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Sumário de Leituras: Faixas etárias e interesses de Leitura

Tendo em conta a múltipla diversidade de livros editados anualmente, torna-se


imprescindível ao docente ter um conhecimento consistente sobre psicologia infantil e
sobre as principais realizações e tendências editadas para os mais novos.

Daí a selecção do tema faixas etárias e interesses de leitura para este trabalho.
Partindo de interesses profissionais, enquanto professoras e professoras-biblitecárias
tentaremos ser breves nesta temática:

Com base no livro de Glória Bastos, Literatura Infantil e Juvenil, 1999,


apresentamos dois quadros que representam os interesses de leitura de acordo com as
faixas etárias. Segundo o autor Aplleyard, apresentado por Glória Bastos, o leitor pode
assumir diferentes papéis.
Papéis Atitudes/intenções Etapas

Educação Pré-
Leitor "lúdico" A criança ainda não lê, mas ouve histórias, torna-se um Escolar
participante/actor num mundo de fantasia.

Leitor como A criança é a figura central de uma história que ela Do 1º/2º Ciclo
Herói/ constantemente reescreve à medida que relaciona com a
Heroína imagem que tem do mundo.

Leitor como O adolescente olha para as histórias para descobrir Adolescência


Pensador significados para a vida, valores e crenças, imagens e
modelos de imitação

A literatura é vista como um corpo organizado de


Leitor como conhecimentos que requerem interpretação. Universidade
Intérprete

Leitor Este leitor escolhe de forma consciente as suas leituras, Adulto


Pragmático para conforto, desafio ou fuga.
Outro quadro, com base no livro de Glória Bastos que nos apresenta os Estádios de
Piaget, com adaptações de Cervera, 1991.

Estádios de Idades Desenvolvimento Psicológico Interesses de Leitura


Piaget

Sensório – Nascimento Pré-linguístico, nível Rimas infantis,


Motor até dois experimental. álbuns, livro jogo.
anos.

Pré- 2 - 7 Anos Preparação para aprendizagem Livros de imagens,


Operacional da leitura. Pré-conceitos, rimas, histórias de
intuição directa. animais falantes e
contos de fadas
simples.

Operações 7- 11/12 Consolidação da leitura: Aventuras no


concretas Anos Leitura fantástico – realista. ambiente próximo,
Raciocínios concretos. contos maravilhosos,
fantásticos.

Pensamento hipotético –
dedutivo, (cria hipóteses e tira
Operações 11/12 - 15 conclusões). Capacidade de Mistério, Aventura,
formais Anos síntese, individualização e novela de acção,
generalização. romance.
No livro de José António Gomes, da Nascente à Voz, 1996, é apresentado um
quadro sobre o desenvolvimento da personalidade e da leitura, de Ana Maria Filipouski,
aqui são apresentadas outras idades para estádios de desenvolvimento, são referidos
outros interesses de leitura, para as idades adolescentes:

3 -6 Anos Pensamento pré- –Pré – leitura,


conceptual, construção dos
desenvolvimento da
símbolos, mentalidade
mágica, indistinção linguagem oral.
eu/mundo.

6 – 8 Anos Pensamento intuitivo – Leitura compreensiva.


Aquisição de conceitos de
espaço, tempo e causa,
Ainda mentalidade mágica.
Auto - estima.

Fantasia como
instrumento para
compreensão e adaptação
ao real.
Operações concretas, Leitura interpretativa.
pensamento descentrado
8 – 11 Anos
da percepção e acção.
Capacidade de classificar,
enunciar e ordenar.
11 – 13 Anos Operações formais – Interesses de leitura:
domínio das estruturas detectives, fantasmas,
lógicas do pensamento ficção científica.
abstracto. Maior
orientação para o real.
Permanência eventual da
fantasia. Leitura
informativa.
13 – 15 Anos Operações formais, Interesses de leitura:
descoberta do mundo Aventuras
interior. Formação de intelectualizadas,
juízos de valor. Leitura narrativas de viagens,
crítica. conflitos psicológicos,
conflitos sociais,
biografias, crónicas,
contos.
No livro, Como um romance, Daniel Pennac questiona, através da recriação
ficcional do ambiente de uma sala de aula, a razão pela qual os jovens não gostam de
ler. Baseado nas suas próprias experiências enquanto professor, ele ensina a recuperar o
gosto pela leitura junto dos alunos, um acto esquecido neste fim de século dominado
pela comunicação em massa. Acima de tudo, Pennac quer mostrar que o acto de ler é
um acto de prazer e não de dever.

Interesses de leitura: dever ou prazer?

- A leitura como prazer e acto intimista desde o


nascimento.
«…não era nossa intenção impor-lhe a leitura como uma obrigação.
Pré - leitores Pensámos, acima de tudo, no prazer que ele daí poderia tirar» (pág.15).

«…ensinávamos-lhe tudo o que se pode ensinar acerca do livro, numa altura


em que ele não sabia ler» (pág.17).

- A leitura como acto gratuito.


«A gratuitidade é a única moeda da arte» (pág. 32).

-A leitura como um acto urgente.


«O seu apetite de leitor era espantosamente grande, a ponto, recordemos,
de ele ter pressa em aprender a ler!» (pág.18).

- A leitura pelo prazer não teme a concorrência dos


multimédia.
«…a toda a leitura preside, por mais inibida que seja, o prazer de ler, e,
Leitores pela sua própria natureza (…) o prazer de ler não receia qualquer imagem,
mesmo a da televisão e mesmo sobre a forma de avalanches quotidianas»
(adolescentes/adultos) (pág.41)

- A leitura: o dogma imposto pela escola.


• Afastamento do leitor face aos livros impostos pelos
programas;
• Justificações apresentadas pelos pais e pelos alunos para
não ler;
• Definição dos vários tipos de leitor (cap.28,pág.66 e 67);
• Escola como sinónimo de fábrica necessária do saber, de
técnicas de aprendizagem e de comentário em
detrimento do prazer de ler (cap. 32, pág.75 e 76)
• Ler é necessário, é exigência logo leva à resistência
(cap.33,p´g.77e 78)

«Casa vazia, pais deitados, televisão apagada, então ele encontra-se só...
diante da página 48. E essa “ficha de leitura” para apresentar amanhã...
Amanhã... Rápido cálculo mental: 446 – 48 =398 – Trezentas e noventa e oito
páginas a engolir durante a noite!

“A escola não pode ser um local de prazer, já que este supõe uma boa dose
de gratuitidade” (pág.75)
”(…)tudo, absolutamente tudo na vida escolar-programas,
notas,exames,classificações,orientações,sessões-afirma a finalidade
competitiva da instituição, ela própria induzida pelo mercado de trabalho.”
(pág.75 e 76)

- A Leitura como partilha (parte III «Dar a Ler»)


• Prazer da leitura em voz alta sem qualquer exigência
para um público adolescente;
• Destaque para o senso estético das narrativas;
• Terapia para o leitor;
• Tempo para a leitura.

«A partir do momento em que se coloca o problema do tempo para ler, é


porque a vontade não está lá. Porque, se pensarmos bem, ninguém jamais
tem tempo para ler. Nem pequenos, nem adolescentes, nem grandes. A vida
é um entrave permanente à leitura.»

• Reconciliação com a leitura;


• Ler de cor (com o coração – cap. 54,pág.132);
• Livro como obra;
• Direito ao silêncio.

“Ao longo de toda a escolaridade, obrigam-se os alunos das escolas e


dos liceus a glosar e a comentar os textos (…) o comentário continua
a ser rei a ponto de, frequentemente, nos esconder o objecto
comentado.”
“Falar de uma obra a adolescentes, e exigir-lhe que falem dela, pode
ser muito útil, mas não é um fim em si mesmo. A finalidade é a obra.
E o primeiro dos seus direitos, em matéria de leitura, é o direito de
se calar.” (pág.132)

O autor cria também uma espécie de catálogo, constituído não de deveres, mas
de direitos imprescindíveis ao leitor: entre eles o direito de ler qualquer coisa, e de só
ler o que se gosta, o de ler em qualquer lugar e até mesmo o direito de não se gostar de
ler. Enfim é no prazer de ler que está a chave-mestra.

Das leituras aqui referenciados conclui-se que os interesses de leitura variam


em função das faixas etárias, isto é, em função da maturidade de cada leitor. Este
tem que dispor de estruturas linguísticas, cognitivas, afectivas e da experiência do
real que lhe permitam um acesso minimamente satisfatório ao texto. Não
esqueçamos que essas estruturas dependem também das idades afectiva, fisiológica,
lúdica e intelectual.
Acresce a isto, a importância de apresentar o livro como um objecto agradável
independentemente do seu suporte e capaz de proporcionar prazer sobretudo ao
público a que se destina.

Em síntese, os documentos que serviram de base para o sumário de leitura


evidenciam que ler é construir significações que um indivíduo experimenta desde a
infância, sendo necessário mediadores de leitura formados e informados, que saibam
identificar os diferentes estádio de desenvolvimento do ser humano e relacioná-los com
os interesses de leitura (como constam de modo quase consensual, apenas com algumas
alterações na interpretação de Ana Maria Filipouski em relação as faixas etárias e
interesses de leitura da adolescência).

Os autores evidenciam a questão da maturidade psicológica e a da adequação dos


textos, da sua qualidade, da diversidade, das intenções comunicativas. Reclama a
existência de modalidades distintas de interacção literária, a nível oral, de escrita,
visual, individual ou colectiva. Pressupõe que maior adequação dá lugar a melhor
leitura. Fazer leitores implica assim um amadurecimento das suas capacidades, uma
descoberta de territórios literários pessoais, antes de se poder caminhar sozinho, de
poder partilhar as suas descobertas.

O conhecimentos das faixas etárias e dos interesses de leitura só por si não


explicam a formação de um leitor, esta formação completa-se e expande-se se
considerarmos mediadores de leitura formados e informados, que saibam comunicar com
prazer o acto da leitura, de diferentes leituras. A leitura como acto de prazer,
evidenciada na leitura da obra de Pennac. O autor põe em destaque, “o grande dogma”
da leitura pelo prazer. A leitura mais do que uma técnica que se ensina deverá assumir
diferentes formas de comunicação e de partilha de aprendizagens.
Num sistema de educação todos trazem e retiram algo, a leitura também deve ser
encarada assim, todos trazemos e levamos algo, quando se lê um texto, quando se
comunica. Por isso os educadores devem estar dispostos a formar-se continuamente, os
mediadores de leitura devem alimentar a diversidade com mais e melhores textos,
partilhando boas experiências, valorizando diferentes modalidades de comunicação
através de textos que também gostem, sejam orais, visuais ou escritos, aproveitar
didacticamente actividades de enriquecimento do currículo, com escritores, mediadores
de leitura, levando os mais pequenos a contactar com jornais, revistas, publicidades...
aproveitar os recursos, descobrir novas vivências como leitores e como sujeitos de
comunicação.

“Ler é construir significação, escrever é, entre outras coisas, assimilar leituras


anteriores...” Para uma outra pedagogia da leitura, GFEN, pág.25 (1)

Se ler é construir significações e conhecimentos e escrever implica uma


assimilação das diferentes leituras que um indivíduo experimenta desde a infância,
quanto mais diversificados forem as situações de comunicação, maiores são as
possibilidades de formarmos cidadãos livres de pensamento e de atitudes, cidadãos sem
preconceitos, capazes de entender e explorar as suas possibilidades, as dos outros,
capazes de melhor interagir com a natureza e com a sociedade.

(1) Retirada da Obra: Para uma outra pedagogia da leitura, GFEN (Grupe Français
D`Éducation Nouvelle).

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