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APRENDIZAGEM MOTORA

(texto escrito com a colaboração do Prof. Carlos Uignivich)

Introdução

Existem três áreas de estudo relacionadas com o Comportamento Motor humano. Uma é
a área de Controle Motor, que tem por objetivo estudar e compreender como o ser humano
organiza e controla suas ações. Para isso é necessário utilizar um nível de análise mais micro,
pois muitas dessas pesquisas investigam a estimulação de um neurônio, ou ainda, quais as
funções de diferentes áreas do cérebro. Os pesquisadores dessa área estão ligados à
Educação Física, Neurofisiologia, Psicologia e Biologia, e atualmente há uma maior integração
entre os pesquisadores para que utilizem diferentes níveis de análise.
A outra área é o Desenvolvimento Motor, que investiga as mudanças que ocorrem no ser
humano em decorrência das alterações sofridas ao longo do ciclo de vida. Essas alterações
ocorrem devido ao amadurecimento dos diferentes sistemas, desde os primeiros anos de vida
até a idade adulta, por volta dos 25 anos. Posteriormente, os mesmos sistemas começam a
ter uma perda na eficiência das funções, que tem uma queda mais acentuada na terceira
idade.
A terceira área é a Aprendizagem Motora. Essa área tem basicamente dois objetivos a
investigar: primeiro, as alterações cognitivas que ocorrem em decorrência da prática, ou seja,
como as pessoas partem de um estado que não dominam uma habilidade e, após um período
de prática, passam a executá-la com grande proficiência; segundo, quais os fatores que
afetam a aquisição dessas habilidades.
As pesquisas em Aprendizagem Motora tiveram duas fases distintas, uma anterior e
outra após a década de 70. Na primeira fase, as pesquisas tinham por objetivo investigar a
melhor forma de ensinar determinadas tarefas motoras, ou qual a forma de corrigi-las, com
temas como prática maciça e distribuída, prática pelo todo ou pelas partes, entre outras. Como
as pesquisas eram realizadas visando soluções de problemas de tarefas específicas, as
pesquisas dessa fase ficaram conhecidas como tendo uma abordagem orientada à tarefa
(AOT).

Histórico

Após a década de 70 houve uma mudança, influenciada pela Psicologia Cognitiva, e as


pesquisas passaram a investigar os processos subjacentes à aprendizagem. Para isso criaram
tarefas simples de laboratório que permitiam responder às questões investigadas, e as tarefas

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não eram mais o objetivo dos estudos. Essa época ficou conhecida como tendo uma
abordagem orientada ao processo (AOP) (SCHMIDT, 1988).
Alguns autores passaram a criticar essas pesquisas, pois apesar de ganharem em
fidedignidade, seus resultados perderam em validade ecológica. CHRISTINA (1988) e TANI
(1992) propõem um tipo diferente, onde os conhecimentos adquiridos durante a fase da AOP
devem ser testados em situações mais próximas do real.
Para discutir o que a Aprendizagem Motora estuda, é necessário entender a
aprendizagem como alterações internas, relativamente permanentes que ocorrem em função
da prática (MAGILL, 1984). No caso da Educação Física, a aprendizagem é entendida como
as mudanças que ocorrem na aquisição de habilidades motoras com a prática e o feedback
(NEWELL, 1974).
Se a aprendizagem ocorre devido à prática, ela depende de atos voluntários, o que não
envolve movimentos realizados sem ter um objetivo. Então torna-se necessário entender a
relação de movimento, ação e habilidade. Movimento é caracterizado pela relação espaço-
temporal, e não tem objetivo. É possível abrir uma porta por apoiar o braço na maçaneta, e
não por querer realmente abri-la.
As ações têm como principal característica o objetivo, são atos voluntários, e então
podem ser aprendidos. A habilidade é uma ação realizada de forma habilidosa, com
proficiência. Quem executa uma ação habilidosa parece ter todo o tempo do mundo para
realizá-la.
Um sujeito habilidoso apresenta algumas características particulares. Podem ser citadas:
a equivalência motora, capacidade de atingir a meta via diferentes caminhos, a consistência
de atingir a meta em diferentes situações, a flexibilidade para mudar e adaptar o que foi
previamente planejado e ainda atingir a meta. Sem essas características não é possível dizer
que alguém é habilidoso.
Então um objetivo da aprendizagem motora, conforme citado anteriormente, é entender
como os sujeitos atingem esse estado (habilidoso), e qual a estrutura que permite executar
tais atos motores.
Como está sendo discutido o processo de aprendizagem, é importante caracterizar os
praticantes desde o momento que vai iniciar a prática até o momento que já consegue dominá-
la. Na fase inicial aceita-se que o praticante encontra-se no estágio cognitivo, onde predomina
a cognição e ele precisa prestar atenção em cada parte da ação. Ele sabe que não atingiu a
meta mas não sabe porquê, ou seja, ele sabe que errou mas não sabe como corrigir; ou seja,
ele é dependente do feedback extrínseco.
Em seguida o aprendiz entra no estágio associativo, onde começa a apresentar certa
consistência, mas ainda é muito impreciso. Começa a ser formado um programa para aquela
ação. Por último o aprendiz já domina a habilidade praticada, ele sabe o que errou e já não

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depende mais do feedback extrínseco, usando basicamente o feedback intrínseco. Esse


estágio é denominado autônomo (FITTS & POSNER, 1967; ADAMS, 1971).
Existem algumas teorias que buscam explicar esse processo de mudança, de quando os
alunos não têm o domínio de uma habilidade, para quando passam a dominá-la. Uma delas é
a Teoria de Circuito Fechado (ADAMS, 1971), uma teoria com ênfase no feedback. O autor
propôs dois estados de memória denominados traços, sendo um o de memória e outro o
perceptivo.
O primeiro é responsável por iniciar o movimento, e pode ser considerado um modesto
programa motor.
O segundo é o responsável pela comparação entre o que foi planejado e a ação
executada.
Para que uma ação seja executada, é necessário haver tempo suficiente para o
processamento do feedback do primeiro movimento, e então serem feitas as correções e
ajustes para o movimento seguinte. Isso trás alguns problemas, tais como armazenar um
programa motor para cada ação (capacidade limitada de armazenamento), adaptação à
movimentos nunca executados anteriormente (novidade) e a execução de movimentos rápidos
(explica movimentos lentos).
Partindo desses problemas, SCHMIDT (1975) elaborou a Teoria de Esquema Motor.
Essa teoria propõe um programa motor generalizado (PMG) e os esquemas.
O PMG é uma representação não de uma ação, mas de uma classe de ações, o que
resolve o problema de armazenamento, contendo aspectos que não mudam durante várias
execuções (sequenciamento, força e tempo relativo).
Os esquemas são um conjunto de regras abstratas, um sistema de conhecimento que é
fortalecido através da relação das informações das experiências anteriores. O esquema de
lembrança é adicionado ao PMG selecionado para uma determinada ação, determinando a
força, velocidade, direção da ação. O esquema de reconhecimento compara a ação planejada
e a natureza das condições iniciais, comparando com o feedback da ação realizada. Por
exemplo, ao planejar um arremesso, a pessoa seleciona o PMG do arremesso e o esquema
de lembrança especifica os parâmetros dessa ação. Após a sua execução, o esquema de
reconhecimento compara o que foi planejado com o executado com as informações do
feedback.
Como o esquema é fortalecido através das relações das execuções anteriores, MOXLEY
(1979) propôs a hipótese da variabilidade de prática, pois através da variação de um mesmo
PMG haveria a possibilidade de relação de um número maior de informações. Essa hipótese
veio a se tornar a principal forma de testar essa teoria.
Essas duas teorias partem da existência de diferentes estados de memória. Um é
denominado memória de longo termo, onde ficam armazenadas as informações das ações já

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praticadas, e outra de curto termo ou de trabalho, utilizada durante as ações. A segunda


apresenta uma capacidade limitada, sendo definida como 7 ± 2, ou seja, que a memória de
curto termo tem uma capacidade de armazenar de 5 a 9 elementos, e ainda por um tempo
bem limitado (aproximadamente 30 segundos). Quando o número de informações ou o tempo
para armazenamento aumenta, há a deterioração do traço de memória. Nesse caso é
observado o efeito de primazia e retenticidade, onde são armazenados os primeiros e os
últimos termos, com a parte do meio ficando mais esquecida (MAGILL, 1993).
Ainda existem vários fatores que podem afetar a aquisição das habilidades motoras, tais
como motivação, feedback e organização da prática.

Motivação

A motivação é um aspecto fundamental na aprendizagem, e apresenta uma relação de U


“invertido”, ou seja, quando a motivação está muito baixa ou muito alta, a aprendizagem é
dificultada. Parece que para cada tipo de habilidade o nível de motivação deve ser
diferenciado. Por exemplo, na aprendizagem do arco e flecha e do caratê o nível de motivação
deve variar, pois a primeira é uma habilidade que requer um controle mais fino do que uma
habilidade grossa como o caratê.
Em relação à motivação, um tema que recentemente vem despertando o interesse dos
pesquisadores de Comportamento Motor é o estabelecimento de metas. Quando os sujeitos
têm metas claras e bem definidas parecem atingir um desempenho superior aos que não
estão na mesma situação. Então metas específicas podem levar ao desempenho superior, se
forem seguidos os resultados das pesquisas em empresas e desempenho físico (LOCKE,
1967).
O feedback é uma informação disponível para o executante durante ou após a
execução. O feedback pode ser intrínseco ou extrínseco. O intrínseco é aquela informação
sensorial disponível ao executante durante ou após a execução, que depende de haver tempo
suficiente para a sua utilização. O extrínseco é a informação fornecida por uma fonte externa
(professor, vídeo) que o aluno pode utilizar para uma próxima execução. O feedback é uma
informação primordial para a aprendizagem, pois ela serve para diminuir a diferença entre o
planejado e o executado. Sem essa informação não há aprendizagem.
O feedback pode ter diferentes denominações, tais como conhecimento de resultados
(CR) ou ainda conhecimento de performance (CP). O CR é uma informação sobre o resultado
da ação, redundante com o feedback intrínseco, muito utilizado durante as pesquisas pela sua
facilidade de controle. Já o CP é uma informação sobre a cinemática da ação, que não é
diferente do feedback intrínseco, e é comumente utilizado na aprendizagem de habilidades
motoras complexas (SCHMIDT, 1991).

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O feedback pode informar sobre a direção (esquerda, direita) ou ainda sobre a


magnitude (muito forte, fraco), e parece que a direção é um aspecto mais importante a ser
corrigido do que a direção (SCHMIDT, 1991).
Um outro ponto importante apontado é que o feedback uma informação muito precisa, e
pode criar uma dependência das informações extrínsecas, e levar o aprendiz a não utilizar as
informações sensoriais disponíveis. Algumas formas de dificultar que o aluno fique
dependente da informação extrínseca é reduzir a quantidade de vezes que essa informação é
fornecida ao aprendiz. Ou seja, não deve haver a preocupação com a freqüência absoluta de
feedback, mas sim com a freqüência relativa, ou seja, o número de vezes que o feedback é
fornecido dividido pelo número de execuções.
As pesquisas estão investigando a melhor freqüência de feedback, e parece que ela está
entre os 30 e 60% do total de execuções. Uma outra forma de estimular a utilização do
feedback intrínseco é determinar uma amplitude de correção, ou seja, somente fornecer o
feedback quando o erro for superior a um limite determinado. Outro aspecto importante é a
quantidade de informações fornecidas por vez. Caso o aprendiz não atinja a meta, deve ser
fornecido um pequeno número de informações, o que na realidade está relacionado com a
capacidade da memória de curto termo, conforme descrito anteriormente.
Outro aspecto que sempre teve um interesse por parte dos pesquisadores da área,
principalmente durante a AOT, é qual tipo de prática propicia uma melhor aprendizagem.
Existem diferentes formas de organizar a prática, como a prática pelo todo e pelas partes, a
maciça e a distribuída, a constante e variada, e por último a por blocos e randômica (MAGILL,
1993).
Em relação à prática pelo todo e pelas partes, dois fatores norteiam essa decisão: a
organização e a complexidade da tarefa. A complexidade refere-se ao número de
componentes da tarefa, e a organização refere-se a como esses componentes estão
organizados. As tarefas com poucos elementos apresentam uma organização alta, enquanto
as tarefas com muitos elementos têm uma organização baixa. A partir dessas idéias foram
elaboradas duas regras gerais: A primeira propõe que quando a organização é alta deve-se
ensinar a habilidade pelo todo, e quando a organização é baixa pode-se ensinar a habilidade
pelas partes. A segunda regra geral propõe que quando partes da ação apresentam erros,
mas não tem uma grande integração com outros componentes, esse erro pode ser corrigido
por partes.
MAGILL (1993) define a prática maciça como aquela em que o tempo de execução é
menor que o tempo de descanso, a prática distribuída é quando o tempo de execução é maior
que o tempo de descanso. Pelo que tem sido observado nos resultados das pesquisas, apesar
da prática maciça deteriorar o desempenho na fase de aquisição quando comparada à prática
distribuída, nos testes de retenção as diferenças desaparecem. Ou seja, o tipo de prática não

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parece afetar a aprendizagem, a não ser quando o nível de fadiga que ocorre devido à prática
maciça chega a níveis muito altos (LEE e GENOVESE, 1988).
A prática constante era preconizada antes da elaboração da teoria de esquema
(SCHMIDT, 1975), pois acreditava-se que a prática constante permitiria o traço de memória
ficar mais consistente. Após a teoria de esquema, MOXLEY (1979) propôs a hipótese da
variabilidade da prática, onde variações de um mesmo programa permitiriam o esquema ter
uma maior possibilidade de relações, e assim ficar mais fortalecido. No geral, as pesquisas
têm demonstrado, ao menos para crianças e mulheres, que a prática variada propicia uma
aprendizagem superior, o que pode ser explicado por não terem os esquemas tão fortalecidos
devido a menor quantidade de experiências que os meninos e adultos (Van ROSSUN, 1990).
A forma de organizar essa prática variada pode ser randômica ou por blocos. Na prática
randômica pratica-se todas as variações da tarefa de forma aleatória, e na prática por blocos
primeiro é praticada uma variação da tarefa, para posteriormente começar uma segunda tarefa
(SHEA e MORGAN, 1979). No geral, as pesquisas de laboratório têm demonstrado que a
prática por blocos, apesar de levar a um melhor desempenho na fase de aquisição, nos testes
de aprendizagem a prática randômica é superior. Contudo, esse efeito não é observado em
habilidades mais complexas do mundo real (CORRÊA e PELEGRINI, 1996).

Referências Bibliográficas

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