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Francesco Mauri
O Produto
O conceito de produto foi por muito tempo tratado como um conceito
primitivo, se intui convencionalmente seu significado e não se sente a
necessidade de aprofunda-lo.
Assim as diversas interpretações do design se desenvolveram geralmente
a partir do projeto, enquanto o produto se considerava, substancialmente, em
termos de atributos: o produto seriado ou artesanal, o produto de uso, o
produto útil ou inútil e assim por diante.
Uma classificação deste tipo logo mostra o seu limite fisiológico assim que
se percebe que o produto não é observável e imaginável de um único ponto de
vista privilegiado.
É também simples romper uma categorização que se baseia em fatores
instáveis e em parte já contaminados: qual a utilidade de um objeto? É uma
utilidade funcional, física, tangível e objetiva ou é mais um utilidade
psicológica, imaterial e subjetiva?
O produto, aparentemente, determinava apenas o campo de ação do
projeto, mas na verdade são bem diversos os conceitos de produto, sujeitos a
diferentes interpretações de projetos, que sempre informaram o conteúdo
destas.
A pesquisa das conotações atribuídas ao produto foi construída na revisão
do desenho industrial operado por Maldonado, considerado “o inventor do
discurso projetual”1. Para Maldonado, “Projetar a forma do produto significa
coordenar, integrar e articular todos aqueles fatores que, de um modo ou de
outro participam no processo constitutivo da forma do produto. E se alude
precisamente tanto ao fatores relativos ao uso, fruição e consumo individual ou
social do produto (fatores funcionais, simbólicos ou culturais) quanto aos
fatores relativos a sua produção (fatores técnico-econômicos, técnico-
construtivos, técnico-sistêmicos, técnico-produtivos e técnico-distributivos)”2.
O produto “indivíduo técnico”3 se enriquece assim de especificações que
reconhecem sua natureza articulada e composta de produto informado de
contexto social, cultural e econômico.
O objeto da nossa pesquisa começa a se manifestar como uma unidade
multidimensional cujas decodificação e interpretação parecem de difícil
implementação.
Frateili, que concebe o design como centro de integração de três áreas
convergentes (a esfera morfológica, a esfera tecnológica e a esfera sociológica)
encontra a coexistência destes componentes em “qualquer objeto em termos
respectivamente de forma, de estrutura física e de modalidade de fruição” 4.
No movimento dialético que se instaura entre projeto e produto, decidir
partir do primeiro pensando que seja ele, colocado autonomamente, que
determina a natureza do seu objeto (ou seja do produto), pode parecer
correto. Em vez, para nós, parece evidente que é o produto, informado do
ambiente, que informa o projeto. Partindo desta suposição, é apropriado
deslocar os eixos da pesquisa e se há a intenção de identificar o espaço do
discurso relativo ao projeto atual é indispensável que se proceda partindo do
reconhecimento do produto e da sua mudança em termos fenomenológicos e
conceituais.
Pode um saber projetual decorrer de uma única abordagem cognitiva do
produto?
A partir do momento em que o produto é um fenômeno multidimensional,
a abordagem deve necessariamente conectar-se a pontos de observação
diferentes daqueles próprios ao saber projetual em busca de uma visão
plurifocal.
Levitt, teórico entre os mais reconhecidos do marketing, propõe no
fundamento da sua elaboração, o conceito de “produto total”, resultado de um
cruzamento de expectativas e propostas, de aspectos tangíveis e instangíveis,
de cuja realização participam diretamente o sujeito/consumidor. O produto se
configura como um fenômeno em transformação: de “coisa” ou “produto
genérico” se amplia em “produto esperado” que “encarna as expectativas
mínimas do cliente” (em termos de entrega, serviços pós-vendas, etc); deste
em “produto integrado” com todos aqueles elementos adicionais que o
caracterizam e distinguem no mercado; a passagem final é representada pelo
“produto potencial” que se refere a “aquilo que resta a fazer, ou aquilo que
ainda é possível fazer”, “com o qual competir de modo mais eficaz no novo
cenário”5. O “produto total” de Levitt é um conjunto de tudo isto. No seu
modelo o produto não existe até que seja vendido e consumido, tem
significado somente do ponto de vista do comprador ou do usuário final. Todo o
resto não é uma consequencia direta.
As implicações a nível de escolhas são definitivamente relevantes: não é
possível excluir a consciência do cliente e o projeto, que conservando uma sua
função específica, torna-se um instrumento a serviço do marketing que, por
sua vez, busca impregnar e orientar toda a organização produtiva. O design
como vantagem competitiva e alavanca do marketing, este slogan representa a
tradução do pensamento de Levitt.
A base de Levitt é compartilhada por Bucci, para quem “o produto é
somente algo semiacabado que precisa de outros elementos de comunicação,
serviço, distribuição, identidade para se tornar oferta global, ou seja, um
produto acabado”6.
Para Bucci porém não se trata de revindicar um papel totalizante do
marketing, o produto como “oferta global” o guia à reflexão sobre o projeto:
este não pode referir-se somente ao produto, “é preciso projetar a oferta
global, é preciso projetar, maestrar e dirigir (bem como no sentido do termo
musical de maestro do concerto e diretor da orquestra) todos os aspectos
imateriais, de relações, de serviço, de distribuição, de imagem, de
comunicação com o mercado”7.
No tema de cultura de projeto, Manzini repensa os conteúdos em uma
dimensão de circularidade relacional que contém de um lado a “reunião-
choque” com as instâncias inovativas da empresa produtora e do outro o
contato com a subjetividade social, com desejos, aspirações, valores não
expressos mas presentes nos contextos sociais. O produto a que pensa Manzini
é a conjugação de um bem material e de um serviço, entendido como o
complexo de propostas interativas e dialogantes com os consumidores. Segue
que “o conceito mesmo de produto, cobrindo uma gama de atividades tão
diversificadas, torna-se um termo de limites incertos: o produto-serviço” 8.
Para Manzini “introduzir um novo produto significa produzir e apresentar
contemporaneamente não só um significante (o produto em si) mas também
um significado (ou seja, a sua possível colocação no imaginário social)”9.
Surge como central na concepção de produto a dimensão comunicacional,
ao ponto que Codeluppi confere ao produto o papel de meio-mensagem,
“porque é um instrumento que, enquanto permite às pessoas se comunicarem
reciprocamente e construírem uma própria identidade pessoal, ao tempo
comunica também algo de si mesmo e da sua personalidade”10.
A riqueza interpretativa que revelamos sobre o tema do produto e a
possibilidade de descobrir novas identidades, se apenas mudarmos o ponto de
observação disciplinar, testemunha que o objeto em questão se apresenta
como uma entidade complexa em contínua evolução.
O sistema produto
Aquilo que foi tratado como objeto se manifesta como sistema. O conceito
de produto atravessado pelas áreas de fronteira entre cultura projetual e a
interpretação do mercado surgiu na sua configuração de sistema produto*, de
unidade global organizada nas interrelações entre elementos, ações, indivíduos
11
.
O produto informado rastreado em Maldonado e Frateili, o produto total de
Levitt, a oferta global de Bucci, o produto-serviço de Manzini, o meio-
mensagem de Codeluppi nos falam de interações que se tornam interrelações
entre todos os elementos do sistema produto; estes elementos surgem
também como pertencentes a dois grandes subsistemas que em relação entre
si descrevem e dão sentido ao sistema produto: o sistema da oferta e o
sistema do consumo.
Contudo ao decompor o sistema produto em dois subsistemas, não
podemos perder de vista a multidão de associações, combinações e retroações
que organizam a oferta e o consumo no único sistema produto, porque
coexistem complementares ou antagonistas àquelas que estruturam os mesmo
dois subsistemas. Falando em termos concretos, qualquer produto antes ainda
de ser realizado, comunicado e vendido, presupõe uma troca e se concretiza
sob uma existente ou suposta demanda do sujeito/consumidor; por outro lado
o indivíduo que adquire e consome, enraiza os seus comportamentos, concebe
suas escolhas, os seus desejos, as suas demandas também na experiência de
um mundo já construído e disponível.
Dito isto, a identificação de dois subsistemas se justifica a partir da
revelação que, de um lado, a oferta é caracterizada por interrelações
recorrentes entre empresa, mercado e projeto (apresentando-nos a
complexificação final contida em cada um destes elementos) e, do outro lado,
o consumo (que traz à cena diretamente o sujeito e exprime a sua forte
autonomia organizadora) constitue um elemento/evento do sistema social.
Resta ressaltar que, em nossa opinião, o sistema produto, na sua
dimensão histórico-antropológica de objeto de troca social, simboliza
emblematicamente, o fato que “o homem é um ser de relações e em relação
com o ambiente cultural e físico e com o habitat psíquico da sua realidade
interna”12.
* Deste ponto em diante o termo produto será usado com o significado tradicional de objeto material.
Portanto o destaque cai sobre o aspecto relacional e comunicacional do
'fenômeno produto', na consciência de um comparativo difícil e arriscado com a
irredutibilidade do sujeito que atravessa, com a multiplicidade e a
contraditoriedade das suas atribuições de sentido, a organização da empresa,
a experiência projetual e os comportamentos de consumo.
O sistema de oferta
Esta dimensão envolve todos aqueles fatores (procedimentos e
significados) que, a primeira vista, se apresentam como resultado de escolhas
operadas sob a frente da empresa ou do proponente. Uma frente que na
realidade é absolutamente heterogênea e contém sujeitos clássicos de negócio
(profit) , provedores de serviços, organizações sem fins lucrativos (non profit)
e os resultados híbridos das fusões de alguns destes que dão origem a um
panorama absolutamente instável e contraditório.
Aqui colocamos a coisa, ou o produto genérico de Levitt, o semiacabado
de Bucci com os seus atributos técnicos, funcionais e formais, os serviços e
elementos que vão construir uma identidade da oferta através das infinitas
formas de comunicação.
Mas existem também todas as operações focadas em infundir na oferta a
identidade (corporate culture) do produtor-emissor, aquelas que vão construir
o ritual do momento da venda (a localização da loja, o tipo de distribuição, os
serviços, o aspecto informativo, o pessoal, o estilo, a modalidade expositiva,
etc.) e o fator, hoje básico, do preço.
Introduzir o conceito de sistema produto significa negar que o o produto
ou a oferta são o resultado de fatos sucessivos, ou seja, de uma somatória de
contribuições e intervenções estagnadas, como uma cadeia de eventos
programados e determinados onde existe um início, um fim e um percurso que
é dado e imutável. Pelo contrário, vemos que o sistema de oferta descreve
imeditatamente um realidade de interações e retroações que o fazem
impossível de ser enfrentado por partes, buscando reconstruir um tipo de
sequência.
O sistema de oferta, observado na sua complexidade relacional precisa
sair da prateleira e entrar no circuito de compra e de consumo, somente assim
pode tornar-se produto socialmente acabado. Estabelecem-se complexas
interrelações com um indivíduo ou com um grupo de indivíduos, que nestas
transações são portadores de visões e interpretações de oferta autonômas,
criadas no percurso e que encontram a oferta, mas que não são sempre
geradas por ela.
O sistema de consumo
Consumo é um termo muitas vezes equivocado e comprometedor.
Equívoco quando separa um componente do agir humano do enredo
inextricável da existência e, como sustenta Fabris, “confinar o consumo em
uma categoria autônoma significa isolar artificialmente, em uma configuração
abstrata, grande parte da nossa existência, e adotar, para esta chave de leitura
e modelos interpretativos que lhe são estranhos” 13.
Comprometido, enquanto traz em si a sedimentação deixada por
operações interpretativas redutivistas, que ao longo do tempo viram o
consumo animado da racionalidade econômica mais ou menos limitada ou, ao
contrário, fruto de dinâmicas irracionais e subterrâneas ou ainda indicadores
de conflito ou integração social, em uma ótica sempre interna à categoria da
necessidade, fosse material ou imaterial.
Na tentativa de fugirmos de concepções redutivistas, o consumo ao qual
nos referimos é o agir social dotado de sentido, de um sujeito percebido e
pensado em termos de unidade e contemporaneamente de pertencimento.
Cada indivíduo na sua potencialidade de comprador/consumidor traz o seu
mundo pessoal tecido de experiências relacionais, de afetos, de concepções, de
motivações e ao mesmo tempo conectado a multiplicidade de valores e
significados da cultura a qual sente de pertencer.
Segundo recentes estudos interdisciplinares, dos quais nos informa
Codeluppi, “os comportamentos de consumo são um aspecto primário do
social, porque consentem, exatamente como os rituais das civilizações
primitivas, de construir e perpetuar as relações sociais, de trocar informações
e dar ordem e sentido ao ambiente ao ambiente socio-cultural. Estes
consentem, enfim, que se compreenda aquilo que acontece em torno de nós e
que se estabeleça visivelmente significados e categorias sociais.” 14
O sistema de consumo se organiza em torno das interrelações entre
sujeito/consumidor e o sistema de oferta e contém o conjunto de
procedimentos e de significados relativos à comunicação, à escolha e
interpretação daquilo que é destinado, desta maneira, a tornar-se sistema
produto.
Fala-se se um produto sempre mais “desmaterializado”, não somente no
sentido de inconsistente ou cada vez mais caracterizado como serviço, mas
especialmente pelo “surgimento dos seus componentes intangíveis, simbólicos”
15
.
No sistema de consumo está presente uma complexa circularidade
interativa de relações e de atribuições de sentido: intencionalmente ou não,
dou valor ao objeto quando este me comunica alguma coisa, que se inscreve
na ordem dos meus valores e do meu 'sentir' (do qual faz parte também o
conjunto de objetos precedentemente escolhidos, com os quais esse se coneta
e se organiza), para uma reedição atualizada da minha identidade pessoal e
cultural.
Através da aquisição e da interpretação do uso o sujeito se comunica com
os outros, transmitindo a eles numerosas mensagens de naturezas diversas:
“de status social, afetivas, conflituais, hedonísticas...”16
Finalmente, na relação com o sistema da oferta os comportamentos-
mensagens do comprador desenvolvem, de um lado, uma função de feedback
(ou retroação) restituindo, em termos de venda, difusão, adesão a iniciativas
propostas, conferindo validade ou não das escolhas realizadas na oferta; e do
outro, uma função de feed-forward (anteação) comunicando informações sobre
o estilo de vida, cultura, aspirações, tendências, em termos de interpretações
ou variações de uso, combinações com outros produtos: desde modo o
sistema-produto se reorganiza continuamente.
A este ponto poderia ser funcional uma aparente banalização, como
observação simulada de um fenômeno cotidiano de compra buscando entender,
internamente, a dialética ativa dos dois sistemas.
O objeto de compra poderia ser, por exemplo, um automóvel enquanto
típico produto hiper-estratificado onde se cruzam, indissolúveis, fatores
funcionais, psicológicos, tecnológicos, evocativos, comunicacionais,
representativos e assim por diante.
Se seguirmos um consumidor típico, jovem pai de família, no percurso
durante o qual ele decide de abandonar seu carro velho para aproximar-se de
um modelo novo, descobriremos a dimensão da oferta com a qual deve ser
confrontar (e que tem a possibilidade indireta de modificar). Se as duas
disponibilidades econômicas o levam a uma proposta do segmento médio, com
um desembolso próximo aos trinta milhões de liras, percebemos que a gama
de propostas de ampliará em pelo menos vinte marcas e uma média de dez
modelos para cada uma. A vastidão embaraçosa, as possibilidades limitadas, a
consequente necessidade de uma calibragem ideal de todos os fatores em
jogo, impõem o controle do impulso. Haverá, provavelmente, um período de
semanas ou meses durante o qual o nosso sujeito conhecerá diferentes
ofertas, discutirá em família, com os amigos, com o mecânico de confiança e
lerá a imprensa especializada construindo uma cultura focada e temporária,
em busca de uma possibilidade crítica. O sistema da oferta no seu máximo
esplendor o envolverá: o preço, as prestações, os consumos, a marca, a
evocação fascinante da propaganda publicitária, os financiamentos, os serviços
de assistência, manutenção e tudo que pode vir a campo para orientar a
escolha.
Assumindo o fato de que se escolha comprar um carro enquanto o produto
carro exista, podemos observar como o sujeito se sobrepõe ao sistema
descrito precedentemente e integra outro: aquele pessoal. Uma forte
sensibilidade ecológica poderia leva-lo a comprar um modelo de baixo impacto
ambiental, uma atenção à segurança poderia motivar aquele mais 'protetor',
uma cultura nacionalista poderia faze-lo excluir as marcas estrangeiras ou ao
contrario se prefere experimentar uma visão global dos mercados. A
subjetividade poderia entrar ainda mais em ação e a escolha endereçar-se para
um modelo econômico para equilibrar as despesas, poderia o carro parecer não
realizável e ele mirar em um carro usado, privilegiar o tempo livre com um
monovolume, seguir a tradição com a marca da família ou sucumbir ao fascínio
de um modelo protagonista de um filme.
O carro pode ser um investimento?
Pode ser uma forma de adesão ou crítica aos modelos sócio-
comportamentais do presente?
Pode ser tudo isso. Mas não só, porque a identificação das duas
dimensões (oferta e consumo) não podem ignorar que estas duas não existem
separadas, mas sim em uma relação contínua de interdependência.
Como o sistema de oferta parece impor-se, de modo invasivo, sob a
esfera do consumo é verdadeiro que este, com suas escolhas mande
mensagens claras à empresa, em base as quais essa irá remodular a própria
oferta. Tudo isto em um processo ininterrupto de ações e retroações nas quais,
somente instrumentalmente, nos é permitido encontrar inícios e fins e nos
quais pode ser mais produtivo buscar reconhecer os atores e suas dinâminas
interrelacionais e comunicacionais.
O Contexto ambiental
As emergências
O sistema produto, segundo o modelo que propusemos, se configura como
um sistema caracterizado por intensas e constantes interrelações com o
contexto ambiental.
Um contexto ambiental que é aquele do mundo, mundo da natureza e
mundo das interconexões globais de caráter político, econômico, social e
cutural.
A questão da natureza e suas implicações de caráter ecológico tornam-se
emergências no sentido duplo de entidade que emerge de um contexto de
coplanaridade e de fatores perigosos, a tal ponto que ninguém pode e poderá
evitar de enfrenta-la. Apresenta-se uma realidade entre a catástrofe e o
desenvolvimento sustentável, com uma margem de indefinição muito elevada.
Sob este fundo que é cruzamento polisistêmico se coloca o mundo em que
vivemos “como um sistema complexo... no qual cada evento local engatilha
uma cadeia de efeitos globais, na maioria das vezes surpreendentes e
imprevisíveis”17.
É necessária a capacidade de reconhecer as emergências que provocaram,
provocam e provocarão desequilíbrios e turbulências no mercado, na empresa,
no projeto e no consumo, ou seja no plano dos fatores que interagem no
sistema produto.
As linhas não são claras, o presente se mostra difícil de ler e o futuro
impossível de prever, gerando ânsia e incerteza. O sistema produto é exposto a
bruscas acelerações, a obsolescências instantâneas como durações ampliadas,
as tendências se multiplicam, se acavalam, se eliminam e convivem sempre
mais seguido em um quadro contraditório e caótico.
O setor de eletrônicos de consumo evolui a ritmos paroxísticos informando
a sociedade à uma histeria dos comportamentos e dos relacionamentos, a
todos os níveis. A moda dilui grandes quantidades de pesquisa e de tecnologia
nos seus produtos, recicla criativamente estilos do passado mais recente e é
capaz de escutar as tendências mais diferentes para globaliza-las em pouco
tempo. Poderiam ser feitos outros exemplos para esclarecer que hoje existe o
tudo e o seu contário em uma dimensão de convivência acelerada onde a
estabilidade é um fator não solicitado, talvez prejudicial.
O produto não é mais aquela ordem tranquilizadora de fatores a que
precedentemente estávamos acostumados a considerar e que facilitava o
trabalho de quem assumia a responsabilidade de projetar e de produzir. Os
produtos materiais são carregados de um plus imaterial e os serviços buscam
visibilidade no tangível, os valores se misturam e dão origem a resultados
híbridos que ainda atendem uma sistematização tipológica. A mudança é muito
mais rápida que a capacidade de registra-la.
O marketing, a cultura empresarial, a empresa e o design são mobilizados
na discussão, na busca por chaves interpretativas e na proposição de
modalidades resolutivas para enfrentar os nós problemáticos de mercados
complexos: globalização, saturação e aceleração das mudanças.
A globalização do sistema produto
Por globalização entendemos um impulso que tende a tornar planetárias
todas as atividades produtivas humanas.
O setor da informação é talvez o âmbito onde ela se torna mais evidente e
portanto mais compreensível. O desenvolvimento extraordinário da ciência e
das tecnologias, a tecnociência, é o instrumento fundamental para chegar ao
anulamento definitivo das distâncias em termos temporais e espaciais: a CNN,
por exemplo, globaliza as imagens dos fatos que acontecem em um ponto
preciso do planeta e o faz enquanto elas estão acontecendo.
Talvez o primeiro evento televisivo globalizado e globalizante foi, nos anos
60, a chegada do homem à Lua, quando milhões de pessoas estavam
virtualmente na mesma sala, na frente da mesma tela e observavam alguns
semelhantes seus enquanto realizam um feito sem precedentes. Mas também
o assassinato do presidente Kennedy, a primeira missão do Space Shuttle, a
sua explosão durante a decolagem, o desastre de Chernobyl, a queda do muro
de Berlim e finalmente a espumante guerra do Golfo (“Gulf War” como dizia a
abertura da CNN) foram eventos que percorreram transversalmente todos os
canais comunicativos da Terra e fizeram dos expectatores um único público
homogêneo e apaixonado.
Seria superficial pensar que o fenômeno interesse somente às mídias, na
realidade a globalização acontece também em outros níveis, decisamente mais
hard (materiais). A tendência de pensar o mercado como o mundo evitando a
lógica do confinamento fez e está fazendo muitas mudanças nas coisas. “A
multinacional que opera em uma série de países e se adequa com elasticidade
e custos elevados às presumidas especificadades de cada um desses” dá lugar
à “empresa global que opera com constância resoluta como se o mundo inteiro
constituísse uma única unidade substancialmente homogênea: produz e vende
as mesmas coisas em todos os lugares”18.
O fato de ter como referência o mundo, seja para fornecedores ou para
mercados, onde concretizar a escolha, permite de projetar, produzir, montar e
distribuir em locais diferentes, desfrutando do tabuleiro internacional para
realizar os movimentos mais vantajosos economicamente. Ikea, a maior cadeia
de distribuição de mobiliário opera deste modo, distribui a nível planetário
aquilo que produz, com custos mais baixos, localmente.
Omitindo exemplos seguramente mais egrégios como Coca-Cola,
McDonald's e Levi's, mas também recorrentes demais, podemos levar em
consideração casos mais recentes: Diesel, uma empresa italiana de vestuário
que produz na Itália e vende em todo o mundo, alavancando-se em uma
comunicação inovadora e pensada para um público sem fronteiras; Reebok
como representante de um setor, o esportivo, que faz da globalização uma
dimensão usual e que é de tal maneira consciente do que usar na sua
comunicação um slogan significativo: “Planet Reebok”. Se nos deslocamos para
o campo alimentar não podemos não citar Haagen-Dazs, um produtor
americano de sorvetes que possui pontos distribuitivos em todo o mundo, que
se distingue pela qualidade dos ingredientes e por uma comunicação global
não diferenciada.
A Microsoft de Bill Gates é talvez o caso mais recente de globalização de
um evento que atingiu o público de maneira transversal e que soube fazer do
lançamento de um programa (Windows 95) um momento de interesse único
para envolvimento e capilaridade.
Se quem pensa em produto em um mercado extenso, virtualmente livre
de fronteiras, onde pode fazer chegar mensagens promocionais praticamente
idênticas, é bem sucedido nas suas intenções, isso significa que também na
dimensão do consumo alguma coisa mudou. A possibilidade de comunicar
instantaneamente enormes quantidades de mensagens através dos meios de
comunicação tradicionais e daqueles mais recentes, como as redes, permitiu
conhecer e estender de modo capilar modelos culturais e comportamentos de
consumo.
Os gostos estão se uniformizando, mas não no sentido como o do fim dos
anos '50, de um modelo único, rígido e indiretamente imposto, mas sim se
adequam a um 'gosto global' que é a síntese de dos gostos locais vencedores.
Se assiste a uma padronização qualitativa dos produtos, um nivelamento
das aspirações individuais em direção ao alto e ao externo e se exige, como
consumidores, o nível mais elevado de qualidade, funcionalidade e
confiabilidade. O compartilhamento que está na base da globalização e é ao
mesmo tempo seu efeito, não se detém nas coisas exteriores mas se estende
(para o bem e para o mal) para a esfera dos valores, das sensibilidades e das
opiniões.
A realidade cultural do mundo jovem, por exemplo, é comunicada
praticamente com as mesmas modalidades e em todo o globo, pela MTV (Music
TeleVision) que, ao alavancar a globalização, está passando de megafone
mundial de mensagem produzidas em um local para difusor planetário de
mensagens produzidas em locais diferentes com base nas especificidades dos
mesmos. Desde 1996 o programa “Stylissimo” é produzido na Itália, em Milão,
porque é esta a cidade que naturalmente encarna a ideia de moda no mundo.
Ao assistir a MTV também se escuta e se torna impossível não se dar
conta que a língua inglesa começa a se configurar e não somente nos setores
especializados, como o código globalizado e globalizante. Cria e aceita
neologismos fazendo-o rapidamente e essa sua capacidade de manter uma
identidade apesar das contínuas contaminações a candidata ao papel de world
language.
Apesar dos interrogativos que o fenômeno eleva podemos afirmar que
nem todo o global vem para prejudicar e que é possível isolar fatores dignos
de nota.
Parece se estar perfilando um novo tipo de democracia difusa que socializa
as consciências, estimula a reinventar o laço social em função do ensino
recíproco, da imaginação e da inteligência coletiva.
Os sujeitos que compreendem a globalização na sua essência podemos
transforma-la em um plus competitivo e não entende-la como uma ameaça
terminal.
O projeto da estratégia
O projeto e a complexidade
Concebemos o fenômeno produto como um sistema complexo, cuja
inteligibilidade é rastreável na sua relação com o ambiente circonstante.
Tentamos ler o ambiente circonstante na multiplicidade e contrariedade das
suas manifestações sob a bandeira da imprevisibilidade, da incerteza, da
aceleração da mudança, do paradoxo, e o ambiental antes de todos.
Quais são as implicações para o projeto? O que significa projetar aquilo
que foi interpretado como sistema produto, sem o risco de reduzi-lo ou a
revindicação de exauri-lo? É concebível, e em quais termos, “idealizar, estudar
as possibilidades de atuação ou de execução” 22 aquilo que é percebido e
entendido como caótico, pluripolar, dependente do risco, difícil de governar,
controlar, prever, pré-determinar, delimitar?
Le Moigne (exponente do pensamento complexo) nos adverte: “a
complexidade, literalmente, não é projetável”, mas nos indica também o
caminho... “A complexidade está no código e não na natureza das coisas...”
portanto “...se construída, a complexidade mais inextricável torna-se
projetável”23. Exemplificando, aquilo que nós conhecemos da realidade
fenomenológica do produto é aquilo que concebemos dela na nossa mente: o
sistema produto é aquilo de que falamos é uma construção conceitual,
abstrata, atualmente disponível na nossa cultura e por isso também na nossa
mente.
O fenômeno produto, em si, não é simples nem complexo, é quem
observa que o percebe, com base na sua experiência cognitiva, afetiva e
emocional, em termos de desordem, multiplicidade de elementos, dificuldade,
enigmaticidade, tais a requerer um modelo que permita descreve-lo, sem a
pretensão de esgota-lo e, se possível, de compreende-lo. Não nos
aprofundemos na questão da indecibilidade de correspondência entre o sistema
produto e o real fenômeno produto, que vai além do nosso campo; nos
interessa focar a atenção nas implicações projetuais inerentes a uma
abordagem complexa.
“O problema do observador projetista”, afirma Morin, “parece capital,
crítico, decisivo... deve dispor de um método que permita projetar a
multiplicidade dos pontos de vista e de passar de um ponto de vista a outro.
Deve dispor de conceitos teóricos que invés de fechar e isolar as entidades, lhe
permitam circular produtivamente”24.
Prospecta-se uma tarefa paradoxal: a projetação como “ato complexo”,
capaz de exprimir a multidimensionalidade da experiência, de conectar sem
demarcar, de integrar sem anular as disjunções, de deixar aberto o
pensamento para reações e compreensões sempre novas, para produzir um
modelo que não seja realizado e definido, mas traga em si a promessa de nos
fazer ver algo mais.
Emerge um discurso no projeto que consideramos crucial e improrrogável
e no qual queremos contribuir na exploração das possibilidades e modalidades
na dimensão do agir.
“Não existe receita simples para a complexidade... a complexidade requer
estratégia, porque só a estratégia pode consentir de avançar no que é incerto e
aleatório”25.
A estratégia
Do momento que a estratégia é candidata a palavra-chave do discurso
projetual, é oportuno repercorrer o seu significado, nas concepções do senso
comum e da cultura empresarial (que contribuíram com ela em parte com um
paradoxal caráter de rigidez), para reinseri-la em um espaço semântico que
restitua seu valor original.
Costumeiramente se usa o termo estratégia para indicar o contrário de
contingência, seguidamente se associa à ideia de vitória ou de eficácia
operativa de escolhas efetuadas, realizadas. Aparece uma referência ao futuro
e ao longo prazo, ao lado de uma expressão de êxito final positivo de
comportamento.
Na linguagem da empresa a palavra 'estratégia' surgiu no início dos anos
'60, traduzindo a necessidade de unificar e coordenar as políticas de cada área
funcional (finanças, produção, marketing) e ligar as competências distintivas
da organização com as características do seu ambiente de referência 26.
As denotações de estratégia são múltiplas ao ponto que o substantivo
acaba assumindo uma função de adjetivo, aplicável a cada estrutura
organizativa mais do que a cada fase operativa: estratégia empresarial, de
concorrência, funcional, horizontal, vertical, global, da oferta, de canal, de
produção, de liderança de custo, de diferenciação, de marketing...27
Além da dimensão inflacionária gerada de um uso do termo que arrisca
desvalorizar a impregnância, é importante capturar o sentido desta presença
invasiva no universo linguistico empresarial. Estratégia parece funcionar como
panaceia para os males da época contemporânea, a ânsia da incerteza, a
depressão da obsolescência, a hipercinesia da instabilidade, a fobia de
saturação; o inconveniente é difundido e se exprime na busca sem fôlego de
uma solução que consiga conciliar os opostos: a mudança ambiental
descontínua de um lado e a previsão programável do outro.
Planejamento estratégico constitui, segundo Mintzberg, “somente um
oxímoro, como o conservador progressista”28.
Planejar na empresa significa pensar no futuro, agir em perspectiva,
racionalizar e organizar as decisões segundo procedimentos formalizados de
decomposição e articulação. A primazia da análise informa o pensamento
empresarial que tenta reduzir a complexidade externa em programas
gerenciáveis, na ilusão de avançar de modo simplificado na sua formalização,
controlado conceitualmente de maneira rigorosa e detalhada, envolvendo
alguma vantagem.
O planejamento parece constituir, em uma ótica gerencial do tipo
reducionista, a única abordagem concebível para gerenciar o futuro de uma
organização. É preciso planejar para poder coordenar as atividades, assegurar
que o futuro seja levado em considerção e sobretudo controlar. “A obsessão
pelo controle leva à aversão ao risco” 29 e à relutância em levar em
consideração mudanças e ideias inovadoras.
A estratégia, na cultura gerencial, representa uma “direção, um guia ou
um caminho de ações no futuro, uma trilha para mover-se de um ponto ao
outro...”30; mas contém um significado a mais: é modelo, coerência de
comportamento no tempo e como tal remonta ao passado. O plano estratégico,
que confia em técnicas formais de previsão para olhar o futuro, não pode
extrapolar as tendências conhecidas do presente (que tornam-se passado no
presente do futuro), pois a evidência atesta que nenhuma previsão formal
pode configurar mudanças bruscas, turbulências, incertezas.
“Toda a abordagem ao planejamento é focada na correspondência entre
recursos existentes e as demandas dos consumidores e no relacionamento com
os concorrentes. Tudo isto leva a estratégias de imitação ao invés de inovação
e, consequentemente, deixa a empresa mais vulnerável à concorrência de
rivais inovadores”31. Neste modo o planejamento tende a se configurar como
um processo conservador, válido somente em condições de estabilidade
ambiental. Estratégia, portanto, é conotada como processo projetado para
produzir planos e programas, com a finalidade de conservação ou realização de
objetos definidos.
No Dizionario della lingua italiana 32 encontramos três valências semânticas
de estratégia:
1. Ramo da arte militar que regula e coordena as várias operações bélicas
em vista do propósito final da guerra. Em um sentido mais amplo, a arte ou
ciência que tem por fim a utilização do potencial bélico de um país no modo
mais eficaz e produtivo para os fins de vitória.
2. A conduta de uma determinada ação de guerra, enquanto define os
critérios particulares seguidos do comandante
3. Figurado: capacidade de empregar astúcia e artifícios para atingir um
propósito. Em vários jogos o complexo dos meios e dos dispositivos adotados
para abater o adversário.
Se compararmos as concepções de uso anteriormente examinadas com as
definições do dicionário, podemos coletar a semântica escorregadia do termo
em direção à segunda e terceira referência e a perda do halo metafórico
presente no primeiro significado.
O pensamento complexo, com Morin, retorna à palavra a força e a riqueza
do seu conteúdo original e interroga a arte da guerra para obter indicações
úteis e enfrentar o perigo: “A arte da guerra é uma arte estratégica porque é
uma arte difícil que deve levar em conta não somente a incerteza relativa aos
movimentos do inimigo mas também a incerteza relativa aquilo que o inimigo
pensa, e então também aquilo que ele pensa que nós pensamos. A palavra
estratégia não indica um programa pré-determinado que é suficiente aplicar ne
varietur no tempo... Permite, movendo-se de uma decisão inicial, de especular
um certo número de cenários para a ação que poderão ser modificados
segundo as informações que irão chegar durante a ação e segundo os perigos
que surgirão e pertubarão a ação” 33.
O conceito de estratégia introduz, assim, duas questões intimamente
conectadas de importância fundamental para o projeto. Conjugando arte e
ciência, considerados opostos pelo pensamento ocidental, postula um saber
criativo, que se confronta com uma situação de mudança descontínua em uma
dimensão de agir relacional.
O saber criativo
Quando nos referimos à criatividade do ser humano pretendemos falar em
termos de descoberta (invenção, de invenio=trovo) ou de transformação 34.
Descobrir, transformar remontam à experiência de uma nova conexão de
sentido entre o mundo interno do sujeio e o mundo externo da realidade. “Se
descobrem leis ou novos territórios, se inventam novas ligações entre palavras,
sons, formas e cores, mas não nos referimos nunca à criatividade como a uma
produção em absoluto”35, as coisas são percebidas e concebidas segundo uma
nova construção, levadas a existir segundo um novo nexo de significados,
estes sim originais, transformadores da ordem existente.
As raízes da criatividade, segundo Winnicott, afundam em algo que
pertence à mais precoce experiência infantil: a capacidade de criar o mundo 36.
O recém-nascido, totalmente dependente, inconsciente de si, confuso com o
resto do mundo, não é consciente do fato de que o mundo existia antes que
ele fosse concebido, portanto conhece o mundo como ato criativo. Sente as
mordidas da fome e grita, chega a mãe e lhe oferece o leite, aquilo que para
nós são dados pré-existentes, a mãe e o leite, pela experiência psíquica e
mental do bebê são atos criativos, como criativo é o o uso simbólico de certos
objetos (chupeta, ursinho, pedaço de pano...) para acalmar a distância e a
separação da mãe.
No processo de crescimento do indivíduo a criatividade se desenvolve e se
alimenta dentro do espaço do jogo simbólico, na área que não é a realidade
psíquica interna e não é o mundo externo. Aqui, o agregamento de concepções
e percepções produz o evento da transformação de um objeto insignificante
em um objeto particularmente significativo. Na brincadeira a criança coleta
objetos e fenômenos do mundo externo: os manipula, usa, transforma
atribuindo significados e sentimentos que derivam da sua realidade interna
pessoal (o bastão vira espada, cavalo, fuzil... de acordo com os movimentos
subjetivos interiores: necessidades, desejos, emoções). O objeto é revestido
ou melhor re-investido de novos valores.
Este evento apaixonante e envolvente, no qual podemos rastrear as
matrizes da experiência criativa e cultural, se coloca “no espaço potencial entre
o indivíduo e o ambiente” que Winnicott chama a área transitória 37. O saber
criativo é então um processo transitório, indefinidamente aberto à
possibilidades relacionais de sentido entre um sujeito que projeta o seu
pensamento e uma realidade que contribui na sua conformação, que interage
com ele.
O projeto também é pensado, a esta altura, como saber transformador do
sentido do mundo, fundado sob a capacidade de uma nova visão, que não vê
pela primeira vez as coisas, mas as enxerga e trata de um outro modo, como
se fosse pela primeira vez, descobrindo-as diferentes e novas. O projeto, cujo
elemento constituidor é a abertura ao possível, ao tornar-se do mundo, é
portanto proponível como possibilidade, como evento aberto a uma nova
ordem de conexões.
Dentro desta concepção, a inovação tem a valência de “aquilo que é capaz
de abrir novos horizontes, perspectivas diferentes” 38 marcando uma
descontinuidade em relação ao existente.
Um olhar que reconcebe as coisas, as subtrai primeiro da singularidade de
sentido, não deixa escapar os detalhes, interroga os pequenos gestos; não é
um olhar fixo, iludido que a sua aplicação estável o faça ver melhor, enquanto
não enxerga nada além do mesmo; é móvel, se desloca para todo lado em
busca de oportunidade, de pequenas mudanças, se descentraliza para coletar
outras perspectivas: opera estrategicamente.
Quais indicações para o projeto descendem de tudo isso, sob uma
perspectiva da estratégia?
A estratégia e o projeto
“Qualquer coisa pode dar certo” 39, sugere Feyerabend, para não inibir o
progresso do saber criativo. Esta afirmação torna-se central em um discurso de
projeto da estratégia. Projetar o sistema produto nos coloca frente à
multiplicidade dos elementos em jogo (o contexto ambietal, a empresa, o
mercado, o consumo, a cultura...), à pluralidade dos atores e dos pontos de
vista que se interconectam reciprocamente, de tal modo a não ser mais
pensável uma abordagem totalizante ou reducionista.
A inovação pode ser desencadeada por uma pequena mudança, em
qualquer parte do sistema; pode partir do que é aparentemente secundário e
parcial, da descoberta de sinais, de problemas contigentes, de objetivos
potenciais. Quando se fala de pequena mudança não se refere a simples
modificação, a adição ou ao melhoramento, internos à concepção empresarial
de um progresso incremental e linear em pequenos passos, mas a um fator de
forte descontinuidade, cuja relevância não está nas dimensões, mas na
potencialidade de desencadear, segundo modalidade de auto-organização,
processos transformadores: descontinuidade radical em um gesto,
potencialmente radical nas consequencias ao sistema. As consequencias não
podem ser previstas, mas se podem intuir seu sentido e direção.
Este tipo de abordagem projetual é o mais distante possível de uma visão
ideológica totalizante, comparável a pura fantasia, não se trata de configurar
um sistema novo, mas de reconhecer a existência de algo que imaginamos
pertencer a um novo sistema. Também é verdade que a novidade do sistema
que conseguimos intuir não é neutra nem absoluta, mas carregada de
intencionalidade: “As visões tem um sentido somente se são entendidas como
aspirações, ambições ou intenções, como o desejo obter alguma coisa, um
desejo que guia o comportamento de imediato” 40.
Parece clara a natureza do projeto como consciência e voluntariedade de
escolhas possíveis em uma direção transformadora da ordem existente. Falar
de projeto, portanto, quer dizer enfrentar a esfera dos significados, dos valores
e das aspirações que o informam.
“Qualquer coisa pode dar certo”, mas no sentido nos indicado por Manzini
quando confia ao projetista a finalidade de “dar às pessoas novas
possibilidades de ser e de fazer aquilo que querem, sem que isso danifique o
ambiente ou outras pessoas”41. A questão da compatibilidade ambiental se
afirma como moldura imprescindível de cada ação humana e portanto de cada
projeto. Como moldura, a questão ecológica sugere a ideia de limites como
linhas terminais, finas, mas no espaço semântico da palavra 'limite' está
presente um significado de “limiar de uma abertura de acesso” 42 e nesse
conceito é aqui proposta, como abertura de novas possibilidades, de
desenvolvimento sustentável.
Será então verdade que o problema ambiental se enfrenta a partir de
grandes questões? Ou sua solução pode ter início nos pequenos gestos,
aproveitando cada oportunidade?
Talvez pequenas mudanças possam colocar em movimento a
transformação de toda a estrutura de gestos, dar origem a uma nova cultura
que, partindo de qualquer ponto da sociedade (empresa, escola, política...)
tente configurar um desenvolvimento sustentável que hoje parece
inatingivelmente a alcance das mãos.
As “visões” propostas por Francesco Bergonzi na última parte deste
volume são exemplo de como pode-se pensar em enfrentar as questões
ambientais amplificando a intervenção lateral, modificando os hábitos e
repensando ecologicamente as atitudes costumeiras. Mudanças que difundem
o seu significado no tecido social, que geram reações em cadeias positivas, que
envolvem sujeitos produtores e cidadãos, que iluminam zonas escuras e
nascem de uma observação criativa da realidade.
Talvez se desejamos depurar um grande rio para que não descarregue no
mar um complexo químico letal para todas as formas de vida é inútil e errado
construir uma enorme planta na foz, é necessário olhar para os afluentes,
mesmo os menores e agir sob eles de modo pontual.
Pode existir sempre um percurso alternativo, mesmo se parece
contraditório, um percurso que ao invés de ser linear a todo custo representa
variações repentinas, saltos quânticos que abrem direções inimagináveis pouco
tempo antes. Quem pode dizer um carro verdadeiramente ecológico (elétrico,
híbrido, a gás...), que qualquer indústria automobilística se recusa a produzir
porque porque estaria em contraste com os comportamentos e resultados
consolidados, não possa representar o grande futuro do mercado?
É a abertura ao evento que consente perceber movimentos novos e intuir
seu sentido, observar um gesto e imaginar as consequencias, problematizar o
óbvio. Devemos considerar individualmente um efeito que podemos definir
multiplicador, isso significa que nos procedimentos cada ação positiva ou
negativa não é considerada na sua singularidade, mas como ato compartilhado
por um número elevadíssimo de pessoas e cujos efeitos mesmo que
substancialmente não planejáveis tornam-se absolutamente relevantes.
Quando por uma compreensível preguiça não diferenciamos os nossos
resíduos, quando poluimos com a nossa atividade, quando usamos pesticidas,
quando deixamos o automóvel inutilmente ligado não devemos nos auto-
absolver em um quadro de singularidade, pelo contrário, devemos agravar a
cusação multiplicando o gesto por todos aqueles que em condições similares a
nós vivem no planeta Terra: milhões. O resultado é impressionante, como
confortante se a ação é positiva e sustentável, mas de qualquer maneira o
gesto não será considerado pequeno.
No reconhecimento da mudança e na descoberta de oportunidades, que
podem interessar e envolver todos, dentro e fora da empresa, é aparente a
formação da estratégia. O encorajamento, a valorização da criatividade difusa,
da pesquisa e da experimentação que cada um pode contribuir e formar e
reformar, superando a inadequação da rigidez e da definição de papéis,
tornam-se garantia de avanço e de sucesso.
São os conhecimentos, seja técnico-científicos, relacionais ou
comunicacionais, no interior dos quais acontecem as mudanças mais rápidas e
o seu uso são a verdadeira riqueza, o novo 'capital': é o skill flow que
condiciona o cash flow, afirma Lévy43.
Predispor estruturas flexíveis, desenvolver processos adequados,
incentivar cultura favoráveis a identificar estratégias significa criar o clima para
que iniciativas inovadoras possam despontar, mesmo em níveis inferiores na
organização, onde seguidamente reside o conhecimento direto, pessoal, dos
produtos e mercados.
Não se trata de planejar o melhor de uma vez por todas, de pré-
determinar, deslocando a aprendizagem para antes da atuação (como no caso
de um projeto técnico, de melhoramento ou adequação com efeitos
amplamente previsíveis, dos quais não pretendemos negar a necessidade),
mas é necessário proceder em uma série contínua e indefinida de
aproximações, de composições descomposições e recomposições, seguindo em
tempo real a chegada de informações e o surgimento dos eventos.
“Avançar no que é incerto e aleatório” não comporta apenas projeções do
pensamento, mas também adaptações ao longo do percurso. As estratégias,
como vimos, são o produto de uma visão do mundo, dependem do nosso modo
de entrar em relação com as coisas e de criar delas experiências: em outras
palavras são conceitos abstratos, na mente das pessoas, baseados na
percepção de uma mudança permanente, que pode ser aprendida somente
continuamente, procedendo conforme sua marcha.
A estratégia ao trabalho
“Cada coisa que é, se não fosse
seria enormemente
improvável” (P. Valéry)44
Estratégia e estratégico
Para focar a conexão é necessário distinguir o projeto da estratégia do
projeto estratégico.
Ter compreendido o produto como sistema complexo comportou a
concepção de um agir projetual transdisciplinar, capaz de conectar pontos de
vista diferentes e de tecer competências e funções interdependentes, que
assumimos como o projeto da estratégia.
As intervenções específicas, disciplinares, não podem, portanto, ser
pensadas autonomamente e autosuficientes, contribuições a pré-determinar
sucessivamente montar da parte de uma função organizativa superior e
externa ao momento projetual.
O relacionamento que decorre entre design e estratégia é uma conexão de
organização entre a unidade da estratégia e os múltiplos relacionamentos que
a formam continuamente. Cada contribuição é vinculada ao laço organizador
que a estratégia constrói: isso significa que o design não pode prescindir da
cultura da empresa, do marketing, da comunicação ou de outras eventuais
disciplinas e viceversa. Cada contribuição, enquanto consciente de fazer parte
da estratégia, é estratégica. Pode-se, neste sentido, falar de projeto
(institucional) estratégico.
Usando o atributo estratégico afirmamos a necessidade, de um lado, da
contribuição específica disciplinar e, do outro, que o design assuma uma
abordagem complexa, reconhecendo ser parte de um sistema de interrelações
com outros âmbitos cognitivos e funcionais, sendo consciente que cada escolha
sua tem a possibilidade de exercitar uma influência e é submetida a
condicionamentos, o quer dizer que contribui na formação da estratégia.
Um design que reivindique a sua autonomia (da produção, da distribuição,
do consumo...), as próprias motivações subjetivas, a liberdade de cada
condicionamento poderia arriscar acabar no oposto às intenções e a recusa de
se reconhecer parte do sistema produto, interno a uma estratégia projetual
mais ampla e complexa, poderia traduzir-se em uma renúncia a exercitar um
papel ativo, para transformar-se em instrumento suscetível de manipulações e
mal-entendidos (da parte da empresa, do marketing ou da comunicação).
Na rede de vínculos recíprocos, o design, como outras diferentes
contribuições estratégicas, pode não exprimir alguma de suas potencialidades
e neste sentido a estratégia é menor do que a soma das contribuições únicas.
Mas ao mesmo tempo, projetar a estratégia, a complexidade do sistema
produto, é algo além do que a simples soma ou coordenação dos vários pontos
de vista: é um sentido transformador da ordem existente, como tentamos
sinalizar anteriormente, capaz de desencadear outras mudanças, fruto do hic
et nunc das práticas transdisciplinares que pesquisa interpreta e produz novos
significados metabolizando diferentes saberes.
“Se nos levamos até a fronteira de dois territórios, pode-se ver aquilo que
de dentro do próprio território não é fácil coletar; é preciso caminhar aos
limites para ver algo que, quando estamos dentro da nossa rotina e dos nossos
critérios de julgamento, temos dificuldade em reconhecer” 51. A estratégia
pressupõe este trabalho de fronteira, que distante de pretender fundir as
competências e as diversas contribuições em um tipo de magma
indiferenciado, consente um processo de crescimento, de enriquecimento, de
distinção e de renascimento mútuo das especificidades. Não existe negação de
disciplinas e de saberes enquanto tais, mas interlocução, negociação,
hibridização recíprocas. Não é sem consequencias esse cruzamento de
territórios diferentes e o retorno ao próprio não será nunca uma reedição do
passado.
O projeto coletivo
O sujeito transpessoal
A transdisciplinariedade como instrumento para enfrentar a
multidimensionalidade da experiência nos leva a conceber o projeto da
estratégia como projeto coletivo. O contexto coletivo parece fornecer maiores
garantias de trazer concretamente e radicalmente o hic et nunc da estratégia
indo além de multiplicar as potencialidades criativas. Lévy sustenta que
“quanto mais os grupos humanos conseguirem a constituir coletivos
inteligentes, em sujeitos cognitivos abertos, capazes de iniciativa, imaginação
e reação rápida, mais garantem o sucesso em um ambiente circonstante
competitivo como o nosso”52.
Hipotizemos o coletivo que projeta a estratégia como um grupo de
trabalho aberto e que se auto-organiza ad hoc (sob qualquer oportunidade
estrategicamente inovadora presumida ou real, comissionada ou espontânea).
No projeto coletivo a grupalidade pertence além do grupo que a projeta,
obviamente, mas também a cada projetista. Não parece prospectar-se o perigo
de uma submissão ou redução das inteligências individuais ou dos saberes
eespecíficos, pelo contrário, se intui a valorização, em um “sujeito
transpessoal”53, que não soma as individualidades mas produz uma nova forma
de inteligência. A possibilidade de proceder em uma conversa transformadora e
multidimensional passa primeiro através da capacidade do sujeito de “amarrar
o próprio itinerário pessoal com ideias, experiências, competências
tradicionalmente heterogêneas (mais ou menos próximas do próprio ponto de
vista)”54.
Sob o quê se baseia esta capacidade e quais são as condições
interrelacionais que a facilitam?
A escuta
A participação em um projeto coletivo começa com uma abertura do
sujeito à alteridade, que traduz uma disposição ao envolvimento ativo e
consciente na relação e que assume a forma de aprendizagem, descoberta,
encontro do outro como diferente de si. O reconhecimento da sua substancial
incompreensão e irredutibilidade baseia o respeito por isso e se opõe à
pretensão de controle ou supremacia. Também a metáfora do olhar, que foi
descrito no nosso discurso de emergir de uma nova atitude cognitiva, indica a
busca de novos laços de sentido sob a base de invasão (entre realidade
externa e realidade interna so sujeito, entre territórios do saber) em um
movimento horizontal (o deslocar-se de um ponto ao outro, o descentralizar-
se).
Mas em uma projetualidade coletiva é necessário também um movimento
diferente, circular, que consinta a simultaneidade e reciprocidade das relações,
que descreva a possibilidade receptiva, expressiva e conceptiva do sujeito 'em
relação'. A representação desta instância é contida na metáfora da escuta.
Junta-se à sensibilidade e à flexibilidade do ver “a cegueira cautelosa da
escuta”55, que pressupõe silêncio, espera, suspensão do julgamento. “No
silêncio da escuta se pode evitar de precipitar-se a explicar e tentar entender
tudo”56, de impor um código a priori, existe espaço para que o pensamento
flutue, fluam as imagens, surjam as dúvidas e as perguntas ao invés de
confirmações e respostas. A escuta implica uma fase de adiamento, de
repercussão, que comporta a expressividade subjetiva de novas conexões de
sentido, de problematizações, de outras interpretações. A dimensão é aquela
do diálogo entre várias vozes, onde existem os dialetos, as diferentes
tonalidades e interrelacionalidade.
Por muitos aspectos o projeto coletivo da estratégia ao qual pensamos é
assimilável à experiência de um concerto de jazz. O concerto de jazz é único,
original e a cada performance se exprimem novos significados mesmo se
envolva os mesmos músicos, trabalhando nas mesmas músicas. Cada
componente dá uma forma musical à sua história, à sua sensibilidade e coloca
em jogo o seu ser único interagindo com aquele dos outros.
Cada um toca e escuta para manter-se em sintonia com os outros
participantes da sessão pelos quais nutre um profundo respeito, que se
manifesta quando os músicos mantém um fundo ritmado sufocado para poder,
em turnos, expressar as suas qualidades solísticas que não serão nunca
mortificadas pelo tocar juntos. Um respeito, uma vontade de deixar espaço e
de expremir-se que são garantidas também em um tornar-se transdisciplinar,
onde porém são as diferenças e os 'desacordos', como no jazz, que produzem
inovação.
A gestão do conflito
O coletivo que projeta não pode, então, ser local de uniformidade e
coincidência de pontos de vista. Aquilo que observamos depende da posição
em que nos encontramos que é, entre as muitas possíveis, no panorama
cultural e social. Aquilo que mantém unido o time não é nem o objetivo
compartilhado, que pode mudar continuamente, mas a aceitação por todos da
divergência, do conflito.
Stacey vê no mito da tradição gerencial de grupos dirigentes coesos e
homogêneos, que compartilham visões, objetivos, valores e relutância a
discutir, uma ameaça ao crescimento e sucesso da empresa. Sustenta que
somente a dialética pode salvar a organização da turbulência do mundo
externo e interno e lança um convite a promover as diferenças 57. É preciso
escutar e acolher o conflito, interrogar as razões e os significados da
diversidade.
A comunicação pressupõe a diferença, a distância. Também no
desenvolvimento do indivíduo, para que o bebê possa falar (tornar-se sujeito
do seu discurso), é preciso que outro (a mãe) tome distância, se subtraia da
fusão, o separe, de modo que a palavra simbolize, represente aquele contato
que não é mais próximo e contínuo. A comunicação implica a necessidade de
separação e a confiança no encontro, na união: comporta reconhecer aquilo
que é diferente para poder encontra-lo em um novo espaço de consenso
negociado, de co-pertencimento, transformador. Evitar o desacordo impede,
então, o surgimento de novos pontos de vista, de outros significados, aquilo
que representa uma condição para a criatividade.
Um pressuposto também decisivo para que exista projetualidade criativa é
a relação recíproca entre aceitação da tradição e originalidade, mais uma vez,
sob o estandarte de separação e união: “Em nenhum campo cultural é possível
ser original sem a base da tradição” 58, senão acreditaremos que o homem pode
toda vez se reiventar por completo, pensando em termos de 'novo total'.
Na aprendizagem se descreve um movimento (o tomar) em relação a
alguma coisa que não está atualmente presente no nosso sistema de
conhecimentos, comportamentos, valores, significados, mas que vai se
inscrever nele, modificando a sua organização.
A aprendizagem
A disponibilidade de aceitar e escutar a divergência, vivendo e
gerenciando-a atribuindo valor de oportunidade, de evento, é uma abordagem
interior que se esquiva da certeza, da singularidade, da correspondência do
conhecido e, neste deslocar-se obliquamente, se aprende.
A aprendizagem complexa acontece quando as pessoas discutem o que,
porquê e como estão fazendo algo, como e porquê estão interagindo daquele
modo. Na estratégia, a aprendizagem, ao confrontar-se com situações de
elevada incerteza, se sobrepõe e coincide comas práticas. A equipe projetual
aprende ao agir as suas modalidades de funcionamento e as muda, em um
processo autopoietico. Se forma, mas não necessariamente para algo que será
implementado, mas sim para algo que ainda deve ser pensado, descoberto,
experimentado.
A exposição ao risco e ao erro fazem parte da aprendizagem e como são
admitidos e pesquisados. O erro, noção crucial na formação da estratégia,
torna-se considerável não tanto como algo a evitar mas como uma
oportunidade a perseguir59. Nesta direção, sugerida pelas recentes teorias da
evolução, a pesquisa do erro torna-se pesquisa e identificação, no sistema-
produto, de pregorrativas fracas (especialização reduzida, baixa
estruturação...), de um repertório amplo e flexível que consente sucessivas
variações e interpretações sob um plano de descontinuidade em relação ao
atual (de um ponto de vista produtivo, da venda, do consumo, da
reciclagem...).
Estamos frente à necessidade de uma aprendizagem informal, baseada na
intuição, na escuta, na observação, na ação e nas relações analógicas. Se
aprende dialogicamente compartilhando o próprio não saber 60.
A informação formal baseada em dados quantitativos fortes,
inequivocáveis, é inadequada para a formação da estratégia porque é lenta na
sinalização das emergências (pelos tempos de registro e de elaboração), não
ajuda a compreender importantes fatores críticos não econômicos e não
quantificáveis (por exemplo o motivo da obsolescência de um produto) e a
excessica agragação das informações impede a problematização dessas
questões.
As informações que se baseiam em impressões, validações, intuições e
experiências sugerem uma forma de consciência mais profunda que a análise
manipulatória de dados61.
Uma aprendizagem que se apóia na complexidade dos fenômenos e que
se exercita empiricamente na pesquisa de conexões de sentido, procede por
comparação e analogia mais do que por dedução e procedimentos algorítmicos.
Utiliza a propriedade de similaridade entre os evento, leva em conta a intuição,
a irracionalidade não como fuga neurótica e perigosa em um futuro imaginário,
mas na articulação com a realidade. Em outras palavras e como vimos
anteriormente, não se trata de construir visões para depois agir, mas se tende,
se imagina de proceder para atingir alguma coisa sob a base daquilo que
sabemos, que fizemos ou estamos fazendo.
No confronto com o caos e a desordem, o grupo que projeta a estratégia
deverá agir guiado pela interpretação do passado e do presente, partindo da
situação atual como base para as ações sucessivas, baseando as aspirações
sob estas interpretações e refletindo sob a eficácia das modalidades de
interação do grupo.
Últimas considerações
As questões levantadas a propósito do projeto coletivo da estratégia
propõem duas considerações finais: a formação de quem projeta a estratégia e
a dimensão ética do projeto coletivo.
Falar de formação parece ser mais do que falar de didática ou de
competências profissionais, investe-se no plano cognitivo (pensar, abstrair,
elaborar), na dimensão social e cultural do agir (motivações, intenções,
valores) e o próprio nível emocional do indivíduo.
Transdisciplinariedade, requalificação relacional e comunicacional são
pontos fixos destes aprofundamento qualitativo que a formação deve operar e
são colocados no interno da única perspectiva formativa possível, que é aquela
de aprender a aprender. Bateson cunhou o termo “deutero-aprendizagem” para
indicar esta ordem mais elevada de aprendizagem e o descreveu assim:
“...podemos dizer que o sujeito está aprendendo a orientar-se em direção a
certos tipos de contexto (por exemplo torna-se consciente das próprias
interações e do ambiente, n.d.a) ou que está adquirindo o “insight” no
contexto da resolução dos problemas”66.
Além disso para que exista formação é necessário, em quem a intra-
aprende, uma forma de disponibilidade e de envolvimento pessoal e, em quem
a propõe, a consciência da complexidade do investimento e do valor inovador
que produz. Trata-se de uma tarefa decisiva destinada a envolver,
interconectando, a sociedade, as instituições culturais e a empresa.
Experiências formativas focadas no projeto coletivo da estratégia podem
desenvolver-se em todo lugar, na própria empresa como dentro de um curso
universitário ou de um centro de estudos, colocando em movimento pequenas
mudanças culturais locais, que poderiam voltar ao sistema orientando-o em
direção a novas formas auto-organizativas capazes de promover criatividade e
desenvolvimento eco-compatível, no grupo e através do grupo.