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ESPECIALIZAÇÃO

MEDICINA
NO FUTEBOL
CAPÍTULO 7
TELA CHEIA

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TELA CHEIA

Biomecânica
no Futebol

Diego Helps
Fisioterapeuta do
Clube Paineiras Morumby – SP
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O futebol é caracterizado por elementos únicos de regras, objetivos, tempo


corrido de prática, elementos técnico/táticos e a organização de seus praticantes
durante a execução. Isso, para o estudo do movimento humano, vai definir o
compor-tamento motor do indivíduo. Fatores intrín-secos perceptivos, cognitivos
e de ação motora abrem o leque sobre as diversas formas possíveis de execução,
porém sem-pre conseguimos identificar um objetivo dentro de uma tarefa
esportiva. O chute, quando em direção ao gol, tem como objetivo ultrapassar a
bola da linha horizontal delimitada pela área de gol.

Logo, o indivíduo diante de um am-biente composto por forças externas


ficará sujeito a acomodações dentro do movimen-to impostas pelas leis
naturais da física re-gentes. A disciplina que estuda as reper-cussões físicas no
comportamento humano é a biomecânica. (FUNDAMENTOS DA BIOMECÂNICA
PARA O MOVIMENTO HU-MANO, 1996)

Só que o atual desenvolvimento des-ta disciplina parte de métodos


cada vez mais combinados com outras disciplinas científicas na análise do
movimento huma-no, portanto um conceito interdisciplinar, que é justificado
pela complexidade do tema (FUNDAMENTOS DA BIOMECÂNICA PARA O
MOVIMENTO HUMANO, 1996). Dentro deste capítulo, vamos relacionar a
biomecânica com alguns princípios de Neu-rologia e como são as relações
internas no organismo humano para termos o produto movimento, cumpridor
da tarefa alvo com menor gasto energético e risco de lesão.

Entendendo o produto disso, mover partes do corpo dentro de um


propósito, podemos entender as repercussões para o organismo. O
comportamento da sobrecar-ga articular e os processos de aprendizado
motor são alguns dos subprodutos identifi-cáveis que são alvo do processo de
recupe-ração de função ou aumento de performan-ce dentro do raciocínio
fisioterapêutico. Ex-pandindo o entendimento, a biomecânica se propõe
caracterizar e otimizar as técni-cas de movimento humano por meio de mé-
todos científicos.

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Segundo ZATSIORSKY et.al (1982) e outros autores, é produto da biomecânica


a descrição da técnica de movimento, ana-lisando as leis da mecânica e as
proprieda-des do sistema locomotor.

Dentro de uma abordagem interdisciplinar, temos que as propriedades do


sis-tema locomotor podem ser definidas como as propriedades do sistema do
movimento alimentado por vários subsistemas (SAHRMANN SA, 2017).

Figura 1 - (SAHRMANN SA, 2017)

CONTROLE MOTOR E BIOMECÂNICA


Movimento esportivo é o aspecto básico da prática esportiva, sendo
fundamen tal para atingir os objetivos e atingir metas propostas em um
desenho de competição. A área que estuda a natureza da organiza-ção
do movimento é o controle motor. Shumway-Cook 2010, levanta questões
re-ferentes ao entendimento do controle mo-tor: como o sistema nervoso
central (SNC) organiza músculos e articulações para rea-lização de funções
motoras? Como é usa-da as informações do ambiente, tarefa e indivíduo
para o processamento motor? Qual a melhor forma de se estudar o mo-
vimento e como quantificar os seus déficits nos nossos clientes?
Todas essas questões nos ajudam na resolução de problemas motores
dentro da prática fisioterapêutica determinando modos de abordagens que
se aproximam de como o SNC junta informações para execução de uma
tarefa. Portanto, descre-ver teorias que fundamentam o controle motor irá
fornecer bases de raciocínio ca-paz de estreitar o tempo de identificação

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e resolução de problemas motores. Shumway-Cook 2010, descreve que a


utilização de abordagem fundamentada em teorias e testada por hipóteses
possibilita o terapeuta executar um raciocínio capaz de descobrir por que o
cliente se move e se isso explica sua disfunção.

TEORIAS DE CONTROLE MOTOR


A primeira teoria a ser apresentada é a reflexa. Sr Charles Sherrington
em seu livro Ação Integrada do Sistema Nervoso de 1906, ele propôs que
um comportamento complexo, uma execução sequencial de movimento,
advinha da combinação de ações reflexas individuais interconectadas.
Partindo do pressuposto que a ativação de reflexos age por um mecanismo
sensorial externo deflagrador, não pode-se definir como comportamento
motor básico algo dependente de um elemento apenas. E esta teoria
não explica a capacidade de aquisição de movimentos novos que vem de
combinações motoras já conhecidas ou aprimoradas.
A teoria hierárquica combina uma visão pautada no controle do
movimento sempre seguindo níveis de organização central. O movimento
deve ser então um produto de interações organizadas sempre de cima para
baixo de controle. Isso isenta a possibilidade de haver retroalimentação
deste sistema portanto limita a apresenta-ção do movimento a resposta
rígidas mui-tas vezes levantadas por comportamentos reflexos aplicados
em situação de maior velocidade de resposta. Muitas vezes a partir de um
ou pouquíssimos elementos deflagradores do movimento.
Uma terceira teoria é a de progra-mação motora, nela há uma idealização
de resposta motora suficientemente capaz de se apresentar repetitivamente
como um conceito de padrão motor central. Houve então o entendimento
que é possível um movimento repetitivo na ausência da ação reflexa e há,
portanto, conexões neurais capazes de armazenar padrão estereotipado
podendo ser utilizado dentro de uma va-riedade motora (KEELE, 1968).
Mas essa teoria não explica a diferença no movimen-to quando o sujeito
entra em fadiga ou quando uma ação sofre influência diferente a partir do

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ambiente. Então como explicar a necessidade do SNC em lidar com variáveis


musculares e ambientais para controle do movimento?
Pensando em responder esta per-gunta, Nicolai Bernstein (1896-1966),
cientista que participou da formulação da teoria do programa motor,
desenvolveu a com-preensão do papel das características do sistema como
as forças internas e externas que agem no corpo. Com isso, o corpo co-meçou
a ser visto como uma massa sujeita a forças externas com a gravidade e inter-
nas com poder de inércia. Assim, dentro de diferentes condições iniciais um
pro-grama motor pode fornecer uma resposta motora dupla.
Durante as décadas de 80 e 90, foi desenvolvida uma nova teoria do
controle motor que foi chamada de teoria de ação dinâmica. Ela defende
que não há coman-dos de centro superiores para instrução de alguns
movimentos, apenas a interação de elementos. Portanto, um conjunto de
ele-mentos pode se auto-organizar para produ-ção de um comportamento
coletivo e orde-nado. Por exemplo, uma marcha pode se tornar trote ou
corrida a partir do incremen-to de velocidade, independente do recru-
tamento de um programa motor estereoti-pado, exemplificado na figura 2

.
Figura 2 - (Shumway-Cook, 2010)

Durante os anos 60, o psicólogo James Gibson destacou como o nosso


comportamento motor é fruto da interação dos nossos sistemas motores
e o ambien-te, a fim de cumprir um objetivo ou tarefa (Gibson,1966). As
ações motoras são guia-das ao ambiente específico que fornece informação

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perceptual direcionada a um objetivo ou desejo. Shumway-Cook 2010,


descreve que “a organização da ação é específica à tarefa a ao meio ambiente
no qual a tarefa está sendo realizada.” Voltan-do ao nosso contexto, pode ser
exemplo uma leitura de jogo ou de regras esportivas para execução de um
gesto, um chute ou uma corrida para alcançar uma bola.
Essa teoria destacou a importância da detecção de informações do meio
ambiente necessária para execução efetiva e como ela é utilizada para
modificar e con-trolar o movimento (LEE e YOUNG, 1986). O movimento
surge de um sistema de per-cepção/ação de intensa exploração, capaz de
satisfazer seus objetivos próprios. Essa teoria reforça a apresentação de um
ambi ente específico para poder ana-lisar e intervir no movimento, pois
permite o indivíduo a re-solver os problemas motores objetivando concluir
a tarefa. Isso fundamenta as práticas que promovem a adaptabilida-
de do movimento humano, fun-damentando teorias de apren-dizado e
restauração da fun-ção. Portanto, um movimento deflagrador de sobrecarga
local pode vir de uma remanescente combinação dentro do sistema motor
para compensar uma perda e continuar funcional.

SINERGIA MUSCULAR E TRANSMISSIBILIDADE


DE FORÇA MUSCULAR
Ação muscular ocorre quando há uma demanda de movimento que vem
da leitura do ambiente para execução de tare-fa específica, representa,
portanto, a saída encontrada pelo SNC (SAFAVYNIA, 2011). Esse produto não
pode ser classificado a partir das ações musculares isoladas, um chute no
futebol não pode ser resumido a ação de quadríceps para uma extensão
de membro inferior. Assim, o músculo agente do movimento não funciona
com independência e sim em um conjunto harmonioso de tesengridade e
transmitindo força ao longo da cadeia exigida (WILKE, 2015).
A sinergia muscular representa um padrão funcional organizado de
ativações musculares, capaz de se combinarem para produção complexa e
coordenada de mo-vimento (SAFAVYNIA, 2011).

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Portanto, a realização de um movimento como produto de uma


organização do SNC tem que ser observada dentro de uma cadeia cinética
capaz de produzir transferência de energia, quando isso não ocorre haverá
maior gasto energético para estabilizar o corpo ou redirecionar sequên-
cia de ativação muscular que terá um único objetivo que será a realização
da tarefa. Vamos exemplificar com o apresentando uma cadeia cinética
envolvida no swing do golfe (DISCHIAVI, 2019), conforme figura abaixo.

Figura 3 – (DISCHIAVI, 2019)

Dischiavi 2019, utilizando a analogia do elástico nos mostra que a


necessidade de uma unidade muscular interconectada e a eficiência da
propulsão é dependente dos segmentos corporais e sua capacidade de
manter a estabilidade. A possível consequência de uma cadeia cinética que
perde a tensão do sistema é a diminuição do desempenho - o arremessador
perde velo cidade ou o jogador de golfe não consegue acertar a bola tão longe.
Para prática fisioterapêutica pode-mos ter uma série de repercussões
deste modelo além da perda de desempenho, por exemplo a colocação de
estruturas à uma carga maior do que quando realizado com estabilidade.

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Mas ambos cumprem a tarefa de rebater a bola projetando a uma distân-cia


pré-calculada em direção ao buraco.

GESTOS MOTORES NO FUTEBOL


Apesar de definições sobre biome-cânica apresentarem separadamente
efei-tos internos e externos que agem no corpo (MILLER,1979). A compreensão
centrada no movimento humano pode ser mais bem resumida na aplicação
de conhecimentos de análise e intervenção em facilitação e resolução ideal
dos problemas motores.
Uma das formas de análise que identifica o comportamento motor
dentro da tríade indivíduo, tarefa e ambiente é a ci-nemetria. Definida
como procedimentos de natureza visual exploratória de análise. Em que se
pretende ter uma representação óp-tica e geométrica do movimento a ser
ana lisado que deve ser igual ao do escolhido para análise (FUNDAMENTOS
DA BIO-MECÂNICA PARA O MOVIMENTO HU-MANO, 1996). Isso reforça a
necessidade se observar práticas reais esportivas para análise dos gestos
motores.

CHUTE
Autores definem o chute em fases, Brophy 2007 divide em 5 fases: Prepara-
ção, Balanço para trás, Armação da perna, Aceleração e Contato com a bola.
Já Wickstrom 1975 divide o chute em quatro fases: Recuo, Balanço, Impacto
e Finalização. Essas divisões facilitam o entendimen-to da tarefa, porém
descrevem sub-fases muitas vezes complementares.
O objetivo do chute é a transmissão de força à bola para direcioná-la ao
alvo da ação, a um jogador que chamamos de pas-se ou lançamento ou ao
gol. Uma divisão mais resumida apresenta a adoção do chute em três fases
para análise: Preparação, Contato com a bola e Finalização conforme Tabela
1 abaixo:
A Fase 1 se caracteriza por um apoio unipodal realizado com o pé contrala-
teral exigindo uma estabilidade vertical ao longo do eixo da perna garantidor

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do acú-mulo de energia proveniente da sinergia extensora cruzada iniciada


no membro superior contralateral e o membro inferior da perna de chute.
A fase 2 é o contato com a bola a partir da ação flexora cruzada transmitida
a bola a partir do contato inicial. Logo o acúmulo garantido na fase 1 deve
ser claramente transmitida a bola com a mínima dissipação ao longo do
eixo, agora, da perna efetora. A última fase é a finaliza-ção que deve vir da
desaceleração do cor-po para posicioná-lo em pé novamente. Ainda se
observa a necessidade de estabi-lidade em ação unipodal com cruzamento
em linha média de membro superior e infe-rior envolvido no chute.

Tabela a (adaptado Tak IJR, 2012)

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Referências
Alberto Carlos Amadio, FUNDAMENTOS DA BIOMECÂNICA PARA O MOVIMENTO
HUMANO, 1996 Sahrmann SA. The human movement system: our professional
identity. Phys Ther. 2014;94:1034–1042. APTA
House of Delegates. Guiding Principles to Achieve the Vision (HOD P06-13-19-23).
Alexandria, VA: American Physical Therapy Association; 2013.
Anne Shumway-Cook. CONTROLE MOTOR- TEORIA E APLICAÇÕES CLINICAS,3ª
EDIÇÃO 2010 Wilke J, Krause F, Vogt L, Banzer W. What is evidence-based about
myofascial chains: a systematic review.
Arch Phys Med Rehabil. 2016;97:454-461. https://doi.org/10.1016/j. apmr.2015.07.023
Seyed A. Safavynia et al. Muscle Synergies: Implications for Clinical Evaluation
and Rehabilitation of Move ment. Top Spinal Cord Inj Rehabil. 2011 ; 17(1): 16–24.
doi:10.1310/sci1701-16.

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