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2.

Estatuto do conhecimento
científico
(De acordo com as
Aprendizagens Essenciais)
Problemas filosóficos a tratar:

• Problema da demarcação – O que distingue as


teorias científicas das que não são científicas?
• Problema do método científico – Em que
consiste o método científico?
• Problema da evolução da ciência – Como
progride/evolui a ciência?
• Problema da objetividade da ciência – Será a
ciência objetiva?
2.1.1. A reflexão filosófica sobre a ciência

Será a ciência apenas algo dos nossos dias?


FIGURAS DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA 6
A ciência, tal como a entendemos hoje, surgiu apenas
por volta do início do século XVII, com os esforços e
descobertas revolucionárias de pessoas como:

Nicolau Francis Johannes GALILEU Isaac


COPÉRNICO BACON KEPLER Galilei NEWTON
(1473-1543) (1561-1626) (1571-1630) (1564-1642) (1643-1727)

Astrónomo Filósofo Astrónomo Físico Físico


Astrónomo Matemático
Heliocentrismo Método indutivo Leis de Kepler
experimental sobre mecânica
Principal Gravitação
(Precursor da celeste
(Precursor da fundador da universal
ciência moderna) ciência moderna) Leis de Newton
ciência
moderna

6
7

GALILEU foi o principal fundador da ciência moderna


porque foi principalmente graças a ele que…

método linguagem
autonomia da
experimental matemática
ciência
Aplicando na prática o método já
Separando o conhecimento da antes proposto por Bacon:
natureza do estudo meramente Recorrendo à linguagem precisa e
escolar e livresco (os livros de rigorosa da matemática («a
Aristóteles) e da teologia 1. Observação linguagem da natureza»), para
(religião), a ciência tornou-se 2. Formulação de hipóteses (por exprimir o conhecimento da
verdadeiramente uma área indução) natureza e das suas leis.
independente e autónoma. 3. Experimentação
4. Estabelecimento de leis científicas

7
p.183

CIÊNCIA TÉCNICA E TECNOLOGIA

Trouxe, ao longo dos tempos, inúmeras


vantagens, comodidades e confortos.

A ciência alcançou um estatuto superior ao de


outras formas de conhecimento.

A maioria das pessoas valoriza a ciência e o conhecimento


científico sob a crença de que são fiáveis e seguros, considerando
que só neles existe rigor cognitivo.

Mas o desenvolvimento da investigação científica e da tecnologia


também trouxe a debate inúmeras questões que nos obrigam a refletir
sobre o valor, os riscos e os limites da própria ciência.
p.184

FILOSOFIA DA CIÊNCIA OU EPISTEMOLOGIA

Área da filosofia que se ocupa do estudo das questões relativas à


prática e ao conhecimento científicos.

«O estudo crítico dos


princípios, das hipóteses
«O estudo sistemático da
e dos resultados das «A investigação de natureza da ciência,
diversas ciências, problemas que surgem especialmente dos seus
destinado a determinar a da reflexão sobre a métodos, conceitos e
sua origem lógica (não ciência e a prática pressuposições.»
psicológica), o seu valor e científica.» (Simon (Dagobert D. Runes)
a sua importância Blackburn)
objetiva.» (André
Lalande)

•O que é a ciência?
•O que distingue uma boa teoria científica de uma má teoria? Algumas questões
•Qual deve ser o método a adotar em ciência? epistemológicas
•Como progride a ciência?
•Será que o conhecimento científico é objetivo?
•O contexto cultural e social tem alguma influência sobre a atividade científica?
2.1.2. A especificidade do conhecimento
científico – distinção entre senso
comum e conhecimento científico
p.186

Realidade

Pode ser explorada e compreendida de


diferentes modos.

Existência de diferentes níveis de conhecimento


acerca da realidade.

Senso comum
ou Conhecimento
conhecimento científico
vulgar
p.187

Relacionamo-nos com o mundo que nos


rodeia, antes de mais, através dos
sentidos. São eles que nos permitem
diversos tipos de experiências, que,
acumuladas constituem o 1º nível de
conhecimento da realidade exterior. As
cores são um fenómeno muito curioso e
estudado em diferentes domínios da
ciência. Algumas explicações científicas
da área da física indicam que as cores, Imagem de cristais coloridos da cafeína: Apesar da
perceção nos indicar que o café é negro, a
tal como as vemos, não existem nos observação de um dos seus componentes – a
objetos e que, na realidade, cafeína- recorrendo a instrumentos de alta
correspondem a ondas luminosas de tecnologia, dá-nos a conhecer uma forma multicolor.
comprimentos diferentes que resultam
da decomposição da luz.
p.187

SENSO COMUM
(CONHECIMENTO VULGAR)

Conhecimento essencialmente prático. Orienta a vida quotidiana.

Resulta da apreensão sensorial espontânea e imediata da realidade.

É não disciplinar e ametódico (ao invés do conhecimento científico).

É um tipo de conhecimento superficial e pouco ou nada aprofundado.

Conjunto de crenças e opiniões subjetivas, suposições, pressentimentos, preconceitos e ideias


feitas que se traduzem num conhecimento superficial e, por vezes, erróneo da realidade.

Serve de alavanca à construção de tipos de conhecimento mais elaborados, como é o científico.


p.188

DO SENSO COMUM AO
CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Karl Popper Gaston Bachelard

O senso comum é o ponto de


O senso comum é um
partida para qualquer
obstáculo epistemológico,
conhecimento mais
algo que impede a produção
aprofundado do real –
de conhecimento científico.
científico, filosófico ou outro.

É necessário corrigi-lo, reformulá-lo e


É necessário romper totalmente com ele.
criticá-lo.
p.189

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Resulta de uma leitura dos fenómenos diferente da do conhecimento vulgar e de uma atitude
diferente face ao real.

É um nível mais aprofundado do conhecimento da realidade.

Baseia-se em pesquisas e em procedimentos (métodos) coerentes e consistentes relativamente a


um conjunto de pressupostos teóricos.

Faz-se acompanhar de instrumentos de medida.

Recurso a uma linguagem específica e rigorosa,


Construção de conceitos e teorias.
geralmente de carácter matemático,

Procura descrever, explicar e prever os fenómenos e as suas relações, apontando as leis que
presidem a tais fenómenos.
p.190

Conhecimento vulgar Conhecimento científico

- Confia nos sentidos; - Desconfia dos sentidos;


- É sensitivo; - É problematizador e racional;
- Manifesta-se numa atitude - Manifesta-se numa atitude crítica;
dogmática; - É explicativo;
- É prático;
- É metódico e sistemático;
- É ametódico e assistemático;
- Utiliza uma linguagem rigorosa.
- Utiliza uma linguagem imprecisa.

Tipo de conhecimento superficial, não Tipo de conhecimento aprofundado e


especializado em qualquer domínio, especializado em diferentes domínios,
mas que apresenta respostas construindo explicações dos
imediatas e funcionais, visando a fenómenos e tendo por base uma
resolução dos problemas do dia a dia. organização teórica e um método.
p.190

Conhecimento científico
Procura ser objetivo. Tem em atenção o facto, excluindo as apreciações subjetivas.

Resulta de um método Tal método apoia-se, no caso das ciências empíricas, na verificação e no controlo
específico. experimentais – método experimental.
Resulta da formulação de
Elas procuram ordenar a diversidade empírica.
hipóteses.
É constituído por um As teorias são hipóteses já estabelecidas e comprovadas.
conjunto de teorias.
Procura leis. As leis exprimem a invariância e a repetibilidade dos factos; muitas vezes, este
conhecimento exprime os factos em termos estatísticos ou probabilísticos.

É preditivo. Prevê a ocorrência de novos fenómenos.

É revisível. Encontra-se sujeito a correções e a alterações.

É provisório. Mantém-se como aceitável até surgir outra teoria mais eficaz e mais próxima da
verdade.

A ciência sempre procurou constituir-se como um conjunto de conhecimentos e


procedimentos sistematizados e organizados, tendo em vista a produção de leis e
teorias capazes de descrever, explicar e prever os fenómenos.
O que é a ciência?
A ciência é uma… porque…
construção racional • interpreta os dados racionalmente; estabelece relações
causais entre os fenómenos; formula leis e integra-as em
teorias.

análise metódica e • define um objeto de investigação; utiliza um método rigoroso


adequado; conjuga a capacidade intuitiva, criadora e
objetiva organizadora com o respeito pelos factos; combina invenção,
lógica e experimentação.

explicação • é um conjunto de procedimentos padronizados, permitindo


chegar sempre aos mesmos resultados
operativa

aproximação • as teorias são criações humanas falíveis; a verdade científica


não é definitiva, estando sempre sujeita a revisão ou
sucessiva substituição e uma construção dinâmica com retroações
constantes.

explicação precisa, • utiliza o método científico, uma linguagem unívoca e técnica;


rigorosa e prática define rigorosamente os conceitos; tem aplicação prática; as
leis e teorias devem ser capazes de reproduzir as observações.
p.191

Classificação das ciências


Formais (exatas): Empíricas:
as suas proposições são lidam com proposições justificadas
independentes da experiência com base na observação e na
(a priori). experimentação (a posteriori).

Naturais Sociais e humanas


Estudam conceitos,
estruturas e processos
puramente lógicos,
Estudam factos e Estudam factos e
abstratos e
acontecimentos acontecimentos
simbólicos.
característicos da característicos da vida
natureza. social e humana.

•biologia •sociologia
•química •psicologia
•lógica
•física •história
•matemática
•astronomia •economia
•… •…

Há muitas situações em que as diferentes ciências cooperam umas com as outras.


2.2. Ciência e construção – validade
e verificabilidade das hipóteses
Objetivo: Compreender que caminho percorrem os cientistas para
resolverem problemas e construírem teorias.
Analisar qual é o método que permite demarcar a ciência de outros
modos de conhecer o real.
Questão: Como procedem os cientistas para conhecer a realidade?
p.192

Especificidade metodológica
da ciência
MÉTODO
Conjunto de procedimentos, orientados por um conjunto de regras, que estabelecem a
ordem das operações a realizar com vista a atingir um determinado resultado.

A escolha de um método está dependente do objeto de estudo.

O método permite distinguir aquilo que é


Problema da
conhecimento científico do que não pode ser
demarcação
considerado como tal.

•Quais são os procedimentos (o método) que o cientista deve Procura do


adotar para obter resultados científicos? critério de
•Como podemos reconhecer uma teoria científica? cientificidade
•Qual o critério a adotar na validação das teorias científicas?
•Será que o método é suficiente para garantir a cientificidade do
conhecimento?
2.2.1. A conceção indutivista do método
científico
p.193

INDUTIVISMO
p.193

INDUTIVISMO

Perspetiva epistemológica que salienta a importância da indução para a ciência, quer


ao nível das descobertas científicas, quer ao nível da justificação das teorias.

Francis Bacon O conhecimento científico deve fundar-se na indução e na


(1561-1626) experimentação e não na metafísica e na especulação.

A atividade científica obedece à seguinte lógica de procedimentos


(etapas):

Formulação de
Observação Experimentação Lei
hipóteses
p.193/
194

Operações fundamentais do método científico – indutivismo

Contexto de descoberta
(diz respeito à maneira como ocorreu a descoberta)

O cientista observa os factos ou fenómenos e


regista-os de forma sistematizada para Exemplo:
1. Observação dos procurar encontrar as suas causas. A
Observo que as folhas das
fenómenos observação é neutra, isenta, rigorosa, plantas a, b, c, d, e, f e g são
objetiva e imparcial, devendo ser repetida verdes.
várias vezes. A observação precede a teoria.

Por meio da comparação e classificação dos


casos observados, o investigador procura
aproximar os factos para descobrir a relação Exemplo:
existente entre eles. Assim, recorrendo à
2. Formulação da
indução, ele parte para a formulação da Existe uma substância em todas
hipótese as folhas verdes das plantas que
hipótese, explicação geral acerca dos
fenómenos e das suas relações. Procura-se lhes confere essa cor.
inferir um enunciado geral a partir de
enunciados particulares ou singulares.
p.193/
194

Contexto de justificação
(refere-se ao modo como se justificam os resultados obtidos na descoberta)

A experimentação é o processo de confirmação da hipótese explicativa enunciada.


Esta terá de ser testada e, confirmando-se o que ela propõe, pode passar a lei
3.
científica.
Experimentação /
A experimentação é fundamental para que se possa verificar ou confirmar se as
verificação
relações estabelecidas são aplicáveis a todo o tipo de fenómenos semelhantes (isto
experimental é, nas mesmas condições e da mesma natureza), mesmo sem que tenham sido
observados um por um.

Recorrendo, uma vez mais, à indução, o Exemplo:


4. cientista generaliza a relação encontrada entre
Estabelecimento os factos semelhantes, traduzindo-a numa lei Todas as folhas verdes possuem
da lei geral que expressa as relações constantes entre uma substância – a clorofila –
esses factos. que lhes confere essa cor.
p.194/
195

EXPERIMENTAÇÃO

É fundamental para que se possa verificar e confirmar se as relações p.195


estabelecidas são aplicáveis a fenómenos semelhantes.

Enunciados do indutivismo Tx 4

Princípio da Princípio de
Princípio da indução
acumulação confirmação

O conhecimento
Articula a plausibilidade
Há uma forma de, a científico é o resultado de
das leis com o número de
partir da acumulação de factos bem estabelecidos,
instâncias a que o
factos singulares, inferir a que progressivamente
fenómeno a que se refere
enunciados universais. se acrescentaram outros
a lei foi submetido.
sem alteração daqueles.
2.2.2. O critério da verificabilidade
p.195

Verificação da hipótese

Passo necessário para assegurar os resultados da investigação.

Mas será que isto é suficiente para garantir que determinada


hipótese é de facto de uma (boa) hipótese ou teoria científica?

Problema da Qual o critério que permite demarcar o conhecimento


demarcação científico de outros tipos de conhecimento?

Uma teoria é científica apenas se consistir em


Filósofos afirmações que sejam empiricamente
neopositivistas verificáveis, ou seja, apenas se for possível verificar
empiricamente (através da experiência) aquilo que ela
propõe.

Critério da
verificabilidade
p.196

Proposição empiricamente
verificável

Proposição cujo valor de verdade pode ser estabelecido


através da observação e da experiência.

“Neptuno possui 14 satélites “Há um anjo negro à entrada


naturais.” da sétima dimensão.”

O que aqui se afirma pode Não se pode verificar


ser verificado pela empiricamente o que aqui se
observação empírica. afirma.
p.196

Mas será que as teorias e as leis propostas pelos cientistas


podem ser realmente verificadas?

“Há corvos negros.” “Todos os corvos são negros.”

Esta proposição é verificável: Aquilo que nesta proposição


podemos verificar aquilo que se afirma não pode ser
ela afirma de cada vez que se estritamente verificado de
vê um corvo. Se o corvo for forma universal, pois é
negro, a proposição é impossível saber a cor de
verdadeira.. todos os corvos que existiram
no passado, que existem e
que existirão no futuro.

Problema da indução
p.196

Alguns filósofos neopositivistas afirmam,


porém, que basta que os enunciados sejam
empiricamente confirmáveis p.196

Critério da
confirmabilidade

Não exige uma verificação conclusiva, ajustando-se assim às


generalizações próprias das leis científicas e permitindo, mediante
uma verificação empírica parcial, estabelecer "graus de
confirmação" numa base probabilística.

confirmação da teoria

Este processo é também inconclusivo: pode sempre aparecer


uma observação que ponha em causa a hipótese geral.
2.2.3. Críticas ao indutivismo
Críticas ao indutivismo

As leis da natureza exprimem-se em frases universais e aplicam-se a um número


indefinidamente vasto de objetos. Por exemplo, a lei da gravitação de Newton aplica-se a
todos os corpos materiais do universo. Ora, não é possível estabelecer a verdade das leis da
natureza através da observação — não é possível verificá-las empiricamente. Para verificar a
lei de Newton seria preciso observar o comportamento de todas os corpos materiais do
universo. Obviamente, nem sequer em princípio se pode realizar todas as observações
necessárias para verificar uma lei da natureza. Deste modo, o critério positivista implica que as
leis da natureza não são científicas. No entanto, o conhecimento científico mais importante
acerca do mundo natural consiste nas afirmações universais das leis da natureza.

Como observar o inobservável?


Se tomarmos o conhecimento científico contemporâneo pelo que parece à primeira vista,
temos de admitir que muito desse conhecimento se refere ao inobservável. Refere-se a coisas
como protões e eletrões, genes e moléculas de ADN e assim por diante. Como pode a posição
indutivista acomodar tal conhecimento? Parece que o raciocínio indutivo, na medida em que
envolve algum tipo de generalização realizada a partir dos factos observáveis, não é capaz de
produzir conhecimento do inobservável. Qualquer generalização realizada a partir dos factos
do mundo observável pode produzir apenas generalizações sobre o mundo observável.
Consequentemente, o conhecimento científico do mundo inobservável nunca pode ser
estabelecido pelo tipo de raciocínio indutivo que discutimos.
Alan Chalmers, O Que £ Esta Coisa Chamada Ciência?, p. 49
O conhecimento dos inobserváveis

• Conhecemos moléculas de ADN e •Há variadíssimos casos de explicações


genes, protões e eletrões, e muitas científicas em que aquilo que precisa de
outras coisas que não são observáveis. ser explicado não é diretamente
• Se o conhecimento resulta de observável: é o caso das partículas
generalizações e previsões a partir de subatómicas, como os neutrinos, ou de
factos observáveis, não se percebe coisas invisíveis como campos
como pode o indutivista explicar o eletromagnéticos. Já sem falar da origem
conhecimento dos inobserváveis. do universo, que os cientistas também
• Essas generalizações e previsões, por procuram explicar e que ninguém alguma
partirem de factos observáveis, só vez observou.
podem referir-se a aspetos igualmente •Portanto, argumentam alguns filósofos,
observáveis. Isso deixa de fora aquela não é verdade que, em ciência, se parte
parte do nosso conhecimento científico sempre da observação do que se
que não pode ser construída por meio pretende explicar, ao contrário do que os
do raciocínio indutivo, uma parte indutivistas defendem.
importante que não deve ser
abandonada.
p.196/
197

Críticas ao indutivismo

O método indutivista, ligado à verificação


Em muitas situações a observação não é
experimental, assenta num argumento
o ponto de partida da investigação
falacioso: se uma teoria é verdadeira,
científica. Muitas vezes, o ponto de
então verifica-se o que ela prevê; ora,
partida são os problemas surgidos do
verifica-se o que ela prevê; logo, essa
confronto entre uma observação e as
teoria é verdadeira. Estamos perante a
expectativas ou teorias já existentes.
falácia da afirmação do consequente.
Tx 5
Ainda que o cientista recorra à
observação, ela não é totalmente
O raciocínio indutivo não confere o rigor
neutra, imparcial e isenta de
lógico necessário às teorias científicas. É
pressupostos teóricos, de expectativas
o já referido problema da indução,
face à investigação ou de preconceitos,
levantado por Hume.
ocorrendo sempre num determinado
contexto.
p.197

Problema da indução
(levantado por David Hume)

Baseamo-nos na observação de um conjunto finito de casos particulares para concluir


que todos são assim (generalização) ou que o próximo a ser observado também assim
será (previsão). Há um salto do conhecido para o desconhecido.

Confiamos na indução porque partimos do:


Princípio da Uniformidade da Natureza: princípio de que os fenómenos se repetem e
são previsíveis ou de que o futuro se assemelha ao passado.

não constitui uma verdade necessária não pode ser provado empiricamente: ele
(a priori), pois não pode ser justificado decorre da experiência anterior e do
pelo pensamento hábito, sendo igualmente estabelecido
por generalização (isto significa que
recorremos à indução para justificar a
confiança na própria indução)
p.197/
198

Princípio da Uniformidade da Natureza

Decorre do hábito.

Nenhum raciocínio que se baseie em tal princípio pode


garantir rigorosamente a verdade da sua conclusão.

Exemplo

A couve portuguesa é rica em cálcio.


Os brócolos são ricos em cálcio.
A couve lombarda é rica em cálcio.
Logo, todos os legumes são ricos em cálcio.

Esta generalização indutiva não invalida a hipótese de


alguns legumes não serem ricos em cálcio.
Tx 6

Não é possível justificar, com rigor, aquilo que é proposto numa teoria ou lei científica que decorra da
generalização indutiva. O rigor e a verdade do conhecimento científico ficam comprometidos.
p.199

David Hume

sublinha o carácter ilusório do indutivismo p.199

Apesar de admitir que o conhecimento científico se constrói por


indução, reconhece que ela não serve para justificar esse
conhecimento, pois não é racionalmente justificável.

Como podemos então garantir a


cientificidade do conhecimento?

Karl Popper

Propõe outro Mostra que o


Propõe outro critério
método – problema da indução
de cientificidade –
conjeturas e não tem o peso que
falsificabilidade. Hume lhe atribui.
refutações.
2.2.4. A conceção de ciência de
Popper – o método conjetural
p.200

Karl Popper

Rejeita o critério da
Considera que a especificidade
verificabilidade e da confirmação
metodológica da ciência não pode
das hipóteses e teorias científicas
assentar na indução.
tal como proposto pelo
positivismo lógico.

A construção do conhecimento
O critério de cientificidade das
científico faz-se através de
teorias é o da falsificabilidade.
conjeturas e refutações.
p.200

CIÊNCIA Suposição/hipótese
arrojada,
imaginativa, mas
Faz-se por um processo de construção criativa de devidamente
fundamentada, que
hipóteses– conjeturas – para responder a problemas.
o cientista concebe
para explicar os
factos.
Ao contrário do indutivismo, Popper entende que a
observação não é o ponto de partida do cientista, nem
as teorias resultam de inferências indutivas.

A ciência parte de problemas (ou factos-problemas) e


as teorias começam por ser hipóteses explicativas e
criativas (conjeturas) que terão de ser submetidas a
testes rigorosos, tendo em vista a sua refutação.

Hipótese Testes
Problema
(conjetura)) (refutação)
p.200
p.201

O método de conjeturas e refutações (método hipotético-dedutivo)

“Facto-problema” 1 – Formulação da hipótese ou conjetura a


Exemplo: partir de um facto-problema.
Constata-se que algumas crianças,
mesmo quando bem alimentadas e O ponto de partida da investigação científica são os
sem problema de foro genético problemas ou factos-problemas. Um facto-problema surge,
diagnosticado, revelam um em geral, de conflitos decorrentes das nossas expectativas
crescimento abaixo da média. ou das teorias já existentes. Para o resolver, o cientista terá
Procura-se explicar a razão pela de propor uma explicação provisória – hipótese (ou
qual estas crianças revelam um conjetura): momento criativo da atividade científica,
baixo crescimento. associado à intuição, à imaginação e não à indução.

1 – Formulação da Hipótese
hipótese ou conjetura

Explicação provisória de um dado fenómeno que


Exemplo: exige comprovação; suposição que se expressa
Hipótese 1 – A presença em excesso da num enunciado antecipado sobre a natureza das
hormona X no organismo impede o relações entre dois ou mais fenómenos.
crescimento.
p.197

2 – Dedução das
consequências

Exemplo: Depois de a hipótese ter sido formulada, são deduzidas


Dedução das consequências da as suas principais consequências. Ou seja, na prática o
hipótese 1 – Se a hipótese 1 for cientista procura prever o que pode acontecer se a sua
verdadeira, a redução ou a inibição hipótese ou conjetura for verdadeira.
da produção da hormona X
promoverá o crescimento.
Hipótese/Teoria científica que sobreviveu à tentativa de a refutar,
embora possa vir a ser refutada futuramente; cujos testes p.197
experimentais até ao momento não conseguiram estabelecer de
modo conclusivo a sua falsidade

3 – Experimentação
Agora será necessário descobrir se as previsões que o
cientista fez estão ou não corretas: a hipótese será
Exemplo: testada, confrontada com a experiência. Os resultados
Experiências realizadas com podem, então, mostrar o “sucesso” ou o fracasso da
ratinhos revelam que, nos grupos conjetura proposta.
em que a hormona X foi
administrada em doses • Se for validada pela experiência, a hipótese é
sucessivamente superiores, os
ratinhos apresentaram um
considerada como credível e passará a ser
crescimento mais ou menos lento e reconhecida na comunidade científica – teoria
pouco significativo, mesmo quando corroborada. Mesmo assim, deverá continuar-se a
bem alimentados; já nos grupos de submeter essa teoria a testes, cada vez mais severos,
ratinhos que não sofreram essa de falsificação.
administração, o seu crescimento
foi normal. Este resultado validou a
hipótese. Caso não tivesse validado • Se não for validada, teremos de a abandonar
a hipótese, teríamos de a ou de a reformular – teoria refutada.
reformular ou apresentar uma
nova hipótese.
p.197

Validade das hipóteses ou conjeturas

Condições exigidas para a garantir:

É preciso criticá-las, tentar refutá-las, procurar os seus


pontos fracos, submetê-las a testes rigorosos, proceder a
várias tentativas de falsificação..

Só assim é possível o desenvolvimento


do conhecimento científico.

O crescimento do conhecimento avança de velhos para novos


problemas mediante conjeturas e refutações (K. P.).
p.197

Sendo o método científico um método crítico, o cientista


deverá ser crítico em relação às suas teorias.

Este método não se baseia no raciocínio indutivo, mas sim no raciocínio dedutivo.

Os testes experimentais, orientados para a tentativa de falsificação,


obedecem a uma forma de inferência válida, o modus tollens:

P→Q Se a teoria P é verdadeira, então o que ela prevê (Q) ocorre.


Q O que ela prevê (Q) não ocorre.
P Logo, a teoria P não é verdadeira.
p.197

O método indutivista, visando a verificação das teorias, assenta num argumento falacioso,
cometendo a falácia da afirmação do consequente

P→Q Se a teoria P é verdadeira, então o que ela prevê (Q) ocorre.


Q O que ela prevê (Q) ocorre.
P Logo, a teoria P é verdadeira.

p.202
2.2.5. O critério da falsificabilidade
Problema da demarcação
p.202

POPPER

rejeita o critério da verificabilidade

Segundo Popper, as teorias científicas não são


empiricamente verificáveis.

Para que uma hipótese venha a ser considerada credível,


é preciso procurar refutá-la ou falsificá-la.

Critério da
falsificabilidade

Uma hipótese ou teoria será científica apenas se


for empiricamente falsificável.

Uma teoria é empiricamente falsificável se, e apenas se, for incompatível


com algumas observações possíveis.
p.202

Confrontação da hipótese com a experiência

Não visa confirmar a hipótese, mas permitir testar a


resistência que ela tem face às tentativas empreendidas Tirar a firmeza, a
para a enfraquecer, refutar ou falsificar. força ou a
autoridade de =
DEBILITAR,
O teste experimental é visto como a procura de ENFRAQUECER,
fenómenos que possam infirmar a hipótese. INVALIDAR

Se se encontrar Uma teoria científica é válida enquanto for resistindo à


tentativa de a falsificar empiricamente e é tanto mais A atitude do
um cisne de outra
forte quanto mais resistir. cientista deve ser
cor, teremos de
a de procurar
abandonar e/ou
cisnes de outra
reformular o
O enunciado «Todos os cisnes são brancos» é científico, cor (para
enunciado: este
porque é empiricamente falsificável – para o falsificar, falsificar) e não a
não resistiu à
basta encontrar um cisne de outra cor. de procurar cisnes
falsificação e foi,
brancos (para
efetivamente,
confirmar).
falsificado.
p.203
p.203

Enunciados

“Surgirá no Céu uma bola de “O cometa Halley aparecerá


fogo.” no ano de 1986.”

Enunciado não falsificável. Enunciado falsificável.

Quanto mais uma teoria é


falsificável, mais
Uma teoria que não é
possibilidades o cientista tem
falsificável nada diz de
de descobrir falhas na sua
significativo sobre os factos.
investigação e de propor uma
nova explicação.

Mais possibilidades de a
ciência progredir.
p.203

Quanto mais conteúdo empírico tiver uma teoria,


isto é, quanto mais informação nos der sobre o
mundo, maior é o seu grau de falsificabilidade.

Exemplo:

A afirmação “Todos os corpos são compostos por


átomos” tem mais conteúdo empírico e maior domínio
de aplicação (e, por isso, maior grau de falsificabilidade)
do que a afirmação “O meu corpo é composto por
átomos”.
p.203

Critério da falsificabilidade

Permite a Popper responder ao problema da


demarcação.

As teorias científicas são diferentes das não-


científicas (ou das pseudocientíficas), na
medida em que são falsificáveis.

“Deus existe.” “Todos os cisnes são brancos.”

Não pode ser falsificado. Pode ser falsificado.

Não constitui um enunciado Constitui um enunciado de


de carácter científico. carácter científico.
Falsificacionismo
O falsificacionismo de Popper
p.203/
204

p.204
2.2.6. Críticas a Popper
p.204/
205

O processo de refutação ou falsificação não é o


procedimento mais comum entre os cientistas. Isto significa que a teoria de
Geralmente, eles procuram confirmar o que as Popper não é descritiva (não diz
teorias científicas propõem; ainda que dada como os cientistas procedem),
observação implique rejeitar uma previsão, tal não mas sim normativa (diz como os
os demove de investigar no mesmo sentido. cientistas deviam proceder).

Considerando a história da ciência, não parece que ela possa evoluir por meio de
conjeturas e refutações: Copérnico, Galileu ou Newton, por exemplo, não abandonaram
Críticas as suas teorias na presença de factos que aparentemente as poderiam falsificar.
a
Popper Popper, com o critério falsificacionista, subestima o valor, para o progresso da ciência,
das previsões bem-sucedidas. É expectável que o cientista se concentre mais nas
previsões bem-sucedidas do que naquelas que são um fracasso. Estas previsões são
fundamentais para o progresso da ciência.

A perspetiva de Popper não parece valorizar o conhecimento científico associado a


resultados positivos. Se há avanços tecnológicos e práticos, temos razões para acreditar
que as teorias científicas que os possibilitaram são verdadeiras e não se reduzem a meras
conjeturas falsificáveis.
Críticas a Popper
Críticas a Popper
2.3. A racionalidade científica e a
questão da objetividade

2. A Filosofia na cidade
p.197

História da ciência

Mostra-nos um conjunto de leis, teorias e modelos científicos


sucessivamente revistos ou rejeitados e substituídos por outros mais
eficazes, mais aptos a explicar os fenómenos.

O facto de quase todas as teorias surgidas na história da ciência terem


sido substituídas constituirá um indício de que as que atualmente
vigoram serão também um dia dadas como falsas ou inadequadas?

Karl Popper Thomas Kuhn

Destaca o papel que a


Defende o valor da ciência
história, a sociedade e o
enquanto conhecimento que
modo de ver e de fazer
resulta de um processo
ciência segundo determinado
progressivo de construção de
contexto têm sobre a própria
conjeturas e refutações.
atividade científica.
2.3.1. A evolução da ciência
p.197

Karl Popper VERDADE

Correspondência das proposições


científicas à realidade dos factos.

Meta para a qual a ciência avança.

O progresso científico deve ser entendido


como o desenvolvimento da ciência em
direção a um fim que, podendo não ser
alcançável, não deixa de ser pressuposto.

O critério da
falsificabilidade pressupõe Nenhuma teoria, mesmo
que a todo o momento as aquela que é corroborada,
teorias possam ser é completamente definitiva
refutadas. e verdadeira.
p.197

A ciência avança por meio de tentativas e erros

Parte de problemas. P1

Propõe hipóteses ou conjeturas, ou novas teorias-tentativas (TT) de


explicação do mundo, que são provisórias. TT

Vai eliminando os erros (EE), submetendo as teorias à refutação. EE

Conduz, neste processo, à descoberta de novos problemas (P2), e


assim por diante. P2…
p.197

Evolução da ciência: é comparável à evolução das espécies.

Conceção darwinista da Processo de construção da


evolução das espécies ciência

As espécies que melhor


respondem aos desafios que o
ambiente e a natureza As hipóteses
propõem são as que mais sofrem uma espécie de
probabilidades têm de processo de “seleção natural”.
sobreviver.

As teorias mais fortes – as que


As teorias menos aptas – as que
resistem às várias tentativas de
não resistem aos testes
refutação – são as melhores, isto
experimentais – são eliminadas e
é, as que oferecem uma (boa)
dadas como erros.
explicação dos factos.
p.197

ERROS

Obrigam o cientista a procurar novas


explicações dos factos ou problemas.

Importância da crítica: critério racional de


progresso científico.

A crítica permitirá a eliminação dos erros e,


consequentemente, o avanço da ciência em
direção à verdade..

O cientista encontra falhas ou erros nas teorias


já existentes e empenha-se na procura de novas
respostas.

Isso impede que a ciência estagne ou se fixe a


qualquer tipo de dogma.
p.197

Atitude crítica

Sendo contrária à atitude dogmática, ela


permite ao cientista avançar.

O objetivo do cientista é encontrar a verdade, ainda que essa


tarefa corresponda apenas a uma aproximação à verdade por
intermédio de teorias cada vez melhores.

As teorias científicas nunca são categóricas, mas conjeturais.

A ciência nunca pode afirmar-se como detentora da VEROSIMILHANÇA


verdade: as teorias são sempre falsificáveis.

Mesmo no caso das teorias corroboradas, há sempre a


hipótese de virem a ser refutadas no futuro..

Grau com que uma


Podemos mostrar apenas que dada teoria é verosímil. teoria capta a verdade.
p.197

Crítica à perspetiva de Popper

Ao considerar a ciência como conjetural e as teorias científicas como


falsificáveis ou refutáveis, o falsificacionismo acaba por abalar a
confiança nessas teorias e nos resultados a elas associados.

Sendo falsificáveis e não propriamente verdadeiras, as teorias científicas, em


rigor, não se encontram racionalmente justificadas.
p.197

Thomas S. Kuhn

Destaca o papel que a história da ciência tem na construção da própria ciência.

Reflete sobre o processo de produção da ciência.

A construção de teorias
Ao contrário da tradição A produção científicas está sempre
positivista, Kuhn não vê o científica dependente de um
cientista como um sujeito depende de conjunto de factos, de
neutro ou isolado, mas sim um crenças e conhecimentos,
condicionado e paradigma regras, técnicas e valores
contextualizado. científico. compartilhados e aceites
pela maioria dos cientistas.

O paradigma funciona como um modelo de referência na descoberta e resolução de


problemas, no interior da comunidade científica. Trata-se de uma matriz disciplinar, de
carácter teórico e prático, que fornece uma determinada visão do mundo e uma forma
específica de fazer ciência numa dada área.
p.197

Fase pré-paradigmática (ou de pré-ciência)

Ainda não há ciência propriamente dita.

Situação marcada por divergências e por tentativas


avulsas de resolução dos problemas.
p.197

Processo de desenvolvimento da ciência


Fase da atividade científica que ocorre no âmbito de um dado paradigma aceite pela
Ciência normal comunidade científica. Consiste essencialmente na resolução de enigmas (quebra-cabeças) de
acordo com a aplicação dos princípios, regras, conceitos do paradigma vigente.

Anomalias Enigmas persistentes, factos a que o paradigma não é capaz de responder.

Fase de tomada de consciência da insuficiência do paradigma vigente para explicar todos os


Crise
factos ou anomalias. Vive-se um clima de insatisfação e insegurança.

Ciência Fase de questionamento dos pressupostos e fundamentos do paradigma vigente. Gera-se o


extraordinária debate sobre a manutenção do paradigma (velho) ou a escolha de um novo paradigma.

Revolução
Fase de mudança e aceitação de um novo paradigma pela comunidade científica.
científica

Nova ciência Paradigma: conjunto de crenças, regras, técnicas e valores compartilhados e aceites por uma
normal (novo comunidade científica e que orientam a sua atividade. Corresponde a um modo de fazer
paradigma) ciência, de perceber, abordar e resolver problemas, que se institui no seio dessa comunidade.
p.197

Dois momentos fundamentais de


progresso no interior da ciência

Durante o período de No período das


ciência normal revoluções científicas

O cientista, sem se desviar do


paradigma de referência, faz
Nesta altura, ocorrem novas
um estudo cada vez mais
descobertas, que obrigam a
específico e aprofundado dos
mudanças revolucionárias,
fenómenos. A resolução de
porque não se ajustam ao
novos enigmas significa a
paradigma anterior. Existe
possibilidade de validar
aqui um progresso não
novos resultados e ampliar a
cumulativo, num processo
aplicação do paradigma, sem
marcado pela
pôr em causa as teorias do
descontinuidade.
paradigma vigente –
progresso cumulativo.
p.197

A mudança de um paradigma para outro não é cumulativa, antes


corresponde a um modo qualitativamente diferente de olhar o real.

Kuhn exemplifica com as imagens da psicologia da forma (Gestalt): estas imagens ilustram a
inesperada e total mutação de formas que ocorre de um paradigma para outro.

Ora se vê um pato, ora se vê um coelho.

Ora se vê uma jovem, ora se


vê uma idosa.
p.197

A verdade das teorias científicas está sempre dependente do paradigma em que


se inserem: aquilo que é verdadeiro num paradigma pode não o ser noutro.

Três conceções de espaço que suportam três geometrias diferentes: todas podem ser
verdadeiras, pois funcionam em paradigmas distintos (a de Euclides é a que está subjacente à
física newtoniana; a de Riemann está subjacente à física einsteiniana).

Conceção de espaço de Conceção de espaço de Conceção de espaço de


Euclides. Riemann. Lobachevsky-Bolyai.
p.197

Os paradigmas são incomensuráveis, isto é, são incomparáveis e


incompatíveis. Não podemos comparar objetivamente aquilo que
cada paradigma defende, pois correspondem a formas totalmente
diferentes de explicar e prever os fenómenos.
Interpretação diferente do
progresso da ciência

O progresso científico não pode ser entendido como um processo contínuo e cumulativo de
teorias ou paradigmas cada vez melhores em direção a uma meta ou fim.

Se não podemos afirmar que um paradigma é melhor que o antecessor, também não podemos
afirmar que o novo paradigma descreve melhor a realidade que o antecessor.

A ciência não progride de forma As mudanças de paradigmas não


cumulativa e contínua. implicam a aproximação à verdade:
recusa da visão teleológica da
evolução da ciência – a verdade não
é a meta para a qual ela se orienta.
p.197

A escolha de um novo paradigma é marcada por fatores de ordem


histórica, sociológica e psicológica.

Quando a comunidade científica tem de escolher entre


dois paradigmas rivais, gera-se o debate.

A atividade do cientista não se reduz à resolução de enigmas, ao recurso à lógica e à


experimentação, mas está dependente da argumentação.

Na obra A Tensão Essencial, Kuhn define os critérios a partir dos quais, regra geral, os
cientistas escolhem determinadas teorias e abandonam outras.
p.197

A escolha entre teorias rivais obedece a critérios objetivos e subjetivos.

CRITÉRIOS

Objetivos Subjetivos

São individuais, dependentes


São partilhados por toda a de fatores subjetivos,
comunidade científica, sendo relativos ao que cada
dependentes de fatores cientista sente e pensa – de
objetivos, isto é, princípios, acordo com a sua história de
regras e até valores vida e a sua personalidade –
comummente adotados. em relação à teoria que
elege.
p.197

Princípios ou critérios objetivos de


escolha das teorias

Exatidão Consistência Alcance Simplicidade Fecundidade

Característica
segundo a qual Sobriedade e
uma teoria é Ausência de elegância na
capaz de fazer contradições forma como a Capacidade da
Abrangência da
previsões internas e teoria explica os teoria para
teoria
corretas. Quanto compatibilidade fenómenos; uma impulsionar a
relativamente à
mais exata for da teoria com teoria é simples investigação
diversidade de
uma teoria, mais outras teorias se não depende científica em
fenómenos que é
perto ela está do aceites dentro de muitas leis direção a novas
capaz de explicar.
que é possível do paradigma para explicar os descobertas.
observar ou dos vigente. fenómenos
resultados da observados.
experimentação.
p.197

Critérios objetivos

Indicam as propriedades ou características que as teorias devem ter para


serem escolhidas..

Mas, quando duas teorias competem entre si, nem sempre a


comunicação entre cientistas é fácil.

É possível que uns valorizem mais determinados critérios do que outros


e isso reflete-se na argumentação que desenvolvem..

Só é possível compreender a ciência tendo em conta o contexto em que


ela se desenvolve: valores e convicções da comunidade científica.

A ideia de ciência como conhecimento objetivo, certo e indubitável da


realidade é posta em causa..

Critérios subjetivos
p.197

Incomensurabilidade Críticas à conceção Adoção de um novo


dos paradigmas kuhniana de ciência paradigma

O facto de os paradigmas serem


O critério para justificar a adoção de um
incomensuráveis implica a
novo paradigma é considerado
impossibilidade de os comparar e
«irracional» por alguns autores.
avaliar objetivamente.

Cada paradigma representa um modo A adesão a um novo paradigma ocorre


totalmente diferente de encarar os por conversão (quase religiosa) de
problemas e propor soluções, não todos os cientistas – como se se tratasse
havendo hipótese de partilha, de uma questão de fé – ao novo
cooperação ou diálogo entre eles.. paradigma.

Alguns críticos acusam Kuhn de ser Este processo traduz a ideia de que a
relativista: as explicações da ciência atividade científica é irracional (o que
encontram-se num plano idêntico ao de põe em causa o valor da ciência).
outras explicações do mundo.
2.3.2. A questão da objetividade
científica
p.197

Objetividade do conhecimento científico

O computador O computador é O computador é


pesa 20 quilos. leve. pesado.

Proposição objetiva. Proposições subjetivas.

Dá-nos informações do
objeto e não do sujeito: o A informação «pesado» ou «leve» depende do sujeito que a
computador pesa 20 quilos afirma, mais do que do objeto. A proposição dá-nos mais
independentemente dos informações sobre as características do sujeito (ser forte ou
sujeitos e pesa o mesmo para não) do que sobre as características do objeto.
todos os sujeitos.
p.197

Conhecimento objetivo

Refere-se exclusivamente ao objeto de estudo, independentemente


do sujeito que realizou a investigação.

Para o atingir, o cientista terá de se abstrair da sua subjetividade: da


sua forma pessoal de entender o objeto, da sua afetividade, dos
seus valores, dos seus interesses, das suas crenças ideológicas e
políticas, dos seus gostos estéticos, etc.

A repetição de uma mesma experiência científica, sob determinadas


condições, deve proporcionar os mesmos resultados.
p.197

Prática científica (nas ciências empíricas)

Recurso a instrumentos de observação e medida.

Eles permitem quantificar e exprimir grandezas, o que é


determinante para conseguir a descrição objetiva e rigorosa
do mundo que habitamos.

A história das ciências revela-nos uma sucessão de


instrumentos que, por serem menos rigorosos, foram
substituídos por outros mais sensíveis e complexos,
permitindo o avanço das pesquisas científicas.

Mas a objetividade não parece ser assegurada pela criação


de instrumentos de medida, por causa dos efeitos que eles
podem ter na observação.
p.197

Fatores que influenciam o cientista

Ideológicos Económicos Estéticos

A investigação científica
O interesse que o A escolha dos modelos e
está dependente de
cientista demonstra por teorias científicas pode
financiamento:
determinados factos, em ser orientada por
determinadas
vez de outros, pode ser o critérios estéticos
investigações podem ser
resultado da sua enraizados na respetiva
patrocinadas porque
ideologia. tradição cultural.
interessam e outras não.

O cientista move-se num determinado contexto histórico e cultural: a sua


atividade é situada e interessada. Mas ele tem necessariamente
incorporada a “objetividade” no seu sistema de valores.
p.197

PROBLEMA DA OBJETIVIDADE

Será que a ciência é apenas uma


Será que a ciência representa
leitura que reflete as crenças dos
uma leitura objetiva dos factos?
cientistas?

A ciência é apenas uma leitura que


A ciência obedece a determinadas
reflete aquilo que os cientistas,
regras, aplica métodos de pesquisa e
integrados numa comunidade
critérios racionais de escolha e
científica, pensam, os seus valores e
validação de teorias.
as suas crenças.
p.197

Respostas de Popper e Kuhn ao problema da objetividade

O cientista é um sujeito ativo, criativo


POPPER Destaca o papel que os cientistas, KUHN
e crítico, mas comprometido com
inseridos na comunidade científica,
ideias, valores e princípios que
partilhando valores e crenças, têm
funcionam como um quadro teórico
sobre a construção do conhecimento.
de referência.

A ciência e o conhecimento que dela


Mas as teorias científicas, sendo
resulta só podem ser compreendidos
corroboradas, correspondem a uma
em função do paradigma que orienta
leitura objetiva da realidade.
a atividade científica.

Rejeita o critério falsificacionista. O


Uma teoria objetiva propõe uma
cientista não põe em causa o
explicação dos fenómenos que pode
paradigma, a não ser num período de
ser confrontada com a experiência,
crise, se se esgotarem todas as
sendo falsificável e testável
possibilidades de o paradigma
universalmente.
responder a anomalias persistentes.
p.197

POPPER KUHN
O conhecimento científico não se confunde O conhecimento é dependente do sujeito
com o sujeito que o produz; é independente integrado numa comunidade científica. A
do sujeito e do contexto. ciência não é totalmente objetiva.

A validação das teorias obedece ao critério A escolha e avaliação das teorias dependem
da falsificabilidade. de fatores objetivos e subjetivos.
O
conhecimento
O conteúdo das teorias ou conjeturas, científico é
obedecendo a princípios lógicos, garante o A verdade é relativa ao paradigma vigente;
objetivo?
rigor e a objetividade com que o só pode ser entendida dentro dos limites que
conhecimento científico descreve e explica a ele impõe.
realidade.

A ciência é conjetural, ela não atinge a A verdade é definida no interior de cada


verdade; aproxima-se da verdade. A verdade paradigma. Com a mudança de paradigma,
é a meta da ciência (verdade como não podemos dizer que nos aproximamos da
correspondência aos factos). verdade.

Tanto Popper como Kuhn compreendem que a ciência não é o tipo de conhecimento absolutamente certo e
indubitável. Segundo Popper, a ciência evolui progressivamente em direção à verdade, através da eliminação
de erros ou da refutação de teorias; para Kuhn, ela evolui dentro de cada paradigma e também nas mudanças
de paradigma. No entanto, não podemos dizer que se aproxima da verdade.
p.197

Crítica à perspetiva de Popper

Ao apresentar uma perspetiva normativa e não uma perspetiva descritiva da


ciência, Popper acaba por se afastar daquilo que é realmente a ciência e do
modo como decorre a atividade científica.

A existência de uma influência da personalidade do cientista e do contexto


social na construção das teorias e na evolução da ciência vem abalar a ideia,
defendida por Popper, de que a ciência é objetiva.
p.197

Crítica à perspetiva de Kuhn

Crítica à ideia da incomensurabilidade.

Muitas teorias científicas são, de facto, melhores do que outras que


as antecederam, ou seja, um paradigma resolve as anomalias que o
anterior não resolvia e permite fazer previsões mais rigorosas,
parecendo encontrar-se mais próximo da verdade.

Assim, é possível comparar os paradigmas, isto é, eles


não são incomensuráveis.
p.197

RACIONALIDADE CIENTÍFICA

Noções tradicionalmente associadas:

Verdade certa,
Objetividade Neutralidade necessária e Demonstração
universal

As correntes positivista e neopositivista atribuíram à ciência o estatuto de conhecimento verdadeiro e objetivo.

A matéria do trabalho científico – os factos – é suscetível de uma descrição exata e de uma explicação rigorosa.

A objetividade científica é assegurada pelo rigor da medição e da matematização.

A verdade a que a ciência chega é indubitável.


p.197

Cientista (imagem tradicional)

perfeitamente
puramente racional isolado do mundo objetivo e imparcial
nas suas conclusões

Esta imagem demarcava a racionalidade


científica de outras atividades racionais.

Fez da ciência o modelo cultural por excelência.

Este modo de entender a ciência deu origem ao chamado mito do


CIENTISMO

Uma espécie de nova religião, com a sua ideologia própria.

O cientismo leva o grande público a depositar na ciência toda a sua confiança e


esperança, mesmo sem compreender muitas das suas teorias.
p.197

Evolução da ciência moderna para a ciência pós-moderna (associada à teoria da


relatividade de Einstein e ao princípio da incerteza de Heisenberg).

Esgotamento da conceção positivista e neopositivista de ciência.

A ciência desviou-se do modelo de conhecimento certo e


absolutamente objetivo.

Redefinição da racionalidade científica e das suas


principais noções:

A objetividade passa a ser O cientista não apresenta Não existe uma verdade
entendida como uma racionalidade pura e absolutamente certa,
intersubjetividade. neutral. universal e necessária.

Existem apenas verdades


A sua racionalidade é dependentes dos diferentes
As teorias científicas estão
condicionada e relativa à sua quadros paradigmáticos em
dependentes da aceitação
circunstância histórica, que são produzidas e/ou
dos pares constituintes de
cultural, social, económica e teorias mais ou menos
uma comunidade científica.
psicológica. verosímeis e mais ou menos
plausíveis.
p.197

RACIONALIDADE CIENTÍFICA

Perde o carácter de modelo de todas as


outras formas de racionalidade.

O conhecimento científico é um dos modos


possíveis de ler e interpretar o real.
“Há vinte e cinco anos, tentei trazer esta questão a um
grupo de estudantes de Física, em Viena, iniciando uma
conferência com as seguintes instruções: “Peguem no
lápis e no papel; observem cuidadosamente e anotem
o que observarem!” Eles perguntaram, como é óbvio, o
que é que eu queria que eles observassem.
Manifestamente, a instrução “Observem!” é absurda.
(...) A observação é sempre seletiva. Requer um objeto
determinado, uma tarefa definida, um interesse, um
ponto de vista, um problema.”
Karl Popper (1963), Conjeturas e Refutações. Lisboa: Almedina, pp. 72-73

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