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ESPECIALIZAÇÃO

FISIOTERAPIA PARA O FUTEBOL

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FISIOTERAPIA PARA O FUTEBOL

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FISIOTERAPIA PARA O FUTEBOL
AUTOR

DIEGO HELPS
FISIOTERAPEUTA DO CLUBE
PAINEIRAS MORUMBY - SP

ESPECIALIZAÇÃO
FISIOTERAPIA PARA O FUTEBOL
Biomecânica no Futebol
futebol é caracterizado por elementos motor são alguns dos subprodutos identifi-
O únicos de regras, objetivos, tempo
corrido de prática, elementos técnico/
cáveis que são alvo do processo de recupe-
ração de função ou aumento de performan-
táticos e a organização de seus praticantes ce dentro do raciocínio fisioterapêutico. Ex-
durante a execução. Isso, para o estudo do pandindo o entendimento, a biomecânica
movimento humano, vai definir o compor- se propõe caracterizar e otimizar as técni-
tamento motor do indivíduo. Fatores intrín- cas de movimento humano por meio de mé-
secos perceptivos, cognitivos e de ação todos científicos.
motora abrem o leque sobre as diversas Segundo ZATSIORSKY et.al (1982)
formas possíveis de execução, porém sem- e outros autores, é produto da biomecânica
pre conseguimos identificar um objetivo a descrição da técnica de movimento, ana-
dentro de uma tarefa esportiva. O chute, lisando as leis da mecânica e as proprieda-
quando em direção ao gol, tem como obje- des do sistema locomotor.
tivo ultrapassar a bola da linha horizontal
delimitada pela área de gol. Dentro de uma abordagem interdis-
ciplinar, temos que as propriedades do sis-
Logo, o indivíduo diante de um am- tema locomotor podem ser definidas como
biente composto por forças externas ficará as propriedades do sistema do movimento
sujeito a acomodações dentro do movimen- alimentado por vários subsistemas
to impostas pelas leis naturais da física re- (SAHRMANN SA, 2017).
gentes. A disciplina que estuda as reper-
cussões físicas no comportamento humano
é a biomecânica. (FUNDAMENTOS DA BI-
OMECÂNICA PARA O MOVIMENTO HU-
MANO, 1996)
Só que o atual desenvolvimento des-
ta disciplina parte de métodos cada vez
mais combinados com outras disciplinas
científicas na análise do movimento huma-
no, portanto um conceito interdisciplinar,
que é justificado pela complexidade do
tema (FUNDAMENTOS DA BIOMECÂNICA
PARA O MOVIMENTO HUMANO, 1996).
Dentro deste capítulo, vamos relacionar a
biomecânica com alguns princípios de Neu-
rologia e como são as relações internas no Figura 1 - (SAHRMANN SA, 2017)
organismo humano para termos o produto
movimento, cumpridor da tarefa alvo com
menor gasto energético e risco de lesão.
Entendendo o produto disso, mover CONTROLE MOTOR
partes do corpo dentro de um propósito, E BIOMECÂNICA
podemos entender as repercussões para o
organismo. O comportamento da sobrecar-
ga articular e os processos de aprendizado Movimento esportivo é o aspecto bá-
sico da prática esportiva, sendo fundamen-

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tal para atingir os objetivos e atingir metas ações reflexas individuais interconectadas.
propostas em um desenho de competição. Partindo do pressuposto que a ativação de
A área que estuda a natureza da organiza- reflexos age por um mecanismo sensorial
ção do movimento é o controle motor. externo deflagrador, não pode-se definir
Shumway-Cook 2010, levanta questões re- como comportamento motor básico algo
ferentes ao entendimento do controle mo- dependente de um elemento apenas. E
tor: como o sistema nervoso central (SNC) esta teoria não explica a capacidade de
organiza músculos e articulações para rea- aquisição de movimentos novos que vem
lização de funções motoras? Como é usa- de combinações motoras já conhecidas ou
da as informações do ambiente, tarefa e aprimoradas.
indivíduo para o processamento motor? A teoria hierárquica combina uma
Qual a melhor forma de se estudar o mo- visão pautada no controle do movimento
vimento e como quantificar os seus déficits sempre seguindo níveis de organização
nos nossos clientes? central. O movimento deve ser então um
Todas essas questões nos ajudam produto de interações organizadas sempre
na resolução de problemas motores dentro de cima para baixo de controle. Isso isenta
da prática fisioterapêutica determinando a possibilidade de haver retroalimentação
modos de abordagens que se aproximam deste sistema portanto limita a apresenta-
de como o SNC junta informações para ção do movimento a resposta rígidas mui-
execução de uma tarefa. Portanto, descre- tas vezes levantadas por comportamentos
ver teorias que fundamentam o controle reflexos aplicados em situação de maior
motor irá fornecer bases de raciocínio ca- velocidade de resposta. Muitas vezes a
paz de estreitar o tempo de identificação e partir de um ou pouquíssimos elementos
resolução de problemas motores. deflagradores do movimento.
Shumway-Cook 2010, descreve que a utili- Uma terceira teoria é a de progra-
zação de abordagem fundamentada em mação motora, nela há uma idealização de
teorias e testada por hipóteses possibilita o resposta motora suficientemente capaz de
terapeuta executar um raciocínio capaz de se apresentar repetitivamente como um
descobrir por que o cliente se move e se conceito de padrão motor central. Houve
isso explica sua disfunção. então o entendimento que é possível um
movimento repetitivo na ausência da ação
reflexa e há, portanto, conexões neurais
TEORIAS capazes de armazenar padrão estereotipa-
DE CONTROLE do podendo ser utilizado dentro de uma va-
riedade motora (KEELE, 1968). Mas essa
MOTOR teoria não explica a diferença no movimen-
to quando o sujeito entra em fadiga ou
quando uma ação sofre influência diferente
A primeira teoria a ser apresentada é a partir do ambiente. Então como explicar a
a reflexa. Sr Charles Sherrington em seu necessidade do SNC em lidar com variá-
livro Ação Integrada do Sistema Nervoso veis musculares e ambientais para controle
de 1906, ele propôs que um comportamen- do movimento?
to complexo, uma execução sequencial de Pensando em responder esta per-
movimento, advinha da combinação de gunta, Nicolai Bernstein (1896-1966), cien-

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tista que participou da formulação da teoria Durante os anos 60, o psicólogo


do programa motor, desenvolveu a com- James Gibson destacou como o nosso
preensão do papel das características do comportamento motor é fruto da interação
sistema como as forças internas e externas dos nossos sistemas motores e o ambien-
que agem no corpo. Com isso, o corpo co- te, a fim de cumprir um objetivo ou tarefa
meçou a ser visto como uma massa sujeita (Gibson,1966). As ações motoras são guia-
a forças externas com a gravidade e inter- das ao ambiente específico que fornece
nas com poder de inércia. Assim, dentro informação perceptual direcionada a um
de diferentes condições iniciais um pro- objetivo ou desejo. Shumway-Cook 2010,
grama motor pode fornecer uma resposta descreve que “a organização da ação é es-
motora dupla. pecífica à tarefa a ao meio ambiente no
Durante as décadas de 80 e 90, foi qual a tarefa está sendo realizada.” Voltan-
desenvolvida uma nova teoria do controle do ao nosso contexto, pode ser exemplo
motor que foi chamada de teoria de ação uma leitura de jogo ou de regras esportivas
dinâmica. Ela defende que não há coman- para execução de um gesto, um chute ou
dos de centro superiores para instrução de uma corrida para alcançar uma bola.
alguns movimentos, apenas a interação de Essa teoria destacou a importância
elementos. Portanto, um conjunto de ele- da detecção de informações do meio ambi-
mentos pode se auto-organizar para produ- ente necessária para execução efetiva e
ção de um comportamento coletivo e orde- como ela é utilizada para modificar e con-
nado. Por exemplo, uma marcha pode se trolar o movimento (LEE e YOUNG, 1986).
tornar trote ou corrida a partir do incremen- O movimento surge de um sistema de per-
to de velocidade, independente do recru- cepção/ação de intensa exploração, capaz
tamento de um programa motor estereoti- de satisfazer seus objetivos próprios. Essa
pado, exemplificado na figura 2. teoria reforça a apresentação de um ambi-
ente específico para poder ana-
lisar e intervir no movimento,
pois permite o indivíduo a re-
solver os problemas motores
objetivando concluir a tarefa.
Isso fundamenta as práticas
que promovem a adaptabilida-
de do movimento humano, fun-
damentando teorias de apren-
dizado e restauração da fun-
ção. Portanto, um movimento
deflagrador de sobrecarga local
pode vir de uma remanescente
combinação dentro do sistema
motor para compensar uma
Figura 2 - (Shumway-Cook, 2010) perda e continuar funcional.

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As cadeias musculares não são


SINERGIA conceitos isolados, elas fazem parte de um
MUSCULAR E sistema capaz de fornecer capacidades es-
tabilizadoras do movimento que quando
TRANSMISSIBILIDADE não conectadas perdem elasticidade e ca-
DE FORÇA pacidade de execução motora. Observando
um back swing do golfe vemos a represen-
MUSCULAR tação da tensão muscular em um elástico.
A ideia é representada por uma passagem
de força muscular dentro de uma estabili-
Ação muscular ocorre quando há
dade. Ao lado uma projeção da perda de
uma demanda de movimento que vem da
estabilidade, logo há perda de tensão
leitura do ambiente para execução de tare-
afrouxando esse elástico.
fa específica, representa, portanto, a saída
encontrada pelo SNC (SAFAVYNIA, 2011).
Esse produto não pode ser classificado a
partir das ações musculares isoladas, um
chute no futebol não pode ser resumido a
ação de quadríceps para uma extensão de
membro inferior. Assim, o músculo agente
do movimento não funciona com indepen-
dência e sim em um conjunto harmonioso
de tesengridade e transmitindo força ao
longo da cadeia exigida (WILKE, 2015).
A sinergia muscular representa um
padrão funcional organizado de ativações
musculares, capaz de se combinarem para
produção complexa e coordenada de mo-
vimento (SAFAVYNIA, 2011).
Portanto, a realização de um movi-
mento como produto de uma organização
do SNC tem que ser observada dentro de
uma cadeia cinética capaz de produzir
transferência de energia, quando isso não
Figura 3 (DISCHIAVI, 2019)
ocorre haverá maior gasto energético para
estabilizar o corpo ou redirecionar sequên-
cia de ativação muscular que terá um único Dischiavi 2019, utilizando a analogia
objetivo que será a realização da tarefa. do elástico nos mostra que a necessidade
Vamos exemplificar com o apresentando de uma unidade muscular interconectada e
uma cadeia cinética envolvida no swing do a eficiência da propulsão é dependente dos
golfe (DISCHIAVI, 2019), conforme figura segmentos corporais e sua capacidade de
abaixo. manter a estabilidade. A possível con-
sequência de uma cadeia cinética que per-
de a tensão do sistema é a diminuição do
desempenho - o arremessador perde velo-

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cidade ou o jogador de golfe não consegue lisado que deve ser igual ao do escolhido
acertar a bola tão longe. para análise (FUNDAMENTOS DA BIO-
Para prática fisioterapêutica pode- MECÂNICA PARA O MOVIMENTO HU-
mos ter uma série de repercussões deste MANO, 1996). Isso reforça a necessidade
modelo além da perda de desempenho, por se observar práticas reais esportivas para
exemplo a colocação de estruturas à uma análise dos gestos motores.
carga maior do que quando realizado com CHUTE
estabilidade. Mas ambos cumprem a tarefa Autores definem o chute em fases,
de rebater a bola projetando a uma distân- Brophy 2007 divide em 5 fases: Prepara-
cia pré-calculada em direção ao buraco. ção, Balanço para trás, Armação da perna,
Aceleração e Contato com a bola. Já
Wickstrom 1975 divide o chute em quatro
GESTOS fases: Recuo, Balanço, Impacto e Finaliza-
MOTORES ção. Essas divisões facilitam o entendimen-
to da tarefa, porém descrevem sub-fases
NO FUTEBOL muitas vezes complementares.
O objetivo do chute é a transmissão
Apesar de definições sobre biome- de força à bola para direcioná-la ao alvo da
cânica apresentarem separadamente efei- ação, a um jogador que chamamos de pas-
tos internos e externos que agem no corpo se ou lançamento ou ao gol. Uma divisão
(MILLER,1979). A compreensão centrada mais resumida apresenta a adoção do chu-
no movimento humano pode ser mais bem te em três fases para análise: Preparação,
resumida na aplicação de conhecimentos Contato com a bola e Finalização conforme
de análise e intervenção em facilitação e Tabela 1 abaixo:
resolução ideal dos problemas motores. A Fase 1 se caracteriza por um
Uma das formas de análise que apoio unipodal realizado com o pé contrala-
identifica o comportamento motor dentro da teral exigindo uma estabilidade vertical ao
tríade indivíduo, tarefa e ambiente é a ci- longo do eixo da perna garantidor do acú-
nemetria. Definida como procedimentos de mulo de energia proveniente da sinergia
natureza visual exploratória de análise. Em extensora cruzada iniciada no membro su-
que se pretende ter uma representação óp- perior contralateral e o membro inferior da
tica e geométrica do movimento a ser ana- perna de chute. A fase 2 é o contato com a

Tabela a (adaptado Tak IJR, 2012)

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bola a partir da ação flexora cruzada


transmitida a bola a partir do contato inicial.
Logo o acúmulo garantido na fase 1 deve
ser claramente transmitida a bola com a
mínima dissipação ao longo do eixo, agora,
da perna efetora. A última fase é a finaliza-
ção que deve vir da desaceleração do cor-
po para posicioná-lo em pé novamente.
Ainda se observa a necessidade de estabi-
lidade em ação unipodal com cruzamento
em linha média de membro superior e infe-
rior envolvido no chute.

Referências
Bibliográficas
Alberto Carlos Amadio, FUNDAMENTOS DA BIOMECÂNICA PARA O MOVIMENTO HUMANO, 1996

Sahrmann SA. The human movement system: our professional identity. Phys Ther. 2014;94:1034–1042. APTA
House of Delegates. Guiding Principles to Achieve the Vision (HOD P06-13-19-23). Alexandria, VA:
American Physical Therapy Association; 2013.

Anne Shumway-Cook. CONTROLE MOTOR- TEORIA E APLICAÇÕES CLINICAS,3ª EDIÇÃO 2010

Wilke J, Krause F, Vogt L, Banzer W. What is evidence-based about myofascial chains: a systematic review.
Arch Phys Med Rehabil. 2016;97:454-461. https://doi.org/10.1016/j. apmr.2015.07.023

Seyed A. Safavynia et al. Muscle Synergies: Implications for Clinical Evaluation and Rehabilitation of Move-
ment. Top Spinal Cord Inj Rehabil. 2011 ; 17(1): 16–24. doi:10.1310/sci1701-16.

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