da expiação vicária. Na verdade, a afirmação de uma ordo salutis
apenas reconhece, visualiza e distingue vários movimentos que perfazem uma só
aplicação da obra salvífica ao pecador e, portanto, está plenamente cônscia de
que se trata de apenas uma única aplicação. Berkhof resume a questão nas se-
guintes palavras:
Quando falamos de uma ordo salutis, não nos esquecemos de que a ação
de aplicar a graça de Deus ao pecador individual é um processo unitário,
mas simplesmente ressaltamos o fato de que é possível distinguir vários mo-
vimentos no processo, que a obra de aplicação da redenção segue uma
ordem definida e razoável, e que Deus não infunde a plenitude da sua
salvação ao pecador num ato único (2009, p. 384).
Finalmente, uma terceira e importante observação é a indagação sobre a Bí-
blia, em algum momento ou de alguma maneira, insinuar qualquer ordem de sal-
vação. A resposta a essa questão pode ser buscada em uma análise sistemática
de determinados trechos da Escritura. Tais trechos, por sua diversidade, não serão
analisados aqui, mas nos capítulos subsequentes, nos quais serão abordados e re-
lacionados à ordo salutis . Embora a Palavra de Deus não mencione explicitamente
uma ordem de salvação, ela sugere extensivamente tal encadeamento entre di-
ferentes movimentos ligados à aplicação da salvação ao pecador. Vale também
lembrar que pouca coisa a Bíblia expõe de forma explícita, mas nem por isso as ver-
dades deduzidas a partir da Bíblia, pelo uso responsável da razão, são indignas de
confiança e não devem ser consideradas como Palavra de Deus (e.g., a afirmação
cristã de um Deus triúno).
Alguns exemplos de como a Escritura inter-relaciona as diversas operações, das
quais é possível (e até mesmo necessário) inferir uma ordo salutis, podem ser encon-
trados no texto de Romanos 3.30, 5.12, 10.17, Efésios 4.1,2, entre outros. O apóstolo
Paulo, em Romanos 3.30, afirma que somos justificados pela fé, o que equivale a di-
zer que a fé é o meio pelo qual somos justificados. Mais à frente, em Romanos 5.12,
fica claro que a paz com Deus e o livre acesso à Divindade vêm em decorrência
da justificação. Romanos 10.17 afirma que a fé é produzida mediante o contato
com a Palavra de Deus, e Efésios 4.1,2 diz que é preciso andarmos de modo digno
da vocação com que fomos chamados, evidenciando que a vocação de Deus à
salvação antecede a experiência de santificação progressiva do salvo.
Assim, devido às inúmeras evidências bíblicas de que existe uma certa ordem
lógica entre as operações de aplicação da salvação, e devido ao fato de que tais

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

indícios apontam para uma organização sistêmica destas operações, a existência


de uma ordo salutis é, pode-se dizer, uma inevitabilidade teológica.
Diante dessa constatação, cabe-nos indagar qual seria, portanto, a ordem ló-
gica de tais movimentos ligados à aplicação da salvação. Por exemplo, em um
encadeamento lógico, o que viria primeiro: a regeneração (habitação do Espíri-
to) ou a conversão? O pecador precisa se converter para receber o Espírito ou se
converte porque o Espírito, já habitando nele, produz nele a conversão? O homem
precisa iniciar sua santificação para ser considerado justo (justificado) por Deus ou
primeiro é considerado justo e, por isso, a sua santificação tem início? A fé produz a
regeneração ou resulta dela?
A partir do próximo capítulo, essas importantes questões serão endereçadas
através de um estudo pormenorizado de tais movimentos. A ordem com que esses
ministérios acontecem nos será apresentada segundo os modelos teológicos dos
reformados e dos arminianos, no apêndice desta matéria. Mas, para entendermos
as respectivas estruturações da ordo salutis , segundo concebida por esses grupos
da teologia cristã, é preciso que entendamos a natureza desses ministérios.
Amparados, desse modo, na Escritura, vejamos, nos próximos capítulos, os di-
versos movimentos e operações do Espírito pelos quais a obra salvífica de Cristo é
aplicada aos seres humanos.

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Capítulo 6
q Ordo salutis - Eleição e predestinação

 Conceito reformado

 Escopo geral das doutrinas da eleição e predestinação


O conceito reformado acerca da eleição a define como o “ato eterno de Deus
pelo qual ele, em seu soberano beneplácito e sem levar em conta nenhum mérito
previsto nos homens, escolhe certo número deles para receber a graça especial
[em contraste à graça comum] e a salvação eterna” (RYRIE, 2004, p. 360). Portanto,
a doutrina da eleição, segundo os reformados, traz importantes pontos que, como
veremos, a distinguem do conceito de eleição segundo o entendido pelos armi-
nianos. Ademais, a eleição está intimamente ligada à predestinação, sendo esta
última a determinação prévia de Deus sobre o destino dos eleitos.
A eleição, conforme o pensamento reformado, não resulta da presciência divi-
na, mas de um decreto eterno. A eleição de Deus está ligada ao seu decreto eter-
no, pelo qual ele determinou, antes da criação de tudo e antes do tempo, salvar al-
gumas pessoas da condenação eterna, mas não todas as pessoas. Portanto, Deus
não elegeu as pessoas para a salvação antevendo boas obras de sua parte e nem
mesmo antevendo sua resposta positiva à pregação do Evangelho. Antes, o Senhor
decretou que determinadas pessoas viessem a crer, e a crença desses indivíduos é
que resulta do decreto divino. Os textos de Efésios 1.4 e 1.11 expressam claramente
essa doutrina. E mesmo os textos que sugerem a presciência de Deus como causa
da eleição (e.g., 1 Pe 1.2) não devem ser interpretados fora do contexto canônico
total, pois, na Bíblia, o conhecimento sempre está associado a um relacionamento,
de modo que, quando se fala em presciência divina, a ideia de uma decisão da
parte de Deus está implícita.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Na eleição, Deus elegeu indivíduos, e não um grupo. O Senhor, em seu sobe-


rano conselho, elegeu determinadas pessoas, certos indivíduos para a salvação.
Estes indivíduos não foram eleitos por qualquer mérito que poderiam ter, inclusive
o de aceitar a proposta do Evangelho, pois sabemos que todos estão mortos em
seus pecados (Ef 2.1) e que, para Deus, não há um justo sequer. Antes, Deus elegeu
pessoas tendo por base a boa determinação de sua vontade, o seu desígnio ines-
crutável, o beneplácito de sua vontade (Ef 1.5,11). Deus elegeu certos indivíduos
(Ap 21.27; 13.8; 17.8), não prevendo neles obra alguma, nem mesmo sua aceitação
ao Evangelho, mas baseando-se unicamente em seu próprio conselho.
Outra importante característica da doutrina da eleição é seu caráter eterno. O
ato eletivo de Deus se deu na eternidade. Antes que houvesse criação, homem e
pecado, Deus já havia incluído a Queda em seu plano (o que não equivale a dizer
que Deus produziu a Queda). E, tendo incluído a Queda em seu plano, que con-
templa absolutamente todas as coisas (Sl 24.1a; 33.9; Is 14.24; 46.10), também incluiu
a eleição de pessoas para serem salvas dos efeitos da Queda. Por isso, podemos
dizer que a salvação é um ato eterno de Deus, pois muito antes que a resposta do
homem ao Evangelho se mostrasse positiva e este passasse a ter consciência de
sua salvação, esta salvação já ocorrera na eternidade.
A doutrina da eleição se encontra, na Bíblia, intimamente ligada à da predes-
tinação, de modo que se expressam, na Escritura, como assuntos complementares.
O pensamento sobre a predestinação postula primeiramente que os que foram
eleitos pelo desígnio de Deus foram também predestinados à glorificação final.
A eleição de Deus resulta de um decreto soberano, e a predestinação resulta da
eleição divina. Os que foram eleitos por Deus foram também predestinados à sal-
vação. Como diz Ryrie, os “eleitos de Deus são predestinados para a adoção (Ef
1.5), para uma herança (Ef. 1.11) e para serem conformes a imagem de Cristo (Rm
8.28,29). Biblicamente, a predestinação está limitada ao povo eleito, e assegura
sua posição presente e destino futuro” (2004, p. 362).
A eleição divina, estabelecida em Cristo (o que significa que Cristo é a base
de toda a obra salvífica de Deus), tem por fundamento a expiação vicária do Filho,
que possibilita e realiza a eleição e a predestinação divina, suscitadas no conselho
eterno da Trindade. Dessa forma, a eleição, por ser um decreto, resulta invariavel-
mente na salvação do eleito e predestinado. Ora, é uma consequência lógica o
fato de que um eleito, pela própria natureza da eleição (conforme concebida pelos
reformados calvinistas), será incondicionalmente salvo. Se a eleição é um decreto
de Deus que destina de antemão o pecador à salvação, não faz sentido acreditar
que um eleito não alcançará a salvação. Necessariamente, se Deus decretou a
salvação de alguém elegendo essa pessoa e a predestinando à glória final, todo o
processo de aplicação da salvação a ela estará garantido e eternamente decre-
tado, de modo que será salva.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Essa realidade suscita a discussão sobre a extensão da soberania de Deus em


relação ao papel do homem e sua responsabilidade no processo salvífico (o próximo
subtópico concentrará uma discussão sobre isso). Mas, para fins de conclusão, ressal-
ta-se que a eleição divina é irrevogável, pois está baseada no próprio ser de Deus, e
não na ordem contingente. A eleição foi feita em amor (Ef 1.4,5) e expressa a miseri-
córdia divina (Rm 9.13-15), além de revelar a graça inexplicável de Deus (Ef 2.7,8). Por
fim, o propósito supremo da eleição é revelar a glória de Deus (Ef 1.6,12,14).

 Soberania de Deus e responsabilidade humana:


o arbítrio humano segundo os reformados
Sempre houve, na história do pensamento cristão, o debate em cima do apa-
rente conflito entre a soberania de Deus e a vontade do homem. A principal inda-
gação que se levanta neste debate é: “De que modo a soberania de Deus inte-
rage com a vontade humana na aplicação da salvação ao homem?” Em outras
palavras, se o homem tem sua vontade livre (livre-arbítrio) para aceitar ou rejeitar
a salvação, então pode Deus querer salvar alguém e não conseguir? Para os re-
formados, a resposta a essa questão é muito simples: “Quem disse que o homem
possui livre-arbítrio?”
Para a teologia reformada, a ideia do livre-arbítrio humano é um dos maiores
equívocos difundidos ao longo da história do pensamento cristão. A Escritura, em
sua totalidade, mostra enfaticamente, desde a queda de Adão, a vontade huma-
na aprisionada ao pecado. A Bíblia relata, desde suas primeiras páginas, o drama
da corrupção humana e o ser antrópico em um estado nefasto e cativo ao peca-
do. Mostra o homem, em um estado lamentável, preso à sua própria vontade, na
qual sua sede é totalmente depravada e enganosa (Gn 6.5; Ef 2.1-3; Gl 5.17).
A ideia da vontade humana em perfeito equilíbrio equivale à imagem de uma
balança em perfeito equilíbrio. No momento em que se coloca qualquer carga, por
menor que seja, em um dos lados da balança, esta passa a pender para um dos
lados, perdendo seu perfeito equilíbrio. E o que a Bíblia mostra, abundantemente,
é que a balança da vontade humana, desde a Queda, encontra-se inclinada para
o mal. Assim, é óbvio que não há perfeito equilíbrio; e não havendo perfeito equilí-
brio, não se pode falar em “vontade livre” ou “livre-arbítrio”. A Confissão de Fé de
Westminster declara essa verdade nas seguintes palavras:
O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o po-
der de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salva-
ção (Rm 5.6; 8.7,8; Jo 15.5); de sorte que um homem natural, inteiramente
avesso a esse bem (Rm 3.9,10,12,23) e morto no pecado (Ef 2.1,5; Cl 2.13),
é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se
para isso (Jo 6.44,65; 1Co 2.14; Tt 3.3-5) (IX.III).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A natureza pecaminosa do homem, assim como sua vontade aprisionada ao


pecado, embora seja afirmada pela Escritura, comumente levanta alguns questio-
namentos quanto à responsabilidade do homem e quanto à justiça de sua conde-
nação. A pergunta normalmente enunciada é: “Se o homem não tem livre-arbítrio e,
consequentemente, não pode escolher a salvação, como pode ser condenado por
Deus? Se o homem não pode tomar a decisão de agradar a Deus, se ele não tem
o poder de, livremente, optar por Cristo e ser salvo; como pode ele ir para o inferno
sem ter, ao menos, a chance de uma libertação? Como Deus pode condenar o ho-
mem ao inferno, se ele está condicionado a fazer o mal e, portanto, não tem culpa
disso?” A resposta dos reformados para essa questão repousa sobre dois eixos.

Ainda que o pensamento correto fosse nesses termos, podemos dizer que todos
os homens estão condenados pela imputação do pecado de seu primeiro repre-
sentante, Adão. Assim, em primeiro lugar, Deus não é obrigado a salvar ninguém
e, se o faz, o faz por pura graça. Uma vez que todos os homens são merecedores
da condenação divina e Deus não é realmente obrigado a salvar ninguém, sua
voluntariedade em libertar certo número de pessoas mostra, na verdade, uma mi-
sericórdia inenarrável.

Em segundo, o homem não é primariamente culpado por causa de seus atos


pecaminosos, mas por não cumprir o propósito para o qual fora criado: refletir a
glória de Deus (Is 43.7). Os pecados individuais são condenáveis aos olhos de Deus
e certamente o desagradam, contudo, são efeitos colaterais de um problema an-
terior: o princípio do pecado que habita no homem, algo que o Novo Testamento
chama de “semente corruptível” (1Pe 1.23). Dessa forma, o homem não é conde-
nado primariamente pelo que ele faz, mas pelo que ele é. O homem não é peca-
dor porque peca, mas peca porque é pecador. Portanto, mesmo não sendo capaz
de agradar a Deus por sua própria vontade, o homem merece sua condenação, (I)
porque pertence à classe cujo representante - Adão - violou a Aliança das Obras,
(II) porque traz em si a semente do pecado, e finalmente, (III) porque afronta Deus
com seus pecados pessoais. O fato de o homem fazer o mal por causa do pecado
que habita nele não o isenta da responsabilidade por suas ações. O homem é me-
recedor de sua condenação e, se Deus não interviesse, todos os homens, sem exce-
ção, estariam condenados. Deus, entretanto, por sua rica misericórdia, livre graça
e segundo o conselho da própria vontade, decidiu salvar alguns seres humanos de
sua justa condenação. E ele faz isso soberanamente.

Concluindo, na aplicação da salvação ao pecador, Deus graciosamente viola


a vontade do homem, que está cativa ao pecado, e a liberta para que ele se volte
para Deus. Isso não significa que o homem se volta para Deus a contragosto, mas
sim que, quando o homem se volta para Deus a fim de servi-lo, ele só faz isso por-
que suas faculdades volitivas foram previamente transformadas pelo Espírito Santo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 37


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Deus deu vida ao homem enquanto este estava morto (Ef 2.1). Dessa forma, po-
demos dizer que a salvação é um ato monergístico de Deus, que salva o homem
contra sua própria vontade, e aplica nele os benefícios da obra de Cristo. Uma
vez regenerado e com sua vontade liberta por Deus, o homem, constrangido pelo
amor de Cristo (2Co 5.14), voluntariamente se volta para ele (2Co 5.15), a fim de
servi-lo em amor.

 Conceito arminiano
 Escopo geral das doutrinas da eleição e predestinação

O conceito arminiano sobre a eleição se antagoniza, em muitos aspectos, ao


conceito dos reformadores; e pode ser ilustrado pela afirmação de Antônio Gilber-
to, um teólogo brasileiro representante do pentecostalismo (sistema cuja soteriolo-
gia foi emprestada do arminianismo). Segundo ele, a eleição “se dá pelo recebi-
mento do Evangelho, pela fé, e permanência em Cristo, mediante a santificação
daqueles que se convertem dos ídolos ao Deus vivo e verdadeiro, a fim de servi-lo”
(2008, p. 367). Esta declaração subentende muitas observações a serem delinea-
das. Vamos a elas.

A eleição, conforme entendida no pensamento arminiano, não resulta de um


decreto de Deus, mas de sua presciência. A eleição de Deus baseia-se no conhe-
cimento prévio do Senhor acerca da resposta que as pessoas podem dar ao con-
vite do Evangelho. Conhecendo de antemão as nossas respostas, favoráveis ou
desfavoráveis, Deus nos declara, como povo, eleitos à salvação, ou não. Assim, na
ordenação lógica da salvação arminiana, a eleição não antecede a conversão
do pecador a Cristo, mas é uma consequência dela. Ligada a esse entendimento
sobre a eleição divina repousa, então, a assertiva arminiana sobre a liberdade do
arbítrio humano: o arminiano defende a livre-volição humana (ou livre-vontade).
Ora, se o homem possui livre-arbítrio, pode escolher ou não o Evangelho, indepen-
dentemente da vontade de Deus. Embora Deus deseje que todos sejam salvos (Jo
3.15,16), infelizmente nem todos crerão.

Por esse motivo, constata-se que Deus elegeu um grupo, e não indivíduos. A
eleição de Deus tem como alvo um grupo, a Igreja. “Deus elegeu para si um povo
chamado Igreja, e não indivíduos, isoladamente. Somos predestinados porque so-
mos parte da Igreja de Deus; não somos parte da Igreja porque fomos, antes, indivi-
dualmente, predestinados” (GILBERTO, 2008, 371). Segundo os arminianos, qualquer
pessoa que crê em Jesus torna-se um dos escolhidos de Deus. A eleição não produz
a salvação, mas é um resultado dela.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 38


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Outro importante atributo desta doutrina repousa no fato de que a eleição de


Deus é eterna. Deus, na eternidade, em uso de sua presciência, elegeu para si um
povo. Porém, como vimos, esse ato eletivo não se trata de um decreto, mas de um
conhecimento prévio; não se trata de uma determinação, mas de sua onisciência.
A eleição, inegavelmente, se deu na eternidade, mas seu efeito acontece na esfe-
ra temporal, quando o pecador crê.
Ademais, os que foram eleitos segundo a presciência divina foram também
predestinados, o que evidencia a interligação entre esses dois movimentos da ordo
salutis . Intimamente ligada à eleição de Deus, a predestinação tampouco antece-
de a decisão do homem por Cristo, funcionando como decreto, como uma deci-
são de Deus. Ao contrário, a “predestinação é para os que quiserem ser salvos [...]”
(GILBERTO, 2008, pg. 372). A Igreja foi predestinada para ser conforme a imagem
do Filho (Rm 8.29), foi chamada para a salvação (Rm 8.30), para a justificação (Rm
8.30) e para a glorificação final (Rm 8.30). Porém, não se pode dizer que a predes-
tinação assegura tudo isso. É a firme decisão do crente em permanecer em Cristo
(Jo 15.1-6) que lhe possibilita, enquanto estiver unido ao Filho, ser chamado de
“eleito” e “predestinado”.
À semelhança do pensamento reformado, a eleição é feita em Cristo, de modo
que os arminianos também enxergam Cristo como o fundamento, tanto da eleição
quanto da predestinação. Não poderia ser de outra forma; Cristo é o centro do uni-
verso (At 17.28). Nenhuma operação pertencente à obra salvífica de Deus poderia
existir sem a base e fundamento da morte vicária de Cristo. Contudo, a eleição, por
não ser um decreto, não resulta necessariamente na glorificação final do indivíduo.
Ao contrário, a pessoa pode cair de seu estado de salvação e, assim, renunciar seu
status de eleita e predestinada. Ora, é uma consequência lógica o fato de que um
eleito, pela própria natureza da eleição (conforme concebida pelos arminianos),
será condicionalmente salvo. Se a eleição não é um decreto de Deus que destina
de antemão o pecador à salvação, então o salvo não necessariamente alcançará
a glorificação final, podendo cair de seu estado. Necessariamente, se a eleição
não é um decreto, e nem tampouco a predestinação se qualifica como uma “pré-
destinação” per se, é óbvio que há participação humana na salvação; de modo
que o sucesso de todos os movimentos ligados à salvação está, em última análise,
sujeito a uma atuação sinergística de Deus e do homem.
Essa realidade suscita a discussão sobre a extensão da soberania de Deus em
relação ao papel do homem e sua responsabilidade no processo salvífico (o pró-
ximo subtópico concentrará uma discussão sobre isso). Mas, visando uma conclu-
são, podemos dizer que a eleição divina, por ser consequência da apropriação do
Evangelho por parte do homem, é volátil. É a Igreja que é a eleita e, enquanto os
indivíduos permanecem nela, fazem parte dos eleitos e podem assim ser chamados.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 39


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Entretanto, saindo da Igreja, os indivíduos saem do grupo eleito, e não podem mais
receber esse epíteto. Ademais, a eleição foi feita em amor (Ef 1.4,5) e expressa a mi-
sericórdia divina (Rm 9.13-15), além de revelar a graça inexplicável de Deus (Ef 2.7,8).
Por fim, o propósito supremo da eleição é revelar a glória de Deus (Ef 1.6,12,14).

 Soberania de Deus e responsabilidade humana:


o arbítrio humano segundo os arminianos

O antiquíssimo debate que intenta explicar a volição do homem em relação


ao poder da ação salvadora de Deus também encontra uma expressão conso-
lidada no pensamento arminiano. E as mesmas questões são trazidas como alvo
da reflexão: “De que modo a soberania de Deus interage com a vontade humana
na aplicação da salvação ao homem?” Em outras palavras, se o homem tem sua
vontade livre (livre-arbítrio) para aceitar ou rejeitar a salvação, então pode Deus
querer salvar alguém e não conseguir? Para os grupos cristãos que empregam,
conscientemente ou não, a teologia arminiana, a resposta última é: “O homem
pode sim aceitar ou rejeitar a salvação que lhe é proposta, mediante o apelo do
Espírito através da mensagem revelada”.

Para a teologia arminiana, o livre-arbítrio humano é uma preciosa realidade,


um fato inequívoco. A Bíblia inteira relata a liberdade da volição humana, mostra
o homem sofrendo as consequências de sua rejeição a Deus e reagindo negativa-
mente ao convite do Evangelho (At 7.51; 1Ts 5.19; Pv 1.23-30; Mt 23.37).

A liberdade do arbítrio do ser humano, segundo o pensamento arminiano, pode


ser ilustrada com a imagem de um homem se afogando no mar. Este homem é o ser
humano, caído em seus pecados. Cristo, na qualidade de salvador, estende seu bra-
ço ao que está se afogando, de modo que basta ao homem estender também a sua
mão para segurar a de Cristo, e assim ser retirado do mar. Há, dessa forma, um de-
sempenho mútuo na aplicação da salvação ao homem. De um lado, Cristo oferece
misericordiosamente sua salvação. De outro, entretanto, o homem precisa aceitá-la.

Com esta ilustração fica evidente, segundo constatamos, que, no pensamento


arminiano, o homem tem sua vontade livre para aceitar ou rejeitar a oferta salvífica
de Deus. O homem, sem dúvida, é pecador e totalmente depravado. Contudo,
Deus, através da administração universal de sua graça preveniente (uma graça
não-salvadora), restaura a liberdade da vontade humana, para que o pecador
tenha a capacidade de aceitar ou rejeitar a salvação que lhe é oferecida pelo
Evangelho. Segundo as palavras de Antônio Gilberto, a “livre-escolha do homem
é uma realidade inconteste. A Bíblia acentua a cada passo a responsabilidade do
homem no tocante à sua salvação” (2008, p. 371); “O homem é capaz de fazer a
livre-escolha” (2008, p. 367).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 40


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Quanto à responsabilidade do homem relativa à justiça de sua condenação,


torna-se bastante óbvio que o homem, uma vez que pode tanto aceitar quanto re-
jeitar a salvação que lhe é ofertada, faz-se responsável por sua condenação caso
a rejeite. Ora, se a salvação é oferecida à determinada pessoa e ela livremente a
nega, nada seria mais justo (e ao mesmo tempo, triste) que ela sofra as consequên-
cias por tal renúncia.
Nesse ínterim, uma consideração de ordem prática merece um espaço neste
ponto. O fato de determinada pessoa rejeitar uma oferta de salvação vinda, por
exemplo, de um sermão que teve a chance de escutar não dá ocasião e tampou-
co razão para que o pregador insista em seu convite ou apelo. É preciso considerar
a realidade de que as pessoas, embora tenham livre-arbítrio para rejeitar o Evan-
gelho, nem sempre se posicionarão contrariamente a uma oferta de salvação. O
arminianismo (assim como o calvinismo, porém de maneiras diferentes) considera
legítimo o fato de que não é porque uma pessoa ouviu o Evangelho em certa oca-
sião e optou por não confiar em Cristo que esta mesma pessoa sempre tomará a
mesma atitude diante do apelo do Evangelho. Muitas vezes, as pessoas têm um
contato verdadeiro com a mensagem da salvação e, livremente, a rejeitam. Em
outras circunstâncias e em outras épocas, contudo, essas mesmas pessoas podem,
livremente, se apropriar da salvação. Portanto, o teólogo de confissão arminiana
entende que nem sempre seus interlocutores responderão afirmativamente a uma
mensagem evangelística. E esses mesmos teólogos não se frustram com a livre re-
jeição de seus ouvintes, pois entendem que, em outras oportunidades preparadas
pela graciosa providência de Deus, talvez envolvendo outros pregadores em outras
circunstâncias, os ouvintes poderão estender sua mão e agarrar a de Jesus, confor-
me a ilustração anteriormente citada.
Concluindo, na aplicação da salvação ao pecador, Deus não viola a vonta-
de do homem, uma vez que esta vontade não está cativa ao pecado. A volição
humana é livre pela operação da graça preveniente, e o homem, exercendo essa
liberdade, tem pleno poder de decisão no que concerne à sua salvação. Pode
aceitá-la ou rejeitá-la.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo 7
q Ordo salutis - Regeneração e conversão

 Conceito reformado

 Escopo geral da doutrina da regeneração


A regeneração é a ação de Deus pela qual ele transmite nova vida a pecado-
res espiritualmente mortos. Como no princípio, quando Deus falou e o universo foi
formado, a Palavra de Deus agora cria nova vida. Segundo Berkhof, a regeneração
é o “ato de Deus pelo qual o princípio [causa primária, agente ou força originado-
ra] da Nova Vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma se
faz santa” (2009, p. 432).
Quanto à natureza dessa obra divina, apesar de ser essencialmente inescrutá-
vel, pode-se afirmar que é operada por Deus, por intermédio do seu Espírito. Deus
insere seu Espírito nos que de antemão elegeu e predestinou, e este opera no ser
humano o princípio da nova vida, desfazendo os efeitos ofuscantes do pecado e
libertando a vontade do homem, para que possa enxergar o Evangelho e crer nele.
Além disso, a regeneração, conforme o pensamento reformado, ocorre na vida
subconsciente do ser humano. Em outras palavras, o homem não necessariamente
percebe o momento em que foi regenerado; ele apenas se dá conta disso caso
Deus opere nele a conversão simultaneamente à regeneração.
Assim, a regeneração distingue-se da conversão (que se trata da resposta cons-
ciente do homem à regeneração), podendo antecedê-la ou ocorrer simultanea-
mente. Na verdade, uma pessoa regenerada pode passar certo tempo já com o
princípio da nova vida implantado em si, e não se dar conta disso, pelo menos em
um nível pleno de consciência. Por fim, a regeneração afeta a natureza humana em
sua totalidade; intelecto, emoção e vontade são acometidos pela regeneração.
A Bíblia usa diversos termos diferentes para descrever essa operação divina:
gerar, procriar, dar nascimento (Jo 1.13; Tg 1.18; 1Jo 2.29), regenerar, criar nova-
mente (Tt 3.5; 2Co 5.17; Gl 6.15; Ef 2.10; 4.24) e vivificar (Ef 2.5; Cl 2.13) são todos
sinônimos, referindo-se à mesma e única operação.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A regeneração, como elo da ordo salutis , é necessária ao ser humano, embora


nem todo homem seja regenerado. Nessa asserção, os reformados e arminianos an-
dam ombro-a-ombro, concordando plenamente. E a necessidade de regeneração
para o homem se deve ao fato de o homem estar morto em seus pecados (Ef 2.1,5),
alheio a Cristo (Ef 2.11,12), hostil à verdade e a Deus (Rm 8.7; 2 Co 5.18,19), e escra-
vizado por suas próprias paixões (Ef 2.3; Gl 5.19-21), sendo, portanto, classificado
como um “filho da ira” (Ef 2.3), destinado ao castigo eterno por ignorar a salvação
proposta por Deus na pessoa de Cristo. A regeneração, assim, livra a pessoa da ira
vindoura e a coloca em uma posição de paz com Deus, garantindo-lhe, finalmen-
te, a vida eterna, completa e livre de qualquer resquício do pecado.
Quanto à agência da regeneração, podemos afirmar que Deus é quem rege-
nera (Jo 1.12,13; 1Jo 3.9; 4.7; 5.1), segundo sua vontade (Tg 1.18), através do Espírito
Santo (Jo 3.3,5).

 Escopo geral da doutrina da conversão e da vocação


A conversão, como antecipamos, é o resultante ato consciente do pecador
regenerado pelo qual ele, tendo sido chamado eficazmente por Deus, volta-se
para o Senhor com arrependimento e fé. Antes, porém, de adentrarmos no escopo
doutrinário da conversão propriamente dita, precisamos transitar por uma etapa
da ordo salutis reformada que se caracteriza por ser um “meio” para a operação
da conversão. Estamos falando de chamado ou vocação.
Existe um chamado geral à salvação em Cristo e ao Evangelho dirigido a todas
as pessoas, indistintamente. A teologia reformada o denomina como “chamado
geral” ou “vocação externa”, e se trata de um convite geral de Deus para que as
pessoas dirijam-se a ele. Algumas passagens do Novo Testamento expressam a rea-
lidade do chamado geral (Mt 22.14; 9.13), ainda que não utilizem estritamente essa
palavra (Mc 16.15,16; Mt 22.2-14; Lc 14.16-24; Jo 7.37).
Então, de modo simples, o chamado de Deus é o próprio apelo do Evangelho
dirigido a todos os homens. Entretanto, o chamado geral, quando dirigido aos elei-
tos, no tempo determinado por Deus, produzirá oportunidade para a sua conver-
são, operada pelo Espírito. Vale destacar que o chamado de Deus é um só em sua
essência; não existem dois chamados - um geral e um eficaz - feitos em momentos
distintos, mas um só chamado, que se torna eficiente para os que Deus escolheu
para a vida eterna. Por isso, o pensamento reformado diz que a vocação especial
é irresistível, significando que o pecador, quando é chamado por Deus pela instru-
mentalidade da Palavra, não pode resistir a este chamado, não pode dizer: “não,
eu não aceito o Evangelho!” Afinal, quando o chamado ocorre para o pecador,
sua natureza já foi regenerada, e agora o pecador, com o princípio da nova vida
implantado em si, não consegue resistir ao Evangelho, ao amor de Deus e à oferta
de comunhão com Cristo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 43


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Concluindo, o chamado geral se dá pela instrumentalidade da pregação do


Evangelho (1Pe 1.23), conforme descrito na Palavra de Deus (1Pe 1.25; 1Jo 1.3). Nin-
guém é convertido por Deus senão mediante a pregação da Palavra, acompanha-
da pela atuação do Espírito Santo (ao menos, não ordinariamente). Neste ponto,
como veremos, há perfeita concordância entre arminianos e reformados.
Centralizando novamente a discussão na obra da conversão, esta, quando
acontece verdadeiramente, é caracterizada por um efeito na vida consciente do
pecador, conforme já pautamos. É um efeito direto da regeneração, que natural-
mente inclui uma transição nas operações próprias da nova vida, do subconsciente
para o consciente. E a conversão verdadeira é caracterizada por arrependimento
e fé, temas do próximo capítulo. Sim, porque na teologia reformada, o arrependi-
mento e a fé não antecedem a conversão, ao contrário, são propriedades dela.
Ainda sobre a doutrina da conversão, pode-se identificar três tipos distintos
dessa obra, fora a conversão propriamente dita e descrita até aqui. O primeiro tipo
diferente de conversão é chamado “conversão repetida”. Não se trata da conver-
são abordada até aqui, mas de uma conversão na qual a pessoa, depois de uma
queda nos caminhos do pecado, retorna a Deus (Lc 22.32; Ap 2.5,16,21,22; 3.3,19).
Da mesma forma, não se trata do momento em que o pecador se dá conta de sua
condição e desperta conscientemente de sua morte espiritual, conforme vimos,
mas de momentos de quebrantamento e retorno aos caminhos do Senhor após
ceder temporariamente às ofertas do mundo e de Satanás.
O segundo tipo pode ser denominado como “conversões nacionais”. Nos dias
de Moisés, de Josué e dos Juízes, repetidamente o povo de Israel dava as costas a
Javé e, depois de experimentar o desprazer de Deus, arrependia-se dos seus peca-
dos e retornava ao Senhor. Essas conversões eram simplesmente de natureza moral;
ficavam muito aquém da verdadeira conversão, marcada pela atuação especial
do Espírito e antecedida pela regeneração. Com efeito, após certo tempo proce-
dendo retamente, a nação voltava à desobediência e à idolatria.
Finalmente, há a chamada “conversão temporária”, cuja definição é a de uma
conversão aparente, irreal, apenas consolidada aos olhos humanos, mas falsa em si
(Mt 13.20,21; 1Tm 1.19,20; 2Tm 4.10; Hb 6.4-6; 1Jo 2.19).

 Conceito arminiano
 Escopo geral da doutrina da regeneração
A regeneração, no conceito arminiano, possui uma definição semelhante à
postulada anteriormente pelo pensamento reformado. Ela é “o ato interior da con-
versão, efetuada na alma pelo Espírito Santo. Conversão é mais o lado exterior e
visível da regeneração” (GILBERTO, 2008, p. 361). Ademais, visto que a natureza da

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

regeneração é bastante translúcida, ao menos conforme a Bíblia a explicita, a con-


cepção arminiana sobre ela não difere da reformada. A regeneração é operada
no íntimo do pecador pela Terceira Pessoa da Trindade, sendo o homem, a partir
de então, declarado filho de Deus (Jo 1.12,13). Por isso, Antônio Gilberto diz que o
termo “regeneração” está relacionado à inclusão do homem na família de Deus,
conforme 1 Pedro 3.23 e Tito 3.5 (2008, p. 361).
Conquanto a regeneração, conforme explicada pela teologia arminiana, traga
uma definição equivalente à dos reformados, o que realmente a distingue no pensa-
mento arminiano é sua posição na ordo. Para o arminiano, a regeneração é equiva-
lente à conversão, sendo que ambos os termos expressam lados diferentes de uma
mesma moeda e, assim, apontam para operações que, necessariamente, ocorrem
ao mesmo tempo. Além disso, a regeneração não produz a fé e o arrependimento,
mas decorre dessas expressões do livre-arbítrio humano. Mais precisamente, o ho-
mem seria, em teoria, completamente depravado se não fosse uma operação do
Espírito pela qual o Criador outorga uma graça a todos os homens - como vimos, a
“graça preveniente” (“que vem antes”) - libertando-os dos efeitos aprisionadores do
pecado e capacitando-os a crer. Esta graça, embora não seja salvadora em si, ca-
pacita os pecadores para a salvação, caso queiram esta bênção. Portanto, devido
à outorga da graça preveniente, os pecadores podem exercer a fé e o arrepen-
dimento para serem salvos. Em última instância, se o homem crer e se arrepender,
então é regenerado. A regeneração segue à fé e ao arrependimento, em suma.
A regeneração, também no conceito arminiano, é de todo necessária ao ser
humano. Em consonância aos seus irmãos reformados, os arminianos creem que,
infelizmente, nem todo homem será regenerado. E quanto à necessidade de re-
generação para o homem, tal necessidade se justifica pelos mesmos motivos já
apresentados no pensamento reformado. O homem está morto em seus pecados
(Ef 2.1), mas não está incapacitado de voltar-se para Deus. O homem natural está
alheio a Cristo e hostil à verdade (Rm 1.18,25), além de pré-disposto à prática do
mal (Gn 6.5). Tudo isso mantém o homem em uma posição inimiga de Deus e o des-
tina à ira divina, caso, em algum ponto de sua vida, não se converta ao Senhor. O
homem está, fatalmente, condenado ao inferno por rejeitar a proposta divina de
salvação em Cristo (Rm 10.9), caso não o receba, pela fé, como Salvador e Senhor.
Portanto, a regeneração livra a pessoa da ira vindoura (1Ts 1.10), e a coloca em
uma posição de paz com Deus (Rm 5.1), garantindo-lhe, finalmente, a vida eterna,
que será plena e completamente livre de todo e qualquer resquício do pecado.

 Escopo geral da doutrina da conversão e da vocação


A conversão, conforme se constata na teologia arminiana, é um outro lado da
regeneração, e ocorre simultaneamente a ela. Em uníssono com os reformados,
afirma-se o aspecto consciente da conversão, quando comparada à regeneração.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 45


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A conversão ocorre na esfera mais consciente do homem e, nas palavras de Antô-


nio Gilberto, “é mais o lado exterior e visível da regeneração” (2008, p. 361).
A conversão do homem tem efeito pela instrumentalidade da Palavra de Deus,
conforme expressa perfeitamente a Escritura. A Bíblia afirma de modo incontestável
que o Espírito Santo se vale da Palavra do Senhor para chamar os pecadores (Rm
10.7; 1Pe 1.23). Mais uma vez, neste ponto, há um perfeito alinhamento entre os pos-
tulados arminianos e reformados. Contudo, uma vez que o arminianismo defende
a faculdade do livre-arbítrio humano, ainda que viabilizado pela graça prevenien-
te, não preconiza a existência de uma vocação especial pela qual Deus chama
irresistivelmente os que quer. Ao contrário, a vocação é sempre geral, ofertada a
todos igualmente; e todos, igualmente, podem, no exercício de sua livre-vontade,
aquiescer ou rejeitar o chamado que lhes é ofertado.
A conclusão é que a conversão, no pensamento arminiano, decorre do livre
exercício de fé e de arrependimento verdadeiro expresso pelo homem. Mediante
sua fé e arrependimento, a regeneração é operada e o homem se converte a
Cristo.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 46


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo 8
q Ordo salutis - Fé e arrependimento

 Conceito reformado

 Escopo geral da doutrina da fé


A palavra “fé”, embora utilizada em diferentes acepções no Novo Testamento,
significa uma “disposição da alma para confiar [...]”, e se distingue da credulidade,
“porque aquilo em que a fé tem confiança é verdadeiro de fato, e, ainda que mui-
tas vezes transcenda a nossa razão, não lhe é contrária” (BUCKLAND, 2007, p. 223).
Assim, a fé denota muito menos uma “aquiescência intelectual” a determinado
corpo de dogmas do que a confiança pessoal em determinada pessoa ou verda-
de. Em relação ao que se chama de “fé cristã”, portanto, trata-se da confiança
pessoal na Pessoa de Cristo e, por extensão, em sua obra expiatória totalmente
capaz de remover os pecados e a culpa dos homens.
A fé, na ordo salutis reformada, é obviamente uma consequência da regene-
ração e a característica da conversão. Isso significa que uma pessoa não exerce a
fé para que sua conversão ocorra, antes, ela é convertida; e o que caracteriza sua
conversão é sua fé e seu arrependimento.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 47


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A posição da fé e do arrependimento na ordo reformada leva também à con-


clusão de que esses elementos são operados pela instrumentalidade da Palavra
de Deus. Já vimos que a conversão, pelas vias mais habituais, é operada (sempre)
pelo Espírito, que utiliza a Palavra como instrumento para efetuar a conversão no
coração do pecador. Ora, se a conversão é caracterizada pela fé e pelo arrepen-
dimento, é evidente que essas duas características da conversão sejam também
agenciadas pelo Espírito, através da Palavra. Por isso mesmo a Escritura diz que “a
fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus” (Rm 10.17). Logo, a fé, assim como o
arrependimento, é operada pelo Espírito, pela instrumentalidade da Palavra, con-
solidando a obra da conversão (previamente mencionada).

Diante do que se está expondo, podemos dizer que a fé, por ser uma resposta
consciente do homem à sua regeneração, o capacita a “se apropriar” da salva-
ção que lhe foi aplicada, de modo inédito em sua nova vida. Não significa que a
salvação tenha se iniciado com sua fé (já vimos a posição que a fé ocupa na ordo
salutis reformada) ou que sua fé tenha produzido sua salvação. Antes, significa que,
para o homem, a consciência sobre sua própria condição e a confiança em Cristo
para salvá-lo caracterizam o despertamento cognitivo que ilumina seus olhos pela
primeira vez acerca de sua salvação. Assim, o texto de Efésios 2.8 diz que a salva-
ção ocorre pela fé.

Para concluir, a fé salvadora traz diferentes aspectos em sua natureza. A fé


possui um certo elemento intelectual, pelo qual a pessoa compreende a mensa-
gem do Evangelho e a concebe intelectualmente. A fé também possui um aspecto
emocional, de modo que, pela atuação do Espírito Santo, o Evangelho e a Pessoa
de Cristo começam a verdadeiramente interessar o pecador, que passa a se ape-
gar às “coisas de cima” (Cl 3.1). E, finalmente, a fé é portadora de um elemento
grandemente importante, o elemento da volição, mediante o qual a pessoa, deli-
beradamente, deposita sua confiança em Cristo e passa a segui-lo.

 Escopo geral da doutrina do arrependimento

O arrependimento, por sua vez, “exprime uma mudança de ideias [conceitos


ou convicções] que se manifesta em uma mudança de vida e de propósitos. É a
palavra usada na pregação de Jesus (Mt 4.17), na pregação dos apóstolos (At 2.38;
5.31), nas Epístolas (Rm 2.4) e no Apocalipse (2.5)” (BUCKLAND, 2007, p. 59). Portan-
to, este arrependimento que é parte da aplicação da salvação difere do arrepen-
dimento como um mero sentimento de pesar. O arrependimento verdadeiro, que
conduz à santificação, não é uma simples contrição pelas consequências do erro;
mas uma mudança de orientação positiva, convicções e ideias antigas e carnais
para convicções e ideias trazidas pela visão regenerada (atuação do Espírito), me-
diante a perspectiva de Deus (tendo a Escritura como instrumento).

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 48


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Sintetizando, a fé e o arrependimento na ordo reformada são posteriores à


operação regenerativa do Espírito, e entram em cena no momento da conversão
do pecador, caracterizando esta conversão. Através do presente da fé, o pecador,
agora consciente de sua salvação, passa a confiar em Cristo para guiar sua vida
e conduzi-lo a Deus; e, através do arrependimento, passa a submeter suas antigas
formas de pensamento a Deus, permitindo-se mudar de conceitos, de atitudes e de
vida (Rm 12.2).

 Conceito arminiano
 Escopo geral da doutrina da fé
A definição de fé, para os descendentes teológicos de Armínio, não difere da
anteriormente exposta. A fé não é um mero assentimento intelectual à determina-
da informação ou postulado doutrinário, sendo, ao contrário, muito mais uma con-
fiança interior e pessoal. Concernentemente à fé cristã, ela implica no exercício da
confiança pessoal em Cristo e sua obra expiatória. A consequência desse fato é
que, quando a porção neotestamentária da Escritura menciona, de algum modo,
a fé salvadora, ela não se refere à adesão a normas, regras, doutrinas etc. (embo-
ra, obviamente, a fé seja operada pela Palavra como instrumento e esta possua um
corpo doutrinário), porém, designa a confiança, conforme já esclarecido.
Na ordo salutis arminiana, a fé ocupa um lugar de primazia em relação à rege-
neração e à conversão que, afinal, são duas facetas de um só movimento na or-
dem de salvação. Isso significa que a fé, bem como o arrependimento, precede à
conversão/regeneração na ordo. O homem, valendo-se de seu livre-arbítrio, exer-
ce a fé e se arrepende de seus erros diante de Deus e, assim, se converte a Cristo,
aderindo ao Evangelho.
Uma vez que a conversão é operada pela instrumentalidade da Palavra de
Deus, e a fé e o arrependimento antecedem a conversão, sendo pré-requisitos
para ela, é nítido que, no pensamento arminiano, a fé e o arrependimento também
sejam viabilizados por meio da Palavra. Mesmo que esses elementos antecedam a
conversão, é preciso lembrar que a ordo salutis pretende ser muito mais uma orga-
nização lógica do que cronológica dos movimentos ligados à aplicação da salva-
ção. Portanto, podemos sintetizar da seguinte maneira: o pecador, na faculdade
de sua livre-volição, quando tem contato com a mensagem do Evangelho (confor-
me registrada na Palavra), tem a oportunidade de exercer fé e se arrepender dian-
te de Deus. Se ele fizer isso, então é regenerado e convertido. Assim, diante do que
foi exposto, o sentido de Efésios 2.8 fica bastante claro: “a salvação vem pela fé”.
O homem passa à condição de salvo, sendo habitado pelo Espírito, após crer e se
arrepender. A regeneração e conversão vêm depois da fé e do arrependimento.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 49


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Para fins de conclusão, a fé, à semelhança de sua concepção segundo o


pensamento reformado, traz em sua natureza três aspectos ou elementos consti-
tuintes: o aspecto intelectual, envolvido na compreensão cognitiva da mensagem
do Evangelho; o aspecto emocional, ligado à atratividade que a Pessoa de Cristo
passa a exercer sobre o convertido; e o aspecto volitivo, relacionado à voluntária
apropriação da mensagem do Evangelho por parte do pecador.

 Escopo geral da doutrina do arrependimento


Por sua vez, o arrependimento é também abordado, trazendo a mesma defi-
nição previamente exposta na descrição do conceito reformado. Não se trata de
um pesar da alma pelo erro cometido ou pela experimentação das consequências
desse erro. Trata-se, antes, de uma mudança na orientação de ideias e conceitos,
de modo que uma pessoa não-convertida guia-se por princípios relativos à sua
mente carnal (Rm 8.5; Ef 2.3), alheia aos propósitos de Deus e ignorante quanto ao
que concerne às perspectivas espirituais da vida; enquanto uma pessoa convertida
orienta-se segundo princípios alheios à natureza pecaminosa, mas pertencentes à
nova natureza, a natureza regenerada (Rm 8.5; 12.2). Até aqui, o pensamento armi-
niano coincide plenamente com o calvinista.
Assim, não há diferença alguma entre o conceito arminiano e o reformado
sobre a definição mais ampla do arrependimento, exceto que, para o reformado,
o arrependimento é produzido positivamente pelo Espírito e o homem regenerado,
necessariamente, sujeitará sua consciência nessa operação. Na teologia arminia-
na, embora o Espírito esteja envolvido no arrependimento humano, cooperando
com o pecador, é do homem que parte, positivamente, a ação do arrependimen-
to. Em última análise, o homem pode não se arrepender e, assim, sofrer as conse-
quências da rebeldia.
Sumariamente, tanto a fé quanto o arrependimento, na teologia arminiana,
são pré-requisitos para a conversão. Ambos devem ocorrer para que o homem seja
regenerado e se converta; portanto, em uma ordenação lógica, ambos vêm antes
da conversão. A fé se caracteriza, no pecador, como a confiança na Pessoa de
Cristo e na sua obra substitutiva de expiação. O arrependimento proporciona uma
inversão drástica de valores e princípios norteadores de pensamento e de práxis,
configurando o ambiente espiritual necessário para que a regeneração ocorra.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo 9
q Ordo salutis - Justificação e santificação

 Conceito reformado

 Escopo geral da doutrina da justificação


Logo após a conversão do pecador, caracterizada pela fé salvadora e pelo
arrependimento, a justificação promovida pelo sacrifício de Cristo é aplicada pes-
soalmente ao convertido. Uma vez que a justificação já foi estudada como uma
das consequências da expiação vicária de Cristo, evitaremos repetições desneces-
sárias. Algumas observações, contudo, serão levantadas.
A primeira delas refere-se ao fator objetivo e subjetivo da justificação. Foi visto,
no Capítulo 4, que a expiação vicária de nosso Senhor possibilitou e garantiu a jus-
tificação de seu povo. Portanto, esse é o lado objetivo da justificação. O anúncio
de que somos irrepreensíveis aos olhos de Deus foi possibilitado já pela experiência
vicária da cruz de Cristo. No entanto, estamos tratando da maneira com que esse
benefício sacrificial é aplicado individualmente ao pecador, e nesse ponto pode-
mos falar em justificação subjetiva. O lado subjetivo da justificação, assim, refere-se
ao momento em que a declaração divina sobre o livramento da morte é efetiva-
mente aplicada ao homem e, a partir desse ponto, o homem pode dizer que está
justificado individualmente.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A aplicação da justificação ao pecador nos leva a este segundo importan-


te ponto: a fé, cronologicamente, precede a nossa justificação pessoal em Cristo
(BERKHOF, 2009, p. 480), de modo que a justificação (em seu sentido subjetivo) é
uma consequência da fé, da confiança na imputação dos méritos de Cristo a nós.
Assim, a Escritura diz que somos justificados pela fé (Rm 5.1). A teologia reformada
salienta também o fato de que a fé, por ser um presente, um dom de Deus, não
comprou ou operou nossa justificação pessoal, algo que implicaria em uma salva-
ção por obras, ainda que “obras de confiança”. Ao contrário, a fé é um presente
e, quando a recebemos, somos também justificados.

Uma terceira colocação a ser pontuada, e que se estende como consequência


do que foi dito, é o fato de que a fé nunca é a causa da justificação, ainda que a
preceda cronologicamente. A Bíblia diz claramente que a fé é o meio para a nossa
justificação, e não sua causa. Berkhof diz: “a fé é o instrumento pelo qual nos apropria-
mos de Cristo e sua justiça”, e esclarece que, apesar de a Palavra dizer que Abraão
recebeu justiça por causa de sua fé (Rm 4.3,9,22), “em vista da argumentação com-
pleta, isto certamente não pode significar que, no caso dele, a fé propriamente dita,
como obra, tomou o lugar da justiça de Deus em Cristo”, pois “[...] unicamente a
justiça de Cristo, a nós imputada, é a base da nossa justificação” (p. 480).

Assim, a justificação segue-se à fé na ordo reformada, e o pecador, pessoal-


mente, passa a ser justificado. Sendo justificado pela fé, o pecador dá início a uma
longa jornada de santificação, que perdurará por toda a sua vida.

 Escopo geral da doutrina da santificação

A santificação, segundo Berkhof, é a “graciosa e contínua operação do Es-


pírito Santo pela qual ele liberta o pecador justificado da corrupção do pecado,
renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas
obras” (p. 489). Essa feliz definição de Berkhof nos mostra que a santificação cristã
nada tem a ver com mudanças ou transformações exteriores, mas interiores. Não
se trata da adoção de uma série de regras e normas concernentes ao vestuário
ou à aparência do cristão. Também não se trata de repudiar expressões estéticas
puramente culturais, como o uso de piercings ou tatuagens, por exemplo; e nem
tampouco de assumir uma vida ascética, separada de outras pessoas e focada
em abstinências e tratamentos duros com o corpo (Cl 2.23). O que significa, en-
tão, santificação? Tal como diz a definição de Berkhof, a santificação denota,
principalmente, a mortificação das obras da carne (carne, na linguagem paulina,
traz o sentido de “natureza pecaminosa”) pelo poder do Espírito que age em nós.
Denota a contínua mortificação do velho homem (Rm 6.6; Gl 5.24), simultanea-
mente à vivificação do novo homem, criado em Cristo Jesus para as boas obras
(Ef 2.10).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Uma vez justificado por Deus, objetiva e subjetivamente, o pecador, completa-


mente livre pela graça divina, vê-se agora habilitado para as boas obras de uma
maneira radicalmente diferente: ele não precisa praticá-las para ganhar algo de
Deus; antes, pratica porque já ganhou. Isso tem um resultado impactante na práxis
cristã, pois o homem regenerado não teme mais o pecado, como se este pudesse
afastá-lo de Deus. Nada afasta o homem de Deus, tampouco o pecado, porque
Cristo já pagou o preço pelos pecados. Portanto, da parte humana, o ímpeto para
a santificação nunca é o medo, mas o amor ao Redentor (Jo 14.21).

Falando sobre a atuação do homem na obra de santificação, o pensamento


reformado sublinha que essa participação não subentende um fracionamento da
operação santificadora entre dois agentes, Deus e o homem. Há um só agente,
Deus (particularmente a Terceira Pessoa), que efetua esta obra “em parte pela ins-
trumentalidade do homem como ser racional, requerendo dele devota e inteligen-
te cooperação com o Espírito” (BERKHOF, 2009, p. 491), mas, “conquanto o homem
tenha o privilégio de cooperar com o Espírito de Deus, só pode fazê-lo em virtude
das forças que o Espírito lhe comunica dia após dia” (p. 492). Portanto, na santifi-
cação, o homem não é um dos agentes, visto que, no pensamento reformado, a
salvação é monergística em toda a sua extensão e aplicação. O homem é, antes,
um instrumento do Espírito, que opera nele tanto o querer como o realizar, segundo
sua vontade (Fp 2.13).

Na medida em que, na santificação, o Espírito faz do homem um instrumento


vetor de sua vontade, o homem responde conscientemente à obra do Espírito; e,
uma vez que se sucede dessa maneira, o Espírito emprega determinados meios
para levar a cabo sua obra santificadora no homem.

O primeiro desses meios é a Palavra de Deus, que é a principal ferramenta de


santificação utilizada pelo Espírito (1Pe 1.22; 2.2; 2Pe 1.4, observando o contex-
to atentamente). O segundo meio utilizado pelo Espírito para a santificação dos
cristãos são as ordenanças (batismo e ceia), conquanto sejam sempre acompa-
nhadas da Palavra de Deus. Tais sacramentos, em si mesmos, não são poderosos
para operar a santificação nos crentes, como crê o catolicismo romano (Rm 6.3;
1Co 12.13; Tt 3.5; 1Pe 3.21). E o terceiro elemento, do qual se vale o Consolador
para efetuar em nós a santificação, são as circunstâncias de nossa vida, propor-
cionadas por Deus para este fim. Novamente, as circunstâncias por si só não têm
poder santificador, mas, quando analisadas à luz da Palavra, funcionam como
verdadeiras ferramentas mediante as quais o Espírito trabalha em nosso caráter
(Sl 119.71; Rm 2.4; Hb 12.10). Vale acrescentar que, em maior ou menor medida,
todas essas ferramentas de Deus para nossa santificação pressupõem, de nossa
parte, uma participação coletiva, comunitária, na vivência cristã (Cl 1.3-12).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Finalmente, em uníssono, os reformados dizem que, nesta vida, jamais haverá


um estado de perfeita santidade para o homem (Fp 3.12; Rm 7). Apesar de de-
terminados ramos do protestantismo, particularmente os derivados do movimento
holiness , preconizarem a possibilidade de perfeição moral nessa vida, ou mesmo
“picos” desse estado, a teologia reformada insiste que a obra de santificação é
sempre progressiva (Fp 3.10-14), até a morte biológica do cristão, momento no qual
- aí sim - os santos são aperfeiçoados à semelhança de Cristo (Fp 3.21; Hb 12.23;
Ap 14.5; 21.27). Textos bíblicos que conclamam o homem à perfeição nesta vida,
no sentido de chamado à santidade (e.g. Mt 5.48), devem ser devidamente in-
terpretados pois, na Escritura, esse uso de “perfeição” equivale ao significado de
“maturidade”. Portanto, quando o Novo Testamento diz: “Sejam perfeitos”, está, na
verdade, dizendo: “Sejam maduros, amadureçam, prossigam na santificação”.

 Conceito arminiano

 Escopo geral da doutrina da justificação


A teologia arminiana também vislumbra um aspecto objetivo e um subjetivo na
justificação, pois também a reconhece tanto como uma consequência da expia-
ção vicária, algo já realizado, quanto como um passo seguinte na ordo salutis , logo
após a conversão. Desse modo, Deus efetuou uma grande e perfeita justificação
de seu povo mediante a obra da cruz de Cristo, com potencial para salvar cada
ser humano na Terra. Contudo, o pecador, individual e pessoalmente, se apropria
da justificação pelo exercício da fé em Cristo e em sua obra. Desse modo, o crente
pode dizer que foi salvo pela fé (Ef 2.8).
Confirmando o exposto, Donald C. Stamps, editor geral da Bíblia de Estudo
Pentecostal, diz:
Uma vez justificados diante de Deus, mediante a fé em Cristo, estamos cru-
cificados com Ele, o qual passa a habitar em nós (Gl 2.16-21). Através dessa
experiência, nos tornamos de fato justos e começamos a viver para Deus
(2.19-21). Essa obra transformadora de Cristo em nós, mediante o Espírito (c.f.
2 Ts 2.13; 1 Pe 1.2), não se pode separar de sua obra redentora a nosso favor.
A obra de Cristo e a do Espírito são de mútua dependência (2006, p. 1696).
O pensamento arminiano também enfatiza a natureza gratuita da justificação
e não vê a livre-agência do pecador em exercer sua fé em Jesus como um empeci-
lho ao caráter gracioso dessa operação salvífica. Colocando em outras palavras, o
fato de que o pecador pode, livremente, exercer sua confiança em Cristo e em sua
obra consumada não faz com que tal exercício se constitua em uma moeda capaz
de comprar a justificação para si. Com efeito, o viés é completamente o oposto.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 54


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Uma vez que Deus já foi mui misericordioso em proporcionar o livre-arbítrio para o
homem mediante sua graça preveniente, o fato do homem pôr em ação essa fa-
culdade não anula a gratuidade da justificação. O homem apenas e tão somente
se apropria dela, com a mão estendida.

 Escopo geral da doutrina da santificação


A definição de santificação, nos termos do pensamento arminiano, não difere
muito da definição reformada para a mesma. Trata-se de uma obra de Deus, ope-
rada sobretudo pelo Espírito Santo no cristão regenerado, pela qual o salvo abs-
tém-se de praticar o que é mau aos olhos do Senhor e procura continuamente fazer
o que agrada a Deus, algo que, aos poucos, restaura no salvo a imagem daquele.
As principais diferenças relativas ao conceito calvinista residem na afirmação da
agência dessa operação, mas isto veremos em alguns instantes.
Uma vez que o pensamento arminiano, tal qual o calvinista, posiciona a santi-
ficação após a conversão na ordo salutis ; é possível concluirmos que os processos
santificadores, operados no crente e com a sua participação, não são resultantes
do medo de se perder a graça salvífica, embora essa seja uma possibilidade na
teologia de Armínio. Em outras palavras, a santificação do crente (sua renúncia
voluntária às obras da carne e a busca impetuosa pelo fruto do Evangelho) nunca
se dá para fins de aquisição de um relacionamento com Deus, visto que tal relacio-
namento já existe. Lado a lado com o pensamento calvinista, o arminiano busca
santificar-se por amor a Deus. Uma vez que o amor pessoal a Cristo pressupõe um
relacionamento com ele, a santificação não visa adquirir o relacionamento com a
Divindade, mas é uma consequência deste relacionamento.
Uma diferença neste ponto, contudo, precisa ser destacada: visto que, para a
teologia arminiana, a graça salvadora pode ser perdida (ainda que em condições
mui restritas), a santificação do regenerado, embora não compre um relaciona-
mento com Deus, dá ensejo à glorificação final. Como um ponto de divergência
em relação ao calvinismo, que apregoa a santificação como irresistível, o arminia-
nismo não a entende dessa forma, de modo que o cristão se faz coparticipante de
sua glorificação final, o derradeiro estágio da ordo. Ambos os sistemas, todavia,
afirmam a absoluta necessidade da santificação para que ocorra a glorificação
final do crente. O calvinismo postula sua necessidade, mesmo que seja irresistível; o
arminianismo postula sua necessidade, sendo ela resistível.
Quanto aos agentes envolvidos na obra da santificação, o arminiano, confor-
me antecipamos, concebe o assunto de modo diferente do reformado. A santifica-
ção é uma operação efetuada por dois agentes: Deus, na pessoa do Espírito (como
agente primário); e o homem (como agente secundário). Assim, apesar de ser re-
conhecido o poder santificador do Espírito e glorificada a grandiosa obra expia-
tória de Cristo, o homem precisa participar de sua santificação como um ­agente,

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 55


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

para que dê cabo à sua salvação. Se um cristão verdadeiramente salvo negligen-


ciar essa etapa da ordo, perderá sua salvação. Alguns textos bíblicos recrutados
pela teologia arminiana para o apoio deste ponto de vista são: Hebreus 3.14,15;
6.4-6; Mateus 24.13; entre outros.
A santificação do cristão é operada mediante determinadas ferramentas, em-
pregadas e agenciadas tanto pelo Espírito quanto pelo homem. As ferramentas,
segundo Antônio Gilberto, são (I) a correção divina (Hb 12.10,11); a Palavra de
Deus, quando devidamente lida, crida e estudada (Sl 119.9,11; Jo 15.3; 17.17; Ef
5.26); o cultivo da paz de Deus em nós (Hb 12.14; 1Ts 5.23a); e, finalmente, a fé (Rm
4; Hb 11.33; 2Ts 2.13b; At 15.9; 26.18) (2008, p.365). E, apesar dos instrumentos de
santificação serem estes mesmos, é evidente que o convertido também precisa
desenvolver sua espiritualidade comunitariamente, valendo-se destes instrumentos
entre os irmãos na fé.
Para concluir, o último ponto a ser observado é que determinados ramos do
protestantismo arminiano defendem a ideia de que, ainda nesta existência, o cris-
tão pode experimentar um grau de maturidade tal que a sua santificação se torna
completa. Esta ideia foi inaugurada pelo teólogo arminiano John Wesley (1703 -
1791) e foi por ele postulada como doutrina, a qual denominou “perfeição cristã”.
Embora o próprio Wesley não tenha estruturado completamente nem definido com
rigor esse pensamento, ele estava plenamente cônscio de que a perfeição cristã
não significava perfeição absoluta, no sentido de que o cristão, nesta existência,
alcança um estado de perfeição ontológica, semelhante à perfeição divina. Ele
definia sua perfeição cristã mais em termos negativos (mostrando o que ela não
significava) do que em termos positivos (explicando o que ela significava).
Contudo, algumas denominações herdeiras do ensino wesleyano, logo após a
morte desse importante pregador, começaram a redefinir a doutrina da perfeição
cristã, uma vez que o próprio John Wesley não se havia mostrado totalmente coe-
rente sobre ela e nunca a definira adequadamente. Estas denominações, em suma,
se afastaram do ensino bíblico sobre uma santificação progressiva e defenderam
a ideia de que a santificação plena pode ser alcançada instantaneamente, ainda
nesta vida, de modo que o cristão que conseguisse isto seria capaz de viver nesta
existência sem pecar. Esta doutrina é também conhecida como a do “perfeccionis-
mo cristão”. M. James Sawyer, Ph.D. pelo Seminário Teológico de Dallas, diz:
Os metodistas livres e outros grupos holiness tendiam para o que Wesley deno-
minou “perfeccionismo forçado”. Como uma reação contra o “mundanismo”,
as denominações holiness desenvolveram padrões para os membros da igreja
que definiam normas para uma vida santa. Dessa forma, o movimento de san-
tidade pendeu para o legalismo e para uma absolutização de convenções
culturais, definindo a santidade em termos de atividades e de abstinência de
atividades, e não de perfeito amor, como entendia Wesley (2009, pg. 390).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Por isso, podemos asseverar que não é exatamente a teologia arminiana que
defende a doutrina da perfeição cristã ou a da perfeita santidade; a teologia que
o faz é a que podemos chamar de teologia armínio-wesleyana.
Tanto a doutrina da perfeição cristã, conforme - parcialmente - concebida por
John Wesley, quanto a doutrina da santificação plena ou perfeita santidade, con-
cebida por ramificações posteriores do movimento holiness, estão equivocadas à
luz da Bíblia. Todo o testemunho escriturístico nos mostra claramente que a santifi-
cação é progressiva até a glorificação final do salvo e, em momento algum, abre
a possibilidade para a concepção de um “estágio mais elevado” de santidade ou
de pureza experimentado por nós enquanto não morrermos biologicamente ou for-
mos transformados na segunda vinda de nosso Senhor. Até lá, haverá uma guerra
sem tréguas entre a carne e o Espírito (Rm 7.19,20; 8.6; Gl 5.17). Nesta guerra, mui-
tas vitórias poderão ser experimentadas, assim como, certamente, haverá algumas
derrotas. Em casos extremos, como veremos no próximo capítulo, o arminianismo
entende que alguns cristãos verdadeiramente salvos poderão se perder. Mas são
casos específicos, não caracterizados por singulares derrotas para o pecado ou
para a tentação. Antes, estamos conscientes de que aquele que começou a boa
obra em nós a aperfeiçoará até o Dia de Cristo Jesus (Fp 1.6), e nesta certeza des-
cansamos.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Capítulo 10
q Ordo salutis - Perseverança dos santos e glorificação

 Conceito reformado

 Escopo geral da doutrina da perseverança


O pensamento reformado entende que aqueles que foram verdadeiramente
salvos jamais cairão de seu estado de graça, pois são sustentados pelo poder e
favor de Deus, que os propôs inicialmente para a salvação. Tal assertiva repousa
sobre importantes argumentos: (I) A doutrina da eleição, pela qual conclui-se que
Deus elegeu pessoas para a salvação; (II) a doutrina da expiação vicária, pela
qual afirma-se que Cristo morreu em lugar dos eleitos; (III) a intercessão ininterrupta
e eficaz de Cristo em favor de seu povo; (IV) a habitação do Espírito no crente e,
finalmente; (V) as abundantes declarações bíblicas de que os que foram verdadei-
ramente salvos serão glorificados ao final de suas carreiras cristãs. É óbvio que esta
é uma generalização bastante rasa do conceito calvinista da perseverança dos
salvos, contudo, é suficiente para os propósitos deste material. De modo sucinto,
vejamos a concepção reformada sobre a perseverança a partir dos argumentos
apresentados.
A doutrina da eleição, já vista anteriormente, diz que aqueles que foram elei-
tos o foram para um fim específico, a salvação, bem como mediante um funda-
mento específico, que é o decreto amoroso de Deus. Segue-se que a salvação de
uma pessoa teve início na eternidade, e não depende de causas secundárias ou
da contingência na ordem criada, mas depende de Deus, pois se iniciou com um
decreto dele. Ademais, a eleição divina não decreta as pessoas para sua conver-
são (que é apenas um dos degraus na ordo salutis), mas para a salvação, em cujo
escopo está contida a glorificação do salvo. Assim, a eleição divina garante não
somente que a pessoa despertará de sua morte espiritual, mas também que será
cabalmente salva e livre da corrupção. Por isso, a doutrina da eleição está ligada
indissoluvelmente à doutrina da perseverança, e a comprova.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 58


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

A doutrina da expiação vicária também traz fundamento à da perseverança.


Ora, Cristo morreu em lugar dos eleitos. A profundidade desta doutrina também já
foi estabelecida, mas cabe-nos lembrar que, se Cristo morreu pelos salvos, então os
salvos já tiveram todos os seus pecados perdoados e, mais do que isso, em união
mística com Cristo, já ressuscitaram e recebem todas as bênçãos nos lugares celes-
tes (Ef 1.3). Não há nada que possa afastar o crente verdadeiro de Deus. O fato de
que os salvos já foram perdoados na obra expiatória de Cristo garante sua perse-
verança: em momento algum eles poderão perder um dom que foi decretado por
Deus na eternidade e consumado por Cristo em sua obra na cruz.

A intercessão de Cristo em favor dos seus também é, por si só, garantia de que
os salvos perseverarão. A Escritura diz que Cristo intercede em favor daqueles por
quem padeceu a ira divina (Hb 7.25), e ressalta que a oração de Cristo é eficaz
(Jo 11.42).

A habitação do Espírito no cristão foi também estudada previamente na ma-


téria doutrina do Espírito. Sabemos, assim, que a habitação do Espírito no pecador
o sela para seu resgate final (glorificação), e que o Espírito, como penhor, garan-
te que este resgate irá ocorrer. Igualmente, a habitação do Espírito na pessoa a
desenvolve na santificação e nas demais operações que culminam, por fim, na
salvação final.

Finalmente, argumenta-se sobre a abundância das declarações escriturísticas


que comprovam a perseverança dos verdadeiros salvos, afirmando a segurança
deles na salvação em Cristo. Textos como Hebreus 3.14, 6.11, 10.22, 2 Pedro 1.10,
entre outros, afirmam esta segurança e descartam qualquer possibilidade de perda
da salvação, a partir da qual não poderia haver nenhuma segurança objetiva para
os crentes.

É claro que existem algumas objeções à doutrina da perseverança. Afirma-se


que, se os salvos serão glorificados invariavelmente ao final, então podem viver uma
vida dissoluta e pecaminosa; afirma-se também que a doutrina da perseverança
ecoa o fatalismo; e diz-se que há vários textos na Escritura que narram crentes cain-
do de seu estado de graça. Todas estas objeções, porém, se deparam com contra-
argumentos do pensamento reformado. A partir deste ponto, há muitas divergências
entre essas duas correntes da teologia cristã. Nosso propósito, porém, não é ressaltar
as diferenças, mas tão somente expor a estrutura fundamental dessas doutrinas.

 Escopo geral da doutrina da glorificação

A doutrina da glorificação, por não encontrar divergência entre as teologias


reformada e arminiana, será apresentada em um só tópico, logo adiante.

MATERIAL EXCLUSIVO PARA ALUNOS 59


13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

 Conceito arminiano
 Escopo geral da doutrina da perseverança
Logo após a conversão do pecador, da justificação promovida pelo sacrifício
de Cristo e da obra santificadora no cristão, chega-se à discussão sobre a perse-
verança dos santos na fé que receberam. Neste ponto, o pensamento arminiano
afirma que os que foram verdadeiramente salvos podem decair de seu estado de
graça e, mediante apostasia, afastarem-se voluntariamente de Deus e perderem
sua salvação.
Todos os argumentos empregados no arminianismo para afirmar a possibilidade
de se perder a salvação são derivados, em última análise, do (I) livre-arbítrio huma-
no; (II) da natureza sinergística da obra salvadora subjetiva; e (III) de declarações
bíblicas que expressam o caráter volátil da salvação (não por qualquer ineficiência
de Deus, obviamente, mas pela fragilidade e corrupção humanas).
Antes de expandirmos estes argumentos sobre a perseverança dos santos no
conceito arminiano, precisa-se fazer jus a esta teologia e desmistificar algumas
ideias que o cristianismo popular formula em torno dela. Primeiramente, ao contrá-
rio do pensamento arminiano caricaturizado por muitos grupos, a salvação de um
cristão não é tão frágil quanto se pensa. Embora o arminianismo entenda como real
a possibilidade de se cair da graça, afirma simultaneamente as diversas razões pe-
las quais o salvo pode sentir-se seguro em sua união com Cristo. Nenhum arminiano
ignora as poderosas atuações do Espírito em prol do cristão, tampouco o magnífico
ministério sacerdotal de Cristo, pelo qual os crentes são continuamente apresenta-
dos a Deus em oração intercessora eficaz. Em segundo, o entendimento arminiano
não diz que os pecados individuais do cristão podem fazê-lo perder sua salvação.
Essa tradicional teologia entende perfeitamente a qualidade da obra expiatória
de nosso Senhor e defende seus efeitos para os que nele confiam. A assertiva armi-
niana sobre a possibilidade de um salvo decair de seu estado de favor divino não
se justifica na existência dos pecados pessoais do cristão, mas no fato de que ele
pode - após uma larga, contínua e resoluta negligência para com os apelos do
Espírito - se afastar de Deus e cometer uma apostasia irreversível. Portanto, vale
sublinhar: o arminianismo não intenta fragilizar a expiação vicária de Cristo nem a
aplicação dessa obra expiatória ao pecador pelo Espírito.
Retiradas as marcas falsas impostas inadvertidamente à teologia arminiana,
podemos retornar aos pontos descritos anteriormente, em virtude dos quais se crê
que a salvação pode ser perdida.
Em primeiro lugar, o homem é um ser livre e, da mesma forma como livremente
aceitou a Cristo e foi salvo, pode renunciar a Cristo e perder a vida eterna. Antônio
Gilberto afirma que “um cristão salvo pode vir a se perder; pode, sim, desviar-se,

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cair em pecado e perecer, caso não se arrependa ante a insistência do Espírito


Santo (Ez 18.24; 33.18; Hb 3.12-14; 5.9; 1Tm 4.1; 5.15 [...])” (2008, p. 371).

Em segundo, enquanto para o calvinista a obra salvadora é monergista do iní-


cio ao fim, para o arminiano a mesma obra, em sua aplicação subjetiva, é sinergista
(requer cooperação do homem). Ora, se há sinergismo na aplicação da salvação
e o sinergismo subentende participação conjunta, é lógico que, se o homem não
fizer sua parte nesse processo, ele eventualmente irá se perder.

Em terceiro, há declarações da Escritura que dão margem a interpretações


nesse sentido. O texto de Deuteronômio 30.19 diz: “Os céus e a terra tomo, hoje,
por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição;
escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência”. Também, o texto
de 1 Coríntios 10.12 diz: “Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia”.
E há, além destes e entre tantos outros, o texto de João 15.6, que diz: “Se alguém
não permanecer em mim, será lançado fora [...]”.

Portanto, sintetizando o conceito arminiano quanto à perseverança dos salvos,


Antônio Gilberto assevera: “O crente está seguro em sua salvação enquanto per-
manecer em Cristo (Jo 15.1-6). Não há segurança fora de Jesus e de seu aprisco”
(2008, p. 373).

 Escopo geral da doutrina da glorificação

A doutrina da glorificação, por não encontrar divergência entre as teologias


reformada e arminiana, será apresentada em um só tópico, logo adiante.

 Conceitos reformado e arminiano sobre a doutrina da glorificação


 Escopo geral da doutrina da glorificação

Finalmente, após a santificação (que equivale à perseverança, ambas coinci-


dindo em sua natureza e ocorrendo simultaneamente), o cristão, ao morrer biologi-
camente, tem sua alma/espírito unidos a Cristo na glória celeste, enquanto espera
pela ressurreição e redenção de seu corpo físico. Uma abordagem mais detalhada
sobre o estado futuro dos crentes após sua morte biológica é pauta da escatologia,
a doutrina das últimas coisas. Porém, é sabido que a redenção efetuada por Cristo
é uma redenção completa, que visa o ser humano em sua integralidade. Sendo o
homem um ente constituído por um elemento material (corpo) e um imaterial (alma/
espírito), conclui-se que uma redenção perfeita do ser humano deve abranger tam-
bém a redenção de seu corpo, e não só a remissão de alma/espírito. É neste ponto
que se aplica o que a Escritura chama de “glorificação dos santos” (Rm 8.30).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Glorificar significa tornar algo glorioso, ceder honra, exaltar algo. Quando este
termo se aplica aos salvos, portanto, denota a condução final dos crentes ao esta-
do de exaltação, quando suas almas já glorificadas e livres de corrupção encon-
trarão seus corpos; e estes, estando já novos, glorificados e incorruptíveis. Dessa
forma, a glorificação dos santos corresponde à transformação final e perfeita pela
qual passarão, e equivale à aplicação final da redenção divina para o homem.
A Escritura não disserta com detalhes exaustivos sobre a natureza da glorificação
como elo final da ordo salutis . Mesmo assim, algumas informações cruciais nos são
fornecidas, a fim de que desfrutemos do abundante conforto que essa doutrina
proporciona.
Partindo das principais passagens bíblicas que falam sobre o assunto e sinte-
tizando seus ensinamentos, podemos estabelecer os principais elementos da dou-
trina da glorificação. Em primeiro lugar, pode-se dizer que há um estágio inicial da
glorificação, que parte do momento em que a alma/espírito dos salvos são rece-
bidos no céu, logo após se separarem de seus corpos na morte destes (Lc 23.43;
2Co 5.8). Ao retornar para Deus, em estado de total consciência e felicidade (Fp
1.23; Ap 7.15-17), a alma dos justos é plenamente aperfeiçoada em santidade (Hb
12.23; Ap 14.5) e passa a contemplar, sem o obstáculo ofuscante do pecado, a
face de Deus (Fp 1.23; 1Co 13.12). Mas, nesse ínterim, a glorificação dos santos
ainda não está completa, pois esperam pelo momento em que suas almas/es-
píritos retornam aos seus corpos (Rm 8.23,24), estes, porém, estando igualmente
glorificados.
Em segundo, a Bíblia diz que os corpos dos salvos são ressuscitados em glória
(1Co 15.42,43). É difícil saber com precisão o que significa “ser ressuscitado em
glória”, mas é provável que este termo conflagre tudo o que está envolvido no
conceito da glorificação, porém, aplicado ao corpo ressurreto do crente. Ou seja,
provavelmente o termo “em glória” represente um antônimo a todo o tipo de cor-
rupção proporcionada pelo pecado. Ademais, este fato é apoiado pelo raciocínio
de que fomos feitos à imagem de Deus e, antes da Queda, esta imagem era per-
feita. Com o advento do pecado, a imagem de Deus no homem tornou-se obscura
e opaca, mas a ressurreição trará novamente aquela imagem perfeita (Fp 3.21).
Assim, a “glória” do corpo ressuscitado pode ser contrastada com todo o pacote
de consequências para a pessoa trazido pelo pecado e, em última análise, com o
pecado em si. Acrescenta-se a isso a oposição explícita feita por Paulo na própria
passagem de 1 Coríntios 15.42,43: “glória” versus “desonra”. A “desonra” comporta
a corrupção, a morte, o medo, a vergonha, a ofensa, a não-beleza, a imoralidade,
a imperfeição, e todos os efeitos devastadores do pecado que mancham a ima-
gem de Deus no homem. Quando os corpos dos salvos, portanto, ressuscitarem em
glória, significa que seu corpo será perfeito e incorruptível, digno de ser chamado
“imagem de Deus”.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

Em terceiro lugar, os glorificados se veem eterna e totalmente livres da presen-


ça do pecado e de quaisquer de seus efeitos ou consequências. O corpo ressur-
reto dos salvos será “incorruptível” (1Co 15.42). Embora a incorruptibilidade esteja
pressuposta na glória que os novos corpos trarão (conforme descrevemos), ela,
especificamente, denota a ausência de doenças, sejam estas mentais, emocio-
nais, físicas, psicológicas, entre outras. A ausência de morte, inabilidades e defeitos
também faz parte dos benefícios da incorruptibilidade. Enfim, o corpo incorruptível
é um corpo perfeito. E esta perfeição durará por toda a eternidade.
Em quarto, a Escritura afirma que os corpos dos salvos serão ressuscitados em
poder (1Co 15.43). Muito pode estar implícito no “poder” que caracteriza os corpos
glorificados, mas o contraste que Paulo faz com “fraqueza” em 1 Coríntios 15.43 indi-
ca que os novos “tabernáculos” que os salvos receberão terão força suficiente para
executar qualquer tarefa necessária, e jamais serão acometidos por cansaço ou
fadiga. Em última instância, os corpos glorificados serão cem por cento funcionais.
Quinto, a Escritura diz que o corpo glorificado que os salvos receberão é um
corpo “espiritual” (1Co 15.44). E o que significa isto? A resposta precisa ser buscada
no vocabulário de Paulo em suas diversas epístolas. Para o apóstolo, o “espiritual”
é o que se encontra sob a influência e direção do Espírito Santo, de modo que as
atitudes e qualidades resultantes do homem espiritual refletem poderosamente a
moral e as qualidades que o próprio Espírito detém (Rm 1.11; 7.14; 1Co 2.13-15; Gl
6.1; Ef 5.19). Assim, o corpo espiritual com que os salvos irão ressuscitar não é um
corpo imaterial, mas um corpo (juntamente com a alma/espírito, vale sublinhar)
cujas ações e qualidades serão, para sempre, totalmente ligadas aos propósitos
santos e bondosos de Deus; será um corpo que jamais penderá novamente para a
desobediência.
Por fim, a glorificação é a providência final de Deus na cadeia de eventos e
operações por meio das quais ele salva pecadores. Com a glorificação daqueles
que lhe pertencem, o Senhor restaura cabalmente no homem a imagem de Deus
embotada pelos efeitos da Queda. O resultado do pecado é a corrupção no ser
humano em sua constituição integral. O resultado da glorificação é, como o pró-
prio nome indica, a glória; a glória de Deus como reflexo impresso na humanidade
(Fp 3.20,21). No Éden, o homem prejudica a imago Dei que carrega e, na glorifica-
ção, a graça de Deus a restaura para sua própria glória: “Nele, digo, no qual fomos
também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas
as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua
glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo” (Ef 1.11,12).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

q Conclusão

A doutrina da salvação é a principal estrutura doutrinal do cristianismo. As


razões para a termos em alta consideração já foram delineadas nesta ma-
téria, contudo, destaca-se o fato de tal disciplina tratar precisamente da operação
de Deus mediante a qual o ser humano encontra significado para sua vida.
Sabemos que fomos criados por Deus, que fomos criados para adorá-lo, refletir
sua glória e manter íntima comunhão com o Criador, na dependência dele. O sal-
mo 42 diz em seus dois primeiros versos: “Como suspira a corsa pelas correntes das
águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma”. Esta exclamação dos filhos de
Corá ilustra perfeitamente a necessidade intrínseca do ser humano em relacionar-
se com Deus, e a doutrina da salvação não se propõe a outro objetivo senão o
de delinear, conforme a Santa Escritura, o que significa a salvação, no que ela
consiste, como ela ocorre e como obtê-la. Em suma, a doutrina da salvação, se
devidamente amparada no total da revelação bíblica, aponta ao homem o ca-
minho para seu maior tesouro, mostra ao ser humano a trilha para as “correntes de
águas”, e culmina em Cristo, que apresenta a si mesmo como a fonte eterna de
“água”, vida, satisfação e significado (Jo 6.35).
Assim, apreendamos a doutrina da salvação e ampliemos nossa consciência
do Evangelho. Esforcemo-nos para pregar a mensagem salvadora da cruz e da
ressurreição com responsabilidade e coerência para com a revelação especial de
Deus. Por fim, lutemos para purificar nosso próprio conceito acerca dessa magnífica
dádiva divina que encontra sentido e realidade somente em Cristo, o eterno Filho
de Deus, afinal “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

q Apêndice A - Ordo Salutis Reformada


Monergista: Do início ao fim, a obra de salvação é operada unicamente por
Deus.

Deus elegeu, na eternidade, indivíduos para serem salvos


mediante a obra de Cristo. Esses que foram eleitos são pre-
ELEIÇÃO E PREDESTINAÇÃO destinados para a salvação e, sendo predestinados, alcan-
çam, invariavelmente, a glorificação final. A eleição e a
predestinação são baseadas no bom desígnio de Deus.

Aos que Deus elegeu e predestinou, ele envia seu Espírito, a fim
de implantar neles o princípio da nova vida, fazendo-os nascer
REGENERAÇÃO
de novo para que possam responder ao chamado do Evangelho
e gozar de todas as outras bênçãos da aplicação da salvação.

Os que foram predestinados e regenerados são


VOCAÇÃO também, no tempo determinado, chamados pelo
EFICAZ Espírito Santo pela instrumentalidade da Palavra de
Deus. Este chamado resulta em sua conversão.

Os que foram regenerados e eficazmente chamados são


CONVERSÃO
também convertidos, expressando fé e arrependimento,
(Fé e arrependimento) dons recebidos de Deus.

Os que foram convertidos mediante a fé e o arrependimento


são também declarados justos por Deus e não têm mais seus
JUSTIFICAÇÃO pecados imputados a si mesmos. Essa justificação é subjetiva,
em contraste à objetividade da justificação operada no even-
to histórico da paixão de Cristo.

Os que Deus elegeu e predestinou são também santificados,


crescendo no verdadeiro conhecimento e retidão, e tendo
em si mesmos a imagem de Cristo, a qual é paulatinamente
SANTIFICAÇÃO
edificada enquanto a natureza pecaminosa é mortificada.
E PERSEVERANÇA Eles perseveram na fé salvadora não por causa dos seus es-
forços, mas devido à eficácia da obra do Espírito em suas
vidas e à imutabilidade do decreto eletivo de Deus.

Os eleitos de Deus são finalmente glorificados. O primeiro es-


tágio da glorificação dá-se logo após a morte biológica do
GLORIFICAÇÃO salvo, mas a glorificação só é completa quando as almas dos
santos se unem novamente aos seus corpos, então novos, res-
surretos e glorificados.

*Os movimentos destacados por retângulos de maior espessura são os que contam
para fins de avaliação e, juntos, resumem a natureza desta ordo salutis ; não signifca, porém,
que os outros movimentos, grafados em retângulos de menor espessura, não perfaçam a
estrutura essencial desta ordem de salvação.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

q Apêndice B - Ordo Salutis Arminiana


Sinergista: Do início ao fim, a obra subjetiva de salvação é operada pela co-
operação de Deus com o homem.

Na eternidade, Deus elegeu um povo para ser salvo sem ter em mente
ELEIÇÃO indivíduos específicos, mas qualquer pessoa que manifestar fé.

Mediante a instrumentalidade da Palavra, os pecadores podem exercer fé


VOCAÇÃO e arrependimento. Caso exerçam, são então regenerados/convertidos.

O homem, capacitado pela graça preveniente, no exercício


de seu livre-arbítrio, expressa fé em Cristo e em sua obra, arre-
FÉ E ARREPENDIMENTO pendendo-se de seus pecados. A fé e o arrependimento ver-
dadeiros operam a regeneração e a conversão na pessoa.
Tendo crido no Evangelho e se arrependido dos seus peca-
dos, o homem é regenerado pelo Espírito Santo, momento
REGENERAÇÃO
no qual este passa a habitar naquele. A regeneração im-
E CONVERSÃO planta no homem o princípio da nova vida, e seu aspecto
consciente identifica-se com a conversão.
Tendo crido no Evangelho, se arrependido de seus peca-
dos e sido regenerado/convertido, o pecador se insere no
ELEIÇÃO grupo eleito - a Igreja. Este pode ser, então, chamado de
E PREDESTINAÇÃO eleito, mas não em decorrência de um decreto divino que
o contemplou individualmente, mas porque exerceu fé e
arrependimento, tendo então se convertido ao Senhor.
Os que são regenerados/convertidos são também declarados
justos por Deus e não têm mais seus pecados imputados a si mes-
JUSTIFICAÇÃO
mos. Essa justificação é subjetiva, em contraste à objetividade da
justificação operada no evento histórico da paixão de Cristo.
Os que são justificados operam, com o auxílio do Espírito Santo, sua
santificação, crescendo no verdadeiro conhecimento e em retidão, e
tendo em si mesmos a imagem de Cristo, a qual é paulatinamente edi-
SANTIFICAÇÃO
ficada enquanto a natureza pecaminosa é mortificada. Sua perseve-
E PERSEVERANÇA rança na fé não é certa, e depende do esforço pessoal além da graça
do Espírito. A bênção da salvação pode ser perdida, mas não antes de
uma densa negligência do convertido em relação à sua santificação.
Os que perseverarem até o fim são finalmente glorificados. O primeiro
estágio da glorificação dá-se logo após a morte biológica do salvo,
GLORIFICAÇÃO mas a glorificação só é completa quando as almas dos santos se unem
novamente aos seus corpos, então novos, ressurretos e glorificados.

*Os movimentos destacados por retângulos de maior espessura são os que contam
para fins de avaliação e, juntos, resumem a natureza desta ordo salutis ; mas não signifca,
porém, que os outros movimentos, grafados em retângulos de menor espessura, não perfa-
çam a estrutura essencial desta ordem de salvação.

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13 DOUTRINA DA SALVAÇÃO

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