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Didática,

epistemologia,
especificidades e
pressupostos

Valdirene Pereira Costa

Licenciatura em Pedagogia EaD

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INTRODUÇÃO E OBJETIVOS (Unidade I)
Nesta Unidade I, estudaremos o conceito de didática, bem como suas
especificidades e alguns de seus pressupostos históricos. A pergunta norteadora
dessa primeira unidade é: O que é a didática?
Penso que a primeira coisa a se fazer ao trabalhar com a questão da didática,
é situar a instituição escola. Para Saviani (2003), a escola é local de socialização do
saber no sentido de humanização do homem. Para o autor, educar não é apenas
educar sujeitos para a sociedade, mas sim sujeitos conscientes que possam
transformá-la.
Ao pensar na escola, é preciso compreender, também, que ela é permeada
pelas diversas tendências pedagógicas que fazem parte do contexto histórico
educacional. Por isso, mais à frente, estudaremos alguns dos principais teóricos que
escreveram sobre essas tendências pedagógicas.
O principal objetivo desta unidade, é que você compreenda o conceito de
didática e perceba que há várias abordagens que abrangem o processo de ensino-
aprendizagem.
Que abordagens são essas?
Vamos lá?

Lembrem-se que o texto a seguir tem o objetivo de nortear o estudo de vocês,


mas não deve ser considerado como a única fonte de informação. Pesquisem outras
fontes, busquem outros textos, ampliem o olhar de vocês sobre o assunto.

1.1 CONCEITO DE DIDÁTICA

Antes de estudarmos o conceito de didática, convido-os para compreenderem


bem o conceito e sentido da “Educação”:
1. Ato ou processo de educar (-se).
2. Processo que visa ao desenvolvimento físico, intelectual e moral do ser
humano, através da aplicação de métodos próprios, com o intuito de
assegurar-lhe a integração social e a formação da cidadania.
3. Conjunto de métodos próprios a fim de assegurar a instrução e a
formação do indivíduo; ensino.
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4. Conhecimento, aptidão e desenvolvimento em consequência desse
processo; formação, preparo.
5. Nível ou tipo específico de ensino.
6. Desenvolvimento sistemático de uma faculdade, um sentido ou um órgão.
7. Conhecimento e prática de boas maneiras no convívio social; civilidade,
polidez.
8. Adestramento de animais.
9. Prática de cultivar e aclimatar plantas.

(Fonte: Dicionário Michaelis. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-


portugues/busca/portugues-brasileiro/educa%C3%A7%C3%A3o/ Acesso em 04 jan. 2023).

Após refletir sobre o conceito de educação, considero importante a


compreensão de que educação é dividida em dois sentidos:
 Social: ideia de que educação é algo externo concedido a alguém.
 Transmissão de conhecimentos, normas, valores, crenças, usos e
costumes aceitos pelo grupo social.
 Educação vem do latim EDUCARE – no sentido de alimentar, criar.
 Sob essa visão, surge a escola.
 Individual: refere-se ao desenvolvimento e aptidões de cada indivíduo,
visando o aprimoramento de sua personalidade.
 Aqui, EDUCARE no sentido de “fazer sair”, “conduzir para fora”,
“estimular”, “liberar forças”
 Aspecto formativo.
Assim, educação concilia interesses (sociais e individuais), numa concepção
de que a educação centrada no indivíduo concilia interesses básicos de ordem social.
contempla o (ação deliberada e organizada para

orientar a aprendizagem dos educandos). Aqui entra a , como área

responsável pelo estudo e reflexão sobre a teoria da Educação e é nesse sentido que
se localiza a , como a teoria e a prática da instrução e do ensino (HAYDT,

2006).
Portanto, didática está muito ligada à questão da aprendizagem. Veremos que,
inclusive, seu objeto de estudo é o próprio processo de ensino-aprendizagem e nosso
foco aqui é trazer à tona o conceito de didática.

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A Pedagogia é o estudo sistemático da educação. É a reflexão sobre
as doutrinas e os sistemas de educação. A Didática é uma seção ou
ramo específico da Pedagogia e se refere aos conteúdos do ensino e
aos processos próprios para a construção de conhecimentos.
Enquanto a Pedagogia pode ser conceituada como a ciência e a arte
da educação, a Didática é definida como a ciência e a arte do ensino
(HAYDT, 1997, p. 13, grifos nossos).

Resumindo:
 Pedagogia: arte e ciência da educação.
 Didática: ciência e arte do ensino.

Ressalta-se que a palavra “didática” é uma palavra moderna e se refere a uma


dimensão do ensino-aprendizagem, refere-se a uma parte da Teoria da Educação, da
Pedagogia.
Voltando no tempo, na Grécia Antiga, acreditava-se que algumas pessoas
tinham o “dom” de ensinar. Inclusive, ao estudar a palavra grega “Téchne Didaktike”,
percebe-se que “Téchne” aproxima-se do significado de ARTE e “Didaktike”
aproxima-se do significado de ENSINO, portanto, chegamos a uma definição
aproximada de “arte ou técnica de ensinar”.
Existe um educador, do século XVII, que é considerado o “pai” da didática
moderna. Sabe quem é? Já ouviram falar de Comenius?
Apresento-lhes Jan Amós Komensky (ou Comenius):

Figura 1 – Jan Amós Komensky (1592-1670)

Fonte: Imagens Google

Trago-lhes uma breve biografia: nasceu em 28/03/1592, na Moravia (República


Checa), Europa Central e faleceu em 15/11/1670. Era de família eslava e protestante.
Seguiam a igreja dos irmãos morávios. Ficou órfão aos 12 anos: perdeu o pai, a mãe

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e as duas irmãs, vitimados pela peste. Sua educação fundamentou-se em saber ler,
escrever e contar. Foram ensinamentos aprendidos em ambiente rígido com prática
da palmatória. O professor era o centro do processo, portanto, os conteúdos
escolares eram inquestionáveis. Talvez esse rigor da escola e a falta de carinho, que
marcaram a vida de órfão, tenham inspirado seus princípios de uma didática
revolucionária para o século XVII.
É na Pedagogia Moderna, na qual temos a figura de Comenius, que surge a
ruptura com o tal “dom de ensinar”. A partir dessa Pedagogia, que há o despertar de
certo olhar mais crítico para esse processo, entende-se que não se trata de ter o
determinismo do dom para ensinar. É preciso pensar em estratégias de ensino para
que os estudantes aprendam mais.
A concepção de Didática Moderna nasce com Jan Amós Comenius e tem o
respaldo em Jean-Jacques Rousseau (Educar para a emancipação do indivíduo).
O lema de Comenius era “Ensinar tudo a todos”. Por isso, chamam
Comenius de o pai da Didática Moderna.
Aumentar-se-á ao estudante a facilidade da aprendizagem, se lhe
mostrar a utilidade que, na vida cotidiana, terá tudo o que se lhe
ensina. (...). Portanto, não se ensine senão aquilo que se apresenta
como imediatamente útil (COMENIUS, 1957, p. 246).
E continua a nos ensinar:
Portanto: (1). Logo que uma coisa seja entendida, pense
imediatamente na utilidade que ela pode vir a ter, para que nada se
aprenda em vão; (2). Logo que uma coisa seja entendida, difunda-se
de novo, comunicando-a a outros, para que nada se saiba em vão
(COMENIUS, 1957, p. 265).

Segundo Comenius, “três coisas oferecem ao aluno a oportunidade de superar


o professor: perguntar muitas coisas, reter o que perguntou e ensinar o que reteve”
(COMENIUS, 1957, p. 267). Vejam como enaltecia o diálogo e a reflexão coletiva.
Isso no século XVII! Hoje, século XXI, ainda temos muitos professores que não
gostam de alunos que perguntam muito. Precisam se atualizar e evoluir!!!!
Outro destaque que considero importante: no século XVII, era muito comum o
uso da vara, espancamentos e gritos como meios de disciplina. Comenius se opunha:
“(...) os açoites e as pancadas não tinham nenhuma força para inspirar, nos espíritos,
o amor das letras, mas, ao contrário, têm muita força para gerar, na alma, o tédio e a
aversão contra elas” (COMENIUS, 1957, p. 402).
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A escola é uma das principais bases da sociedade: o fundamento da formação
humana. Dada a sua responsabilidade (da escola), ele vai pensar o que ela deve
ensinar e como. Assim, sua proposta para a escola é a de que esta deve ser universal
e ensinar tudo a todos. Proposta pioneira na democratização do ensino.
Escreveu um livro intitulado “A Didática Magna”. Veja Figura 2.

Figura 2 – Obra Didática Magna, de Comenius

Fonte: Imagens Google

Seu método, ensinar tudo a todos, tinha como preceitos:


 Tudo o que se deve saber deve ser ensinado;
 Qualquer coisa que se ensine deverá ser ensinada em sua aplicação
prática, uso definido;
 Deve ensinar-se de maneira direta e clara;
 Ensinar a verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas;
 Explicar primeiro os princípios gerais;
 Ensinar as coisas em seu devido tempo.

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Nessa obra, Didática Magna, não encontramos apenas teorias, mas também
suas experiências vividas em sala de aula, uma vez que ele faz diálogos entre a teoria
e a prática. São propostas metodológicas para facilitar a prática docente,
considerando que a disciplina é importante em sala de aula, mas despida de violência.
Nesse sentido, ele enfatiza que no processo de ensino-aprendizagem é fundamental
o respeito, o afeto e o prazer em ensinar e aprender.

Figura 3 – Gravura do próprio Comenius para um de seus livros de


texto: aprender brincando.

Foto: HULTONARCHIVE/Getty Images

Outra obra escrita por ele foi “Orbis Sensualim Pictus”, de 1658, que pode ser
considerada como uma primeira obra para crianças, associando palavras, conceitos
e, até mesmo, imagens.

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Figura 4 – Obra Orbis Sensualim Pictus, de Comenius

Fonte: Imagens Google

Esta obra, que associa texto e imagem, também representa uma maneira de
pensar em como se ensinar “tudo a todos”, o que demostra a atualidade do
pensamento de Comenius que, com certeza, foi um grande educador do século XVII
que até hoje deixa aprendizagens significativas nesse processo de ensinar e
aprender, inclusive, destaca-se que esse processo constitui o próprio objeto de
estudo da didática: o ensino (professor) e a aprendizagem (o educando), ou seja, o
processo de ensino-aprendizagem. A didática enfatiza a relação professor-educando.

Fique atento – Assista ao vídeo “Didática Geral: a


identificação da didática”, da UNESP. Ele é importantíssimo
para esclarecer melhor esse conceito de didática e suas
especificidades!!!!

Link: https://youtu.be/pDMjytkuJJw

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1.2 AS ABORDAGENS DO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM

Todos nós aprendemos, mas para ensinar é preciso buscar um suporte teórico
para compreender melhor o processo de ensino-aprendizagem.
Neste tópico, indico a leitura do texto “Abordagens do processo de ensino-
aprendizagem”1, de Roberto Vatan dos Santos que, mesmo escrito em 2005, merece
nossa atenção, porque esse autor traz um comparativo importante sobre os
referenciais teóricos desse processo. Analisa quatro aspectos que são fundamentais
para compreendermos bem esse contexto da didática: escola, educando, professor,
processo de ensino-aprendizagem. Traz uma reflexão sobre as abordagens
tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural.
Vocês verão que o autor apresenta as ideias de quatro autores sobre as
abordagens do processo de ensino-aprendizagem:
Primeiro: o autor fala das estratégias de ensino de Bordenave (1984)
considerando a Pedagogia da Transmissão, Pedagogia da Moldagem e Pedagogia
da Problematização.

Figura 5 – Juan Diaz Bordenave (1926-2012)

Fonte: Imagens Google

1 Leia-o no Anexo I desta apostila.

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Segundo: traz as tendências pedagógicas estudadas por Libâneo (1982), que
são: a) Pedagogia Liberal, em suas versões: conservadora, renovada progressista e
renovada não-diretiva; b) Pedagogia Progressista, em suas versões: libertadora,
libertária, de conteúdos.
Para aprofundar, sugiro que estudem um pouco mais as concepções sócio
epistemológicas, trazidas por Libâneo, referentes às Pedagogias Libertadora
(chamada pelo seu criador, Paulo Freire, de Pedagogia do Oprimido) e Crítico-social
dos conteúdos (por volta dos anos 80, baseada na concepção Histórico-crítica de
Educação, de Dermeval Saviani, preconizada por ele no final dos anos 70). Libâneo
liderou um grupo de educadores que defendiam a democratização dos conteúdos
culturais sistematizados, o acesso e a permanência das pessoas de classes
populares nas escolas públicas. E foi esse grupo que criou a chamada Pedagogia
Crítico-social dos Conteúdos.
Figura 6 – José Carlos Libâneo

Fonte: Imagens Google


Terceiro: fala das teorias defendidas por Saviani (1984): a) teorias não-
críticas: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista; b) as
teorias crítico-reprodutivistas: sistemas de ensino enquanto violência simbólica;
escola enquanto aparelho ideológico de Estado, escola dualista.
Faz-se necessário atualizar e acrescentar nessas ideias do Prof. Saviani, as
teorias críticas. Portanto, c) Teorias críticas: ressaltamos a Pedagogia Histórico-
crítica, uma teoria que vai além das teorias não-críticas e crítico reprodutivistas. A
Pedagogia histórico-crítica vem sendo difundida na educação brasileira desde o final
da ditadura militar, baseada na concepção dialética do materialismo histórico, é

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voltada para uma educação de conscientização e de prática social e procura
historicizar a educação.
Para aqueles que tiverem interesse, deixo na nota de rodapé, o link da minha
dissertação de mestrado2, pesquisa objetivada em estudar vida e obra desse
educador brasileiro, Dermeval Saviani.
Figura 7 – Dermeval Saviani

Fonte: Imagens Google


Quarto: traz as abordagens do processo de ensino-aprendizagem na visão de
Maria da Graça Nicoletti Mizukami: tradicional, comportamentalista, humanista,
cognitivista, sociocultural.

Figura 8 - Maria da Graça Nicoletti Mizukami

Fonte: Imagens Google

2 COSTA, Valdirene Pereira. Uma avaliação histórica-critica da trajetória institucional e política


do educador Demerval Saviani na pós-graduação em Educação no Brasil (1970-1996): a busca
coerente da articulação teoria e pratica. 2007. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP. Disponível em:
https://hdl.handle.net/20.500.12733/1604516. Acesso em: 10 dez. 2022. Segue LINK:
https://www.repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/397132?guid=1670667009139&returnUrl=%2fresul
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Neste texto de Santos (2005), vocês verão que o autor condensa uma análise
comparativa desses quatro autores ao abordar tanto dos pressupostos comuns
quanto dos diferentes, referentes às diversas abordagens que procuram explicar o
processo de ensino-aprendizagem.
De um modo geral, nesta primeira unidade, quis mostrar que a didática tem
como objeto de estudo, o processo de ensino aprendizagem e, este processo, envolve
a relação professor-educando (educador-educando), a construção do conhecimento
(depende da relação professor-educando, depende da didática – forma de ensinar
e de aprender, depende da seleção de conteúdos - planejamento), as estratégias
cognitivas e as formas de avaliar. A escola é esse mundo do conhecimento e a
questão pedagógica e didática está totalmente ligada à aprendizagem do pensar e,
para levar o educando à pensar, é necessário ter uma boa didática, que envolve
planejamento efetivo, seleção de conteúdos significativos que promovam críticas e
problematizações, conhecimento do assunto a ser tratado e estratégias bem
pensadas para avaliar (não se trata de pensar em nota – número; trata-se de pensar
nesse instrumento como uma possibilidade de aprendizagem: avaliar o quê? Para
quê? Como?).
É importante perceberem que a didática envolve o entrelaçamento entre:
planejamento (objetivos de ensino) / seleção de conteúdos (selecionar em funções
dos objetivos) / formas de avaliar (estabelecer os vínculos entre ensino e
aprendizagem).
Lembrem-se que o maior motivo do fracasso escolar, é a falta de preparo da
organização escolar (metodologias, didáticas de procedimentos adequados para
serem trabalhados com as crianças).
Todos esses tópicos – que correspondem a seleção de conteúdos desta
disciplina de didática (organização do trabalho pedagógico, avaliação, relação
professor-educando) – elencados acima, serão discutidos nas próximas unidades
desta apostila. As unidades se inter-relacionam.

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Atenção – A leitura do texto indicado neste tópico 1.2 é
obrigatória e seu conteúdo poderá ser cobrado em atividades
avaliativas da disciplina.

LEIA O ANEXO I DESTA APOSTILA

Referências - Documentos ou textos para embasar o


conteúdo explicitado.

SANTOS, Roberto Vatan dos. Abordagens do processo de ensino


e aprendizagem. Integração, São Paulo, ano XI, n.40, p.19-31,
jan/fev/mai, 2005.

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