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Domingo, 23 de Abril de 2023 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 12.045 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

Fotografia
Uliano Lucas
mostrou
ao mundo
as outras faces
da Guerra
Colonial
P4 a 9
ULIANO LUCAS

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2 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

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Entrevista Uliano Lucas Todos querem Análise Análise Série O
Índice “Na Guiné, não quis
fotografar uma guerra, mas
regular a IA
mas ninguém
Vamos falar de
habitação? As
Mundo de Amílcar
Cabral (V) “Camarada
um movimento se entende condições para um Cabral”, a URSS e a
revolucionário” pacto de regime Checoslováquia

São lindos, Desalinho


Cristina Sampaio
os cães

Protopia
Graça Castanheira

C
ircunstâncias familiares da sala. Soltei dois sonoros “não!,
e geográÆcas Æzeram não!” que lhe provocaram um gran-
com que, nos últimos de susto. No dia seguinte fez cocós e
dois meses, me coubes- chichis nos locais mais recônditos
se a tarefa de educar que encontrou. A cadela não tinha
uma pequena cadela, aprendido que não podia urinar na-
Ice, de seu nome, até que, com dois quele tapete, mas sim que urinar era
ciclos de vacinas completas, fosse uma coisa que me desagradava e que
entregue à sua vida no campo. portanto, perante a inevitabilidade
Perante a incumbência, decidi ler Æsiológica de o fazer, teria de procu-
livros e ouvir podcasts que me ensi- rar sítios longe do meu olhar. Não
nassem a ensinar. E descobri assim desejando de todo ensiná-la a sentir
a educação canina por reforço posi- vergonha ou a ser dissimulada, do-
tivo. Já antes tive dois cães, que des- minei todos os “não” que em tantas
envolveram traços que não apreciei vezes seguintes me apeteceu soltar.
por inteiro, como um apetite voraz Dizem-me do campo que a cadela
por comida humana, fraca sociabili- está ainda a aprender, mas a acertar
dade com outros cães e pessoas des- todos os dias mais e que está, acima
conhecidas ou um entendimento de tudo, muito feliz.
incompleto de onde fazer as neces- O que há aqui de bonito é o dever
sidades. Adoraria contribuir para de paciência perante quem está num
que esta cadela não viesse a ter estes processo de tentativa e erro. Que,
comportamentos. vendo bem, é o processo em que es-
Um dos princípios centrais da ciên- tamos todos, mas sem paciência uns
cia do comportamento é o reconhe- para os outros. O que este tipo de
cimento de que os comportamentos educação sublinha é a existência de
são modiÆcados pelas suas conse- outros caminhos para além da re-
quências, que assim determinam a pressão, da zanga ou da indignação.
probabilidade de um comportamen- Esta abordagem não se foca no erro,
to ocorrer novamente em situações mas sim na solução; não vê os outros A seguir
futuras. Reforço é o processo em que como inimigos, mas sim como agen-
a ocorrência de um comportamento tes. É um ensino que incentiva a coo- 5.ª edição dos Play — Prémios da Música Portuguesa
é fortalecida por uma consequência peração, a curiosidade e que incute
de compensação. Quando, por outro conÆança no meio social.
lado, um comportamento não desen- Dois meses depois, o que aprendi A sensação que dá é que, ano criada pela Audiogest e GDA,
cadeia uma consequência compen- leva-me a crer que nós, humanos, após ano, cresce o número de que em Portugal representam as
satória, estamos perante um proces- beneÆciaríamos muito se nos inscre- artistas portugueses a gravar editoras multinacionais,
so de punição. Basicamente, as con- vêssemos em escolas de reforço po- música e a divulgá-la nos mais nacionais e independentes, bem
sequências de um comportamento sitivo para cães. Imagine-se, por diversos suportes. São tantos e a como os artistas, intérpretes e
podem controlar a frequência do exemplo, o impacto social de nos tão grande ritmo que facilmente executantes, respectivamente.
mesmo, aumentando ou diminuindo compensarmos uns aos outros quan- perdemos o rumo dos Para além das várias categorias
a probabilidade de que este ocorra. do estamos de acordo e de nos igno- acontecimentos. Os Play — tradicionais, serão conhecidos
Foi assim que ensinei a Ice a Æxar rarmos de forma elegante quando Prémios da Música Portuguesa os vencedores de duas
o seu nome, a vir ter comigo quando discordamos, ainda que nem sempre podem ajudar a navegar pela categorias não sujeitas a
a chamava, a sentar-se e a Æcar, re- e em todas as ocasiões? Atacaríamos imensidão de nomes, bandas, nomeação, o Prémio Carreira,
compensando-a com um biscoito a causalidade quotidiana pelo ângu- discos, canções que todos os atribuído pelos promotores, e o
quando o fazia e ignorando quando lo do reforço positivo, com otimismo anos nos aconchegam os Prémio da Crítica, decidido por
desobedecia. Quanto ao treino do e felicidade canina. Imagine-se tam- ouvidos ou nos fazem dançar. um painel de jornalistas ligados
local para fazer as necessidades, de bém a quantidade de dejetos em lu- Na quinta-feira, dia 27, são à música. Participam na gala de
cada vez que as fazia dentro de casa, gares indevidos que seria evitada. atribuídos os prémios Play, entrega de prémios no Coliseu
eu, sem zanga, agarrava nela e colo-
cava-a nos resguardos colocados na
São lindos os cães, gostamos deles
porque nos ensinam coisas.
PLAY, ajuda naquela que é a 5.ª edição desta
iniciativa da Sapm — Associação
dos Recreios, em Lisboa, Matias
Damásio com Nininho Vaz Maia
varanda para esse Æm. Um dia, mui-
to no início, a Ice urinou no tapete Realizadora
à navegação Prémios da Música, uma
entidade sem Æns lucrativos,
e Nena com Joana Almeirante,
entre outros duetos inéditos.
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 3

Ficha técnica

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Estar bem In memoriam Crónica
Alimentos orgânicos: Djunga de Biluca Entretenimento Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
benefícios O padrinho da difusão milenarista Editor Sérgio B. Gomes
autênticos ou da música Designers Marco Ferreira e Sandra
aparentes? cabo-verdiana Silva Email sgomes@publico.pt

A opinião publicada no jornal respeita a norma ortográfica escolhida pelos autores

Os surdos da pradaria

T
rabalhava nos Imagino que ninguém na nunca conhecesse o som da hipótese de conhecer os sons. E
Cuidados Intensivos, comunidade surda, em nenhuma Tanto faz música, da chuva ou do crepitar da que bem correu. E que felicidade
quando engravidei das suas facções, vá apreciar não é resposta chama? Seria justo que ele nunca tão grande no dia em que o Pedro
pela primeira vez e, particularmente esta crónica que ouvisse a minha voz, a do pai e a ouviu, pela primeira vez, o som
por isso, passava boa vos chega a 23 de Abril, Dia Carmen Garcia do irmão? Seria justo que ele dos próprios passos. As
parte da vida a lidar Nacional de Educação de Surdos. nunca conhecesse o som da sua gargalhadas que ele deu. As
com situações que tinham corrido Mas é preciso que alguém meta o própria voz? lágrimas de alegria que chorei. E
mal. Cirurgias que, de dedo na ferida e diga aquilo que De um lado diziam-me que sim, quando disse “mãe” pela primeira
previsivelmente lineares, todos parecem recusar ver: a que ele jamais sentiria falta daquilo vez. Ou quando se olhou ao
passavam a complicadas, passeios comunidade surda, em Portugal, que nunca conheceu e que era espelho um dia e disse “Pedro”.
em família que acabavam em está profundamente fracturada. E entre pares que deveria acontecer

M
acidentes de viação, partos que esta divisão entre surdos a sua vida. Aos três anos, o Pedro as nunca, nem
deviam ser momentos felizes e que oralizados que usam tecnologias deveria ser integrado na Escola de por um segundo,
uma atonia uterina dinamitava… para ouvir e surdos não oralizados Referência para a Educação permito
Naquela altura, fechada naquele que comunicam apenas com Bilingue de Alunos Surdos esquecer-me ou
espaço oito horas por dia, as coisas recurso a Língua Gestual (EREBAS) da nossa área de que quem está à
na minha cabeça estavam de tal Portuguesa prejudica-nos a todos. residência e, em casa, todos nossa volta se
forma invertidas que quase me Da minha experiência pessoal, deveríamos aprender língua esqueça da surdez. Porque quando
esquecia que aqueles casos eram a posso dizer-vos que não foi tão gestual para poder comunicar com o processador (parte externa do
excepção e não a regra. fácil como pode parecer à partida ele. O nosso Ælho deveria implante) se retira, o Pedro volta a
Quando soube que estava decidir colocar o implante coclear manter-se Æel àquilo que era sem mergulhar no mundo do silêncio
grávida, fui incapaz de desligar o ao Pedro. E não foi apenas o facto que o nosso egoísmo interferisse. que é parte dele e tão confortável
botão “UCI” e, como tal, dediquei de a cirurgia ser demorada e Mas, do outro lado, o que me como uma manta foÆnha. O
muito mais tempo do que devia a complexa ou dos riscos que lhe são diziam era o oposto: o Pedro devia processador sai no banho, na
imaginar todos os piores cenários inerentes. Da mesma forma, nunca ser implantado, porque, quisesse praia, na piscina, durante e noite e
possíveis e só graças a um pai me preocupou mais do que o eu ou não, o mundo era dos em todas as alturas em que o
bastante racional não corri a fazer necessário que o implante pudesse ouvintes e era para eles que estava Pedro está, pura e simplesmente,
aqueles caríssimos exames não ter resultados brilhantes. O preparado. Se o Pedro podia ter o cansado de ouvir. E nessas alturas
genéticos de rastreio pré-natal. que me apertava o coração eram privilégio de ouvir, de que é que a Língua Gestual Portuguesa é
Tinha 30 anos acabados de fazer, as palavras de um surdo, nessa estávamos à espera? E, sim, ele colocada em cima da mesa e
era saudável e nada indicava que o altura já amigo, que dizia muitas tinha de ser implantado para permite-nos comunicar. Porque o
rastreio ecográÆco comum não vezes que, mesmo em família, se oralizar. Falar era demasiado meu “índio” pequenino vai poder
fosse suÆciente. Ainda assim, tinha sentido muitas vezes como o importante e nós, enquanto pais, correr pela pradaria sempre que
durante 37 semanas, equacionei índio que vivia livre e que, um dia, tínhamos de lhe dar essa quiser.
centenas de possíveis problemas. os recém-chegados à América ferramenta. “Não o encerrem No Dia Nacional de Educação de
Mas a vida é tão profundamente decidiram por força colonizar. numa EREBAS”, diziam-nos. Surdos as instituições falam em
irónica que o meu Ælho acabou por Eu nunca quis “Integrem-no numa escola normal, sensibilização, igualdade e

E
nascer com a única condição que u nunca quis que o oralizem-no e ofereçam-lhe um inclusão. Eu, este ano, decidi falar
nunca sequer me lembrei de
considerar: o Pedro nasceu surdo
meu Ælho, um dia,
sentisse que nós
que o meu mundo de sons”, reforçavam.
Ninguém imagina a diÆculdade
para dentro, apelar ao que nos une
e dizer que a educação de um
profundo.
No dia do diagnóstico deÆnitivo
quisemos apagar a sua
surdez e transformá-lo
filho, um dia, da decisão e o desgaste mental que
implicou. Sentia que, com o Pedro
surdo nunca deve ser um caminho
solitário, independentemente das
senti que era envolvida por uma
névoa e, nas primeiras horas, um
num “menino igual
aos outros”. Temi, na altura da
sentisse que nós ao meu colo, estava atada a duas
cordas pela cintura e que cada
escolhas que se façam. Com ou
sem recurso às tecnologias para
instinto absolutamente primário
tomou conta de mim: eu tinha de
decisão, que o Pedro um dia me
apontasse o dedo e me dissesse
quisemos equipa me puxava para o seu lado.
Implantado. Não implantado.
ouvir, com ou sem conhecimentos
de Língua Gestual Portuguesa, é
proteger aquela criança e amá-la
mais do que todas as coisas. De
que teria preferido viver sempre
no seu confortável mundo de apagar a sua Oraliza. Não oraliza. E, quando já
estava a ponto de desabar, decidi
sempre muito mais aquilo que une
os surdos e os seus familiares do
repente, na minha cabeça, éramos
eu e o Pedro contra o mundo e,
silêncio, entre pares e recorrendo,
para comunicar, àquela que surdez e cortar as duas cordas, dar a mão
ao meu Ælho e fazer aquilo que me
que aquilo que os separa. E no
Ænal do dia, com o processador na
por isso, não perdi tempo.
Reunindo todas as forças que
deveria sempre ser uma língua
conhecida por todos os surdos transformá-lo ditava a consciência.
Sempre ouvi dizer que é no meio
mesa-de-cabeceira ou sem ele,
com o candeeiro aceso para se
consegui e juntando os cacos da
parte que senti quebrar, quando
nascidos neste país: a Língua
Gestual Portuguesa. num “menino que está a virtude e acabou por ser
esse o mote com que lidámos com
fazerem “ouvir”, o mais
importante é que todos sintam que
ouvi a palavra “surdez”, Mas depois pensava nas a surdez do Pedro que viria a ser são livres para correr, usem gestos
levantei-me e fui à procura de
respostas e soluções. E foi aí que
diÆculdades do silêncio e na beleza
dos sons. Seria justo, existindo
igual aos implantado num 19 de Março de
boa memória. O Dia do Pai foi o dia
ou palavras.

começou a confusão. essa possibilidade, que o Pedro outros” em que foi oferecida ao meu Ælho a Enfermeira
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4 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

“Na Guiné, não quis fo


mas um movimento r
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 5

FOTOGRAFIAS ; CORTESIA ULIANO LUCAS

Entrevista Uliano Lucas Após o Maio de 1968, a Itália


Äcou pequena para um repórter irrequieto como Uliano
Lucas. Rumou a África, onde nasciam novos países, e
fotografou “a vida” dos independentistas como ninguém
Por Sérgio B. Gomes

C
om Uliano Lucas, o difícil é conhecidos em Portugal e que agora podem convidado para que delas Æzesse parte, que
parar. Parar de conversar, ser vistos na exposição Revoluções: Æque claro —, porque era produzir um
de ouvir as suas histórias Guiné-Bissau, Angola e Portugal (1969-1974) — fotojornalismo para editores que depois
entrecruzadas, de múltiplas Fotografias de Uliano Lucas, no Museu do instrumentalizavam as minhas fotograÆas.
camadas, de variadíssimas Aljube (até 30 de Setembro), e num livro Por isso, preocupei-me em manter o material
geograÆas e de tempos com o mesmo nome (chancela Edições do no meu arquivo e dar as minhas fotograÆas
longínquos, alguns deles Saguão), que reúne ainda mais imagens àqueles jornais de que estava seguro que as
(muitos deles) também deste decano da fotograÆa italiana, que publicariam sem cortes. E devo dizer que
registados na História, outros “apenas” agora, com a ajuda da Ælha, Tatiana, nunca tive censura. A função das minhas
registados pelo seu olhar, através da sua encontrou tempo para mergulhar no seu reportagens — o que eu Æz foi jornalismo —
fotograÆa. Um varrimento rápido pelos arquivo. Conversa com a ajuda de tradutores não é meter fotograÆas num museu.
resultados de uma pesquisa internética por e com o barulho da loiça de pequeno-almoço Costuma sonhar que está no meio de
“Uliano Lucas” podem dar a imagem de um como pano de fundo. uma reportagem a fotografar? Ou
repórter da grandiloquência, dos Ainda fotografa ou já arrumou as melhor, sonha como quem fotografa?
acontecimentos-terramoto. Um olhar mais câmaras? Não, porque sou um maldito racionalista! Ou
atento revela alguém que procura ver para Sim, ainda faço reportagem, ainda faço seja, a minha formação é também ela
além da superfície, alguém que procura fotograÆa. Mas, face à crise mundial em que cartesiana. É claro que adoro tudo o que tem
diferentes abordagens da realidade. Foi o tem estado o fotojornalismo, a crise das que ver com o surrealismo, com a
que fez, por exemplo, durante os três meses revistas ilustradas de reportagem, preferi imaginação, a vanguarda e também com a
que passou na Guiné-Bissau com a guerrilha pôr em ordem o meu arquivo — isto é, fantasia. Mas, ainda assim, sou um
do PAIGC, em 1969, onde revelou um mundo reÇectir sobre o que foi o meu trabalho e racionalista, porque vivi numa época em que
que não se resumia às armas; um mundo sobre tantas coisas que antes, devido à para fazer esta proÆssão, num país como a
onde as mulheres eram centrais no esforço minha condição de freelancer, em que mal Itália, tinha de ser apenas racionalista. Se
de combate. Ou na semana e meia que terminava um trabalho começava logo outro, fosse pela fantasia, tornar-me-ia outra coisa.
passou em Portugal, em 1972, a fotografar não pude pensar. Há duas exposições de fotógrafos
cheio de cautelas com receio da polícia Esse trabalho de pesquisa e organização italianos em Lisboa neste momento, um
política, mas procurando revelar outras do arquivo assume uma importância acontecimento raro. Para além da sua
faces de um país “imóvel”, cujas pensões redobrada enquanto o próprio autor exposição no Museu do Aljube, há uma
pareciam cenários de Ælmes de Hitchcok. Ou pode conduzir esse caminho, quando exposição de Luigi Ghirri no Centro
ainda no mês que passou com a guerrilha do pode decidir o que mostrar. O que Cultural de Belém. São dois universos
MPLA, em Angola, no Ænal de 72, onde acontece muitas vezes é que os arquivos fotográficos opostos. Conheceu o Luigi
plasmou a determinação de um povo em ser dos fotógrafos são vasculhados por Ghirri? Gosta do trabalho dele?
livre. Dois dias depois do 25 de Abril, Uliano outros com propósitos e princípios Sim, conheci [Luigi] Ghirri, embora
Lucas (Milão, 1942) aterrou em Lisboa com o diferentes dos do fotógrafo. Dá muita superÆcialmente. Bom, são duas histórias
seu companheiro de tantos trabalhos, o importância a esse controlo? diferentes. Eu respeito-o. É extraordinário.
amigo e repórter Bruno Crimi. Nesse Eu nunca abdiquei de um negativo, de uma Ele é alguém que abriu novos espaços para a
momento, fotografou “a felicidade” de um reportagem. Desde o início da minha fotograÆa, para uma nova visão da
povo. Haveria de juntar estes dois portugais carreira, a escolha foi sempre a de ser fotograÆa. Um novo olhar sobre o próprio
num livro (La primavera di Lisbona. Anno freelancer, independente, não ter assento enquadramento da geometria das formas. É
primo della rivoluzione, Bruno Crimi e Uliano num jornal e trabalhar só para os jornais nos uma fotograÆa de um homem inteligente,
Lucas. Firenze: Vallecchi, 1975), à quais me revia política e culturalmente. Por um modenese inteligente, juntamente com
semelhança do que já havia feito com o exemplo, não trabalhei para a Life, porque [Arturo Carlo] Quintavalle, o crítico de arte.
trabalho na Guiné-Bissau (Guinea Bissau: una sempre a considerei uma revista longe das Isto num tempo, nos anos 80, em que a
rivoluzione africana, Bruno Crimi e Uliano minhas ideias, da minha visão do mundo. fotograÆa entrou em crise — sobretudo a
Lucas. Milano: Vangelista, 1970) onde Publiquei algumas fotograÆas lá, mas… fotograÆa italiana — uma crise artística,
assistiu ao “desenvolvimento de uma nova nunca Æz parte das grandes agências política. É uma crise política, porque quem
sociedade na Çoresta”. São trabalhos pouco internacionais — ainda que me tenham faz fotograÆa faz política. Não vale a c

otografar uma guerra,


revolucionário”
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6 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

pena disfarçá-lo: se se faz um tipo de


fotograÆa… a daquela mulher que está a
trabalhar [aponta], isso é um acto político.
Mas, depois, não se deve carregá-la com
ideologia: “Oh, olha, fotografa aquela
mulher desesperada que está a trabalhar.”
Não, o que se fotografa é a normalidade que
já se encontra dentro da condição do
trabalho.
Em 2013, quando fez a sua primeira
retrospectiva, mostrou-se muito
pessimista em relação ao fotojornalismo,
dizendo que estava morto, que tinha
acabado. Mantém esta posição? Porquê?
Sim. Eu sou um brontossauro; sou um
homem do século XIX. Não se escapa a isto.
A crise do jornal impresso foi um momento
extraordinário do século XX, a crise da
revista de reportagem, o semanário... o
jornal era um produto cultural. Mas o
fotojornalismo, com a crise do jornal
impresso, passou para um outro lado, para
as redes. Quantas décadas serão necessárias
para que um novo fotojornalismo nasça
dentro das redes? Serão precisos muitos,
muitos anos.
Mas não acredita que os suportes digitais
possam dar alento ao fotojornalismo?
Claro que podem, sim, tranquilamente. O
fotojornalismo antes tinha as Æguras dos
freelancers, pessoas que andavam por aí a
tirar fotograÆas. Hoje, cinco agências no
mundo controlam a imprensa. Bem, é um
problema de democracia. Não é se tu tiras a
fotograÆa, mas se depois se se consegue
colocar essa fotograÆa no grande circuito
dos 200 jornais mais importantes. E esse é o
maior problema, não é outro.
Temos assistido nos últimos anos a um africanas tiveram mais expressão nos
regresso em força do protesto nas ruas — anos 1960. O colonialismo português
mas também há quem duvide da eficácia estava no centro deste debate, por isso
do protesto como forma de mudar o imagino que tenha ouvido falar de
rumo dos acontecimentos. Ainda Portugal e lido sobre este país que
acredita no protesto de rua? teimava em manter um “império
A democracia nasce na rua. Por isso colonial”. Lembra-se da imagem que
fotografei sempre a rua. Ontem, a Tatiana [a formou de Portugal? Que país era este
Ælha] e eu fomos ao Rossio, detive-me ali, na para si antes mesmo de ter cá estado?
rua. Mas faltava a vida, a vida do Rossio. Vi A ideia que tinha de Portugal é que era
esta massa de turistas, as pessoas, os pobres, alguém com uma escolha pessoal, uma certa governado por um fascismo de velhos. Ou
os que ali dormiam regressavam mais tarde, forma de contar ou documentar, através de seja, um fascismo que tinha sido salvo
à noite. Ou seja, tu estás no Rossio, um dia, uma linguagem sua, mas sobretudo com o porque não tinha participado na II Guerra,
dois dias, digamos à experiência, e seu próprio estilo. mas que era um fascismo puro. Não um
compreendes tudo… um autocarro que Alguém o incentivou a rumar a África em fascismo como o de Mussolini, que isso é
chega… Bem, em qualquer praça está a vida. 1969 ou foi uma decisão solitária? outra coisa. A visão que eu também tinha era
A praça é o lugar onde as pessoas chegam e Não, foi solitária. Mas eu tive uma grande a de um país mediterrânico, pobre, nas mãos
descobrem uma liberdade. Descobrem o
estarem juntos; descobrem o estarem à
sorte em encontrar na minha vida,
especialmente no início, pessoas que me
A rua é o momento da igreja, com dois ou três escritores que
tinham surgido, mas com uma cultura pobre
conversa, a discussão. E forçam o poder a
sair cá para fora. A rua é o momento mais
amaram e que me educaram. Pessoas que
tinham mais 20/30 anos do que eu e que me
mais alto da — em suma, que não ia a lado nenhum. E do
qual a grande imprensa internacional não se
alto da liberdade e é o momento mais alto
em que o repórter tem de contar a verdade,
davam livros. Por exemplo, o meu amigo
Piero Manzoni, sempre que regressava de
liberdade ocupava. Ocupava-se mais com a Espanha.
havia tão pouca informação... A Espanha
a realidade — se a contas para vender a Paris, trazia-me Beckett, Ionesco… Fui tinha mais interesse para a Europa. Portugal
fotograÆa, fotografas aqueles que atiram ajudado no sentido verdadeiro. Por isso, tinha as colónias, mas sobre as colónias toda
uma bomba ou os polícias, mas já são
fotograÆas velhas como no Maio de 1968,
quando decidi o que fazer, percebi que ser
repórter era o meu futuro. Eu era um rapaz Fomos para a gente estava em silêncio, porque estavam a
começar as descolonizações e por isso não se
não? O esquema é o mesmo. Se, por outro
lado, descobrires a humanidade, é outra
muito irrequieto, próximo até de situações
um pouco perigosas — percebi que uma a Guiné-Bissau falava. Em Itália começava-se a falar, mas
com um problema fundamental: não ter
coisa. Quando durante tantos, tantos anos câmara fotográÆca podia acalmar-me. Mas compreendido, sobretudo os partidos
fotografei as marchas dos trabalhadores dos percebi sobretudo que este instrumento,
muito anárquico, era mais anárquico do que
para tentar contar políticos, que o colonialismo é uma coisa e o
sindicatos, 100 mil, 200 mil pessoas, fascismo é outra. E que existem países
marchas com 7,8 quilómetros… Eu não
fotografava a frente da marcha, eu entrava
a minha anarquia. E começou então este
diálogo entre mim e a câmara, entre mim e o
como nascia democráticos colonialistas. A França, um
país colonialista democrático; a Inglaterra,
nela. E encontrava a humanidade.
É regularmente classificado como um
meu cérebro. Com esta proÆssão, poderia
socializar com pessoas que estavam no meu
uma democracia um país colonialista democrático. Portugal
era um país fascista e colonialista; tinha
“fotógrafo de temas sociais”. O que acha
desta arrumação? Concorda com ela ou
comprimento de onda. O exemplo maior é
[o jornalista] Bruno Crimi. O Bruno Crimi é
africana colónias, mas era um país de gente pobre. Os
britânicos tinham colónias, mas era um país
prefere outra? uma vida minha paralela — éramos duas onde os trabalhadores tinham benefícios.
O termo “social” é vago. Diria que sempre pessoas que se estimavam, que se queriam Era preciso pensar sobre isto: não ao
me considerei um fotógrafo documentarista. bem uma à outra. fascismo, mas não, também, ao
Porque social é ambíguo. Tudo é e não é A Itália foi um dos países onde os colonialismo.
social. [PreÆro] fotógrafo documentarista, movimentos a favor das independências Lembra-se de quando conheceu Amílcar
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 7

MATILDE FIESCHI

de Bruno. Se morrêssemos, era um grande fotografar uma guerra, mas um movimento


problema para eles. Para o PAIGC, nós fomos revolucionário. Por exemplo, a Ucrânia Æca a
muito importantes, porque fomos os poucos quilómetros de Itália; entras num
primeiros a ser a correia de transmissão de comboio e vais para Kiev; entras no
informação. Nós não éramos uns tipos que ministério; apresentas-te com uma carta de
iam para ali fazer um frete. Tínhamos ido um jornal e eles enviam-nos imediatamente
para lá explicando que queríamos tentar como fotógrafos de guerra. O que é que
contar como nascia uma democracia fotografam? O que é que fazem? Não sei o
africana. Era a curiosidade, sobretudo de que fazem. Se alguém vai para construir uma
Bruno, mas também minha. Porque, para história do que está a acontecer num lugar —
além de se tratar de um documento porque é isso o que um jornalista tem de
fundamental para eles, era o transportar de fazer —, então não é preciso fotografar a
uma história para o conhecimento de uma guerra. Se fotografares apenas as pessoas
elite italiana, e também francesa, de como ali que vivem no teu prédio, isso já pode ser
se estava a construir um novo modelo, uma grande jornalismo. Procurei sempre contar
nova democracia. Da minha parte, isso uma história através de uma forma diferente
signiÆcou que eu me anulasse totalmente de fazer fotograÆa.
como fotógrafo — apercebi-me de que só A fotograÆa da escola na Çoresta, quando é
podia registar aquela realidade com uma publicada, as pessoas que a vêem… é
simplicidade incrível. Foi uma intuição. imediato, pensam: mas estes têm uma escola
Tinha de registar sem tirar aquela fotograÆa na Çoresta? Estão a construí-las? Era isto o
“vendável”. Tinha de ser aquela fotograÆa que queria fazer — contar toda esta história
que era a vida. E muitas deixámo-las de fora. sem a manchar, vamos usar este termo. Isto
Um colega meu — não sei se foi o Luciano é, sem forçar. Aqui tinha os intelectuais, as
D’Alessandro, também fotógrafo, ou o cabeças, personagens como o escritor
Massimo Vitali, outro fotógrafo — disse-me [Pepetela, numa fotograÆa de Angola] —
para enviar estas fotograÆas [da havia intelectuais; até os comandantes
Guiné-Bissau] para o Simon Guttmann, um militares eram intelectuais.
mestre do fotojornalismo. Eu Æz um pacote e Vemos sempre muitas mulheres nestas
enviei-as para Londres. Ele enviou-as de imagens a fazer todo o tipo de tarefas,
volta dizendo: “É um passeio na Çoresta.” inclusive a pegar em armas. Dá ideia de
Percebi nessa altura que tinha entrado num um movimento de guerrilha muito bem
outro mundo. Mas isso foi útil para mim organizado. Era assim?
porque todos tinham o mito do Guttmann. Era organizadíssimo. Mas eu não podia dizer
Guardei isto para mim, porque, sim, é um àquelas duas mulheres [aponta para a capa
passeio de um tipo que tira fotograÆas para do livro com duas guerrilheiras] “agora
contar a história com simplicidade, sem venham para aqui e ponham-se em pose”,
pedir poses ou outra coisa. Mesmo estas não. Quando cheguei, percebi que eles
Cabral? Que impressões lhe deixaram Caminhos cruzados raparigas… mas como, vestidas assim? Sim, tinham trabalhado muito. Nas cinco ou seis
esse primeiro contacto? Nas páginas anteriores, aulas num vestidas assim mesmo, estavam bem vestidas assembleias a que assistimos, Æcou claro
Fiz a viagem ao interior da Guiné com Luís campo da organização dos pioneiros, e eram bonitas! Não eram aquelas mulheres para nós que éramos também mensageiros
Cabral [que viria a ser o primeiro Presidente na Guiné-Bissau, em 1969. Ao lado, com os seios para baixo para amamentar, de propaganda. Éramos os camaradas
da Guiné-Bissau]. Ao Amílcar, conheci-o em cima, população que saiu à rua magras. Aconteceu-me ver em certos brancos, europeus, que vinham para ajudar,
quando adoecemos com malária. Quando para apoiar o movimento dos lugares… por exemplo, na Somália, ver dez compreendemos tudo isso. Muitas destas
ainda estávamos na Guiné, no Ænal da capitães e saudar o fim da ditadura, crianças e o fotógrafo dizer “esta aqui é a que mulheres eram esposas de combatentes.
viagem, o Bruno e eu apanhámos malária. E no dia 29 de Abril de 1974; em baixo, mais interessa”; levava-a para um sítio e Combatentes que faziam marchas, chegavam
fomos salvos por um médico português, o homens e mulheres numa assembleia fotografava-a…, e isso é a morte… Raymond às aldeias e não viam estas mulheres, estas
Pádua. Ele salvou-nos, quer dizer, fez-nos na floresta, na Guiné, em 1969. Em Depardon. companheiras, há meses. Elas estavam
umas análises, num pequeno hospital cima, o repórter fotográfico Uliano As fotografias que vemos no livro presentes por toda a parte, estavam
praticamente dentro da Çoresta. Eu Æz até Lucas: “A ideia que tinha de Portugal mostram sobretudo momentos de organizadas. E isso vê-se.
uma fotograÆa. Ficámos ali cerca de uma é que era governado por um fascismo quotidiano da guerrilha do PAIGC e do O que mais o impressionou nos três
semana. E numa cabana a uns cinco metros, de velhos.” Em baixo, combatentes MPLA à medida que iam avançando no meses que passou com a guerrilha do
estava Amílcar Cabral também com malária. do MPLA, em Angola, em 1972 terreno. O lado militar é mostrado PAIGC?
Conhecemo-nos nesse momento. apenas subtilmente pela presença das A vontade Ærme. Davas-te conta de que se
Mas que impressão lhe causou? armas, dos uniformes e das reuniões tratava de um grupo que não assumia uma
Bem… [longo silêncio], a impressão é como a com militares. É uma opção deliberada? organização do tipo estalinista ou militar.
de uma pancada. Posso fazer uma Sim, era a normalidade. Eu estava lá como Continha dentro si aquela extraordinária
comparação ousada? Um Gramsci! Um convidado, estava a tentar compreender, relação do africano com a vida. Tinham uma
Gramsci africano, é isso, no sentido de um sabendo exactamente que, por exemplo, grande determinação, uma força, e, claro,
intelectual, director de um… não o fundador havia mais tribos, que já havia tribalismo e as eram educados. A certa altura, estavam a
de um partido, mas um intelectual. Tive essa confusões, as histórias. Mas eu tinha de preparar-se para sair para um combate, era
impressão, a de que ele era uma Ægura contar a vida destas pessoas, das suas noite, estava a observá-los, e havia um
gramsciana, talvez porque eu já tinha lido mulheres, das suas aldeias… de onde sargento, muito simpático, que estava
muito sobre o Gramsci. Mas para mim não chegavam? Era uma tentativa de falar, de ver sempre a dizer: limpem as espingardas,
há outra comparação e ainda a mantenho — o comandante que vinha para explicar o que limpem as espingardas; atenção às
é uma Ægura gramsciana. acontecia, observar a mandioca, a vida. E a munições, atenção às munições — e eles
Na Conferência Internacional de Cartum, dada altura fotografo também aqueles faziam-no, mas depois tiravam para fora três
em 1969, Amílcar Cabral descreveu a rapazes das milícias, esfarrapados, e depois amuletos [gesticula beijos na mão]… isto
Bruno Crimi aquilo a que ele chamou as forças populares. E o Exército. Os faz-te pensar.
“desenvolvimento de uma nova discursos políticos. A leitura de livros, a Lembra-se de qual foi o primeiro jornal a
sociedade na floresta” na Guiné-Bissau. escola na Çoresta. A vida. Tal como nós publicar estas fotografias da
Foi isso que encontrou quando chegou tinham uma história, tal como nós que, para Guiné-Bissau?
às zonas libertadas deste país? o bem ou para o mal, tivemos uma história Quando regressámos, publicámos no Vie
Sim. Mas tivemos uma forte ajuda de Luís partigiana e Æzemos parte dela para fazer Nuove por uma simples razão: o Vie Nuove
Cabral. Foi ele que nos acompanhou e isso uma democracia. era o semanário do Partido Comunista
dá uma ideia da importância que eles nos Chegou a estar em alguma linha da Italiano. Era um semanário muito
davam. Nós éramos muito importantes para frente da guerra? Não vemos neste livro importante, vendia 250 mil exemplares e era
eles. E não sei se já vos disse, mas houve uma situações de combate… dirigido por um grande director, o Bracaglia,
ordem para que, caso surgissem os Sim. Em duas ocasiões, mas tenho de dizer que era também pintor e um bêbado
helicópteros [portugueses] a largar napalm, que a maioria dos confrontos estava muito extraordinário. Ele sabia que eu tinha ido à
os soldados se atirassem para cima de mim e longe de mim. Eu estava determinado a não Guiné e pediu-me para lhe levar as c
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8 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

MATILDE FIESCHI
fotograÆas. Viu o trabalho na redacção, Portugal, tivemos a sorte de encontrar um
mandou chamar o editor-chefe e dizia rapaz que arranca um cartaz colonial. Foi
“vejam, vejam o Uliano”. Eles olharam. uma sorte. Como foi uma sorte encontrar
Depois olharam uns para os outros, e um escrito numa parede a dizer: “Viva o 1.º
pronto: capa e miolo. Era o semanário do de Maio.” Esta fotograÆa representa algo de
Partido Comunista, óptimo, porque ali clandestino e terá permanecido assim
escrevia o Pasolini. Eram 250 mil durante dias. A dada altura, eu e o Bruno
exemplares, ou seja, pelo menos 600/700 separámo-nos porque ele tinha toda uma
mil leitores. série de pessoas para entrevistar, que eu não
Esta grande reportagem deu depois queria.
origem a um livro, um dos seus Mas entraram clandestinamente em
primeiros livros. Que impacto teve? Portugal?
Acredita que o livro teve alguma Não. Clandestinamente, não. Entrámos com
influência na ONU, por exemplo? passaportes. Podíamos entrar a partir da
É claro. O livro foi para a Comissão de Galiza, mas tinham-nos avisado para ter
Direitos Humanos da ONU. Era isso que muito cuidado, que dormíssemos todas as
queríamos, porque o livro demonstrava que noites em localidades no interior — as
ali existiam zonas libertadas e até então não pensões eram enormes, quase castelos —,
havia qualquer documentação sobre isto. porque assim os registos da nossa estadia só
Nessa altura, o Spínola convida o Gilles chegariam passados três dias a Lisboa para o
Caron, um fotógrafo francês muito bom. E controlo, ou seja, já depois de termos saído.
eles sabiam que eu estava lá, que estava do Fazíamos assim porque estávamos
outro lado, porque na rádio à noite a marcados. Por isso entrámos a partir do
locutora, a dada altura, diz Gilles Caron Norte, de carro, com a minha companheira também me abraçaram. No dia 27 de Abril, pensamento? É todo um mundo. [Portugal]
saúda Uliano Lucas. A questão para nós era que conduzia. Era uma bela mulher e ou melhor no dia 28, depois de saberem que Era um país imóvel. Parado. Antes de viajar,
documentar, porque não havia ajudou-nos a não sermos reconhecidos — Bruno Crimi tinha chegado, vieram fui folhear no arquivo do L’Espresso um
documentação. Caron estava ali para parecíamos turistas. Descemos em direcção procurar-nos e abraçaram Bruno, conjunto de fotograÆas de Portugal. Eram
recontar a história que já se sabia e para ao Porto, depois Nazaré, Æzemos toda uma dizendo-lhe que tinha sido com os seus fotograÆas tiradas por americanos e eram de
vender — não saiu uma única fotograÆa dele. série de lugares. Ele [Bruno Crimi] tinha artigos que compreenderam o que se estava uma grande banalidade. Não havia
Era impossível, eram ainda as fotograÆas dos encontros agendados e nós já tínhamos estas a passar, que era ele que os informava. Os absolutamente nada nelas. Portugal não era
grandes portugueses que já todos pensões marcadas, no interior, em pequenas seus artigos sobre os movimentos de vendável para as grandes agências
conheciam. O meu livro era o documento e aldeias. Eram pensões em que se sentia que libertação no Jeune Afrique era o que noticiosas. Mas a reportagem que eu Æz em
serviu depois para a conferência em Roma. se estava num Ælme do Hitchcock, o chão estavam a ler. Porque essa era a informação 1972 tinha material novo. Para além do Jeune
O livro já tinha saído quando foi a rangia… Mas eu, a reportagem tinha-a ainda e eles reviam-se naquilo. Afrique, saiu depois também no Astrolabio,
Conferência de Solidariedade de Roma, toda por fazer, porque, por exemplo, à saída Mas qual foi a impressão com que ficou no Tempi Moderni e em muitos outros
em 1970? da Volkswagen, em Setúbal, vês os operários do Portugal de 1972? jornais. Eu tinha trazido material fresco e
Eram as provas. Porque as minhas que saem e pões-te a fotografar, tens uns 15 Bem, chega-se à Nazaré, uma pequena vila esse material não mostrava o retrato habitual
fotograÆas já estavam a circular e devo dizer minutos. Depois, pode acontecer-te alguma da qual já tinha visto algumas fotograÆas, e de Caetano ou de uma dessas histórias.
que era a Ægura de Cabral que fascinava, coisa… Então, primeiro observava, durante era como o Mediterrâneo… o turismo. Era a E nessa viagem foram ajudados? Por
porque estavam todos a falar dele. Todos uma meia hora, estava lá e depois quando imagem do Mediterrâneo, aquelas mulheres quem?
fascinados, sobretudo as senhoras [risos]. saíam eu disparava — tá-tá-tá — e punha-me a de preto, quase que se podia dizer que se O Bruno é que tinha os contactos. Sabíamos
Três anos depois da viagem à Guiné, andar. Também fotografei os [trabalhadores estava na Sicília ou nas ilhas gregas. Era como estas viagens podiam correr mal, por
entra em Portugal com Bruno Crimi. da fábrica] da Leica [em Famalicão]. Quando como um Ælme de Hollywood. Todos isso decidimos que só ele é que tinha os
Porque decidiu fazer essa viagem? o trabalho foi publicado no Jeune Afrique, foi sentados, sossegados, com uma calma contactos. Ele tinha preparado tudo em
Porque faltavam fotograÆas a nível europeu um incrível sucesso. Mas é bom ter em inacreditável. Em Coimbra, os estudantes Paris.
que contassem Portugal em todas as suas mente que o sucesso, se podemos usar essa universitários. Fotografava-os e pensava: Em 1972 vai também a Angola, onde
nuances. Essa viagem não foi inútil. Era palavra, foi também do outro, dos textos do mas estes irão ser soldados? De que falam? O fotografa a guerrilha do MPLA.
preciso fotografar Portugal com todas as Bruno. Quando chegámos, em Abril [de que têm para dizer? Vão enfrentar uma Encontrou mais diferenças ou mais
suas contradições. Durante a estadia em 1974], os capitães abraçaram Bruno e depois guerra. Será que lêem os franceses? Têm um semelhanças entre esta e a guerrilha do
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 9

PAIGC? recebido o telefonema e eu não lhe Luta de libertação protagonistas: Soares e Cunhal. E juntou-se
Foi totalmente diferente. A viagem a Angola perguntei, por isso nunca soube. Não era de Em cima, da esquerda para a direita, toda esta multidão, foi inacreditável.
começou mal porque a segurança Portugal. Depois Bruno localizou Mário crianças-soldado a jogar durante Quanto tempo ficou em Portugal nessa
travou-nos. Era diferente da Guiné. Já então Soares e disse: “Vou falar com ele.” uma pausa na marcha, em Angola, altura?
se viam as contradições de Angola. Quando Encontraram-se com Mário Soares em em 1972; soldados do Exército e da Acho que Æquei até ao dia 10 [de Maio].
fomos tentar fotografar e falar com Holden Paris no dia 25 de Abril? Marinha festejam a queda do regime Tinha entregado os rolos, fotografei até ao
Roberto em Cabinda, ele disse-nos a dada Eu não, o Bruno sim. Eu encontrei-o apenas pelas ruas de Lisboa, no dia 28 de dia 4 e depois Æz outras coisas. Aquele
altura: “Fora!” E depois, quando começámos aqui em Lisboa, onde também encontrei Abril de 1974; mulheres numa aldeia trabalho estava feito e não quis continuar a
a viagem, que devia durar cerca de um mês e Cunhal. Vi-os no 1.º de Maio. Foi um grande angolana manifestam-se a favor da fotografar porque disse para mim que tinha
meio, o Bruno Æcou doente. Para mim, foi momento, como todas estas coisas são. No luta de libertação ouvindo o discurso acabado. Não me interessava se podia
uma viagem solitária. Dentro de Angola, entanto, no que diz respeito a Bruno e a de um comandante. Uliano Lucas: publicar estas fotograÆas nos jornais
havia toda uma série de personagens que eu mim, foi também um momento para reviver “Tínhamos ido para lá explicando que italianos ou num outro sítio. Em todo o caso,
conheci e que mais tarde foram os que a história do nosso país. Não há como queríamos tentar contar como nascia era uma história inacabada, mas para mim
Æzeram a secessão e que se massacraram escapar a isso. Eu não vi a libertação, mas uma democracia africana” bastava.
entre si. Na Guiné (pode ser uma memória vivi o momento. Há situações que E as manifestações do 1.º de Maio?
errada) havia uma grande esperança, permanecem connosco. Foram Eram as ruas, as ruas… as pessoas que se
sentia-se por dentro, em todo o povo. Uns acontecimentos extraordinários que nos juntam. É o ajuntamento de milhares e
nos outros. Em vez disso, em Angola, as afectaram de maneira profunda. Era essa a milhares de pessoas que se encontram por
aldeias estavam vazias. É outra história. minha ideia quando Æz aquela fotograÆa de uma miríade de razões. E a alegria, a
Mesmo [Agostinho] Neto era uma um velho e da mulher. Fotografei-os e aquilo felicidade, a esperança, a esperança de todos
personagem estranha. Amílcar Cabral era era o quarto, ou quinto, ou oitavo estado desabrocha. Aquele camponês do Alentejo
solar, se me é permitido usar esse termo. [referência à pintura O Quarto Estado, do ou de não sei onde [refere-se a uma
Neto era um pouco circunspecto. pintor italiano Giuseppe Pellizza da Volpedo] fotograÆa do livro com um casal de
Pouco depois, uma revolução em — era a imagem de um mundo camponês cerca de dez comunistas a saírem e eu estava meia-idade], um homem explorado toda a
Portugal. Posso imaginar estes tempos que estava a ouvir a palavra “liberdade” pela tão envolvido com toda aquela agitação, as sua vida. Felizmente, Portugal não entrou na
para um freelancer… Pensava em primeira vez. E, de qualquer modo, havia palavras de ordem, as conversas, que não Æz II Guerra, caso contrário, provavelmente
construir uma família? Já era casado? esta grande curiosidade, até para mim, uma única fotograÆa... A dada altura, chega teria morrido. Mas terá sido enviado para a
Sim. A Tatiana nasceu em 1974. Ela nasceu acerca destes militares que tomavam o um homem que estava de férias aqui, um Guerra Colonial e terá sofrido com a
quando eu estava na Eritreia. Regressei a poder. Numa estratégia política jornalista de Il Messaggero, que era nosso exploração e com a falta de liberdade. Ele
casa porque fomos presos. marxista-leninista, maoista, castrista — amigo. Como todos os jornalistas, começou deve ter compreendido, ele compreendeu
Há uma pergunta que se tornou meio chamem-lhe o que quiserem — isto era logo a fazer perguntas: diz-me isto e aquilo e que num determinado momento a palavra
anedótica, meio clássica e que se faz a impossível, mas em Portugal tinham-no mais isto. Ele tinha de escrever uma peça “liberdade” assumiu um forte signiÆcado.
quem tem memória da revolução em feito. E como isto aqui funcionou, todos os imediatamente. E esta saída durou cerca de Mas tinha aquele rosto fechado, e então
Portugal. É esta: onde é que estava falsos marxistas, maoistas, etc. italianos meia hora. Quando puxei da câmara, podes presumir que veio de uma família que
quando se deu o 25 de Abril? vieram para cá em passeio, Æzeram Ælmes, apercebi-me de que já tinha terminado. teve problemas no seu seio. Sejamos claros.
Estava em Paris a fazer um trabalho com o admiravam os militares… Mas como, se até Agora, sinto-me mal, mas naquele momento Por mais difícil que tudo isso seja, há um
Bruno. A certa altura ele recebeu um anteontem dos militares ninguém gostava? estava a viver aquela história... momento em que tudo explode — tem-se
telefonema: estão a dizer que houve uma Chegou no dia 27 de Abril. Para onde foi Em contrapartida, as suas fotografias do liberdade, liberdade. Foram também as
revolução! Eu não estava com ele nesse assim que pousou as malas no hotel? pós-25 de Abril têm uma coisa original, utopias, as esperanças. Porque em qualquer
momento, mas vivia em casa dele. Quando O primeiro encontro que tive não foi com são das poucas que conheço tiradas noite caso, todas estas histórias, mesmo em Paris
cheguei a casa à noite, ele estava lívido, notei um oÆcial. Foi com alguém que estava dentro. Dá a ideia de que dormiu pouco [Maio de 68], foram a história de uma utopia,
que estava atordoado. Perguntei: “Estás dentro do Estado. Não era um militar. Agora nesses dias… não? Quando dizem que as utopias estão
bem? Tiveste alguma discussão com a tua não me lembro exactamente, era alguém do Não dormi nada! Foi extraordinário, como se mortas, a verdade é que ainda estão cá
companheira?” “Não”, diz-me ele, “parece Estado, que tinha sido da entourage de pode imaginar. Não era a história do Outubro dentro.
que está a acontecer uma revolução em Soares. No dia seguinte, fomos para a frente Vermelho, de John Reed, mas era um
Lisboa”. “A sério?”, digo eu. Estou à espera de uma prisão de onde os presos políticos momento de felicidade. O primeiro dia foi O PÚBLICO agradece a Elisa Alberani
de novidades, diz Bruno. Mas como por estavam a sair. Ali, tomado por toda aquela uma felicidade que explodiu… a história e Vincenzo Russo pela tradução
vezes tinha este mecanismo de não dizer euforia, não tirei uma única fotograÆa. A começa ali, a deste Portugal. Depois tivemos simultânea das perguntas; e a Rui Miguel
nada… ele não me disse de onde tinha prisão Æcava em Lisboa, em Caxias. Havia o 1.º de Maio com estes dois grandes Ribeiro pela tradução da entrevista
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10 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Todos
querem
regular a

IA
N
a corrida à inteligência ar-
tiÆcial (IA), há uma coisa em
que legisladores e políticos
dos EUA, China e União
Europeia concordam há já
alguns anos: é preciso con-
trolar a proliferação global
de novos sistemas criados
para simular o saber humano. O tema ganhou
urgência desde o Ænal de 2022 com o apareci-
mento de novos chatbots, como o ChatGPT,
cujas respostas (certas ou erradas) são, frequen-
temente, indistinguíveis das de pessoas. A for-
ma de o fazer, porém, difere.
“Na União Europeia, procuramos leis am-
plas que proíbam usos de tecnologia que trans-
gridem os nossos valores, tais como ferramen-
tas que manipulam grupos vulneráveis. Os
EUA concordam com estes princípios, mas
estão muito preocupados com a questão da
inovação e da competição com a China e que-
rem evitar leis rígidas. E a China tem a sua
própria visão”, problematiza ao P2 a eurode-
putada Maria Manuel Leitão Marques, que
integrou uma delegação aos Estados Unidos
para perceber a estratégia do país relativamen-
te à inteligência artiÆcial.
A primeira proposta europeia, que deÆne
diferentes regras consoante o risco social das
ferramentas que usam a tecnologia (de baixo
a inaceitável), foi apresentada há já dois anos
pela Comissão Europeia. O Parlamento Euro-
peu está a Ænalizar a sua versão do texto —
mas paço da China também obriga as empresas a
registar algoritmos de recomendação junto
do Governo. A táctica sustenta a intenção de
Xi Jinping de utilizar a IA como instrumento
o processo, que se pensava Æcar concluído
em Março deste ano, foi estendido para ga-
rantir que as regras consideram novas ferra-
mentas generativas capazes de produzir con-
ninguém de governação social.
Já Bruxelas, sem grandes empresas líderes
na área, dedica-se à protecção de direitos fun-
damentais, como a privacidade e a autonomia,

se
teúdo (áudio, imagens ou texto) do zero a através da Lei da Inteligência ArtiÆcial (AI Act),
partir da análise de enormes quantidades de que está a ser traçada desde 2021 e deve deÆnir
dados. Por exemplo, ao exigir a divulgação os limites da tecnologia para os 27 Estados-
das bases de dados usadas para treinar estes membros. Ferramentas que identiÆcam e se-

entende
modelos de IA. guem pessoas em tempo real são consideradas
“Não é fácil deÆnir regras nesta área. É uma como tendo um risco inaceitável. A esperança
área em que se está a legislar de forma experi- é que a legislação possa guiar outros países que
mental”, admite a eurodeputada. “Sabemos querem manter boas relações comerciais com
que não podemos ser proteccionistas. A inte- a Europa da mesma forma que o Regulamento
ligência artiÆcial tem riscos, mas também está Geral para a Protecção dos Dados (RGPD), que
a permitir uma enorme evolução cientíÆca em surgiu em 2018.
várias áreas. Como na detecção e no tratamen- Do outro lado do Atlântico, na casa da Mi-
to de doenças, na segurança e no transporte crosoft, Google e OpenAI, a manutenção da
de informação”, enumera. “Há diferentes preo- competitividade nacional é a prioridade dos
cupações em todo o mundo. Temos de perce- legisladores, que querem ver mais instituições
ber onde podemos e queremos convergir.” governamentais e universidades a trabalhar na
Factores culturais e socioeconómicos in- tecnologia lado a lado das gigantes dos dados.
Çuenciam as diferentes abordagens das nações A visão do país é semelhante à da UE, o foco é
que protagonizam o debate sobre a legislação.
Pequim, que é casa de gigantes da inteligência
Líderes mundiais querem leis para as novas incentivar as empresas a seguir um conjunto
de boas práticas de desenvolvimento de inte-
artiÆcial como a Baidu e a Alibaba, está a ten-
tar obrigar a tecnologia a “reÇectir os valores
formas de inteligência artiÄcial, mas o ligência artiÆcial.
As divergências preocupam especialistas de
centrais do socialismo”, ao proibir o desen-
volvimento de chatbots inteligentes que pro-
processo demora. É preciso equacionar o políticas públicas que acreditam que a falta de
coesão quanto a limites para a inteligência ar-
paguem informação “ilegal” (contra o regime).
É o motivo pelo qual o novo chatbot da Baidu, impacto na liberdade, inovação e comércio tiÆcial pode intensiÆcar a competição tecnoló-
gica, levando à desvalorização de determinados
o Ernie, diz que “não tem dados suÆcientes”
sobre a repressão dos protestos pró-democrá- — China, UE, e EUA têm ideias diferentes riscos. “Os governos vão estar a procurar ul-
trapassar os outros no desenvolvimento e im-
ticos de 1989 em Pequim — é um episódio que plantação da tecnologia para ganhar mais po-
a China quer deixar cair no esquecimento. der e riqueza. Isto aumentará a tolerância para
Desde 2022 que a Administração do Ciberes- Por Karla Pequenino compromissos que são prejudiciais à seguran-
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 11

ANDRIY ONUFRIYENKO/GETTY IMAGES


priedade Intelectual (WIPO, na sigla inglesa), mos enviesados, que é um dos grandes proble-
na última década, a China submeteu mais de mas actuais da IA. “Facilita o preenchimento
389 mil patentes de tecnologias de inteligência de lacunas, tais como a falta de dados sobre
artiÆcial. O valor representa 74,7 % do total de mulheres ou pessoas de outras etnias. A Inter-
patentes submetidas na área. “Não é eÆcaz net é muito dominada pelo sexo masculino, o
coordenar políticas e regulamentos apenas que cria um problema para muitas ferramentas
entre países com valores semelhantes, pois os de IA”, nota Braga.
países de fora do grupo continuarão a desen- Os defensores da legislação argumentam, no
volver a inteligência artiÆcial à sua maneira”, entanto, que a criação de leis claras acelera o
salienta Yarime. desenvolvimento tecnológico. “Uma regula-
Sem consenso, o comércio internacional mentação mais rigorosa pode ser uma fonte
também sairá prejudicado com muralhas digi- de inovação”, insiste Regine Paul, uma inves-
tais impostas por leis distintas. “Se cada Estado tigadora da Universidade de Bergen, na Norue-
desenvolver um sistema diferente, por exem- ga, que também se foca em políticas públicas.
plo, para carros sem condutor, o comércio in- Para esta perita, a criação de regras pode até
ternacional vai ser muito complicado”, diz a estimular a competitividade europeia, que, por
engenheira e eurodeputada Maria da Graça enquanto, segue atrás dos EUA e da China.
Carvalho, que também tem acompanhado o “Bruxelas pode criar um nicho para as empre-
debate europeu. “Devemo-nos focar em deÆnir sas europeias de inteligência artiÆcial”, diz. “A
padrões para a tecnologia que sejam comuns legislação pode impulsionar actividades de
com os princípios dos nossos aliados e depois investigação e desenvolvimento na Europa em
também com outros países. O comércio inter- torno de modelos de IA que expliquem os seus
nacional é algo que vai beneÆciar a economia resultados.”
europeia, por isso é importante evitar barreiras “A ideia de que a regulação pode ‘asÆxiar a
tecnológicas que diÆcultem trocas comerciais. inovação’ é um argumento frequentemente
Especialmente com países aliados.” utilizado pelas empresas de lobby contra a re-
gulamentação”, concorda Lee Dixon, do Cen-
tro para a Inteligência ArtiÆcial e Políticas Di-
Alternativas a leis
gitais. “Uma orientação regulamentar clara
Enquanto o debate sobre a legislação segue pode encorajar a inovação, uma vez que as
em passo lento, o desenvolvimento da tecno- empresas de diferentes dimensões têm o poder
logia não pára. Em 2023, pelo menos dois pré- de inovar livremente dentro de limites claros
mios de fotograÆa, criados por sistemas de sem se arriscarem ou se preocuparem com
inteligência artiÆcial, foram acidentalmente questões de conformidade inesperadas.”
atribuídos a seres humanos. O número de apps Braga não vê legislação a nivelar o tabulei-
móveis que usam a expressão “chatbot com ro de jogo. “A legislação é difícil de validar e
inteligência artiÆcial (IA)” ou “conversa com só prejudica pequenas empresas. As grandes
IA” aumentou mais de 1480%, com 158 novos podem sempre pagar multas. Ouvimos cons-
programas lançados nos primeiros três meses tantemente notícias de gigantes tecnológicas
do ano, segundo dados da analista de merca- que são multadas em grandes quantidades
do Apptopia. Algumas prometem amizade, de dinheiro, mas continuam”, aponta a espe-
amor ou terapia. cialista.
ça e interesse públicos”, alerta ao P2 a investi- Competitividade Ren Bin Lee Dixon, do think thank de Wa-
gadora Ren Bin Lee Dixon, que integra o Centro Para a investigadora Regine Paul, shington, alerta para o facto de que a demora
Tecnologia nunca espera
para Inteligência ArtiÆcial e Políticas Digitais a criação de regras para a em estabelecer legislação aumenta o risco de
(CAIDP na sigla inglesa), uma organização não inteligência artificial pode estimular “captura regulamentar”. “Isto acontece quan- Independentemente da abordagem exacta —
governamental em Washington, nos EUA. a competitividade europeia, que, do as empresas ganham demasiado poder e a leis rígidas, ou códigos de conduta —, a neces-
Os riscos das novas ferramentas de inteli- por enquanto, segue atrás dos EUA capacidade de inÇuenciar os esforços regula- sidade de discutir o futuro da inteligência ar-
gência artiÆcial incluem a difusão de notícias e da China mentares para proteger os seus próprios inte- tiÆcial está a escalar. Na segunda-feira, os le-
falsas, fraude, manipulação de pessoas vulne- resses”, diz a investigadora, que acredita que gisladores europeus apelaram aos líderes
ráveis e a perda de valor do trabalho de escri- a lentidão diÆculta a criação de leis na área. mundiais para que se organize uma conferên-
tores e artistas visuais. O relatório mais recen- “O mundo está no ‘Verão quente‘ da inteli- cia sobre IA, uma vez que o desenvolvimento
te do banco de investimento Goldman Sachs gência artiÆcial, mas os Governos movem-se da tecnologia está a ser mais rápido do que o
também alerta para o facto de que tecnologia devagar. É por isso que sou a favor da certiÆca- esperado.
como o ChatGPT põe em causa 300 milhões ção e não da regulamentação”, contrapõe, por “A regulamentação tende sempre a arrastar-
de postos de trabalho em todo o mundo. sua vez, a empresária portuguesa Daniela Bra- se por detrás do desenvolvimento tecnológico”,
ga, fundadora da empresa de inteligência arti- observa Regine Paul, da Universidade de Ber-
Æcial DeÆned.ai, que ajuda algoritmos a com- gen. “É uma característica-chave da moderni-
China de fora do debate
preender aquilo que vêem. “Deve ser possível dade humana”, continua, referindo-se à tese
Nos últimos anos, têm surgido algumas tenta- identiÆcar a tecnologia das empresas que se- do sociólogo Ulrich Beck, em Sociedade de Ris-
tivas de colaboração internacional. Só que a
China, que é um dos grandes poderes da inte-
O mundo está no guem os melhores padrões de inteligência ar-
tiÆcial. A análise deve ser feita por entidades
co. “Inventamos sempre novas ferramentas e
avanços tecnológicos que nos ajudam a enfren-
ligência artiÆcial, Æca frequentemente fora de
grupos que incluem a UE e os EUA. Organiza-
‘Verão quente‘ da independentes e depois Æca ao critério do ci-
dadão usar ou não a tecnologia de uma dada
tar os riscos do nosso tempo, mas estas novas
tecnologias vêm sempre com novos riscos que
ções que discutem activamente directrizes
sobre esta tecnologia, como a Parceria Global
inteligência empresa. Os EUA seguem esta abordagem”,
continua Braga, que desde 2021 integra o grupo
precisamos, então, de enfrentar através da re-
gulação e de novas correcções tecnológicas.”
para Inteligência ArtiÆcial (GPAI), não têm Pe-
quim entre os seus membros. artificial, mas os de conselheiros a ajudar a Casa Branca (NAIRR)
a abrir a investigação sobre política de IA.
“É preciso reunirmo-nos para chegar às so-
luções. E a verdade é que, quando temos um
“É crucial manter canais abertos para discu-
tir questões e desaÆos-chave relativos à inteli- Governos movem-se O foco nos EUA é inÇuenciar o mercado, sem
o controlar. Por exemplo, se os consumidores
grande problema, temos conseguido juntar
esforços para o resolver. Como se viu com a
gência artiÆcial, incluindo privacidade, segu-
rança e aplicações em vários sectores, tais devagar. É por isso começarem a preferir ferramentas treinadas
com bases de dados que foram validadas por
pandemia e como se está a ver com as altera-
ções climáticas”, desdramatiza a eurodepu-
como aplicações militares”, explica ao P2 Ma- peritos por serem diversas e transparentes, vai tada Maria da Graça Carvalho, que mantém
saru Yarime, que lidera o mestrado e doutora-
mento em Políticas Públicas da Universidade
que sou a favor da existir mais oferta deste tipo de IA. É uma das
áreas de trabalho da DeÆned.ai que nasceu
uma visão optimista da tecnologia. “Se com-
pararmos o nosso modo de vida há 100 anos,
de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, e tem
escrito sobre o tema. “A China é um dos líderes
certificação e não como um mercado de dados para treinar algo-
ritmos através de informação obtida volunta-
a grande diferença foi a evolução tecnológica.
Na área da medicina, da indústria, no cresci-
mundiais no que diz respeito a publicações
cientíÆcas e patentes sobre IA. E existem gran-
da regulamentação riamente de utilizadores online que são pagos
pela informação.
mento económico, e também na democracia.
A Internet possibilitou a difusão de valores
des empresas tecnológicas na China.”
Segundo a Organização Mundial para a Pro-
Daniela Braga Usar bases de dados que não são opacas sim-
pliÆca a correcção de problemas com algorit-
democráticos pelo mundo e não nos podemos
esquecer disso.”
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12 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Cartografar a habitação
A habitação é um elemento essencial no pla-
neamento e ordenamento do território e do
desenvolvimento das cidades e do espaço ur-
bano, assumindo um papel central na deÆnição
e na implementação de políticas urbanas e so-
ciais, marcando, enquanto direito, um pré-re-
quisito no acesso a outros direitos e inÇuen-
ciando muito a qualidade de vida das popula-
ções. Não se consegue ter segurança,
privacidade, saúde, produtividade, paz e or-
dem social, sem habitação. E desenvolvimen-
to humano sem padrões médios de acesso a
oferta habitacional e de condições de habita-
bilidade dignas.
Pelo elo que estabelece com a questão da
propriedade material, a habitação ocupa uma
posição particular no quadro das políticas pú-
blicas dos Estados-nação modernos, posicio-
nando-se na interseção de dois direitos, o di-
reito à propriedade e o direito à habitação,
ambos presentes na Declaração Universal dos
Direitos Humanos e na Constituição da Repú-
blica Portuguesa, o que justiÆca uma necessi-
dade de regulação pública. Esta necessidade
de política torna-se ainda mais premente quan-
do percebemos que a habitação não é algo que
possa ser considerado isoladamente, entrecru-
zando-se com várias dimensões da sociedade
que se manifestam no território e em particu-
lar no espaço urbano, tendo implicações na
organização deste, na qualidade do espaço
público ou na estruturação dos sistemas de
transportes.
No fundo, o direito à habitação é uma peça
do direito à cidade, que de algum modo pode
ser entendido como a possibilidade de usufruir,
viver e participar no processo de produção e
uso daquela, dos seus espaços e dos recursos
de que dispõe, numa perspetiva justa, demo-
crática e sustentável. Para que isto se concre-
tize, são necessárias políticas públicas de ha-

Vamos falar
bitação que se cruzam, por exemplo, com as
políticas de planeamento urbano e que incluem
instrumentos diversos e amplamente utilizados
nos vários países da Europa, que vão da com-
ponente Ænanceira e Æscal (subsídios à cons-
trução e ao arrendamento, benefícios Æscais à
compra ou ao arrendamento social, imposição

de habitação?
de tetos ao arrendamento) até à regulação dos
produtos (caraterísticas das ediÆcações e dos
espaços que estas ocupam).

Habitação, um pilar do Estado


social sempre adiado

As condições para
O direito à habitação está consagrado na Cons-
tituição desde 1976, a par de outros direitos
sociais. Todavia, é consensual nos estudos so-
bre habitação em Portugal que durante todo
o período democrático foi dos sectores mais

um pacto de regime
secundarizados do Estado social, emergindo
como uma espécie de pilar fraco, quer do pon-
to de vista orçamental e de afetação da despe-
sa pública quer da conceção de uma visão es-
tratégica das políticas públicas. Tendo o direi-
to à habitação um caráter programático,
dependente das capacidades de Ænanciamen-
to dos sucessivos governos, a legislação apro-
vada ao longo dos anos tem corrido de modo
Análise A habitação é um tema complexo, multidimen-
errático, desdobrando-se em programas espe-
cíÆcos e medidas parcelares, sem que se tenha sional, multifactorial e pluriescalar. Hoje está no topo
norteado por princípios e regras basilares de
uma política pública de habitação consistente,
correndo ao sabor dos interesses e oportuni-
agenda, mas raramente foi assim em Portugal. Dois
dades dos ciclos e dos poderes económicos e
políticos de cada momento.
A par de uma desarticulação de escalas, pú-
geógrafos lembram o passado e dão pistas para o futuro
blicos-alvo e territórios que as políticas de ha-
bitação têm conhecido nas últimas décadas, Por Jorge Malheiros e Luís Mendes
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 13

PEDRO CUNHA
o início da inclusão da habitação na agenda, tivos, procede-se a uma concentração institu- produzir, em diversos bairros sociais que Æ#
para além de assumirem, avant la lettre, que cional das respostas públicas no âmbito de nanciou, este tipo de erros urbanísticos.
esta corresponde a um direito social. Se no uma única entidade, o Fundo de Fomento para
plano da política e dos princípios emergem a Habitação (FFH), criado em 1969, e a uma
Habitação e política
claros avanços, no que respeita à concretiza- reorientação das ações, que levaram à cons-
ção, quase tudo falhou (à data de queda 1.ª trução de diversos bairros públicos de grande no Portugal democrático
República, em 1926, dos cinco bairros sociais dimensão no quadro dos chamados Planos A implantação da democracia portuguesa em
planiÆcados, apenas um (o do Arco do Cego) Integrados de Habitação. Abril de 1974 deparou-se com um sério proble-
tinha algumas dezenas de casas construídas. Por esta via, o Estado português agia como ma de habitação, agravado com a chegada de
Durante o Estado Novo, sobretudo até aos diversos outros países da Europa ocidental no mais de meio milhão de pessoas que foi neces-
anos de 1960, a habitação ocupou um lugar período posterior à II Guerra, procurando as- sário alojar, no período de descolonização e
relativamente periférico na agenda política, sumir um papel de promotor habitacional mais independência dos PALOP. Para além de res-
assumindo funções mais ideológicas e de es- ativo e tornando-se potencialmente senhorio postas de emergência para este grupo, como
tabilização dos fundamentos político-sociais de um número signiÆcativo de fogos arrenda- os designados bairros de casas pré-fabricadas
do regime do que de garantia do direito à ha- dos a valores sociais. Embora esta fase tenha CAR (Comissão para o Alojamento dos Refu-
bitação. As “Casas Económicas” são o progra- levado a que os problemas da habitação refor- giados), o período revolucionário foi marcado
ma mais emblemático da política habitacional çassem o protagonismo na agenda política por uma intenção de reforço da intervenção
do Estado Novo até à fase da Primavera Mar- portuguesa e a ideia de maior intervenção pú- pública no setor da habitação, tanto em termos
celista. Destinando-se a funcionários públicos blica direta no setor ganhasse algum lastro, a de regulação, como do propósito de intensiÆ#
e a membros dos sindicatos do regime, eram concretização efetiva destes desideratos foi car a promoção pública.
atribuídas num regime de “propriedade re- bastante limitada. Não só a concretização dos O Serviço Ambulatório de Apoio Local
solúvel” que tornava os residentes proprietá- fogos inicialmente previstos foi reduzida, como (SAAL) foi o programa habitacional mais em-
rios ao Æm de 25 anos de pagamento e cons- foi sofrendo vários atrasos. blemático deste período, correspondendo a
truídas, desejavelmente, no âmbito do protó- Se estas iniciativas possibilitaram o desenho um processo muito rico que conjuga princípios
tipo da “casa portuguesa”, muitas vezes sob de projetos inovadores e experimentais em de ação notáveis: uma forte participação das
o formato de vivendas geminadas, pequenas, termos arquitetónicos e de desenho urbano, a populações com um diálogo sistemático entre
com quintal e horta, inspirada no ideário de incapacidade ou lentidão na concretização dos técnicos e residentes, a interdisciplinaridade
Raul Lino. arranjos do espaço público e o arrastar das técnica das brigadas de intervenção, a descen-
Esta orientação para os grupos sociais mais várias fases dos projetos limitaram — ou pelo tralização e um esforço efetivo para garantir
próximos do regime e a valorização do cami- menos atrasaram — o nível de qualidade dos que as populações carenciadas se mantivessem
nho para a propriedade (se os pagamentos espaços construídos. Ademais, diversos destes nos mesmos locais. Ativo entre Agosto de 1974
fossem cumpridos e os princípios de moral novos bairros, com destaque para alguns de e Outubro de 1976, o SAAL implementou par-
respeitados) evidenciam a clara motivação grande dimensão, localizaram-se em áreas pe- cial ou totalmente 169 projetos habitacionais
ideológica deste programa. É certo que, so- riféricas e por vezes pouco conectadas dos distribuídos por nove distritos do continente
bretudo após 1945, as fortes carências habi- aglomerados concentrando centenas de famí- que envolviam mais de 41 mil famílias.
tacionais nas áreas urbanas conjugadas com lias de baixos recursos, contribuindo para pro- Desenvolvido num período de transição pro-
processos de desalojamento resultantes das cessos de déÆce na ligação física e social à ci- funda de regime marcado por uma forte ins-
demolições de edifícios ocupados por cama- dade e, portanto, de segregação residencial. tabilidade política e por um contexto de crise
das populares no âmbito de planos de moder- De resto, a satisfação residencial nestes bairros económica nacional e internacional, as vicis-
nização urbana levaram à implementação de Æcou associada à frase “gosto pela casa, des- situdes desta iniciativa foram diversas e in-
outros programas como o das “Casas para gosto pelo bairro”. Curiosamente, um quarto cluem diÆculdades em estabilizar as estruturas
Famílias Pobres”, que ao longo de mais de 30 de século depois, o Programa PER viria a re- coordenadoras nas várias regiões, avanços e
anos terá possibilitado a construção de cerca recuos nos processos participados de decisão,
desprovidas que parecem estar de coerência, de 5000 alojamentos em 220 bairros. Este alterações nos protagonistas políticos e técni-
a evolução do direito à habitação em Portugal programa, conjuntamente com o “Programa cos, carências Ænanceiras e, muito importante,
foi transversalmente inÇuenciada por carac- de Casas de Renda Económica”, valorizou diÆculdades de acesso ao solo.
terísticas/dinâmicas do próprio mercado de uma orientação de política pública, comple- Efetivamente, no momento da sua extinção,
habitação português, que não têm facilitado o mentar à linha fundamental, assente no ar- apenas 13% dos solos necessários para a imple-
seu desenvolvimento: a crise de um Estado- rendamento de habitações a preços sociais mentação dos projetos programados estava
providência, de si já de desenvolvimento lento, construídas com forte subsídio do Estado, garantido, como referem Bandeirinha e colegas
tardio e exíguo; o peso residual da habitação
social ou pública (2%); um mercado de habita-
sobretudo por parte de municípios e miseri-
córdias. Em simultâneo, neste panorama em
O direito à num trabalho de 2018. A precipitação do seu
Æm em 1976 tem uma justiÆcação mais ideoló-
ção muito rígido, de escassa mobilidade e mui-
to concentrado no regime de aquisição de casa
que o arrendamento ganhou força, o conge-
lamento das rendas dos imóveis de proprie-
habitação é uma gica do que técnica, ou assente numa avaliação
holística de resultados. Com a reorientação
própria; a par de um mercado de arrendamen-
to frágil e pouco credível.
tários privados, originalmente introduzido
pela 1.ª República, é reaÆrmado em 1948, mas
peça do direito política iniciada com o 25 de Novembro de 1975
e formalmente aÆrmada com os resultados das

Génese das políticas de habitação


apenas para Lisboa e Porto.
Apesar destas medidas de caráter social in- à cidade, que pode eleições legislativas de 1976, a ação e as estru-
turas de base popular são desvalorizadas, per-

em Portugal
troduzidas no domínio das políticas de habi-
tação, a sua amplitude foi insuÆciente para ser entendido como dendo espaço e apoios, ao mesmo tempo que
a política económica inicia uma trajetória em
Em Portugal, as primeiras iniciativas explícitas
de política pública no domínio da habitação
fazer face a uma procura crescente induzida
pelo crescimento da população urbana cada a possibilidade de direção ao estímulo à iniciativa privada e aos
mercados, emergindo os solos urbanos como
remetem para a 1.ª República, designadamen- vez mais concentrada no Porto e, sobretudo, uma componente fundamental destas opções
te por via de diplomas de 1918 e 1919, que se
orientam, por um lado, para a concessão de
em Lisboa e na sua periferia. Como a maioria
destes migrantes internos auferia salários bai-
usufruir, viver liberalizantes.
Para além do SAAL, houve outros mecanis-
estímulos diversos às entidades públicas e pri-
vadas que implementassem projetos habita-
xos, não conseguia aceder a uma oferta resi-
dencial, não só globalmente insuÆciente, como
e participar na mos de política habitacional que foram mobi-
lizados neste período, que nalguns casos pro-
cionais com “preço locativo máximo” e, por
outro, para a construção de bairros sociais por
desajustada à procura social. Quando se chega
a Ænais dos anos 60, a carência de habitações
produção e uso longam ou adaptam medidas que vinham do
Estado Novo, cujos objetivos se enquadram no
via da ação direta do Ministério do Trabalho
que, neste último caso, introduziu em Portugal
estimava-se em 600 mil, os bairros de barracas
e outras soluções de autoconstrução precária
daquela, dos âmbito de uma extensão do acesso à habitação
dos grupos mais vulneráveis e da proteção dos
uma componente inovadora de “reconheci-
mento do direito à habitação” dos trabalhado-
expandiam-se com consequências no desor-
denamento do território e no incremento dos
espaços e recursos moradores sem, contudo, colocar em causa o
direito à propriedade da habitação e do próprio
res, como referem no seus trabalhos Maria da
Conceição Tiago e Eliseu Gonçalves.
riscos (como as consequências terríveis das
cheias de 1967 expuseram), sobretudo na AML,
de que dispõe, solo urbano.
É certo que neste período, após reconhecer
Do ponto de vista da política pública, estes
primeiros programas, de que são exemplo o
mas também em outros locais. JustiÆcou-se
assim uma reorientação nas respostas públicas
numa perspetiva constitucionalmente o direito social à habita-
ção, o Estado tenta assumir uma atitude mais
Bairro da Arrábida no Porto (enquadrado na
legislação de 1918) e o Bairro do Arco do Cego,
à questão residencial, como Æcou patente nos
instrumentos-macro de política do Estado justa, democrática intervencionista e que as respostas implemen-
tadas tendem a privilegiar a habitação como
em Lisboa, única realização que Æcou das ini-
ciativas ligadas ao diploma de 1919, marcaram
Novo do período posterior a meados dos anos
de 1960. Neste período, em termos organiza- e sustentável direito em detrimento da habitação como ne-
gócio e propriedade, ainda que de forma c
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14 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

limitada e incompleta. Medidas como o apoio e pela cultura da propriedade instalada na so- etapa desta nova matriz das políticas urbanas,
às cooperativas de habitação (pelo lado da pro- ciedade, implementando estratégias de con- marcada pelo estímulo à captação de novos
dução), ou a extensão do congelamento das cessão de crédito progressivamente menos investidores e por novas medidas de liberali-
rendas a todo o país, no que respeita à regula- controladas. zação do setor que surgem na sequência do
ção, exempliÆcam esta matriz política. No en- O resultado desse processo teve como resul- Memorando de Entendimento assinado com
tanto, ela revelou-se insuÆciente para dar res- tado a generalização do acesso à habitação a troika, em 2011, e da orientação neoliberal
posta às necessidades habitacionais das popu- própria por parte das classes sociais média e assumida pelo Governo do período 2011-2015.
lações das classes baixa e média-baixa, média-baixa, contribuindo para reduzir as ca- Este processo culmina com a aprovação do
mantendo-se a oferta pública sempre residual rências habitacionais e garantir uma reserva Novo Regime do Arrendamento Urbano, em
face à componente mercantil, complementada patrimonial. Em contrapartida, veio acentuar 2012, em conjunto com a simpliÆcação da Lei
com a autoconstrução em loteamentos clan- a expansão desordenada e desqualiÆcada de do Alojamento Local, em 2014, e com os paco-
destinos, que se expandiu entre Ænais do de- diversos subúrbios da AML, acentuou desigual- tes para atração de investimento estrangeiro,
cénio de 1960 e inícios de 1980, sobretudo na dades residenciais, desvalorizou o arrenda- tais como o regime Æscal muito favorável para
AML, tendo obrigado a esforços de regulariza- mento e aumentou o endividamento das famí- os residentes não habituais (estabelecido em
ção a posteriori, enquadrados a partir de 1995 lias, expondo-as a eventuais situações de crise, 2009), o programa dos denominados Vistos
pelo decreto-lei das Áreas Urbanas de Génese seja por via da perda de rendimentos, da des- Gold, de 2012), os Real Estate Investment Trust
Ilegal (AUGI). valorização dos imóveis hipotecados ou de (REIT), as Sociedades de Investimento e Gestão
Este curto período em que a habitação ocu- processos inÇacionários. Parecendo um mo- Imobiliária (SIGI) e as isenções Æscais para os
pou uma posição elevada nas políticas públicas delo habitacional prometedor, se a oferta pú- Fundos de Investimento Imobiliário.
portuguesas e se procuraram colocar em prá- blica for residual e o Estado não possuir me- Estas alterações reorientaram o interesse
tica medidas de materialização do direito à canismos de regulação eÆcazes, ele revela-se, especulativo de uma elite transnacional, jun-
habitação num sentido de acesso universalista, aÆnal, insustentável a prazo. tamente com o forte crescimento da procura
de qualidade e com dimensões coletivas, deu Neste período, o Programa Especial de Rea- turística nas cidades de Lisboa, Porto, e noutras
lugar a uma fase longa que se estabelece em lojamento (PER), iniciado em 1993, constitui, capitais de distrito, e a disponibilidade de um
deÆnitivo nos anos de 1990 e que tem como de algum modo, um elemento de exceção ao parque habitacional, parcialmente desocupa-
orientação a retração do Estado central no do- modelo estabelecido, pois possibilitou a reali- do e em avançado estado de degradação, que
mínio da propriedade habitacional e na pro- zação de construção pública para realojamen- criou oportunidades de gerar mais-valias para
moção direta e o estímulo ao setor privado to dos residentes em habitação degradada por a especulação imobiliária. Assim se gerou uma
como o provedor quase exclusivo de habitação, parte dos municípios metropolitanos, com re- “tempestade perfeita” que introduziu distor-
seguindo um modelo de propriedade privada curso a Ænanciamento da administração cen- ções signiÆcativas no mercado de habitação,
com recurso ao crédito, que aÆrma o nexo Æ# tral. No entanto, o seu caráter de massas e ao nível do segmento de habitação acessível
nança-habitação, como demonstra Ana Cor- concentrado no tempo (a maioria das constru- para residência permanente ou para arrenda-
deiro Santos. ções ocorreu entre 1995 e 2002) contribuiu mento de longa duração, produzindo especu-
Até ao Ænal dos anos 80 consolida-se esta para estimular o setor da construção que nes- lação imobiliária, reduzindo as oportunidades
nova matriz de política habitacional, com a te período concorria para a dinâmica econó- residenciais das classes médias e aprofundan-
publicação de sucessivos diplomas que refor- mica registada. do desigualdades socio-espaciais no acesso à
çam o sistema de crédito à habitação própria Se o PER desempenhou a missão de eliminar habitação, manifestas em “expulsões” e no
(1976 e 1978), consagrando o princípio do a larga maioria dos bairros de barracas metro- incremento da segregação residencial.
“apoio à pessoa” (ao consumidor de habitação) politanos e fornecer formas de habitação dig-
em detrimento do “apoio à pedra” (à produção nas a grupos de baixo estatuto socioeconómi-
E agora?
de habitação). Adicionalmente, são também co, as suas limitações são também reconheci-
atribuídos incentivos à aquisição de casa pelos das em termos sociais e cientíÆcos. Em primeiro O agravamento das diÆculdades de acesso à
jovens (1986), isenções do pagamento da con- lugar, destruiu tecidos sociais, fragmentando habitação, sobretudo desde a crise Ænanceira
tribuição predial por um prazo de dez anos a coesão e os laços já criados em diversas co- de 2007 e atingindo agora as classes médias,
aos proprietários de uma nova 1.ª habitação, munidades, fazendo tábula rasa da geograÆa contribuiu para que a questão da habitação
estabelecidos princípios de venda das habita- social preexistente, deslocalizando e desenrai- fosse retomada pelos poderes públicos nacio-
ções sociais aos inquilinos e início do processo zando as comunidades. Depois, a segregação nais, como atestou a reintrodução de uma Se- de despejo. No caso português, a reabilitação
de descongelamento das rendas com o Regime residencial agudizou-se em diversos casos, pois cretaria de Estado da Habitação autónoma em energética do ediÆcado tem de ser analisada
do Arrendamento Urbano de 1985. a implantação de alguns novos bairros fez-se 2017, a publicação do documento da NGPH no e implementada com cautela, pois a invocação
Segundo um estudo do IHRU de 2015, o in- de forma isolada e desintegrada da malha ur- mesmo ano e a promulgação, muito tardia, da do motivo de obras profundas, contemplada
vestimento público realizado em habitação bana existente. Lei de Bases da Habitação em 2019. no NRAU 2012, tem sido uma das principais
entre 1987 e 2011 terá sido direcionado em mais Mais recentemente, entrou-se na segunda Mais recentemente, o Programa de Recupe- causas de despejo dos inquilinos, o que torna
de 70% para o apoio à boniÆcação de juros, ração e Resiliência (PRR) veio trazer o envelo- difícil a aplicação desta reforma, sem uma re-
valor muito superior aos gastos com promoção pe Ænanceiro necessário à materialização de forma paralela ao nível da legislação e do mer-
direta ou apoio ao arrendamento (representa- algumas reformas, não só mas também, no cado de arrendamento, sob risco de incremen-
vam cerca de 10%). O apoio à reabilitação por âmbito da habitação em eventual articulação tar a vulnerabilidade residencial.
parte dos proprietários privados vai também com o ordenamento do território. Perante as enormes desigualdades socioter-
começar a ser incentivado politicamente atra- Entre estas reformas, um primeiro aspeto a ritoriais em matéria habitacional que se encon-
vés de uma série de diplomas, embora a sua relevar diz respeito à reabilitação energética tram a montante da crise pandémica e da im-
expressão seja reduzida face à produção de do ediÆcado contemplada com a inclusão da plementação do PRR, é fundamental que a
construção nova que, de resto, aumenta mui-
to até meados do primeiro decénio do século É consensual reforma da EÆciência Energética em Edifícios
na dimensão da Transição Climática, já que
territorialização da política pública de habita-
ção seja sensível e ajustada à diversidade geo-
XXI. Esta reforma dos instrumentos de políti- esta dinamizará uma agenda de inclusão eco- gráÆca e social. Nesta matéria, as prioridades
ca habitacional está associada à periferização nos estudos sobre nómica, criação de emprego e geração de ri-
queza nos setores de produção de energias
não podem ser estabelecidas tendo por base
“quem chega primeiro ao pote”, em função do
progressiva da temática na agenda política e a
uma reforma das estruturas que no âmbito do
Estado atuam neste domínio. Em 1982, ocorreu
habitação em renováveis, mas também inclusão social pelo
combate da pobreza energética no setor resi-
calendário local parcial e fragmentado estabe-
lecido por cada Estratégia Local de Habitação
a extinção do FFH e a sua substituição pelo
Instituto Nacional da Habitação (INH; atual
Portugal que dencial. Todavia, há que precaver eventuais
efeitos nefastos associados a estas medidas,
(ELH). Há que articular os diagnósticos muni-
cipais e as diversas ELH de acordo com uma
Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana,
IHRU). Em 1987, surgiu o IGAPHE (Instituto de
durante todo pois a promoção de investimentos numa signi-
Æcativa vaga de renovação/reabilitação ener-
visão estratégica que sistematize uma missão
de consecução e efetivação do acesso à habi-
Gestão e Alienação do Património Habitacional
do Estado), com o objetivo de gerir o parque
o período gética de edifícios residenciais implica obras
de melhoria a vários níveis, por regra com cus-
tação à luz de um Sistema Nacional de Habita-
ção e de um Programa Nacional de Habitação
habitacional da administração central.
Criadas as condições para a implementação
democrático este foi tos elevados.
Nas cidades de outros Estados-membros da
(que não existe, tal como previsto pela Lei de
Bases da Habitação — LBH), que implicasse a
desta nova matriz de política pública habita-
cional, é a partir dos anos 90 do século XX que
dos sectores mais UE, como Londres ou Berlim, as obras profun-
das associadas à reabilitação energética de
mobilização do património público devoluto
para arrendamento e a promoção da constru-
ela se aÆrma na sua plenitude. Após a privati-
zação e liberalização do setor Ænanceiro por- secundarizados edifícios têm-se traduzido em aumentos diretos
nos valores do arrendamento, recaindo o ónus
ção, reabilitação ou aquisição para habitação
pública.
tuguês, este orientou-se para o apoio à habita-
ção, estimulado pelo quadro político existente do Estado social desta transição no inquilinato, incrementando
as taxas de esforço e, eventualmente, o risco
Por conseguinte, percebe-se que, pelo prin-
cípio da subsidiariedade e governança multi-
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 15

ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA

Fundos de Investimento Imobiliário. Acusa


igualmente o P+H de escamotear a manutenção
do conjunto de regimes Æscais de privilégio
daquilo que se pode designar por “cidadanias
rentistas”, como é o caso do estatuto dos Re-
sidentes Não Habituais e dos Nómadas Digitais,
enquanto novas procuras residenciais, que
contribuem para a distorção dos preços do
mercado de habitação e arrendamento, sobre-
tudo em Lisboa, Porto e Algarve.
Não se eliminou o pecado original: o NRAU
de 2012, quando se torna clara e necessária a
promulgação de uma nova lei do arrendamen-
to que permita a criação de um ambiente de
conÆança no mercado, com garantias efetivas
de proteção aos inquilinos e pequenos senho-
rios, no caso do incumprimento dos contratos,
mas também direitos e deveres para ambas as
partes. Para além de que a carga Æscal sobre
cada senhorio deveria variar consoante o valor
praticado de arrendamento por metro quadra-
do, penalizando os que sejam praticados em
regime especulativo.
Mas, em boa verdade, tem-se discutido mais
o mito da propriedade sacrossanta do que a
concretização do direito social à habitação. A
direita acusa o Governo de excessivo interven-
cionismo, apenas pela recuperação de inúme-
ros instrumentos de execução de política ur-
banística, não só utilizados em vários países
da Europa ocidental, mas já contemplados há
anos no ordenamento jurídico português: im-
posição da obrigação de reabilitar e obras coer-
civas; empreitada única; tomada de posse ad-
ministrativa; direito de preferência e arrenda-
mento forçado.
Tem vindo a encontrar eco na opinião pú-
blica mais especializada que, salvaguardando
o constitucional direito à habitação, mas tam-
bém o equivalente direito à propriedade, as
medidas previstas de tomada de posse admi-
nistrativa, obras coercivas e arrendamento
forçado deviam, em primeiro lugar, partir do
próprio Estado relativamente ao seu patrimó-
nio devoluto com vocação residencial. Depois
de esgotados estes fogos devolutos, avança-se
nível e participada que a suporta, um PRR, à Telhados com estes contratos. Neste contexto, ainda re- para mobilização dos que estão na posse de
semelhança de uma Nova Geração de Políticas Vista sobre Alfama, Lisboa, em 1963, gulamenta o valor a atribuir ao senhorio para IPSS e de Fundos de Investimento Imobiliário
Habitacionais (NGPH) e da LBH, preveja uma numa fotografia que faz parte da compensar o não aumento de rendas e garan- e só depois, caso necessário, os dos privados,
descentralização para os municípios na exe- exposição Políticas de Habitação te que estes contratos antigos não transitam desprovidos de função social e económica e
cução das políticas de habitação. Contudo, em Lisboa. Da Monarquia à para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, que se localizam em áreas de pressão urbana
devemos atentar à forma de como esta muni- Democracia, patente no Museu contrariando a Lei de 2012. e de procura residencial insolvente.
cipalização será feita, pois corre-se o risco de de Lisboa até ao dia 30 de Abril De forma a controlar as rendas, o Estado vai A habitação é uma questão complexa, mul-
se restringir a uma mera desconcentração das arrendar para depois subarrendar, com o ob- tidimensional, multifactorial e pluriescalar. A
competências do poder central para o poder jetivo de disponibilização imediata de oferta satisfação do direito à habitação é uma obriga-
local, eventualmente não acompanhada pela de habitação para os agregados com especial ção do Estado português, competindo ao Go-
transferência dos devidos meios e recursos Æ# melhores intenções podem esbarrar na práti- diÆculdade no acesso a este mercado. Portan- verno deÆnir a política de habitação adequada
nanceiros, técnicos e humanos. ca. Tudo parece Æcar ainda amarrado e depen- to, vai arrendar imóveis devolutos a privados, a este desiderato constitucional. Como referiu
Mais recentemente, o lançamento, consulta dente da iniciativa do mercado em disponibi- subarrendando com uma taxa de esforço má- a bastonária da Ordem dos Advogados, o di-
pública e regulamentação do Pacote Governa- lizar propriedade que sirva uma função social xima de 35% do agregado familiar. E garante o reito à habitação deve prevalecer sobre o di-
mental “Mais Habitação” (P+H) tem-se revela- e económica como garante do efetivo direito pagamento no caso de 3 meses de incumpri- reito à propriedade, sem que este último se
do, pelo menos, um catalisador assertivo do à habitação, contribuindo para a resolução da mento por parte dos inquilinos. questione, tendo em conta que aquela deve
foco da agenda mediática e pública em maté- crise vigente. Quanto ao aumento dos juros e o seu impac- estar e ser disponibilizada para cumprir a razão
rias relacionadas com o direito à habitação. É certo que o P+H procura dinamizar o mer- to nas prestações e na taxa de esforço das fa- para a qual foi construída — ser habitada.
Ainda que de forma cirúrgica e pontual, integra cado de arrendamento acessível através da mílias, impõem-se, como medidas cautelares: Estas são as condições para um pacto de re-
um conjunto de medidas políticas no sentido garantia de renda justa em novos contratos, obrigatoriedades de os bancos disponibiliza- gime entre diferentes atores e forças políticas
de promover o direito à habitação, represen- pela norma travão também indexada ao valor rem uma alterativa de crédito à habitação a e sociais, entre propriedade e habitação, direi-
tando uma oportunidade de robustecer e agi- da inÇação, ainda que partamos de uma situa- taxa Æxa e os apoios previstos na subida da ta e esquerda, que, despido de preconceitos
lizar a intervenção do Estado no mercado, ção de valores de arrendamento extremamen- taxa de juro. Sem entrar nas polémicas relativas ideológicos, através de lentes tecnocientíÆcas
procurando regulá-lo, ao mesmo tempo que te sobreaquecidos na atualidade. Estimula ao Alojamento Local, claramente exagerado (não numa perspetiva tecnocrática), e com o
estimula a oferta privada e pública de fogos no ainda o arrendamento obrigatório de casas em certas freguesias do centro de Lisboa, onde auxílio da comunidade académica, empresarial
arrendamento e habitação acessíveis. devolutas e reduz a taxa de IRS para contratos representa mais de 70% dos alojamentos, ou e técnica, e alargando-se também a associações
Se bem que intervencionista, o P+H parece de arrendamento habitacional de longa dura- de conversão do uso de imóveis de comércio da sociedade civil, seja capaz de legitimar uma
manter o problema maior que marca todo o ção, sendo que a carga Æscal vai diminuindo ou serviços em uso habitacional, não podemos tomada de decisão pública mais equilibrada e
paradigma das últimas décadas de atuação da progressivamente em função da durabilidade deixar de referir que o programa dos Vistos acertada, no sentido de ser possível delinear
governação na habitação, pois a política públi- do contrato. Dá vários incentivos Æscais ao ar- Gold foi severamente reestruturado. e concretizar uma Estratégia Nacional da Ha-
ca proposta mantém o Estado largamente de- rendamento acessível e concede um apoio ex- Todavia, as críticas chegaram tanto da es- bitação, tendo em vista o desenvolvimento
pendente das lógicas do mercado. É certo que traordinário ao pagamento das rendas. Prote- querda quanto da direita. A primeira acusa o integrado e sustentável do território e a satis-
revela inteligência social-democrata em pro- ge os contratos de arrendamento antigos (ce- Governo de manutenção de subsidiação ao fação do direito à cidade.
curar conciliar Economia e Sociedade, Público lebrados antes de 1990), ao isentar de IRS os sector privado e proprietários, de não eliminar
e Privado, Comunidade e Mercado, mas as suas rendimentos prediais e de IMI os senhorios as isenções Æscais nem regular a atividade dos Geógrafos; IGOT, Universidade de Lisboa
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16 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Dirigiu uma luta pela libertação de duas nações e levou a causa


anticolonialismo aos quatro cantos do mundo. No âmbito da
exposição sobre Amílcar Cabral no Palácio Baldaya (Lisboa, até 25
de Junho), o P2 publica uma série de 13 artigos em que o percurso
deste líder africano conduzirá os leitores a outros tantos capítulos
do fim do último império europeu. Uma parceria com a Comissão
Comemorativa 50 anos 25 de Abril

“Camarada
Cabral”, a URSS e
a Checoslováquia
Análise Série O Mundo de Amílcar Cabral (V)
O apoio dos regimes socialistas
ao anticolonialismo africano tomou várias
formas. Enquanto a assistência militar
da URSS ao PAIGC era conhecida, a ligação
de Cabral à Checoslováquia nem por isso

Por Natalia Telepneva

N
os últimos anos, nos cientíÆco” defendido pela URSS. e a Checoslováquia revestia-se de uma Homenagem
arquivos da Rússia e da Além disso, Cabral desenvolveu uma dimensão pessoal. Quando, em 1960, se Amílcar Cabral e Vítor Saúde Maria,
Europa de Leste, têm relação pessoal próxima com Petr Evsiukov. mudou para Conacri (capital da República representantes do PAIGC, depondo
surgido novos Herói veterano da Segunda Guerra Mundial da Guiné, antiga colónia francesa), com vista uma coroa de flores no Mausoléu de
documentos que ajudam e Çuente em português, Evsiukov era o a preparar a luta armada na Guiné-Bissau, Lenine na Praça Vermelha em Moscovo,
a compreender a relação responsável pela política relativa às colónias Cabral desenvolveu uma ampla rede de ex-URSS
de Amílcar Cabral com a portuguesas no chamado departamento contactos com representantes dos países
URSS, um dos principais internacional — um departamento do comité socialistas. Um desses contactos foi com
patrocinadores do PAIGC (Partido Africano central do Partido Comunista da União Miroslav Adámek, um funcionário
da Independência da Guiné e Cabo Verde) Soviética encarregado das relações com os checoslovaco dos serviços secretos
durante as lutas de libertação. Cabral movimentos nacionais de libertação. estrangeiros que trabalhava na embaixada,
estabeleceu os primeiros contactos com os Quando, em 1962, os dois homens se sob uma fachada diplomática.
soviéticos por volta de 1959/1960, quando encontraram pela primeira vez no aeroporto Adámek reuniu-se pela primeira vez com
realizou curtas viagens a Moscovo. Entre os moscovita de Sheremetievo, Cabral fez Cabral em 1960 e apoiou o seu pedido para
seus primeiros interlocutores contavam-se questão de se apresentar não como visitar Praga. A viagem, ocorrida em 1961,
membros do Comité Soviético de “senhor”, mas sim como “camarada”, um teve enorme sucesso. Os anfitriões de
Solidariedade Afro-Asiática (CSSAA), epíteto comum entre os marxistas, o que Cabral, incluindo o ministro do Interior,
organização que o Governo soviético havia agradou a Evsiukov. Os soviéticos, é claro, Rudolf Barak, ficaram bem impressionados e
criado pouco tempo antes, com o objetivo sabiam que Cabral não era comunista. No prometeram-lhe equacionar o envio de
de desenvolver contactos com as elites do entanto, acreditavam partilhar com ele dinheiro e armas para o PAIGC.
Terceiro Mundo. Os soviéticos gostaram
imediatamente de Cabral.
alguns traços ideológicos e talvez lhes
agradasse, acima de tudo, o encanto pessoal
Enquanto o assunto era debatido, Adámek
propôs que Cabral fosse “recrutado” para
Os soviéticos
Conforme referido nos relatórios do
CSSAA sobre a visita de Cabral a Moscovo e a
de Cabral e a sua capacidade de discordar
sem ofender. Por estas razões, Evsiukov
colaborar com os serviços de informações
estrangeiros da Checoslováquia. Passados
sabiam que Cabral
Leninegrado em 1961, o líder africano causou
uma impressão altamente favorável entre os
tornar-se-ia um dos principais defensores do
PAIGC.
escassos meses, o Governo checoslovaco
decretou que seria concedida a ajuda pedida
não era comunista.
seus anÆtriões, porque não só criticou a
política dos EUA em África, mas também se
O apoio da Checoslováquia
por Cabral e também que o recrutaria como
“contacto confidencial” (em checo, duverny Mas acreditavam
mostrou encantado com a vida na URSS e
exprimiu o seu ceticismo quanto ao A ajuda soviética, porém, foi inicialmente
styk, ou “D.S.”). A 13 de agosto de 1961,
Adámek informou Cabral de que o seu partilhar com
“socialismo africano”, uma corrente teórica
bastante popular entre a primeira geração
muito limitada. Na verdade, o primeiro
pacote de assistência ao PAIGC, em 1961,
pedido tinha sido aprovado e dirigiu-se-lhe
com aquilo que descreveria como o seu ele alguns traços
de líderes africanos pós-independências, veio da Checoslováquia. Tal como no caso da “pitch de recrutamento”, propondo-lhe que
mas muito diferente do “socialismo União Soviética, a proximidade entre Cabral partilhasse informação sobre os líderes ideológicos
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 17

CASA COMUM/FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES


Entre 1963 e 1973, a URSS treinou cerca de A estratégia de Cabral funcionou, mas ele
2000 combatentes das FARP, que não viveria para assistir ao resultado. Foi
constituíam cerca de 40% da totalidade das assassinado a 20 de janeiro de 1973, durante
forças armadas. Na sua maioria, iam a uma tentativa falhada de eliminar todas as
Perevalnoe para receber treino em artilharia, cheÆas do PAIGC em Conacri. O assassinato
minas, explosivos e defesa antiaérea. Além de Cabral provocou uma grave crise de
do treino militar, os soviéticos ofereciam conÆança entre as bases da organização. No
bolsas aos militantes do PAIGC, para que entanto, as cheÆas do PAIGC em Conacri
pudessem estudar em universidades de toda reagiram depressa, garantindo aos seus
a União Soviética ou frequentar cursos de apoiantes que a luta continuaria.
breve duração em áreas como a rádio e o Por coincidência, o jornalista soviético
fotojornalismo. Oleg Ignatiev encontrava-se na Guiné-Bissau
na altura do assassínio. Firme apoiante de
Cabral, Ignatiev contribuiu para a campanha
O armamento soviético
de propaganda do PAIGC, divulgando, no
e a estratégia militar de Cabral interior do país, uma imagem de
Foram as remessas de armamento soviético continuidade leal e determinada. Foi ele o
que, contudo, tiveram maior impacto no primeiro jornalista estrangeiro a entrevistar
curso das lutas de libertação da a única testemunha ocular do assassínio de
Guiné-Bissau. Em 1973, as Forças Armadas Cabral — a sua mulher, Ana Maria —,
soviéticas calculavam que as FARP tinham deixando um registo que seria integrado na
recebido, desde 1963, armamento no valor narrativa heroica da morte do líder.
total de 21,7 milhões de rublos. Tratava-se,
sem dúvida, de grandes quantidades, mas o
Depois de Cabral
tipo de armamento enviado pelos soviéticos
também foi da maior importância para o Vários responsáveis soviéticos que
desfecho da guerra. Inicialmente, os conheciam pessoalmente Cabral Æcaram
soviéticos enviaram sobretudo armas ligeiras genuinamente afetados pela sua morte.
e metralhadoras. Para Cabral, isso não era Quando Evsiukov propôs que se desse o
suÆciente. nome de Cabral a uma das praças da cidade
A sua estratégia militar baseava-se em de Moscovo, o pedido foi rapidamente
larga medida na obtenção, junto da União aprovado. Os novos documentos
Soviética, de artilharia pesada moderna, pois encontrados nos arquivos revelam que as
acreditava que a tecnologia militar lhe forças militares soviéticas Æcaram
permitiria vencer o Exército português seriamente preocupadas com as perspetivas
numa situação de impasse, limitando, ao do PAIGC depois da morte de Cabral,
mesmo tempo, a perda de vidas. Entre os temendo que os cubanos e/ou as autoridades
cubanos, profundamente envolvidos no de Conacri pudessem aproveitar o
apoio ao PAIGC a partir de 1967, esta interregno para assumirem o controlo
estratégia gerou alguma controvérsia, o efetivo do movimento. A partir de então,
mesmo acontecendo entre determinados redobraram em força o seu apoio militar às
setores das cheÆas das FARP, que FARP. Depois da morte de Cabral, a ajuda
pretendiam intensiÆcar a ofensiva militar, militar soviética duplicou, atingindo, só em
nomeadamente através de operações de 1973, 3,8 milhões de rublos em armamento e
grande escala na Guiné-Bissau. outros apoios.
No início da década de 1970, Moscovo Em setembro de 1974, o PAIGC tornou-se o
temia que a campanha anticolonial na primeiro Governo da Guiné-Bissau
africanos e a evolução dos acontecimentos o major František Polda, futuro conselheiro Guiné-Bissau tivesse estagnado, mas a independente, depois de um breve período
no continente. de Cabral em assuntos militares. maioria dos conselheiros soviéticos não de negociações que se seguiram à Revolução
Não sabemos se Cabral estava ciente de As armas checoslovacas (e, mais tarde, criticava abertamente a estratégia de Cabral dos Cravos de 1974. O contributo dos
que fora recrutado e não foram assinados soviéticas) só começaram a circular e esforçava-se por alcançar um compromisso soviéticos nestas negociações foi diminuto, e
quaisquer documentos formais; no entanto, livremente a partir de 1963, quando o PAIGC entre ele e os cubanos. Em 1969, as FARP a URSS tornou-se um de entre muitos
de então em diante os serviços de iniciou a luta armada e as autoridades de foram a primeira organização de entre os patrocinadores da Guiné-Bissau. As
informações checoslovacos passariam a Conacri levantaram o seu embargo oÆcioso a movimentos de libertação lusófonos a competências diplomáticas de Cabral, a sua
referir-se a Cabral por um nome de código: armamento estrangeiro. A Checoslováquia receber o Soviet Grad-P (Partisan), uma personalidade e a capacidade de navegar nas
“D.S. Sekretár” (Secretário). Nos anos assegurou também a formação, em Praga, de versão leve do lança-foguetes BM-21 Grad, turbulentas águas políticas da Guerra Fria
seguintes, os checoslovacos recorreram a cerca de uma dúzia de combatentes do desenvolvido pela URSS com vista a servir foram, sem dúvida, o garante do
Cabral para uma série de “tarefas”, da PAIGC em assuntos de informações e nas condições especíÆcas da guerra de ininterrupto apoio soviético.
partilha de informações sobre líderes segurança. Polda permaneceu em Conacri, guerrilha no Vietname.
africanos ao recrutamento de espiões que enquanto conselheiro de Cabral, até 1968, Ainda que o Grad-P se destinasse a ajudar Ler mais: 1. Natalia Telepneva, Cold War
vigiassem os estudantes africanos residentes após o que, na sequência do esmagamento o PAIGC a forçar o Exército português a Liberation: The Soviet Union and the
na Checoslováquia. Cabral não fez muito da “Primavera de Praga”, a Checoslováquia abandonar as praças fortiÆcadas, os Collapse of the Portuguese Empire in
mais do que partilhar informações não reduziu os seus compromissos externos. Em progressos militares mantiveram-se lentos, e Africa, 1961-75. Chapel Hill: University o
conÆdenciais, e na realidade não satisfez os janeiro de 1973, Polda regressaria a Conacri os conÇitos em torno da estratégia militar f North Carolina Press, 2022.
pedidos que lhe foram apresentados, para reatar conversações com Cabral — prosseguiram. Em 1972, Cabral centrou os 2. Friedman, Jeremy. Shadow Cold War:
mostrando-se empenhado em preservar a apenas duas semanas antes de este ser seus esforços diplomáticos na obtenção de The Sino-Soviet Competition for the Third
sua autonomia. assassinado. um novo míssil terra-ar portátil, de fabrico World. Chapel Hill: University of North
Em 1962-1963, veriÆcou-se o primeiro De 1963 em diante, a União Soviética e, soviético, conhecido por Strela-2, também Carolina Press, 2015.
conÇito, quando os checoslovacos que depois, Cuba tornaram-se os principais utilizado pelas guerrilhas no Vietname. 3. Dallywater, Lena, Chris Saunders, and
aconselhavam Cabral insistiram para que o patrocinadores estrangeiros do PAIGC. A Depois de um breve período de negociações, Helder Adegar Fonseca, eds. Southern
PAIGC encetasse ações de sabotagem na ajuda soviética era muito abrangente. A o pedido de Cabral foi aprovado e, no Ænal African Liberation Movements and the
Guiné-Bissau. Cabral recusou, defendendo URSS treinou as FARP (Forças Armadas de 1972, um grupo de combatentes das FARP Global Cold War ‘East’: Transnational
que era preciso mais tempo para preparar a Revolucionárias do Povo), o braço armado deslocou-se a Perevalnoe para receber Activism, 1960–1990. Oldenbourg: De
luta armada. A postura mais cautelosa de do PAIGC. Em 1964, o primeiro grupo de 25 formação. Gruyter, 2019.
Cabral era legítima, dadas as sérias recrutas chegou a Leninegrado, onde Cabral considerava — e tinha razão — que o
diÆculdades do PAIGC em transportar armas recebeu treino. Um ano depois, os soviéticos míssil Strela-2 seria decisivo para pôr Æm ao Natalia Telepneva é professora de
para a Guiné; de facto, a primeira remessa concluíram a construção de um grande impasse militar. Assim que as armas História Internacional na Universidade de
de armamento enviada pela Checoslováquia, campo de treino em Perevalnoe, na Crimeia, chegaram e o primeiro grupo de militares Strathclyded, Glasgow, e é autora de Cold
que aportou em Conacri em 1961, foi com capacidade para acolher várias regressou da Crimeia para a Guiné-Bissau, as War Liberation: The Soviet Union and the
conÆscada pelas autoridades locais. Praga centenas de combatentes estrangeiros de FARP começaram a abater aeronaves, o que Collapse of the Portuguese Empire in
enviou nova carga em 1962, juntamente com uma só vez. comprometeu a vantagem aérea de Portugal. Africa, 1961-1975
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18 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Semana de lazer
Por Sílvia Pereira
lazer@publico.pt

Teatro LISBOA Teatro da Trindade


De 27 de Abril a 25 de Junho.
Vida ensaiada Quarta a sábado, às 21h. Ensaio
Loucura, isolamento, situações-limite, máscaras. Tudo isto converge para A Peça para solidário dia 26 de Abril, às 21h.
Dois Actores, a peça-dentro-da-peça que Tennessee Williams estreou em 1967, com a Bilhetes de 10€ a 20€
convicção de se tratar de um dos seus melhores e mais autobiográficos trabalhos. Chega
agora às tábuas a versão encenada por Diogo Infante, com Luísa Cruz e Miguel Guilherme
a fazerem as vezes dos irmãos actores que, tomados por loucos, são deixados para trás
pela sua companhia, num teatro decrépito onde se sentem impelidos a dar um
espectáculo que se confunde com fantasmas bem reais.

sempre, com o seu IndieJúnior; os


Teatro melómanos, com o hip-hop em
foco num ciclo programado por

Ai, que Transborda Sam the Kid. Este ano, há Cinema


na Piscina. E a possibilidade de
fazer match num IndieDate.
LISBOA Cinema São Jorge,
Ai, Ai, Ai. É com uma tripla interjeição que abre a terceira edição da Culturgest, Cinemateca
Transborda — Mostra Internacional de Artes Performativas de Portuguesa, Cinema Ideal,
Almada. É o título do novo solo do coreógrafo brasileiro Marcelo Cinema Fernando Lopes e Piscina
Evelin, o primeiro de uma comitiva de criadores que “transformam da Penha de França
De 27 de Abril a 7 de Maio (cartaz
com as suas danças hábitos perceptivos, intensiÆcam vitalidades, detalhado em indielisboa.com).
friccionam limites e transbordam na prática da alteridade”, Bilhetes de 3,50€ a 5€/sessão;
assegura a organização. Os outros são Mariana Tengner Barros com passe a 18€ (cinco sessões), 34€
Threshold, Vera Mantero com O Susto É Um Mundo, Vania Vaneau (dez) e 60€ (20)
com Nébula (na imagem) e Francisco Thiago Cavalcanti com
Música
Também se Matam Cavalos e Quando Eu Morrer Me Enterrem na
Floresta, este a meias com Francisca Pinto. Evelin voltará ao palco Jazz ao Alto Alentejo
para uma Batucada de 40 performers saída de um laboratório do Para o Portalegre Jazzfest, o
festival — “um desÆle apoteótico e revolucionário” de “corpos motivo de festa é outro: a
subversivos e mascarados”. maioridade. O festival atinge a
18.ª edição com uma
programação que, para não variar,
ALMADA Fórum Municipal Romeu Correia, Casa da Dança e Teatro Municipal é “ecléctica, descentralizada e
Joaquim Benite. De 29 de Abril a 14 de Maio (programa detalhado em recheada de jovens promessas e
www.transborda.org). Grátis a 10€ de nomes conceituados do
panorama europeu e mundial do
jazz contemporâneo”, garante a
organização. Para começar,
acolhe as improvisações ao piano
de Margaux Oswald, com o álbum
Dysphotic Zone, seguidas do
saxofone de Ricardo Toscano (na
imagem) e seu trio em Chasing
Contradictions. O cartaz
prossegue com o baterista Paal
que o ex-Peste & Sida, Despe & abrir e encerrar, respectivamente, Nilssen-Love aos comandos do
Siga, Linha da Frente e A Naifa o IndieLisboa. Fazem parte seu Circus, o caldeirão do
(entre outros) dá largas à veia daquele que é o mais extenso projecto Move, os Unlimited
interventiva e politicamente cartaz de sempre da festa do Dreams de João Lencastre’s
engajada. “São dez canções de cinema independente — 314 Communion e a “intensa
protesto para acordar uma títulos no total —, à medida da escultura de som eléctrico,
sociedade sonolenta”, descreve o celebração da 20.ª edição. ç Entre p
esculpida p
pelo idioma do rock”
músico, “bebendo da tradição de titivas
secções competitivas trazida por Julie
Julien Desprez e o trio
Zeca, Zé Mário Branco, mas e sessões Abacaxi. À margem
marg do jazz, há
também o folk, o ska, o hip-hop”. especiais, a tela vin e de outros
provas de vinho
“Mudam-se os tempos, mudam-se reserva lugar ao o r
produtos regionais, uma
as vontades, mas ainda é preciso díptico de João feira do ddisco e do livro, e
dizer umas boas verdades”, Canijo Mal Viverr e habi
as habituais jam sessions.
acrescenta. Lançado no fim de Viver Mal, a PORT
PORTALEGRE
Março, com o tema Panela de Orlando, Ma Cen
Centro de Artes do
pressão como adiantamento, o Biographie Esp
Espectáculo e
Música disco chegou mesmo a tempo de Cinema ul
Politique, de Paul o
outros locais
Em boa verdade, oferecer a banda sonora aos O maior Indie, entre B. Preciado, à D
De 27 a 29
festejos do 25 de Abril. Primeira Obra de e de Abril
canções de protesto PORTO Avenida dos Aliados
salpicos e dates Rui Simões e a (programa
Primeiro, vieram as Técnicas de Dia 24 de Abril, às 22h. Something You Said Last Night (na uma d
detalhado em
Combate, em 2021. Dois anos SESIMBRA Quinta do Conde imagem), de Luis De Filippis, que retrospectiva de e c
caeportalegre.
depois, é com Defesa Pessoal que — Parque da Vila trouxe de San Sebastián o prémio Jan Švankmajer.. Os bl
blogspot.com)
Luís Varatojo regressa ao ringue Dia 25 de Abril, às 18h. de melhor filme, e The Adults, de pequenos cinéfilosilos Bilh
Bilhetes de 7€ a 10€;
da sua Luta Livre, o projecto em Grátis Dustin Guy Defa, têm honras de podem contar, como pass
passe a 20€
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 19

Cartaz, críticas, trailers


e passatempos em
Dia de sair
cinecartaz.publico.pt

13h30, 16h, 18h40 (VP); Air M12. 12h50, Vila Nova de Gaia
CINEMA Os Mundos de Mia: O Filme 15h20, 18h, 20h50, 23h30; Super Mario
Bros. O Filme M6. 10h30, 11h, 12h40, 15h,
17h20, 19h40 (VP), 22h, 00h10 (VO);
Cinemas Nos GaiaShopping
C.C. Gaiashoping, Lj 2.25. T. 16996
Porto O Exorcista do Vaticano M16. 13h50, 16h20, Creed III M12. 21h20, 00h25; John Wick:
19h, 21h50, 00h30; Beautiful Disaster Capítulo 4 M16. 13h15, 16h50, 20h30,
Batalha Centro de Cinema - Um Desastre Maravilhoso M14. 13h10, 00h10; Dungeons e Dragons: Honra Entre
Praça da Batalha 47. 15h40, 18h20, 21h, 23h40; Evil Dead Rise Ladrões M12. 22h; Astérix e Obélix: O
Os Olhos da Testemunha 11h15 O Despertar M18. 13h20, 15h30, 18h10, Império do Meio M6. 10h55, 13h35, 16h20,
Cinema Trindade 21h30, 23h50; Suzume M12. 12h30, 15h10, 19h20 (VP); Super Mario Bros. O Filme M6.
R. Dr. Ricardo Jorge. T. 223162425 17h50, 20h40, 23h20; Suzume M12. Sala 10h50, 13h20, 15h40, 18h10 (VP), 20h50,
EO M12. 17h30; Letrux: Viver é um IMAX - 13h, 15h50, 18h30, 21h20, 00h20 23h10 (VO); O Exorcista do Vaticano M16.
Frenesi M12. 21h; Quero Falar Sobre Cinemas Nos NorteShopping 10h45, 13h40, 16h10, 18h40, 21h10, 23h50;
Marguerite Duras M12. 14h20; Nação C.C. Norteshopping, Lj 1117. T. 16996 Beautiful Disaster M14. 13h25, 15h50,
Valente 21h; Close M12. 16h30, 21h45; As Avatar: O Caminho da Água M12. Sala 18h30, 21h, 23h30; Evil Dead Rise M18. 14h,
Oito Montanhas M12. 18h30; Nayola M14. ScreenX - 13h30, 21h50 (3D); John Wick: 16h40, 19h10, 21h20, 00h15; Suzume M12.
16h, 19h30; Sombras Brancas M14. 14h20 Capítulo 4 M16. 20h, 23h50; Astérix e 11h, 14h40, 17h40, 20h40; Suzume M12. Sala
Cinemas Nos Alameda Shop e Spot Obélix: O Império do Meio M6. 10h30, 4DX - 13h10, 18h50, 21h40, 00h30
R. dos Campeões Europeus 28 198. T. 16996 13h40, 16h10 (VP), 21h, 23h40 (VO); Air M12. UCI Arrábida 20
John Wick 4 M16. 20h50; Dungeons e 12h40, 15h25, 18h30, 21h30, 00h30; Super Arrábida Shopping. T. 223778800
Dragons: Honra Entre Ladrões M12. 14h20, Mario Bros. O Filme M6. Sala Atmos - Tudo em Todo o Lado ao Mesmo
17h30; Astérix e Obélix: O Império do 10h40, 13h, 15h20, 18h (VP), 20h30, 23h10 Tempo M14. 18h30, 21h35; Avatar M12. 17h,
Meio M6. 10h45, 14h30, 17h40 (VP); Air M12. Os Mundos de Mia: O Filme M3. 14h30, 15h40, 18h30, 21h20, 00h10; Medida (VO); O Exorcista do Vaticano M16. Sala 21h10 (3D); A Baleia M16. 14h20, 21h45;
15h10, 18h, 21h; Super Mario Bros. O 16h20, 18h10; Beautiful Disaster - Um Provisória M12. 18h, 20h40, 23h30 Atmos - 13h10, 15h40, 18h50, 21h40, 00h20; Creed III M12. 19h20; Gritos 6 M16. 21h55;
Filme M6. Sala Atmos - 11h, 13h30, 16h20, Desastre Maravilhoso M14. 21h55; Evil Os Mundos de Mia: O Filme M3. 10h50, Patas em Fúria M6. 13h35, 16h (VP); John
19h (VP), 21h40 (VO); Casa do Prazer M16. Dead Rise O Despertar M18. Sala Atmos - 13h20, 15h40, 17h50; Beautiful Disaster - Wick: Capítulo 4 M16. 14h35, 18h, 21h30;
20h40; Os Mundos de Mia: O Filme M3. 14h, 16h40, 19h15, 21h50; Suzume M12.
Guimarães Um Desastre Maravilhoso M14. 12h30, 15h, Escola de Coelhos M3. 11h10, 14h15, 16h35
10h40, 13h50, 16h10, 18h30; Beautiful 13h15, 15h45, 18h15, 20h55; Medida Castello Lopes - Espaço Guimarães 17h40, 20h40, 23h20; Evil Dead Rise O (VP); Dungeons e Dragons M12. 13h15,
Disaster - Um Desastre Maravilhoso M14. Provisória M12. 17h15, 19h25, 21h25; Super 25 de Abril, Silvares. T. 253539390 Despertar M18. Sala NOS XVISION - 12h50, 16h10, 19h10, 22h; Astérix e Obélix M6. 11h,
13h20, 16h, 18h45, 21h35; Evil Dead Rise Mario Bros. O Filme M6. 16h10, 18h20 (VP), O Gato das Botas 14h45, 17h, 19h15, 21h30; 15h30, 18h20, 21h20, 24h; Suzume M12. 13h30, 16h05, 18h45, 22h05 (VO);
O Despertar M18. 13h10, 15h40, 18h20, 21h15 (VO) Escola de Coelhos M3. 11h15 (VP); Astérix 12h10, 15h10, 18h10, 21h10, 00h10; Medida Close M12. 14h05, 16h40, 19h05, 21h40; As
21h10; Medida Provisória M12. 20h40 e Obélix 11h30, 14h30, 16h50 (VP), 19h10, Provisória M12. 18h40 Oito Montanhas M12. 14h25, 18h05, 21h25;
Medeia Teatro Municipal Campo Alegre 21h30 (VO); Air M12. 19h15; Super Mario Air M12. 14h, 16h35, 19h05, 21h35; Super
R. das Estrelas. T. 226063000
Coimbra Bros. O Filme M6. 11h, 13h10, 15h10, 17h10, Mario Bros. O Filme M6. 11h, 13h40, 13h55,
Close M12. 15h30, 21h30 Casa do Cinema 19h10 (VP), 21h10 (VO); O Exorcista do
Paços de Ferreira 16h15, 16h30, 18h40, 18h55, 21h25 (VP/2D),
Av. Sá da Bandeira 33. T. 239851070 Vaticano M16. 14h45, 17h, 19h15, 21h30; Cinemas Nos Ferrara Plaza 21h15 (VO/2D), 14h10, 16h50 (VP/3D), 19h15,
Nação Valente 15h; As Oito Os Mundos de Mia: O Filme M3. 11h10, 15h15 Ferrara Plaza, Rua da Carvalhosa. T. 16996 21h50 (VO/3D); Nayola M14. 13h20, 19h10; O
Amarante Montanhas M12. 21h30; Sombras (VP); Beautiful Disaster M14. 13h10, 21h35; John Wick: Capítulo 4 M16. 20h30; Astérix Exorcista do Vaticano M16. 13h45, 16h20,
Cinema Teixeira de Pascoaes Brancas M14. 18h; O Peculiar Crime Evil Dead Rise O Despertar M18. 13h10, e Obélix: O Império do Meio M6. 10h50, 18h35, 22h; Sombras Brancas M14. 13h30,
Largo de Santa Luzia. T. 255431084 do Estranho Sr. Jacinto 21h 15h15, 17h20, 19h25, 21h35 14h, 17h (VP); Super Mario Bros. O Filme M6. 16h, 19h, 21h40; Os Mundos de Mia: O Filme
Terra Que Marca M12. 21h30 Cinemas Nos Alma Shopping Castello Lopes - Guimarães Shopping 11h, 13h30, 15h40, 18h10 (VP), 21h10 (VO); O M3. 10h50, 13h25, 15h55, 18h25; Beautiful
R. Gen. Humberto Delgado. T. 16996 Lugar das Lameiras. T. 253520170 Exorcista do Vaticano M16. 13h40, 16h10, Disaster - Um Desastre Maravilhoso M14.
Tudo em Todo o Lado ao Mesmo O Gato das Botas: O Último Desejo M6. 18h40, 21h50; Os Mundos de Mia: O 14h15, 19h15, 21h50; Evil Dead Rise O
Aveiro Tempo M14. 14h, 17h30; Avatar M12. 20h50 10h55 (VP); John Wick: Capítulo 4 M16. Filme M3. 11h10, 13h20, 16h; Beautiful Despertar M18. 14h30, 17h05, 19h25, 21h45;
Cinemas Nos Glicínias (3D); A Baleia M16. 15h, 18h20; Nação 17h30, 20h50; Astérix e Obélix: O Império Disaster - Um Desastre Maravilhoso M14. Suzume M12. 16h30, 21h30; Medida
C.C. Glicinias, Lj 50. T. 16996 Valente 21h30; John Wick 4 M16. 13h20, do Meio M6. 11h30, 14h35 (VP), 21h10 (VO); 13h50, 16h30, 19h, 21h30; Evil Dead Rise O Provisória M12. 13h50, 16h25, 18h50, 21h20
John Wick: Capítulo 4 M16. 20h30, 24h; 17h10, 21h; Dungeons e Dragons M12. Super Mario Bros. O Filme M6. 11h05, Despertar M18. 18h30, 21h40
Astérix e Obélix M6. 19h; Astérix e Obélix: 20h30; Air M12. 13h35, 16h30, 19h10, 21h50; 13h10, 15h10, 17h10, 19h10 (VP), 11h10 (VO);
O Império do Meio M6. 13h50 (VP); Air M12. Super Mario Bros. 11h, 13h10, 16h, 19h40 O Exorcista do Vaticano M16. 14h45, 17h,
Vila Real
13h50; Super Mario Bros. O Filme M6. 11h, (VP/2D), 10h50, 18h30 (VO/3D), 22h10 19h15, 21h30; Os Mundos de Mia: O
Penafiel Cinemas Nos Nosso Shopping
13h30, 16h (VP/3D), 18h30 (VP/3D), 21h, (VO/2D); Casa do Prazer M16. 14h10, 16h40, Filme M3. 11h15, 13h40, 15h35; Beautiful Cinemax - Penafiel C. C. Dolce Vita Douro. T. 16996
23h30 (VO/3D); O Exorcista do 19h20, 22h; Os Mundos de Mia: O Filme M3. Disaster - Um Desastre Maravilhoso M14. Ed. Parque do Sameiro. T. 255214900 Avatar 21h20 (3D); Nação Valente 13h10,
Vaticano M16. 14h, 16h40, 19h15, 22h, 11h40, 14h40, 17h20; Beautiful Disaster - 16h55, 19h, 21h05; Evil Dead Rise O Astérix e Obélix: O Império do Meio M6. 15h40, 18h10; John Wick: Capítulo 4 M16.
00h30; Beautiful Disaster - Um Desastre Um Desastre Maravilhoso M14. 13h40, Despertar M18. 13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 11h30 (VP), 19h30 (VO); Air M12. 17h20, 21h; Dungeons e Dragons13h40; Astérix e
Maravilhoso M14. 13h40, 16h20, 21h40, 16h20, 18h50, 21h40; Suzume M12. 14h20, 21h35; Suzume M12. 11h, 13h35, 16h10, 21h45; Super Mario Bros. O Filme M6. Obélix: O Império do Meio M6. 11h15, 14h,
00h10; Evil Dead Rise O Despertar M18. 17h50, 21h20; Medida Provisória M12. 21h10 18h45, 21h20 11h30, 13h30, 15h20, 17h30, 19h35 (VP); 16h30, 19h05 (VP), 21h45 (VO); Air M12.
19h10, 21h50, 00h15; Suzume M12. 13h05, Cinemas Nos Fórum Coimbra O Exorcista do Vaticano M16. 14h40, 21h50; 20h45; Super Mario Bros. O Filme M6. 11h,
15h50, 18h40, 21h30, 00h20 Fórum Coimbra. T. 16996 Beautiful Disaster - Um Desastre 13h30, 16h, 18h30 (VP/2D), 19h15 (VO/3D); O
John Wick: Capítulo 4 M16. 17h20, 21h10;
Maia Maravilhoso M14. 15h, 21h50; Evil Dead Exorcista do Vaticano M16. 14h20, 16h40,
Dungeons e Dragons M12. 14h; Astérix e Castello Lopes - Mira Maia Shopping Rise O Despertar M18. 17h20 19h30, 22h; Os Mundos de Mia: O Filme M3.
Braga Obélix: O Império do Meio M6. 13h20, 16h Mira Maia Shopping. T. 229419241 10h45, 13h, 15h, 17h10; Beautiful Disaster -
Cinemas Nos Braga Parque (VP), 18h40, 21h20 (VO); Super Mario Bros. John Wick: Capítulo 4 M16. 17h50; Escola Um Desastre Maravilhoso M14. 13h20,
Quinta dos Congregados. T. 16996 O Filme M6. 14h10, 16h40, 19h20 (VP), 22h de Coelhos - Missão Ovo Dourado M3.
São João da Madeira 15h50, 18h20, 21h10; Evil Dead Rise O
Avatar: O Caminho da Água M12. 19h (3D); (VO); O Exorcista do Vaticano M16. 13h40, 11h10 (VP); Astérix e Obélix: O Império do Cineplace - São João da Madeira Despertar M18. 16h20, 18h50, 21h30
Creed III M12. 20h40, 23h40; John Wick 16h10, 18h50, 21h40; Beautiful Disaster - Meio M6. 11h30, 14h30, 16h50, 19h10 (VP), Av. Renato Araújo, 1625.
4 M16. 13h20, 00h05; Astérix e Obélix M6. Um Desastre Maravilhoso M14. 13h50, 21h30 (VO); Super Mario Bros. O Filme M6. Nação Valente 19h20; Escola de Coelhos
10h40, 13h15, 15h50, 18h30 (VP); Air M12. 16h30, 19h10, 21h50; Evil Dead Rise O 11h, 13h15, 15h15, 17h15, 19h15 (VP), 21h15 - Missão Ovo Dourado M3. 13h (VP); Astérix
Viseu
19h10, 21h50, 00h35; Super Mario Bros. 11h, Despertar M18. 14h20, 17h, 19h30, 22h10 (VO); Os Mundos de Mia: O Filme M3. 11h15, e Obélix: O Império do Meio M6. 13h05 Cinemas Nos Fórum Viseu
13h30, 16h10, 18h40 (VP/2D), 16h20 15h30 (VP); Beautiful Disaster - Um (VP); Air M12. 21h05; Super Mario Bros. Fórum Viseu. T. 16996
(VO/3D), 21h, 23h30 (VO/2D); O Exorcista Desastre Maravilhoso M14. 21h10; Evil Dead O Filme M6. 13h10, 15h, 17h, 19h (VP), Nação Valente 21h40; John Wick: Capítulo
do Vaticano M16. 13h, 15h40, 18h20, 21h10,
Gondomar Rise O Despertar M18. 13h10, 15h15, 17h20, 18h45(VO); O Exorcista do Vaticano M16. 4 M16. 21h; Dungeons e Dragons: Honra
23h50; Os Mundos de Mia: Cinemas Nos Parque Nascente 19h25, 21h35 13h15, 15h05, 16h55; O Exorcista do Entre Ladrões M12. 15h, 18h; Astérix e
O Filme M3. 10h50, 13h05, 15h20, 17h40; Praceta Parque Nascente, nº 35. T. 16996 Cinemas Nos MaiaShopping Vaticano M16. 21h; Beautiful Disaster Obélix: O Império do Meio M6. 14h, 16h30,
Beautiful Disaster - Um Desastre O Gato das Botas: O Último Desejo M6. C.C. Maiashoping, Lj 2.43. T. 16996 - Um Desastre Maravilhoso M14. 14h45; 19h (VP), 21h30 (VO); Air M12. 13h45, 16h20,
Maravilhoso M14. 13h50, 16h30, 21h30, 11h20, 15h10 (VP); Creed III M12. 20h30, John Wick: Capítulo 4 M16. 21h; Dungeons Evil Dead Rise O Despertar M18. 15h30, 18h, 19h20, 21h50; Super Mario Bros.
23h; Evil Dead Rise O Despertar M18. 14h, 23h40; Nação Valente 14h50, 17h40, e Dragons: Honra Entre Ladrões M12. 21h20; Suzume M12. 16h45, 21h35 O Filme M6. 14h30, 16h40, 19h10 (VP);
16h40, 19h20, 22h, 00h25; Suzume M12. 20h50, 24h; John Wick: Capítulo 4 M16. 21h10; Astérix e Obélix: O Império do Nayola M14. 21h40; Casa do Prazer M16.
13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h30; Medida 14h10, 17h50, 21h40; Dungeons e Dragons: Meio M6. 10h40, 13h30, 16h (VP), 18h40, 13h20, 15h30, 17h45, 21h20; Os Mundos
Provisória M12. 21h20, 00h10 Honra Entre Ladrões M12. Sala Atmos - 15h, 21h20 (VO); Super Mario Bros. O Filme M6.
Viana do Castelo de Mia: O Filme M3. 14h15, 17h, 19h30
Cineplace Nova Arcada - Braga 19h10, 22h10; Astérix e Obélix: O Império 10h50, 13h20, 15h40, 18h30 (VP); Cineplace Estação Viana Shopping Cinemas Nos Palácio do Gelo
Av. De Lamas. T. 253112913 do Meio M6. 11h, 14h40, 17h20, 20h (VP), O Exorcista do Vaticano M16. 13h40, C.C. Viana Shopping. T. 258100260 R. Palácio do Gelo, Lj 200. T. 16996
Múmias M6. 13h05, 16h45 (VP); Patas em 22h40 (VO); Air M12. 14h30, 17h, 19h40, 16h20, 18h50, 21h40; Os Mundos de Mia: John Wick: Capítulo 4 M16. 21h40, 00h30; Avatar: O Caminho da Água M12. 21h10
Fúria M6. 13h10 (VP); Nação Valente 17h35; 22h20; Super Mario Bros. O Filme M6. O Filme M3. 11h, 13h50, 15h50, 18h10; Escola de Coelhos - Missão Ovo (3D); John Wick: Capítulo 4 M16. 14h,
John Wick: Capítulo 4 M16. 14h15, 21h; 11h10, 13h40, 16h, 18h40 (VP), 21h, 23h20 Beautiful Disaster - Um Desastre Dourado M3. 13h (VP); Astérix e Obélix: 17h30, 21h; Super Mario Bros. O Filme
Dungeons e Dragons M12. 21h10; Astérix (VO); O Exorcista do Vaticano M16. Sala Maravilhoso M14. 14h, 16h30, 19h, 21h30 O Império do Meio M6. 14h45 (VP), 19h25 M6. 11h, 13h40, 16h10, 18h30 (VP), 19h
e Obélix 14h05, 16h35 (VP), 19h20 (VO); Atmos - 13h20, 15h50, 18h20, 21h10, 23h50; (VO); Super Mario Bros. O Filme M6. 13h, (VO); O Exorcista do Vaticano M16. 13h25,
As Oito Montanhas M12. 18h45; Air M12. Os Mundos de Mia 10h50, 13h10, 15h30, 15h, 17h, 19h (VP); O Exorcista do 15h50, 18h15, 21h20; Beautiful Disaster
21h45; Super Mario Bros. O Filme M6. Sala 18h10; Beautiful Disaster - Um Desastre
Matosinhos Vaticano M16. 21h; Os Mundos de Mia: - Um Desastre Maravilhoso M14. 11h15,
Atmos - 13h, 15h, 17h05, 19h10 (VP/2D), Maravilhoso M14. Sala Atmos - 13h30, Cinemas Nos MarShopping O Filme M3. 13h05, 14h55, 16h45 (VP); 13h50, 16h20, 19h10, 21h50; Evil Dead
14h10 (VP/3D); Nayola M14. 15h20; O 16h10, 18h50, 21h30, 00h15; Evil Dead Rise Leça da Palmeira. T. 16996 Beautiful Disaster - Um Desastre Rise O Despertar M18. 14h15, 16h40,
Exorcista do Vaticano M16. 14h20, 16h35, O Despertar M18. Sala Atmos - 14h, 16h30, John Wick: Capítulo 4 M16. 21h10; Astérix e Maravilhoso M14. 17h10; Evil Dead 21h40; Suzume M12. 10h40, 13h15,
18h50, 21h05; Casa do Prazer M16. 20h50; 19h, 21h50, 00h30; Suzume M12. 13h, Obélix: O Império do Meio M6. 10h45, Rise O Despertar M18. 18h35, 21h10 16h, 18h45, 21h30
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TVI
O Preço Certo RTP1 8,8 20,8
Dev Patel, Nicole Kidman, Rooney Jornal Nacional TVI 8,2 17,0 15,4 para o Óscar graças a Murderball
Cabo
Mara, David Wenham e Sunny Telejornal RTP1 7,8 16,3 — Espírito de Combate, realiza
Pawar encarnam as personagens FONTE: CAEM
41,6 este documentário acerca das
deste Ælme dramático dirigido por Dallas Cowboys Cheerleaders —
Garth Davis e nomeado para seis “uma história de pompons,
Óscares. O argumento, de Luke RTP1 RTP2 TVCINE TOP liberdade e patriotismo”, anuncia
Davies, baseia-se na autobiograÆa 18.00 Shirley 19.45 The Big Ugly — A a sinopse. O sucesso e fenómeno
de Saroo Brierley, um homem que 6.10 Todas as Palavras 6.09 Engenharia Antig 7.00 Folha de Vingança 21.30 Regresso ao Amor 23.15 gerados pela claque são
partiu em busca da família a que 6.30 Espaço Zig Zag Sala 7.04 Do Rio ao Mar 7.58 Espaço Ida Red 1.05 Pixie enquadrados pelo impacto da
perdeu o rasto aos cinco anos, na 8.00 Bom Dia Portugal Fim de Semana Zig Zag 14.53 Folha de Sala revolução sexual, com foco em
Índia, quando entrou numa 10.30 Eucaristia Dominical 15.00 Desporto 2 16.57 Caminhos Suzanne Mitchell, a mulher que
carruagem para descansar e foi 11.33 Aqui Portugal 17.26 70x7 17.53 Folha de Sala FOX MOVIES liderou o grupo entre 1976 e 1989.
levado para longe. Lion — A Longa 17.57 Joanna Lumley nas Grandes 18.08 Boyka: Undisputed IV 19.39

MÚSICA
Estrada para Casa faz parte de Cidades do Mundo 18.47 Cuidado O Cobrador 2 21.15 Comandante-Geral
uma maratona de adaptações de 12.59 Jornal da Tarde com a Língua! 19.04 Temos Programa 22.42 Resgate Arriscado 0.16 Artemis:
literatura ao cinema, escolhidas 19.32 Duetos Improváveis 20.14 A Hotel de Bandidos 1.41 Bala Certeira
para assinalar o Dia Mundial do Pedalar pelo Japão 21.03 Folha de Sala Cosmorama Moving Images
Livro. Antes, passam Negócio das 14.25 Faz Faísca 21.08 Parlamento RTP2, 00h18
Arábias (às 15h40), O Sétimo Filho HOLLYWOOD Nascido da reclusão pandémica,
(17h20) e Wonder — Encantador 18.05 Sniper: O Atirador Fantasma este Ælme-performance dos
(19h05); depois, Kick Ass — O Novo 15.05 Aqui Portugal 21.30 Jornal 2 19.50 Sniper: A Morte Final 21.30 Beautify Junkyards mostra-os a
Super-Herói (23h). Soldados da Fortuna 23.35 7 Segundos tocar, rodeados de outros vídeos
1.15 The Kitchen — Rainhas do Crime originais, num ambiente algo
Regresso ao Amor 19.59 Telejornal 22.03 As Confissões
sões labiríntico, surreal e hipnótico. É
TVCine Top, 21h30 de Frannie Langton
ton uma extensão visual do álbum
Sigourney Weaver e Kevin Kline AXN Cosmorama (2021), o quarto
fazem par nesta comédia 21.24 The Voice Kids 17.40 Bons Rapazes 19.42 Arma álbum de uma discograÆa iniciada
romântica estreada em 2021. É Mortífera 4 21.55 Cães Enraivecidos com um álbum homónimo em
realizada por Maya Forbes e Wally 23.37 Black Mass — Jogo Sujo 1.42 2013. A folk luminosa e
Wolodarsky, que também 0.58 A Educadora
a 22.50 Folha de Sala 22.56 Mythos Vingança Perfeita caleidoscópica da banda
escrevem o argumento com de Infância 23.42 1875 0.18 Colorama Moving continuou a expandir-se em The
Thomas Bezucha, a partir do livro Images 0.55 Voz do Cidadão Beast Shouted Love (2015) e The
de Ann Leary. Após um divórcio 1.14 Cinemax 2.33 O Meu Funeral FOX Invisible World of Beautify
difícil e alguns meses numa clínica 3.00 Folha de Sala 3.05 17.15 Godzilla 19.47 Lucy 21.20 A Múmia Junkyards (2018).
de reabilitação, Hildy volta à 2.41 Faz Faísca Manipuladores 4.35 Desporto 2 23.21 A Cidade dos Lobos 1.07 Upgrade:

DESPORTO
pequena cidade onde nasceu, em Máquina Assassina
busca de um recomeço. Ali
reencontra Frank, uma antiga
paixão do liceu, com quem acaba DISNEY CHANNEL Atletismo: Maratona da Europa
por se envolver. SIC TVI 17.20 Anfibilândia 18.05 A Maldição de TVI, 8h
Molly McGee 18.50 Os Green na Cidade Ligação directa a Aveiro para
A Educadora de Infância 6.10 Camilo, o Presidente 6.45 Patrões 6.00 Todos Iguais 6.30 Diário Grande 19.35 Anfibilândia 20.25 acompanhar a terceira edição da
RTP1, 00h58 Fora 8.10 Não Há Crise! 7.25 Caixa da Manhã 6.45 Viva o Rei Hamster & Gretel competição de atletismo que saiu
Lisa Spinelli é uma educadora de Mágica 9.45 Ágata — As Minhas Juliano! 7.15 Inspector Max à rua pela primeira vez em 2019.
infância que se dedica de corpo e Canções 12.05 Vida Selvagem 13.00 8.00 Atletismo: Maratona “Amadrinhada” pela campeã
alma às crianças. Um dia, ao Primeiro Jornal 14.10 Fama Show da Europa 11.00 Missa DISCOVERY Aurora Cunha, percorre cerca 42
observar Jimmy, de cinco anos, 17.00 Aventura à Flor da Pele XL 19.00 quilómetros em terreno quase
a recitar um poema da sua própria O Segredo das Coisas 21.00 A Febre do sempre plano. Paralelamente,
autoria, percebe que ele tem um 14.30 Domingão 12.15 Mesa Nacional Ouro: Abaixo de Zero 23.00 Caçadores inclui a meia e a minimaratona,
talento fora do comum. Fascinada, de Pedras Preciosas 1.00 A Febre do bem como uma caminhada
decide que essas capacidades têm Ouro: Abaixo de Zero solidária.
de ser alimentadas e que o 19.58 Jornal da Noite 13.00 TVI Jornal

INFANTIL
prodígio tem de ser protegido.
A obsessão não tarda a levá-la a HISTÓRIA
ultrapassar os limites do 21.45 Isto É Gozar
ozar com Quem Trabalha 14.00 Somos Portugal
14 17.27 O Preço da História 20.51 O Preço
admissível, pondo em causa não da História na Estrada 21.33 A Maldição A Casa Fantasma (VP)
só a sua credibilidade mas de Oak Island 22.57 Strangest Things SIC Kids, 18h
também a integridade física da 22.15 Os Traidores
ores 19.58 Jornal Nacional
19 1.12 Alienígenas Nomeado para o Óscar de melhor
criança. Versão norte-americana Ælme de animação, marcou a
de Haganenet, realizado em 2014 estreia de Gil Kenan como
pelo israelita Nadav Lapid, 21.30 O Triângulo
2 ODISSEIA realizador. A história começa na
A Educadora de Infância estreou-se 17.45 Wild Tube 18.08 Animais: véspera do Dia das Bruxas,
em 2018. Escrito e dirigido por Encontros Épicos Estranha 18.54 Vida quando D.J., Chowder e Jenny
Sara Colangelo, o Ælme ganhou 0.30 Terra Nossa 1.30 Solum Animal 19.52 Quando as Baleias descobrem que a casa em frente à
o prémio de melhor realização Caminhavam 20.47 A Ascensão dos de D.J. está assombrada. Parece ter
no Festival de Sundance. Animais com David Attenborough 21.38 vida própria e engolir tudo o que
Maggie Gyllenhaal, Gael García 2.15 Levanta-te e Ri 3.15 Queridas Feras Como Sobrevivem os Animais às se aproxima. Mas os três jovens
Bernal e Ato Blankson-Wood Catástrofes? 22.31 Clima Extremo Viral arquitectam um plano para vencer
assumem as personagens. as forças do mal que a dominam.
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 21

Jogue também online.


Palavras-cruzadas, Totoloto 14 17 20 28 44 6 Jogos
bridge e sudoku em 1.º Prémio 10.900.000€
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HORIZONTAIS: 1. Vai ser a nova
provedora da Misericórdia de PORTUGAL PRÓXIMOS DIAS PORTO
Lisboa. Gran Turismo. 2.
Intocável (fig.). Trajar. 3. Viana do Castelo Segunda-feira, 24 Terça-feira, 25
Advertência. Abriu concurso
para 50 casas de arrendamento
acessível. 4. Chief Executive
15 º
20º
Braga
Bragança
18º
13º 19º 12º 21º
Officer. Botequim. Ruminante 16 º 8º
bovídeo. 5. Prata (s. q.). (…) 13 º
Esteves Cardoso, venceu o Vila Real
Grande Prémio de Crónica e Porto Índice UV Médio Índice UV Alto
16º 15º Vento Fraco Vento Fraco
Dispersos da APE 2022. 6. Certo
18 º 10º
ruído na respiração. Urdidura de 1,8m 14º Humidade 77% Humidade 75%
uma obra literária. 7. Espécie de Viseu
rã arborícola. Elemento de Guarda
18 º Quarta-feira, 26 Quinta-feira,27
formação de palavras que Aveiro 11º 19º

exprime a ideia de ovo. Avançar.
8. Quociente de inteligência 13 º
19º 14º 22º 14º 23º
(sigla). Short Message Service.
9. Traulito. Interjeição que se
emprega para excitar ou animar. Coimbra
Prefixo (sobre). 10. Baniu jatos Índice UV Alto Índice UV Alto
privados, mas em Portugal 19º
12º Vento Fraco Vento Fraco
duplicam. 11. Que tem a cor da
Castelo Branco Humidade 73% Humidade 69%
rosa e da açucena. Batráquio.
Leiria 21 º
VERTICAIS: 1. Acometer. Tornar 20º 10º
volumoso ou balofo. 2. Percorrer 13º
(o mar) em navio. Adoro. 3. Fruto
do abieiro. No Museu do Oriente, MEDIDOR DE CO2
contam a relação da China com Santarém Portalegre
a Europa. 4. Direito. País africano Mauna Loa, Havai
cuja capital é Bamako. Sétima
24 º 22 º
11º 10º Partes por milhão
nota musical. 5. Larga faixa de
seda para cingir o quimono. (ppm) na atmosfera
Abreviatura de et cetera. 6. Valores por semana
Acusada. Procede. “Amigo (...) e Lisboa
prudente é melhor que parente”. 23 º Semana de 9 Abr. 422,88
7. (...) Vieira Amaral, autor do 13º Évora
livro O Segundo Coração. Setúbal Semana de 2 Abr. 422,54
Solução do problema anterior: 25º
Centésima parte do hectare. 8. HORIZONTAIS: 1. Azul. Apeles. 2. Bom. IvoRosa. 3. Rn. Adir. CPI. 4. Iatria. Pais. 24º 11º Há um ano 419,90
Euro (abrev.). Deus do Amor 5. Amorfo. 6. Lat. És. Ui. 7. Ate. AP. Age. 8. Urna. Serrim. 9. Netflix. Ora. 10. Amoral. 12º
entre os Gregos. Doutor (abrev.). STOP. 11. Raso. Ousa. Há dez anos 397,93
9. Cor negra nos brasões.
Mediana. 10. Tartamudo. Ter VERTICAIS: 1. Abril. Aunar. 2. Zona. Trema. 3. Um. Talentos. 4. Arma. Afro.
para dar ou emprestar. 11. Sines Beja Nível de segurança 350
5. Idiota. LA. 6. Aviar. Psilo. 7. Por. Fé. Ex. 8. Er. Posar. Ss. 9. Loca. Grota. 10. Espigueiro.
Desleal. 11. Sais. Mapa. 16º 26º Nível pré-industrial 280
22º 10 º
1,8m 12º

QUALIDADE DO AR
SUDOKU © Alastair Chisholm 2008
www.indigopuzzles.com Portugal
Sagres 23º
Solução do problema 11.861 16º Porto Coimbra
21º
13º Faro 18º Lisboa Évora
1,0m
Açores Faro
Corvo
Graciosa
17º Excelente Razoável
Flores
São Jorge 21º Terceira 2,2m Mau Não é saudável
17º 18º 16º
15º Nada saudável Perigoso
2,2m Faial
Pico São SOL
Miguel
17º 19º
17º
Problema 11.863 1,5m
Ponta Delgada
Dificuldade: Muito difícil Nascente Poente
Sta Maria
Madeira 6h50 20h21
Porto Santo
22º
20º Madeira 16º LUA
Problema 11.862 0,5m 22º 20º
Dificuldade: Fácil
16º 1,2m Crescente 27 Abr. 22h20

Funchal Cheia 5 Mai. 18h34

Solução do problema 11.860


Minguante 12 Mai. 15h28

Nova
MARÉS Preia-mar Baixa-mar *de amanhã
19 Mai. 16h53

Leixões m Cascais m Faro m

05h42 3,3 05h17 3,3 05h24 3,2


11h40 0,8 11h12 1,0 11h06 0,8

17h55 3,3 17h31 3,3 17h39 3,2 Nascente Poente


08h42 00h18*
00h08 0,8 23h41 1,0 23h31 0,9 *de amanhã
Fontes: AccuWeather; Instituto Hidrográfico; QualAR/Agência Portuguesa do Ambiente; NOAA-ESRL
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22 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Estar bem
ARELIX/GETTY IMAGES
sença de elevadas quantidades de
pesticidas pode desvanecer o bene-
fício dos vegetais na mortalidade e
na doença coronária.
A outra face do uso limitado de
pesticidas na agricultura orgânica é
o maior risco da contaminação por
microrganismos ou micotoxinas,
acrescido pelo uso de fezes animais
como adubo. Ainda que não seja ine-
quívoco, a contaminação parece ser
mais frequente em alimentos orgâ-
nicos, como foi observado em alface,
aveia, puré de maçã e cereais em Por-
tugal. O maior surto de doenças
transmitidas por alimentos na Euro-
pa, onde morreram 53 das 3950 pes-
soas afetadas, foi causado por toxinas
produzidas por bactérias Escherichia
coli O104:H4 presentes em rebentos
de feno-grego orgânicos.
Está solidamente demonstrado
que o consumo de fruta e hortícolas
está associado a redução do risco de
doenças cardiovasculares, alguns
tipos de cancro (fígado, cólon, pul-
mão, mama e estômago), doenças
pancreáticas, asma, diabetes, fratura
da anca, cataratas e depressão. O que
ainda não se sabe é se os vegetais or-
gânicos conferem uma proteção adi-
cional. Os estudos observacionais
indicam que uma alimentação com

Alimentos orgânicos: benefícios mais vegetais orgânicos se associa a


um menor risco de diabetes, obesi-
dade e síndrome metabólica, sendo
menos consensual o impacto no ris-

autênticos ou aparentes?
co de cancro.
Contudo, é muito difícil perceber
qual o efeito dos alimentos orgâni-
cos, pois aqueles que os consomem
são mais conscientes com a saúde,
têm maior nível de educação, comem
Comprar alimentos orgânicos é uma decisão pessoal e não uma recomendação de saúde mais fruta, cereais integrais, legumi-
nosas, frutos gordos e hortícolas e
menos refrigerantes, doces, bebidas
Vítor Hugo Teixeira alcoólicas, carne transformada e lei-
te, têm menos obesidade, são Æsica-
Em duas décadas, o interesse em ali- lhor apenas por comprá-los. Aliás, leite gordo orgânico tem mais 56% guir perigo (presença) de risco (dose mente mais ativos, fumam menos, e
mentos orgânicos emergiu de um basta rotular um alimento como or- de ómega-3 do que o convencional de exposição). Apesar de ser mais é mais provável que sejam vegetaria-
nicho de mercado em países desen- gânico — mesmo não o sendo — para (78 vs. 50 mg), mas são precisos 24 frequente detetar-se resíduos de pes- nos e vivam em zonas rurais.
volvidos para uma tendência a nível que seja percecionado como mais litros para igualar o teor presente em ticidas em alimentos convencionais Em conclusão, não se pode aÆrmar
global. A agricultura biológica é hoje saudável, menos calórico e mais sa- 100g de sardinha. do que em orgânicos (40,3% vs. que os alimentos orgânicos são mais
praticada em 187 países e as suas ven- boroso (o que não se conÆrma em Não surpreende, pois, que os ní- 18,4%), os limites máximos aceitáveis nutritivos ou mais saudáveis. Com-
das alcançaram 132 mil milhões de provas cegas) e para predispor os veis plasmáticos de carotenos, enzi- raramente são ultrapassados em am- prar alimentos orgânicos é uma de-
dólares em 2021. A preferência pela consumidores a pagar mais por eles. mas antioxidantes, polifenóis, vita- bos (5,1% e 1,5%, respetivamente). E cisão pessoal e não uma recomenda-
produção orgânica, em alternativa à Mas serão os alimentos orgânicos mina C e licopeno sejam semelhantes no caso de alimentos orgânicos ani- ção de saúde. Transmitir uma men-
agricultura intensiva convencional, efetivamente mais saudáveis ou ape- entre consumidores. Para melhorar mais até foi mais frequente a deteção sagem pública de superioridade dos
está principalmente relacionada com nas assim percebidos? o estado nutricional é mais eÆciente de resíduos de pesticidas (16% vs. 7%) orgânicos ou de desincentivo do con-
a saúde, mas também com a susten- Se considerarmos que ser mais sau- trocar a alimentação ocidental pela e de incumprimento dos limiares sumo dos convencionais pode ser
tabilidade ambiental e convicções dável é ter maior riqueza nutricional, mediterrânica do que alimentos con- máximos (1,9% vs. 1,2%). contraproducente, pois poderá re-
éticas (bem-estar animal) e sociais concluímos que não há diferenças vencionais por orgânicos. Porém, a presença de resíduos de sultar numa redução da ingestão,
(remuneração justa). signiÆcativas entre produtos orgâni- A alimentação é a principal via de pesticidas nos alimentos não deve ser sobretudo pelos mais desfavoreci-
Os consumidores de orgânicos va- cos e convencionais. O teor de vita- exposição a pesticidas e, geralmente, usada como argumento para reduzir dos, devido ao maior preço. E isso
lorizam mais o impacto na saúde, a minas e minerais dos vegetais depen- quem consome mais orgânicos tem o consumo. Como declara a EFSA, é seria lamentável considerando que
produção local e a ausência de con- de mais de outros fatores, como o níveis urinários mais baixos dos seus improvável que a exposição alimen- mais de metade dos portugueses não
taminantes, e são menos sensíveis à solo, do que do tipo de produção. resíduos. Com efeito, na agricultura tar a este nível de pesticidas repre- come os 400g de vegetais recomen-
conveniência e ao preço do alimento. Geralmente, os orgânicos possuem orgânica são autorizados menos pes- sente um risco para a saúde. Além dados por dia. Portanto, coma mais
A designação “orgânico” apenas in- uma maior concentração de antioxi- ticidas e está proibido o uso dos sin- disso, podemos mitigar o risco com vegetais, convencionais ou orgâni-
forma sobre o método de produção, dantes, mas a diferença depende do téticos. Contudo, ser natural não si- práticas simples como lavar ou des- cos. Ambos melhoram a sua saúde.
mas induz as pessoas a inferir bene- alimento. A carne e o leite orgânicos gniÆca necessariamente ser melhor cascar os alimentos, que reduz par-
fícios para a saúde. A credibilidade têm menos selénio, iodo e colesterol (a rotenona é um pesticida natural cialmente os resíduos de pesticidas, Professor auxiliar
atribuída a estes alimentos é tão e mais ferro, vitamina E, -caroteno cujo uso foi banido recentemente ou cozinhá-los, que os diminui dras- da Faculdade de Ciências
grande (uma espécie de “aura”) que e ómega-3, mas as diferenças são ir- por provocar doença de Parkinson ticamente (de 18 a 100%). Estes cui- da Nutrição e Alimentação
faz com que as pessoas se sintam me- relevantes. Por exemplo, um litro de em animais) e é importante distin- dados são importantes, pois a pre- da Universidade do Porto
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Público • Domingo, 23 de Abril de 2023 • 23

In Memoriam
DR

O padrinho da
difusão da música
cabo-verdiana
Marinheiro, electricista, empresário, agente
artístico, compositor, militante independentista,
foi o precursor da difusão da música de Cabo
Verde a partir de Roterdão, onde viveu e morreu

Nuno Pacheco
Muito antes de José (Djô) da Silva Países Baixos). Consegue um
ter projectado Cesária Évora para emprego de electricista na
o mundo, a partir de Paris, outro Philips, que tinha uns estúdios
Silva, não José mas João, lançava modernos em Baarn, a 90
em discos a partir de outra cidade quilómetros de Roterdão, onde
europeia, Roterdão, a voz e a ele se instalou — foi, aliás, o
música de Cabo Verde para quem primeiro cabo-verdiano a Æxar-se
as quisesse ouvir. Chamava-se nesta cidade. E Roterdão não
João da Silva, era conhecido pelo tardou a transformar-se num pólo
“nominho” de Djunga de Biluca e agregador da diáspora de Cabo
morreu no passado dia 17 de Verde como também num centro
Abril, na mesma Roterdão onde difusor da sua música, que ali
se radicou em 1955. Tinha 94 anos começou a ser gravada com a
e uma vida cheia de histórias, que regularidade possível.
não há muito tempo recordara Como alugar um estúdio era
numa reportagem de Ricardo J. caro, João recorreu a colegas seus
Rodrigues e Guillaume Pazat, na Philips, que o apresentaram
publicada no jornal
luxemburguês Contacto e no
aos funcionários dos estúdios de
Baarn, e assim conseguiu um Djunga Mimosa, de São Vicente, em 1964,
Cesária surge a cantar num outro
prepararmos a resistência na
diáspora. E ele disse-me que o
PÚBLICO. esquema para fazer gravações EP lançado fora do país, em 1965, que nós precisávamos de fazer
Nascido em 1929 na ilha de São
Vicente, no bairro de Ribeira
mais baratas. “Se fôssemos à
noite, ou nas horas mortas,
de Biluca intitulado Mornas de Cabo Verde,
este gravado com Frank
era de aÆrmar a nossa cultura,
porque um dia íamos ser
Bote, “Ælho de pais humildes”
(como recordou o diário
faziam um desconto”, contou ele
na citada reportagem. “E isso até
Empresário Cavaquim, Luiz Rendall e Djon
Rendall. No verso, lia-se “Edição
independentes e precisávamos de
saber quem éramos, de ter uma
cabo-verdiano A Nação, ao nos dava jeito, porque quase da Casa Silva” e indicava-se esta identidade.”
noticiar a sua morte), João foi
criado em Santo Antão e fez-se ao
todos os músicos que editaram
pela Morabeza trabalhavam nos
1929-2023 morada: “Beukelsdijk, 25b
Rotterdam Holland”. A marca de
A música foi, assim, uma
preciosa arma. No primeiro disco
mar aos 18 anos, como barcos ou nas fábricas. Djunga. editado pela Casa Silva,
marinheiro, para escapar ao Arranjávamos uma carrinha, Vários títulos, hoje históricos Cabo-Verdianos na Holanda (onde
serviço militar. Foi parar à Libéria saíamos ao Æm da tarde, na música cabo-verdiana, foram Djunga participou como
e aí estudou Electrotecnia, para gravávamos a noite toda e editados pela Casa Silva, fundada percussionista, ele que era
entrar na Marinha Mercante. Essa voltávamos de manhã, para pegar em 1965, e pela Morabeza também compositor, “usando por
primeira saída clandestina teve ao serviço. Às vezes Records, nome que a editora vezes o pseudónimo de Tijom”),
um desfecho que não esperava, conseguíamos dormir uma hora passou a ostentar a partir de escreveu: “É nas nossas músicas
pois num regresso fugaz para ver ou duas dentro da viatura, todos 1968, como os primeiros LP do que exprimimos o que a boca não
a família, dois anos após a apertados.” Mas valia o esforço. conjunto Voz de Cabo Verde, os diz, o que a mão não escreve. A
partida, foi apanhado, como Na década de 1960, Djunga de chamarem a Roterdão “a 11.ª ilha de Bana, Luís Morais (entre eles o ira muda, o asco mudo, o
conta Gláucia Nogueira no livro Biluca fundou uma editora com o de Cabo Verde”), eram também muito celebrado Boas Festas, de desespero mudo”. Atitude que
Cabo Verde & a Música — seu nome de baptismo, Casa levados para as comunidades em 1967), Humbertona, Djosinha, viria a ser reconhecida
Dicionário de Personagens. Silva, que viria depois a mudar de França, Alemanha e Luxemburgo. Chico Serra, Tazinho e até mesmo oÆcialmente: em 2003, recebeu
Resultado: esteve três anos no nome para Morabeza Records. Com a ajuda de marinheiros do angolano Bonga, que ali editou do então Presidente de Cabo
serviço militar. Como Com estes dois selos, foram amigos, iam até mais longe: o seu primeiro LP, Angola 72. Verde, Pedro Pires, a medalha da
electrotécnico, devido ao curso impressos e distribuídos, ao Portugal, Cabo Verde, Estados Música, sim, mas editada por Ordem Amílcar Cabral e em 2004
que em boa hora tirara. longo de uma década, cerca de Unidos. impulso político. “Isto começou foi condecorado pela rainha da
“Precisavam de alguém com essa 40 LP e muitos EP. Tiravam-se Cesária Évora, que só tudo por causa do Amílcar Holanda com o grau de cavaleiro
formação”, como ele explica no entre mil e 5 mil exemplares de conheceria o sucesso Cabral”, disse ele na já citada da ordem de Oranje-Nassau. Tudo
livro. cada disco e, além de serem internacional bem mais tarde, reportagem, que foi a sua última pela sua obra dedicada e
Essa formação viria também a vendidos entre a comunidade também ali gravou um dos seus entrevista. “Eu tinha feito tropa pioneira, que deixou descrita no
ser-lhe útil quando decidiu cabo-verdiana na Holanda, que primeiros discos. Depois de portuguesa e depois decidi aderir livro autobiográÆco De Ribeira
Æxar-se na Europa, na Holanda aumentou exponencialmente cantar em dois EP do Conjunto ao PAIGC. Acreditava na luta da Bote a Rotterdam, publicado em
(que hoje designamos apenas por nesses anos (ao ponto de Mindelo editados pela Casa independência e propus a Cabral 2009.
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24 • Público • Domingo, 23 de Abril de 2023

Crónica

Entretenimento
milenarista

N
uma nota prévia a a sua obsessão no ponto-charneira A macromitologia expandiu-se, uma mera “alucinação” do
London Fields, entre o teológico e o “espiritual”.
Trabalhos de casa tornando-se muito mais demente, protagonista. Num certo sentido,
Martin Amis Estendendo e elaborando a Rogério Casanova caótica e maximalista do que a dos os responsáveis pela barafunda
cataloga algumas premissa central da série anterior próprios X-Files: sem qualquer arco estavam mais sintonizados com a
das alternativas que — há monstros humanos, mas narrativo plausível, constrói a característica central da
ponderou para título também há outros —, substitui a noção de uma conspiração mentalidade predisposta à teoria
do romance e confessa que, a dada estrutura de casos de investigação hipercompetente, envolvendo uma conspirativa: a disponibilidade
altura, chegou a pensar que isolados sobre ocorrências burocracia secreta a trabalhar nos para o incessante revisionismo
Millennium seria estranhas, fossem elas bastidores para, dependendo do como solução para a precariedade
“maravilhosamente descarado”. avistamentos de luzes no céu ou de episódio, evitar o Apocalipse epistemológica. O principal perigo
“Uma suposição comum: não há bichos horríveis no bosque (o cumprindo o plano divino, ou não é ver nenhuma hipótese
nada que não se chame Millennium formato “criatura-da-semana”) acelerar o apocalipse cumprindo o deÆnitivamente conÆrmada ou
hoje em dia.” O romance foi
publicado em Setembro de 1989,
pelo modelo “psicopata-da-
semana”. O assassino em série, que A segunda plano divino.
Os assassinos em série são
refutada; tal como num casino
(onde o que se pretende não é que
um mês depois da estreia de
Millennium, um Ælme de Æcção
em breve se eclipsaria das linhas de
produção cultural, é a estrela da temporada de implacavelmente descartados (há
só um na segunda temporada), e o
o cliente ganhe ou perca muito,
mas apenas que continue a jogar),
cientíÆca com Kris Kristoèerson e
Cheryl Ladd, mas Amis não sabia
primeira temporada. Millennium é
claramente inÇuenciado pelo Millennium plantel é regenerado por
promoções que parecem anunciar
o principal perigo é que as
hipóteses deixem de se suceder.
da missa a metade. Os anos sucesso de Se7en, de David Fincher uma matriz cultural posterior:
não se tornou

O
seguintes deram-nos mais um (ao ponto de Carter ter ido buscar vários casos de abusos organizados contexto da
romance de Jack Anderson e um o director de arte do Ælme, o que se de crianças, rituais esotéricos televisão episódica
volume de história de Felipe
Fernández-Armesto; duas séries
nota em quase cada imagem), e
lançou as bases de objectos
apenas, praticados por elites em contacto
com energias sobrenaturais, e um
aprisiona o
protagonista de
documentais (BBC e CNN); álbuns
de Backstreet Boys e Earth, Wind &
posteriores, como Mentes
Criminosas. A fórmula inicial não
drasticamente, ciclo inteiro envolvendo vírus,
pandemias e vacinas que preÆgura
Millennium num
mundo onde está
Fire; canções de Robbie Williams e
Killing Joke; produtoras de cinema,
admite grandes variações. Um
cadáver é encontrado,
sobre teorias muitas das ramiÆcações
contemporâneas do Covid
constantemente no limiar de uma
revelação importante e
empresas farmacêuticas e fundos
de investimento; parques públicos
normalmente junto a sinais
crípticos ou citações enigmáticas.
da Cinematic Universe (CCU©).
A segunda temporada de
transcendente, mas onde as
repercussões nunca acompanham
em Chicago e recintos multiusos
em Londres; um pouco mais tarde,
Frank Black dedica-se a 20 minutos
de semiótica intensa, sozinho num
conspiração; o Millennium não se tornou apenas,
drasticamente, sobre teorias da
proporcionalmente essa revelação.
É o mesmo mundo habitado pelos
trilogias de best-sellers suecos e
remodelações do Banco Comercial
gabinete, a olhar Æxamente para
meia centena de documentos,
que aconteceu conspiração; o que aconteceu é
que parece ter sido escrita por uma
mais ávidos consumidores de
narrativas conspirativas: um
Português.
A televisão também se juntou à
diagramas e fotograÆas sangrentas
aÆxadas com tachas a um painel de é que parece ter teoria da conspiração, tal como ela
procede habitualmente nos
mundo de absolvição contínua e
amnésica, num ciclo perpétuo de
festa (até Seinfeld teve um episódio
chamado The Millennium), com a
cortiça, até identiÆcar um suspeito
plausível: um homem sido escrita por espaços online: em que a sensação
titilante de descoberta é arrastada
anticlímax e reinício, recheado de
personagens cuja motivação nunca
estreia em 1996 da segunda obra
do criador de Ficheiros Secretos,
fanaticamente dedicado à
curadoria de ominosos versículos uma teoria da ao longo de vários episódios
contraditórios e muitas vezes
é clara. Vacinas falsas, pandemias
verdadeiras, ou o oposto, mas para
Chris Carter. Quase três décadas bíblicos, e que pode ou não ser um quê, exactamente, e com que Æm?
depois, Millennium pode ser visto demónio literal. conspiração mutuamente exclusivos. Ao minuto
15 de um episódio, a conspiração A pergunta é tão absurda como
como metadona televisiva: um está a aproveitar uma pandemia seria na lógica interna de

U
tratamento de desintoxicação para m diálogo entre falsa para inocular pessoas com Millennium: o subtexto que esse
os X-Files. Substituindo a parelha Frank e a mulher uma vacina também falsa que, por enquadramento tenta revelar
de investigadores carismáticos num dos primeiros os sua v vez, contém os elementos nunca é a corrupção no sentido
(cada um representando um ece
episódios estabelece gerad
geradores de uma pandemia sistémico ou sequer material (no
extremo no eixo cepticismo- a linha temática: ela verd
verdadeira para a qual também sentido de aquisição de vantagens
credulidade) por um aposentado exprime a visão poss
possuem uma vacina falsa, ou indevidas). O que se procura
precoce, a série conta a história de terapêutica e materialista sobre a talve
talvez verdadeira. Porque é que excitar são nervos mais recônditos
Frank Black, agente do FBI na ior
origem do “Mal” residir no interior fazem tudo isto? Não tem grande e instintos mais atávicos, apelando
pré-reforma, depois de uma do ser humano; ele prefere impo
importância, pois o mesmo grupo, a hábitos de consumo de
carreira a enÆar-se “dentro das acreditar numa fonte externa — e a dez m minutos depois no mesmo informação moldados em parte
mentes” de psicopatas o levarem a série vai-lhe dando gradualmente e episó
episódio, está a prever um pelo consumo de Æcção narrativa:
um esgotamento nervoso. razão, mas sem nunca eliminar a terra
terramoto com vários dias de em que a motivação dos
O primeiro episódio mostra-o a ambiguidade por completo. antec
antecedência (por saberem ler antagonistas nunca precisa de ser
mudar-se com a família para E depois, como num corre
correctamente o Novo mais do que um instinto
Seattle, onde uma vaga função de documentário de Adam Curtis, Testa
Testamento). A segunda irreprimível para praticar o “Mal”
consultoria com um consórcio algo estranho aconteceu. temp
temporada foi uma barafunda tão apenas pelo mero facto de serem
obscuro chamado Grupo Milénio e Chris Carter afastou-se do gran
grande, que quando Carter vilões; e em que os alvos da
um surto de assassinatos macabros projecto na segunda regr
regressou para a terceira, foi revelação são reduzidos ao seu
o obrigam a regressar ao activo. temporada, delegando obr
obrigado a recorrer ao clássico papel mais confortável — o de
Onde os Ficheiros Secretos se responsabilidades a dois ex
expediente de declarar logo a espectadores, a reagir ao que vêem
interessavam pelo paranormal e co-argumentistas, e a série a
abrir que grande parte dos num ecrã, para preencherem
pelo extraterreno, Millennium situa transformou-se radicalmente. eventos passados tinham sido outros ecrãs.

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