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Farmacologia do Córtex Supra-Renal


Ehrin J. Armstrong e Robert G. Dluhy

Introdução Fisiologia
Caso Síntese
Considerações Gerais: Córtex Supra-Renal Metabolismo
Glicocorticóides Ações Fisiológicas
Fisiologia Regulação
Síntese Fisiopatologia
Metabolismo Hipofunção da Aldosterona
Ações Fisiológicas Hiperfunção da Aldosterona
Regulação Classes e Agentes Farmacológicos
Fisiopatologia Agonistas dos Receptores de Mineralocorticóides
Insuficiência Supra-Renal Antagonistas dos Receptores de Mineralocorticóides
Excesso de Glicocorticóides Andrógenos Supra-Renais
Classes e Agentes Farmacológicos Fisiologia
Cortisol e Análogos de Glicocorticóides Fisiopatologia
Inibidores da Síntese de Hormônios Adrenocorticais Classes e Agentes Farmacológicos
Antagonistas dos Receptores de Glicocorticóides Conclusão e Perspectivas Futuras
Mineralocorticóides Leituras Sugeridas

para a hipertensão e as doenças cardiovasculares. Os androgê-


INTRODUÇÃO nios supra-renais, apesar de não terem uma indicação terapêu-
tica definitiva, são freqüentemente utilizados de modo abusivo
À semelhança da hipófise, a glândula supra-renal consiste em em altas doses pelos seus efeitos anabólicos.
dois órgãos que sofreram fusão durante o desenvolvimento
embrionário. O córtex supra-renal externo origina-se do meso-
derma, enquanto a medula supra-renal interna deriva de célu- n Caso
las da crista neural. O córtex supra-renal sintetiza e secreta
hormônios esteróides, que são essenciais para o equilíbrio do Aos 8 anos de idade, Johnny começa a perceber que, algumas
sal, o metabolismo intermediário e ações androgênicas nas vezes, mal consegue manter a respiração, especialmente quan-
mulheres. A medula supra-renal é importante, apesar de não do faz exercícios. Apresenta sucessivas crises de asma, e nenhum
ser essencial, para a manutenção do tônus simpático através tratamento parece surtir efeito. Embora a médica esteja preocu-
da secreção da catecolamina epinefrina. Este capítulo trata do pada com uma possível parada de crescimento de Johnny, aca-
córtex supra-renal; devido à sua importância em neurofarma- ba prescrevendo prednisona oral (um análogo glicocorticóide) e
cologia, a medula supra-renal é discutida no Cap. 9. pede aos pais do menino que verifiquem se ele está tomando a
A utilidade farmacológica dos hormônios adrenocorticais medicação diariamente. Depois de algumas semanas, as crises de
estende-se por quase todas as áreas da medicina. Isso se deve, Johnny começam a ceder, e o menino consegue ter uma infância
em grande parte, à utilidade dos análogos dos glicocorticóides normal. Durante esse período, a médica acompanha atentamente
como agentes antiinflamatórios potentes e eficazes. Infeliz- o crescimento linear de Johnny. Dois anos mais tarde, ela chega à
mente, a terapia sistêmica a longo prazo com glicocorticóides conclusão de que um novo glicocorticóide inalado pode ser uma
também provoca diversos efeitos adversos previsíveis, porém medicação mais segura. Johnny muda então para o glicocorticóide
indesejáveis. Os inibidores das enzimas envolvidas na biossín- inalado e suspende a prednisona oral. Depois de três dias, Johnny
tese no córtex supra-renal podem ser utilizados no tratamen- contrai uma infecção respiratória e é levado ao departamento de
to do excesso de hormônios adrenocorticais. A fisiologia dos emergência com pressão arterial baixa e temperatura de 39,4ºC.
mineralocorticóides foi estudada na etiologia da hipertensão Com base no seu histórico de uso de prednisona, Johnny recebe
essencial, e existe um interesse atual pelo uso de antagonistas imediatamente hidrocortisona (cortisol) por via intravenosa, bem
dos receptores de mineralocorticóides como forma de terapia como uma infusão de solução salina. Johnny recupera-se, e, nos
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próximos 6 meses, a dose de prednisona oral é reduzida lenta e que, por sua vez, é regulado pelo hormônio de liberação da
gradativamente, com uso contínuo do glicocorticóide inalado. Por corticotropina (CRH) e pelo cortisol (ver Cap. 25).
fim, Johnny pode tomar apenas o glicocorticóide inalado como Através de seus produtos mineralocorticóides, glicocorticói-
tratamento efetivo para a sua asma. des e andrógenos supra-renais, o córtex supra-renal desempe-
nha um papel em diversos aspectos da homeostasia. A discussão
que se segue considera a fisiologia, a fisiopatologia e a farma-
QUESTÕES cologia de cada classe de hormônios da supra-renal. Em virtu-
n 1. Por que os análogos do cortisol, como a prednisona, são de de sua importância farmacológica, os glicocorticóides são
utilizados no tratamento da asma? discutidos em primeiro lugar, seguidos dos mineralocorticóides
n 2. Por que a médica monitorou o crescimento linear de e dos andrógenos supra-renais.
Johnny?
n 3. Por que a interrupção abrupta da prednisona oral levou ao
quadro clínico apresentado por Johnny no departamento de GLICOCORTICÓIDES
emergência?
n 4. Por que os glicocorticóides inalados são mais seguros do
que os glicocorticóides por via oral no tratamento a longo FISIOLOGIA
prazo da asma? Síntese
O cortisol, o glicocorticóide endógeno, é sintetizado a partir do
colesterol. Sua síntese começa com a conversão do colesterol
CONSIDERAÇÕES GERAIS: CÓRTEX SUPRA-RENAL em pregnenolona, uma reação catalisada pela enzima de cliva-
gem da cadeia lateral, que limita a velocidade do processo (Fig.
O córtex supra-renal sintetiza três classes de hormônios: mine- 27.2). Essa primeira etapa converte o colesterol de 27 carbonos
ralocorticóides, glicocorticóides e andrógenos. Em nível em um precursor de 21 carbonos comum a todos os hormônios
histológico, o córtex supra-renal é dividido em três zonas. Da adrenocorticais. A partir desse precursor, o metabolismo dos
cápsula em direção à medula, essas regiões são a zona glo- esteróides pode prosseguir ao longo de três vias distintas para
merulosa, a zona fasciculada e a zona reticular (Fig. 27.1). A produzir mineralocorticóides, glicocorticóides ou andrógenos
zona glomerulosa é responsável pela produção de mineralo- supra-renais.
corticóides e está sob o controle da angiotensina II e da con- Uma enzima oxidase catalisa cada etapa na via de sínte-
centração plasmática de potássio. A zona fasciculada e a zona se dos hormônios adrenocorticais. As enzimas oxidases são
reticular sintetizam glicocorticóides e andrógenos, respectiva- citocromos mitocondriais, semelhante ao sistema de oxidase
mente. Tanto a zona fasciculada quanto a zona reticular estão do citocromo P450 do fígado. A expressão tecidual específi-
sob o controle do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) ca de determinadas enzimas oxidases em cada uma das zonas
do córtex supra-renal proporciona a base bioquímica para as
diferenças observadas entre os produtos finais hormonais das
diferentes zonas do córtex. Assim, por exemplo, a zona fasci-
culada sintetiza cortisol, mas não a aldosterona ou andrógenos
(Fig. 27.1). Isso se deve ao fato de que as enzimas necessárias
unicamente para síntese de cortisol — como a esteróide 11␤-
hidroxilase — estão expressas na zona fasciculada, enquanto as
enzimas necessárias para a síntese de aldosterona e de andró-
genos não estão expressas.

Metabolismo
Zona
glomerulosa Cerca de 90% do cortisol circulante estão ligados a proteínas
Aldosterona Aldosterona plasmáticas, entre as quais as mais importantes são a globulina
Angiotensina II sintase
K+ de ligação dos corticosteróides (CBG, também denominada
transcortina) e a albumina. A CBG possui alta afinidade pelo
cortisol, porém baixa capacidade global, enquanto a albumina
ACTH exibe baixa afinidade pelo cortisol, porém alta capacidade glo-
bal. Apenas as moléculas de cortisol que não estão ligadas às
Zona
fasciculada/
11β-hidroxilase Cortisol, proteínas (a denominada fração livre) são biodisponíveis, isto
17α-hidroxilase andrógenos é, estão disponíveis para sofrer difusão através das membranas
reticular
plasmáticas para o interior das células. Por conseguinte, a afini-
dade e a capacidade das proteínas de ligação plasmáticas regu-
Fig. 27.1 Regiões do córtex supra-renal. O córtex supra-renal é dividido em
três regiões. A região mais externa, a zona glomerulosa, sintetiza aldosterona
lam a disponibilidade de hormônio ativo e, por conseguinte, a
e é regulada pelos níveis circulantes de angiotensina II e de potássio. A atividade hormonal.
zona fasciculada e a zona reticular sintetizam cortisol e andrógenos supra- O fígado e os rins constituem os principais locais de meta-
renais. O ACTH liberado pela adeno-hipófise estimula produção de cortisol e bolismo periférico do cortisol. Através de redução e conjuga-
de andrógenos supra-renais. A expressão tecidual específica de enzimas em ção subseqüente com ácido glicurônico, o fígado é responsável
cada uma das zonas do córtex supra-renal — aldosterona sintase na zona
glomerulosa, esteróide 11␤-hidroxilase e esteróide 17␣-hidroxilase nas zonas pela inativação do cortisol no plasma. A reação de conjugação
fasciculada/reticular — determina a especificidade da produção hormonal torna o cortisol mais hidrossolúvel, permitindo a sua excreção
nessas zonas. renal. É importante assinalar que o fígado e os rins expressam
460 | Capítulo Vinte e Sete

Inibição por retroalimentação


ACTH

Adeno-hipófise

Glândula supra-renal

Aminoglutetimida
Cetoconazol Colesterol
(em níveis elevados)
Trilostano
Cetoconazol
Pregnenolona
17
Progesterona 17-hidroxipregnenolona Desidroepiandrosterona
21 17
Trilostano Trilostano

11-desoxicorticosterona 17-hidroxiprogesterona Androstenediona

Metirapona 11 21

Corticosterona 11-desoxicortisol

Metirapona 11

Aldosterona Cortisol Testosterona

Mineralocorticóides Glicocorticóides Esteróides sexuais

Fig. 27.2 Síntese de hormônios no córtex supra-renal. Os hormônios do córtex supra-renal são esteróides derivados do colesterol. A etapa que limita a
velocidade no processo de biossíntese dos hormônios supra-renais é a modificação do colesterol em pregnenolona pela enzima de clivagem da cadeia lateral.
A partir dessa etapa, o metabolismo da pregnenolona pode ser direcionado para a síntese de aldosterona, de cortisol ou de androstenediona. O fluxo de
metabólitos através de cada uma dessas vias depende da expressão tecidual específica de enzimas nos diferentes tipos de células do córtex, bem como da
atividade relativa das diferentes enzimas de síntese. Observe que várias enzimas estão envolvidas em mais de uma via, e que a ocorrência de defeitos nessas
enzimas pode afetar a síntese de mais de um hormônio. Assim, por exemplo, um defeito na esteróide 21-hidroxilase impede a síntese tanto da aldosterona
quanto do cortisol. Essa superposição de atividade de síntese também contribui para a ação não-seletiva dos inibidores da síntese de glicocorticóides, como o
trilostano. As enzimas estão indicadas por números: 17, esteróide 17␣-hidroxilase; 21, esteróide 21-hidroxilase; 11, esteróide 11␤-hidroxilase. A aminoglutetimida e
o cetoconazol em altos níveis inibem a enzima de clivagem da cadeia lateral. O cetoconazol também inibe a 17, 20-liase. O trilostano inibe a 3␤-hidroxiesteróide
desidrogenase. A metirapona inibe a esteróide 11␤-hidroxilase.

diferentes isoformas da enzima 11␤-hidroxiesteróide desi- receptor citosólico. Existem dois tipos de receptores de glico-
drogenase, um regulador da atividade do cortisol. As duas corticóides: os receptores de glicocorticóides Tipo I (minera-
isoformas catalisam reações opostas. Nas células dos ductos locorticóides) e de Tipo II. O receptor de Tipo I é expresso nos
coletores distais do rim, a 11␤-hidroxiesteróide desidrogena- órgãos de excreção (rins, cólon, glândulas salivares, glândulas
se tipo II (11␤-HSDII) converte o cortisol em cortisona, o sudoríparas) e no hipocampo, enquanto o receptor de Tipo II
composto biologicamente inativo que (ao contrário do cortisol) possui uma distribuição tecidual mais ampla. O receptor de
não se liga ao receptor de mineralocorticóides (ver adiante, glicocorticóide Tipo I é sinônimo de receptor de mineralocor-
Fig. 27.3B). Em contrapartida, a cortisona pode ser novamente ticóides. A nomenclatura não é apropriada, e daqui por diante
convertida em cortisol (também denominado hidrocortisona) este capítulo refere-se ao receptor de Tipo I como “receptor de
no fígado pela 11␤-hidroxiesteróide desidrogenase tipo I (11␤- mineralocorticóides”.
HSDI, Fig. 27.3A). A inter-relação entre essas reações opostas Após ligação do cortisol a seu receptor citosólico e formação
é que determina a atividade glicocorticóide global. Além dis- de um complexo hormônio–receptor, o complexo sofre dimeri-
so, conforme discutido adiante, a atividade dessas enzimas é zação com outro complexo hormônio–receptor e é transportado
importante na farmacologia dos glicocorticóides. para o núcleo. No caso do cortisol, o complexo hormônio–
receptor dimerizado liga-se a elementos promotores de genes,
designados como elementos de resposta aos glicocorticóides
Ações Fisiológicas (GRE), que podem intensificar ou inibir a expressão de genes
A exemplo de outros hormônios esteróides, o cortisol em sua específicos. O cortisol possui efeitos profundos sobre a expres-
forma não ligada difunde-se através da membrana plasmática são do mRNA; estima-se que cerca de 10% de todos os genes
para o citosol das células-alvo, onde o hormônio liga-se a um humanos contenham GRE. Devido ao grande número de genes
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A
O O
OH OH
OH OH
O HO
H 11β-HSDI H

(fígado)
H H H H
O O
Cortisona Cortisol

B O O
OH OH
OH OH
HO O
H 11β-HSDII H

(rim)
H H H H
O O
Cortisol Cortisona
(agonista no receptor de (inativa no receptor de
mineralocorticóides) mineralocorticóides)

Fig. 27.3 11␤-Hidroxiesteróide desidrogenase. A enzima 11␤-hidroxiesteróide desidrogenase (11␤-HSD) existe em duas isoformas, que catalisam
reações opostas. A. No fígado, a 11␤-hidroxiesteróide desidrogenase do tipo I (11␤-HSDI) converte os 11-cetoglicocorticóides, como a cortisona, em 11-
hidroxiglicocorticóides, como o cortisol. B. In vitro, o cortisol é um potente agonista no receptor de mineralocorticóides (MR). Todavia, no rim, os MR são
“protegidos” do cortisol pela ação da enzima 11␤-hidroxiesteróide desidrogenase tipo II (11␤-HSD II), que converte o cortisol em cortisona inativa. Esse
mecanismo assegura que, em níveis fisiológicos, o cortisol não exerça efeitos mineralocorticóides. Entretanto, em altas concentrações, o cortisol pode superar
a atividade da 11␤-HSD II, resultando em estimulação dos MR renais.

cuja expressão é afetada pela ativação de GRE, o cortisol exerce liberação de ACTH e de cortisol. Essa série de efeitos estimu-
ações fisiológicas na maioria dos tecidos. De modo geral, essas ladores e inibitórios cria uma alça de retroalimentação em que
ações podem ser divididas em efeitos metabólicos e efeitos as citocinas inflamatórias e o cortisol são regulados de modo
antiinflamatórios. coordenado para controlar as respostas imunes e inflamatórias
Os efeitos metabólicos do cortisol aumentam a disponibi- (Fig. 27.4). A supressão da resposta inflamatória mediada pelos
lidade de nutrientes, devido à elevação dos níveis sangüíneos glicocorticóides também possui importantes implicações far-
de glicose, aminoácidos e triglicerídios. O cortisol aumenta o macológicas para diversas condições clínicas, como transplante
nível de glicemia ao antagonizar a ação da insulina e ao pro- de órgão, atrite reumatóide e asma. Com efeito, o caso descrito
mover a gliconeogênese em jejum. O cortisol também aumenta na introdução demonstra que os glicocorticóides constituem
o catabolismo das proteínas musculares, resultando em níveis uma terapia efetiva para a asma. Os mecanismos exatos pelos
aumentados de aminoácidos, que podem ser utilizados pelo quais os glicocorticóides atuam no sentido de melhorar os sin-
fígado para a gliconeogênese. Ao potencializar a ação do hor- tomas da asma ainda não são conhecidos, porém acredita-se que
mônio do crescimento sobre os adipócitos, o cortisol aumenta estejam relacionados com a capacidade dos glicocorticóides de
a atividade da lipase sensível a hormônio e a liberação subse- reduzir a inflamação nas vias aéreas (ver adiante, bem como
qüente de ácidos graxos livres (lipólise). Os níveis de cortisol no Cap. 46).
aumentam como componente da resposta ao estresse induzida
por determinados eventos, como traumatismo agudo, cirurgia,
medo, infecção grave e dor. Através do aumento da glicemia, os
Regulação
efeitos fisiológicos dos glicocorticóides mantêm a homeostasia A unidade hipotálamo–hipófise coordena a produção de cortisol
energética durante a resposta ao estresse, assegurando, assim, (consultar o Cap. 25 para considerações gerais). Em resposta a
um suprimento contínuo de nutrientes a órgãos críticos, como ritmos circadianos centrais e ao estresse, os neurônios do núcleo
o cérebro. paraventricular do hipotálamo sintetizam e secretam o hor-
O cortisol também possui múltiplas ações antiinflamató- mônio de liberação da corticotropina (CRH), um hormônio
rias. O cortisol regula negativamente a liberação de citocinas peptídico que é transportado pelo sistema porta hipotalâmico-
nas células do sistema imune. Essa ação pode representar um hipofisário. A seguir, o CRH liga-se a receptores acoplados à
importante mecanismo para limitar a extensão das respostas proteína G sobre a superfície das células corticotrópicas na
imunes e regular a resposta inflamatória. Por sua vez, deter- adeno-hipófise. A ligação do CRH estimula os corticótrofos
minadas citocinas, incluindo IL-1, IL-2, IL-6 e TNF-␣, podem a sintetizar a proopiomelanocortina (POMC), um precursor
estimular a liberação hipotalâmica de CRH, que estimula a polipeptídico que é clivado em múltiplos hormônios peptídicos,
462 | Capítulo Vinte e Sete

Centros Estímulo
Hipotálamo termorreguladores imune
CRH

Febre
Macrófagos

Hipófise ACTH Citocinas


inflamatórias
(IL-1α, IL-1β, IL-6, TNF-α)
Cortisol

Glândula Mediadores da inflamação


supra-renal (eicosanóides, serotonina,
PAF, bradicinina)

Fig. 27.4 Eixo imune-supra-renal. O cortisol possui efeitos imunossupressores profundos. O cortisol inibe a ação de vários mediadores da inflamação
(eicosanóides, serotonina, fator de ativação das plaquetas (PAF), bradicinina). O cortisol também inibe a liberação de várias citocinas dos macrófagos, incluindo
IL-1␣, IL-1␤, IL-6 e TNF-␣. Por sua vez, como essas citocinas promovem a liberação hipotalâmica de CRH e, conseqüentemente, aumentam os níveis séricos de
cortisol, foi aventada a hipótese de que o aumento do cortisol induzido pelo estresse limita a extensão da resposta inflamatória.

incluindo o ACTH. O hormônio antidiurético, que é secreta- FISIOPATOLOGIA


do pela neuro-hipófise, atua de modo sinérgico com o CRH,
aumentando a liberação de ACTH pela adeno-hipófise. As doenças que afetam a fisiologia dos glicocorticóides podem
A clivagem proteolítica da POMC produz não apenas ser classificadas em distúrbios de deficiência hormonal e distúr-
ACTH, como também hormônio ␥-melanócito-estimulante bios de excesso hormonal. A doença de Addison é o exemplo
(MSH), lipotropina e ␤-endorfina. O MSH liga-se a recepto- clássico de insuficiência adrenocortical, enquanto a síndrome
res presentes nos melanócitos da pele, promovendo a melano- de Cushing exemplifica uma situação de excesso de cortisol.
gênese e aumentando, assim, a pigmentação cutânea. Devido
às semelhanças entre as seqüências peptídicas do ACTH e do Insuficiência Supra-Renal
MSH, o ACTH em altas concentrações também pode ligar-se A doença de Addison fornece um exemplo de insuficiência
aos receptores de MSH e ativá-los. Essa ação torna-se aparente supra-renal primária em que ocorre destruição seletiva do
no hipoadrenalismo primário (ver adiante), em que os níveis córtex da supra-renal, mais comumente por uma reação auto-
elevados de ACTH resultam em aumento da pigmentação da imune mediada pelas células T. A destruição do córtex resulta
pele. O papel da lipotropina na fisiologia humana permanece em diminuição da síntese de todas as classes de hormônios
incerto; todavia, acredita-se que envolva o controle da lipólise. adrenocorticais. Em comparação, a insuficiência supra-renal
A ␤-endorfina é um opióide endógeno que é importante na secundária é causada por distúrbios hipotalâmicos ou hipo-
modulação da dor e na regulação da fisiologia reprodutiva. fisários ou pela administração prolongada de glicocorticóides
Como os hormônios esteróides são capazes de sofrer livre exógenos. Na insuficiência supra-renal secundária, a diminui-
difusão através das membranas celulares, e a glândula supra- ção dos níveis de ACTH provoca redução da síntese de hor-
renal só armazena uma pequena quantidade de cortisol, o mônios sexuais e cortisol, porém não altera os níveis de síntese
ACTH regula a produção de cortisol ao promover a síntese do de aldosterona (ver anteriormente).
hormônio. O ACTH também possui um efeito trófico sobre a Independentemente da causa subjacente, a insuficiência
zona fasciculada e a zona reticular do córtex da supra-renal, e supra-renal tem graves conseqüências e pode ser potencialmen-
pode ocorrer hipertrofia do córtex em resposta a níveis croni- te fatal se não for tratada em situações de estresse. Quando
camente elevados de ACTH. a insuficiência supra-renal resulta de terapia prolongada com
A exemplo de outros eixos endócrinos, o cortisol exerce altas doses de glicocorticóides exógenos, deve-se reduzir a dose
uma regulação por retroalimentação negativa em nível do hipo- de glicocorticóide de modo gradativo e lento para permitir que
tálamo e da adeno-hipófise. A presença de níveis elevados de o eixo hipotalâmico-hipofisário–supra-renal (HHSR) recu-
cortisol diminui tanto a síntese quanto a liberação de CRH e pere a sua atividade total. É importante saber que o eixo HHSR
de ACTH. Como o ACTH possui efeitos tróficos importantes pode levar até 1 ano para recuperar a sua função após a inter-
sobre o córtex da supra-renal, a sua ausência leva à atrofia da rupção do tratamento com glicocorticóides exógenos.
zona fasciculada produtora de cortisol e da zona reticular envol- No caso apresentado no início deste capítulo, o glicocorti-
vida na síntese de androgênios. Entretanto, as células da zona cóide oral administrado a Johnny foi substituído por um gli-
glomerulosa que produzem aldosterona continuam a funcionar cocorticóide inalado, que fornece uma concentração sistêmica
na ausência de ACTH, visto que a angiotensina II e o potássio muito mais baixa de glicocorticóide. O córtex supra-renal do
mantêm a produção de aldosterona. paciente estava atrofiado, devido à administração crônica de
Farmacologia do Córtex Supra-Renal | 463

altas doses de prednisona durante 2 anos; por conseguinte, foi Estrutura e Potência
incapaz de produzir uma quantidade suficiente de cortisol em
Os glicocorticóides podem ser divididos em duas classes, com
resposta ao estresse de uma infecção respiratória. Em conse-
base no componente estrutural presente na posição do carbono
qüência, chegou à sala de emergência com insuficiência supra-
11. Os compostos com grupo hidroxila (—OH) na posição 11,
renal aguda, exigindo terapia intravenosa com solução salina
como o cortisol, possuem atividade glicocorticóide intrínse-
e hidrocortisona.
ca. Em contrapartida, os compostos com um grupo carbonila
(⫽O) no carbono 11, como a cortisona, são inativos até que a
Excesso de Glicocorticóides enzima hepática, a 11␤-hidroxiesteróide desidrogenase tipo I
A síndrome de Cushing refere-se a várias fisiopatologias subja- (11␤-HSDI), reduza o composto a seu congênere 11-hidroxila
centes que aumentam, todas elas, a síntese de cortisol. O termo (Fig. 27.3). Assim, a cortisona é um pró-fármaco inativo até
“doença de Cushing” é reservado para adenomas hipofisários ser convertido no fármaco ativo, cortisol, pelo fígado. A ativi-
secretores de ACTH que resultam em aumento da produção de dade nativa de um glicocorticóide é particularmente impor-
cortisol (Fig. 25.4C). Outras causas de síndrome de Cushing tante para fármacos de administração tópica, visto que a pele
incluem a secreção ectópica de ACTH, mais comumente por não possui quantidades apreciáveis de 11␤-HSDI. Além disso,
carcinomas de células pequenas do pulmão (Fig. 25.4D) e (rara- sempre que possível, a forma ativa do fármaco é preferida à
mente) produção ectópica de CRH. A síndrome de Cushing tam- forma de pró-fármaco inativo para pacientes com disfunção
bém pode resultar de tumores secretores de cortisol (adenomas hepática, visto que esses indivíduos podem não ser capazes de
ou carcinomas) do córtex supra-renal (Fig. 25.4B). Todavia, a converter o pró-fármaco em sua forma ativa.
síndrome de Cushing iatrogênica, que é secundária ao tratamento O “arcabouço” básico do cortisol é essencial para a ativi-
farmacológico com glicocorticóides exógenos, constitui, sem dade glicocorticóide, e todos os glicocorticóides sintéticos são
dúvida alguma, a causa mais comum de síndrome de Cushing. análogos do glicocorticóide endógeno, cortisol (Fig. 27.5). Por
As manifestações clínicas da síndrome de Cushing resul- exemplo, a adição de uma ligação dupla entre os carbonos 1 e
tam da estimulação crônica excessiva dos órgãos-alvo por 2 do cortisol produz a prednisolona (Fig. 27.6), cuja potência
glicocorticóides endógenos ou exógenos. Essas manifestações antiinflamatória é 4–5 vezes a do cortisol. A adição de um grupo
— que podem incluir redistribuição centrípeta do tecido adipo- ␣-metil (onde ␣ é definida como a orientação do grupo lateral
so, hipertensão, miopatia proximal dos membros, osteoporose, axial ao composto, enquanto ␤ é a orientação equatorial) ao
imunossupressão e diabetes melito — refletem uma amplifica- carbono 6 da prednisolona produz a metilprednisolona, cuja
ção das ações fisiológicas normais dos glicocorticóides numa potência antiinflamatória é 5–6 vezes a do cortisol.
variedade de tecidos-alvo. Essas características são discutidas Embora a prednisolona e a metilprednisolona tenham uma
adiante, de modo mais pormenorizado. potência glicocorticóide significativamente maior que a do
cortisol, a adição de um ␣-flúor (F) ao carbono 9 do cortisol
aumenta a potência tanto glicocorticóide quanto mineralocorti-
CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS cóide do composto resultante, conhecido como fludrocortiso-
Cortisol e Análogos de Glicocorticóides na. Em virtude de sua atividade mineralocorticóide aumentada,
a fludrocortisona é útil no tratamento de afecções caracterizadas
A terapia farmacológica com glicocorticóides está indicada com por deficiência mineralocorticóide (ver adiante).
duas finalidades principais. Em primeiro lugar, os glicocorticói- A dexametasona incorpora duas das alterações anterior-
des exógenos podem ser utilizados como terapia de reposição nos mente citadas no arcabouço do cortisol (dupla ligação 1,2, flúor
casos de insuficiência supra-renal. Essa terapia tem por objetivo 9␣), bem como a adição de um grupo ␣-metil na posição do
administrar doses fisiológicas de glicocorticóides para melhorar carbono 16. Esse composto possui uma potência glicocorticóide
os efeitos da insuficiência supra-renal. Em segundo lugar, e com
mais freqüência, os glicocorticóides são administrados em doses
farmacológicas para suprimir a inflamação e as respostas imunes O
associadas a certos distúrbios, como asma, atrite reumatóide e OH
rejeição de órgãos após transplante. OH
HO
Como os níveis farmacológicos de glicocorticóides sistê-
micos resultam invariavelmente em efeitos adversos graves, H 16
foram desenvolvidas estratégias para minimizar essas respostas
adversas aos glicocorticóides, enfocando o fornecimento local
de glicocorticóides nas áreas que necessitam de tratamento. Ao F H
limitar a exposição sistêmica ao fármaco, é possível minimizar 6
ou até mesmo evitar a supressão do eixo HHSR, bem como O
outras manifestações da síndrome de Cushing iatrogênica.
Entre os exemplos de fornecimento local de glicocorticóides,
Fig. 27.5 Modificações sintéticas no arcabouço do cortisol. Quatro
destacam-se os glicocorticóides inalados para a asma, os gli-
modificações no arcabouço do cortisol são comuns nos glicocorticóides
cocorticóides tópicos para distúrbios inflamatórios da pele e sintéticos. A adição de uma ligação dupla 1–2 (boxe mais à esquerda), de
glicocorticóides intra-articulares para a artrite. um grupo metil no carbono 6 ou de um grupo metil no carbono 16 aumenta
Foram sintetizados numerosos análogos de glicocorticóides. a atividade glicocorticóide do composto em relação à do cortisol. A adição
A discussão que se segue ressalta as diferenças entre alguns de um flúor ao carbono 9 aumenta a atividade glicocorticóide e intensifica
análogos do cortisol de uso comum—incluindo a prednisona, acentuadamente a atividade mineralocorticóide; o efeito mineralocorticóide
é atenuado se a 9-fluoração for combinada com a 16-metilação. A adição
a prednisolona, a fludrocortisona e a dexametasona—, com- simultânea da ligação dupla 1–2, de metil no carbono 16 e de flúor no carbono
parando as estruturas, as potências e a duração de ação desses 9 produz a dexametasona, que possui atividade glicocorticóide muito potente,
compostos com as do cortisol. mas que é essencialmente desprovida de atividade mineralocorticóide.
464 | Capítulo Vinte e Sete

A O
OH
O O OH
OH OH HO
OH OH 11
HO HO H
11 11
H H
H H
H H H H O
O O
Cortisol Prednisolona Metilprednisolona

O O
OH OH
OH OH
HO HO
11 11
H H

F H F H

O O
Dexametasona Fludrocortisona

B O O
OH OH
OH OH
O O
11 11
H H

H H H H
O O
Prednisona Cortisona

Fig. 27.6 Análogos de glicocorticóides. O painel A mostra vários 11-hidroxiglicocorticóides, enquanto o painel B mostra dois congêneres 11-ceto. Observe que
os fármacos em A são fisiologicamente ativos, enquanto os fármacos em B são pró-fármacos que precisam ser ativados pela 11␤-HSDI para se tornarem ativos.
A classe estrutural à qual pertence um análogo de glicocorticóide pode ser importante na tomada de decisão terapêutica. Por exemplo, como a pele carece
de atividade significativa de 11␤-HSDI, apenas os 11-hidroxiglicocorticóides podem ser utilizados em cremes de glicocorticóides tópicos. HSD, hidroxiesteróide
desidrogenase.

de mais de 18 vezes a do cortisol, porém praticamente nenhuma contrapartida, os análogos de glicocorticóides ligam-se
atividade mineralocorticóide. geralmente à CBG com afinidade relativamente baixa. Em
Foram feitas várias outras permutações no arcabouço do cor- conseqüência, cerca de 2/3 de um análogo de glicocorticóide
tisol em outros glicocorticóides sintéticos, porém a discussão típico circula no plasma em sua forma ligada à albumina,
anterior ressalta as diferenças estruturais pertinentes entre os enquanto o restante encontra-se na forma de esteróide livre.
glicocorticóides sintéticos mais comuns. Clinicamente, é mais Como apenas o esteróide livre é metabolizado, o grau de
importante conhecer a potência de cada agente em relação ao
ligação às proteínas plasmáticas constitui um determinante
cortisol, particularmente quando se considera uma possível
da duração de ação do fármaco.
substituição de um análogo por outro que apresenta diferentes
atividades glicocorticóides e mineralocorticóides relativas. O 2. Afinidade do fármaco pela 11␤-HSD II. Os glicocorticói-
Quadro 27.1 fornece um resumo das potências glicocorticóides des que apresentam afinidade mais baixa pela 11␤-HSD II
e atividades mineralocorticóides relativas de vários análogos de possuem meia-vida plasmática mais longa, visto que esses
glicocorticóides comuns. fármacos não são tão rapidamente transformados em meta-
bólitos inativos.
Duração de Ação 3. Lipofilicidade do fármaco. O aumento da lipofilicidade pro-
move a distribuição do fármaco nas reservas do tecido adi-
A duração de ação dos glicocorticóides constitui uma variável
poso; a conseqüente redução no metabolismo e na excreção
farmacocinética complexa, que depende dos seguintes fatores:
do fármaco prolonga a sua meia-vida plasmática.
1. Fração do fármaco ligado às proteínas plasmáticas. Mais 4. Afinidade do fármaco pelo receptor de glicocorticóides. O
de 90% do cortisol circulante estão ligados às proteínas, aumento da afinidade de um análogo de glicocorticóide pelo
primariamente à CBG e, em menor grau, à albumina. Em receptor de glicocorticóides aumenta a duração de ação des-
Farmacologia do Córtex Supra-Renal | 465

QUADRO 27.1 Potências Relativas e Duração de Ação de Análogos de Glicocorticóides Representativos


POTÊNCIA DE ATIVIDADE
AGENTE FARMACOLÓGICO GLICOCORTICÓIDE RELATIVA MINERALOCORTICÓIDE RELATIVA DURAÇÃO DE AÇÃO
Hidrocortisona 1 1 Curta
Prednisolona 4-5 0,25 Curta
Metilprednisolona 5-6 0,25 Curta
Dexametasona 18 <0,01 Longa
Os agentes de ação curta apresentam meia-vida tecidual de menos de 12 horas, enquanto os agentes de ação longa têm uma meia-vida de mais de 48 horas.

se fármaco, visto que a fração do fármaco ligado ao recep- numerosas doenças inflamatórias e auto-imunes, como asma,
tor continua exercendo seu efeito até haver dissociação do artrite reumatóide, doença de Crohn, poliarterite nodosa, arteri-
complexo fármaco–receptor. te temporal e rejeição imune após transplante de órgãos. Entre-
tanto, é importante assinalar que a terapia farmacológica com
Em seu conjunto, essas quatro variáveis resultam em um glicocorticóides não corrige a etiologia da doença subjacente,
perfil de duração de ação característico de cada análogo de porém limita os efeitos da inflamação. Por esse motivo, a inter-
glicocorticóide. O Quadro 27.1 fornece a duração de ação de rupção da terapia crônica com glicocorticóides freqüentemente
análogos representativos, dentro das categorias de “curta” ou resulta no reaparecimento dos sintomas inflamatórios, a não ser
“longa”. Em geral, os agentes glicocorticóides com maior que a doença tenha sofrido remissão espontânea ou tenha sido
potência antiinflamatória (glicocorticóide) apresentam maior tratada por outros meios.
duração de ação. Os glicocorticóides endógenos afetam muitos processos
metabólicos, e o uso de doses farmacológicas de glicocorti-
Terapia de Reposição cóides exógenos amplifica essas ações. Em conseqüência, a sua
O tratamento da insuficiência supra-renal primária tem por obje- administração farmacológica prolongada é tipicamente acom-
tivo a reposição fisiológica dos glicocorticóides e mineralocor- panhada de efeitos adversos. O aumento da suscetibilidade à
ticóides. A hidrocortisona oral constitui o glicocorticóide de infecção constitui um efeito adverso potencial da supressão
escolha. Como a terapia de reposição com glicocorticóides deve a longo prazo do processo inflamatório por glicocorticóides
estender-se por toda a vida do indivíduo, o objetivo terapêutico exógenos. Os glicocorticóides elevam os níveis plasmáticos de
é administrar a menor dose efetiva possível de glicocorticóide glicose, visto que antagonizam a ação da insulina e promovem
para minimizar os efeitos adversos do excesso crônico desses a gliconeogênese; as doses farmacológicas de glicocorticóides
fármacos. Os pacientes com insuficiência supra-renal primária amplificam esses efeitos. A resistência à insulina e o aumento
também necessitam de reposição mineralocorticóide, conforme das concentrações plasmáticas de glicose exigem um aumento
descrito adiante. Os pacientes com insuficiência supra-renal da produção de insulina pelas células ␤ do pâncreas para nor-
secundária necessitam apenas de reposição glicocorticóide, malizar os níveis de glicemia. Em conseqüência, o diabetes
visto que a produção de mineralocorticóides é preservada pelo melito constitui uma complicação comum da administração
sistema de renina-angiotensina (ver Cap. 20). prolongada de glicocorticóides, sobretudo em pacientes com
reserva diminuída de células ␤ do pâncreas.
Os glicocorticóides em doses farmacológicas inibem a
Doses Farmacológicas absorção de cálcio mediada pela vitamina D. Isso resulta em
Efeitos em Níveis Farmacológicos. Os glicocorticóides são impor- hiperparatireoidismo secundário e, portanto, em aumento da
tantes mediadores da resposta ao estresse, regulando tanto a reabsorção óssea. Os glicocorticóides também suprimem dire-
homeostasia da glicose quanto o sistema imune. Os glicocorticóides tamente a função dos osteoblastos. Esses dois mecanismos
possuem ampla aplicação clínica como agentes antiinflamatórios, contribuem para a perda óssea, e, com freqüência, a terapia
em virtude de seus efeitos profundos sobre os processos imunes prolongada com glicocorticóides resulta em osteoporose. A
e inflamatórios. Os glicocorticóides em níveis farmacológicos ini- reabsorção óssea induzida por esteróides pode ser evitada com
bem a liberação de citocinas e, portanto, diminuem a ação da o uso de bifosfonatos, que inibem a função dos osteoclastos e
IL-1, da IL-2, da IL-6 e do TNF-␣. A regulação local da libera- que, portanto, retardam a progressão da perda óssea (ver Cap.
ção de citocinas é de suma importância para o recrutamento e a 30). A administração crônica de glicocorticóides também dimi-
ativação dos leucócitos, e a ruptura desse processo de sinalização nui a velocidade de crescimento ósseo linear em crianças, e a
inibe acentuadamente a função imune. Os glicocorticóides tam- administração de glicocorticóides pode causar retardo do cres-
bém bloqueiam a síntese de metabólitos do ácido araquidônico ao cimento. Pode ocorrer baixa estatura em crianças que fazem uso
inibir a ação da fosfolipase A2. Conforme discutido no Cap. 41, de glicocorticóides durante a adolescência. Por esse motivo, a
os metabólitos do ácido araquidônico, como tromboxanos, pros- médica de Johnny acompanhou atentamente o seu crescimento
taglandinas e leucotrienos, medeiam muitas das etapas iniciais da enquanto estava tomando prednisona oral.
inflamação, incluindo permeabilidade vascular, agregação plaque- Os glicocorticóides em doses farmacológicas podem cau-
tária e vasoconstrição. Através de bloqueio da produção desses sar atrofia seletiva das fibras musculares de contração rápida,
metabólitos, os glicocorticóides exercem uma infra-regulação sig- resultando em catabolismo e fraqueza dos músculos proximais
nificativa da resposta inflamatória. (primariamente). Os glicocorticóides também determinam uma
Em virtude dos múltiplos efeitos anteriormente descritos, redistribuição característica da gordura, com perda periférica
os glicocorticóides constituem fármacos úteis no tratamento de das reservas de gordura e obesidade central. Ocorre deposição
466 | Capítulo Vinte e Sete

excessiva de gordura na nuca (giba de búfalo) e na face (face a concentração plasmática normal, enquanto se minimizam os
de lua cheia). efeitos adversos sistêmicos. Alguns exemplos desses métodos
Ao considerar o potencial de efeitos adversos dos glicocor- incluem preparações inaladas, cutâneas e de depósito de gli-
ticóides, é importante compreender o conceito de população cocorticóides. A administração de glicocorticóides durante a
de alto risco. Nem todos os indivíduos tratados com glicocor- gravidez fornece um exemplo de aporte seletivo, visto que a
ticóides desenvolvem os mesmos efeitos adversos, visto que a placenta pode distribuir metabolicamente os glicocorticóides
genética e a variabilidade ambiental fazem com que diferentes entre a mãe e o feto (ver adiante).
indivíduos corram risco de apresentar seqüelas diferentes do
tratamento. Assim, por exemplo, um paciente com diabetes Glicocorticóides Inalados. Os glicocorticóides inalados cons-
limítrofe submetido a tratamento com glicocorticóides tende tituem a formulação de escolha no tratamento crônico da asma.
a desenvolver diabetes franco, ao passo que um paciente com Os glicocorticóides reduzem os sintomas da asma ao inibir as
reserva pancreática suficiente de células ␤ pode não exibir esse respostas inflamatórias das vias aéreas, sobretudo a inflama-
efeito adverso. Ao definir cuidadosamente os fatores de risco de ção mediada pelos eosinófilos. O mecanismo ou mecanismos
um paciente, é freqüentemente possível prever a predisposição exatos não são conhecidos, porém acredita-se que o processo
desse paciente aos efeitos adversos dos glicocorticóides. envolva a inibição da liberação de citocinas e inibição subse-
qüente da cascata inflamatória (ver Cap. 46). Como a terapia
Suspensão do Tratamento com Glicocorticóides. Diversos pro- sistêmica com glicocorticóides pode produzir numerosos efei-
blemas podem estar associados à interrupção da terapia crônica tos adversos graves, foram envidados esforços para desenvolver
com glicocorticóides. Durante a terapia prolongada com níveis glicocorticóides inalados com baixa biodisponibilidade oral,
farmacológicos de glicocorticóides, os níveis plasmáticos eleva- permitindo, assim, a administração de altas doses diretamente
dos de glicocorticóides suprimem a liberação de ACTH pela na mucosa das vias aéreas e, ao mesmo tempo, minimizando a
adeno-hipófise e a do CRH pelo hipotálamo. Como o ACTH dose sistêmica. A terapia com glicocorticóides inalados têm por
possui efeitos tróficos sobre o córtex supra-renal, a supressão da objetivo maximizar a relação entre concentração tópica e con-
liberação do hormônio durante a terapia com glicocorticóides centração sistêmica de glicocorticóides. Essa via de administra-
resulta em atrofia do córtex supra-renal. A interrupção abrupta ção torna os glicocorticóides mais seguros para uso prolongado,
da terapia com glicocorticóides pode precipitar insuficiência particularmente quando administrados a crianças.
supra-renal aguda, visto que são necessários vários meses Na atualidade, dispõe-se de pós microcristalinos e de ina-
para a reativação do eixo hipotalâmico-hipofisário–supra-renal. ladores dosimetrados de glicocorticóides, como fluticasona,
Mesmo após restauração da secreção de ACTH, podem ser beclometasona, flunisolida e triancinolona (Fig. 27.7), como
necessários vários outros meses para que o córtex supra-renal formulações inaladas, permitindo o aporte de altas concentra-
comece a secretar o cortisol em níveis fisiológicos. Além disso, ções desses potentes glicocorticóides diretamente no epitélio
a doença inflamatória subjacente para a qual foi instituída a pulmonar. A porção deglutida é absorvida na circulação porta e,
terapia pode sofrer agravamento durante esse período, devido dependendo do composto, hidroxilada pelo fígado a metabóli-
à desinibição do sistema imune. Por conseguinte, é inquestioná- tos inativos. Por exemplo, o metabolismo de primeira passagem
vel o fato de que o tratamento crônico com glicocorticóides significativo da fluticasona assegura uma biodisponibilidade
deve ser, sempre que possível, reduzido lentamente, com doses sistêmica de menos de 1% do glicocorticóide deglutido. Por
gradualmente decrescentes. Essa redução lenta e gradual per- conseguinte, os efeitos sistêmicos podem ser reduzidos pelo
mite ao hipotálamo, à adeno-hipófise e ao córtex supra-renal extenso metabolismo hepático de primeira passagem de certos
reassumir gradualmente suas funções normais, evitando, assim, agentes. Embora a porção de glicocorticóide que chega aos
o desenvolvimento de insuficiência supra-renal e — espera-se pulmões seja finalmente absorvida na circulação sistêmica,
—evitando também a exacerbação do distúrbio inflamatório a quantidade liberada na circulação sistêmica é menor que a
subjacente. de um glicocorticóide oral, como a prednisona. Como o gli-
No caso descrito na introdução deste capítulo, Johnny apre- cocorticóide inalado alcança diretamente o órgão inflamado,
sentou insuficiência supra-renal aguda em conseqüência da em lugar de seguir pela circulação sistêmica, é necessária uma
mudança abrupta da prednisona oral por um glicocorticóide menor quantidade de glicocorticóide inalado para o controle
inalado. De modo geral, as preparações inaladas fornecem cer- da inflamação das vias aéreas, em comparação com os glico-
ca de 20% da dose aos pulmões, enquanto os outros 80% são corticóides orais.
deglutidos. Todavia, os glicocorticóides disponíveis em formu- Se um paciente tratado cronicamente com glicocorticóides
lações inaladas (ver adiante) apresentam um metabolismo hepá- sistêmicos tiver a sua medicação substituída por glicocorti-
tico de primeira passagem significativo, de modo que a porção cóides inalados, é preciso ter cuidado para não interromper
deglutida é convertida em metabólitos inativos pelo fígado. Por abruptamente as doses sistêmicas. Conforme já assinalado, é
conseguinte, a mudança abrupta de um glicocorticóide oral por possível precipitar uma insuficiência supra-renal aguda através
uma formulação inalada causou insuficiência supra-renal aguda de uma súbita mudança de um tratamento sistêmico para um
em Johnny. Quando foi novamente administrada a prednisona tratamento por via inalatória, que fornece uma dose sistêmica
oral, foi possível reduzir a dose de modo lento e gradual e, muito mais baixa de glicocorticóide. A insuficiência supra-renal
após reativação do eixo hipotalâmico-hipofisário–supra-renal, aguda pode ameaçar a vida do paciente e deve ser tratada ime-
utilizar apenas o glicocorticóide inalado. diatamente com grandes doses de glicocorticóides intraveno-
sos; por esse motivo, Johnny recebeu uma infusão intravenosa
de hidroxicortisona no caso descrito no início do capítulo.
Vias de Administração A candidíase orofaríngea é outra complicação potencial da
Os diferentes métodos de fornecimento de fármacos permitem terapia com glicocorticóides inalados, visto que alguma quan-
o aporte seletivo de glicocorticóides a um determinado tecido. tidade de glicocorticóide alcança diretamente a mucosa oral
O conceito importante é de que é possível administrar glico- e faríngea. Isso resulta em imunossupressão local e permite
corticóides localmente em doses muitas vezes mais altas do que a infecção por microrganismos oportunistas. Pode-se evitar a
Farmacologia do Córtex Supra-Renal | 467

candidíase orofaríngea através de colutório com antifúngico da da resposta eosinofílica, sendo freqüentemente superior aos
após cada administração de glicocorticóide aerossolizado. anti-histamínicos no tratamento da rinite alérgica.
Muitos pacientes com asma também apresentam sintomas
de rinite alérgica. A administração intranasal de um análogo Glicocorticóides Cutâneos. Dispõe-se de preparações de glico-
de glicocorticóide proporciona uma terapia efetiva para esses corticóides tópicos para vários distúrbios dermatológicos, inclu-
sintomas. O efeito obtido consiste em supressão local e profun- indo psoríase, líquen plano e dermatite atópica. A administração
cutânea resulta em uma percentagem sistêmica extremamente
baixa do glicocorticóide, permitindo obter concentrações locais
O
muitas vezes maiores do que aquelas obtidas de modo seguro
O com administração sistêmica. O glicocorticóide administrado
O deve ser biologicamente ativo, visto que a pele tem pouca ou
O
HO nenhuma enzima 11␤-HSDI necessária para converter os pró-
H fármacos em compostos ativos. A hidrocortisona, a metilpred-
O
nisolona e a dexametasona são esteróides efetivos para uso
cutâneo.
Cl H
O Glicocorticóides de Depósito. As preparações intramusculares
Dipropionato de beclometasona de depósito de análogos de glicocorticóides têm duração de
ação de vários dias a semanas e podem constituir uma alterna-
OH tiva para os glicocorticóides orais administrados diariamente
O ou em dias alternados no tratamento das doenças inflamatórias.
O Embora as formulações de depósito possam reduzir a necessi-
HO dade de administração oral diária, essas preparações raramente
O são utilizadas, visto que a dose não pode ser titulada com
H
freqüência. Entretanto, são utilizadas preparações de depósito
de metilprednisolona em suspensão em polietileno glicol para
H H administração intra-articular. Essa abordagem pode estar
O indicada para processos inflamatórios restritos a articulações,
Budesonida como artrite reumatóide ou gota. A injeção intra-articular de
glicocorticóides mostra-se útil nos episódios agudos de gota
OH que não respondem à colchicina ou à indometacina. A injeção
O
intra-articular e a injeção na bolsa exigem o uso de glicocor-
O
ticóide ativo, visto que o tecido articular carece da enzima 11␤-
HO HSDI necessária para hidroxilar os 11-ceto glicocorticóides e,
O portanto, ativá-los.
H
Gravidez. A barreira placentária-materna fornece outro exemplo
H H de alvo seletivo dos glicocorticóides. Durante a gravidez, a pla-
O centa separa metabolicamente o feto da mãe. Em conseqüência,
a prednisona pode ser administrada à mãe durante a gravidez
F sem efeitos colaterais para o feto. O fígado materno ativa a
Flunisolida
prednisona a prednisolona, porém a 11␤-HSD II placentária
O fetal é capaz de converter novamente a prednisolona em predni-
sona inativa. Como o fígado não funciona durante a vida fetal, o
O
O feto não é capaz de ativar a prednisona. Por conseguinte, o uso
HO
do “pró-fármaco” prednisona durante a gravidez não resulta
S F em fornecimento do glicocorticóide ativo ao feto.
H Os glicocorticóides também promovem o desenvolvimen-
to pulmonar no feto. Quando a terapia com glicocorticóides
F H está indicada para promover a maturação dos pulmões no feto,
administra-se comumente dexametasona à mãe. A dexametaso-
O
F
Propionato de fluticasona
Fig. 27.7 Estruturas dos glicocorticóides inalados comuns. Os glicocorticóides
O inalados são, em sua maioria, análogos halogenados do cortisol, que são agonistas
OH glicocorticóides altamente potentes, com pouca atividade mineralocorticóide
OH
HO (os átomos de halogênio estão indicados em azul). Em virtude de sua alta
potência, os glicocorticóides inalados, em baixas doses, inibem a resposta
H OH
inflamatória local, que constitui um componente crítico da fisiopatologia da
asma. Além disso, como vários desses compostos sofrem metabolismo de
F H primeira passagem quase completo no fígado, a fração de glicocorticóide inalado
que é inadvertidamente deglutida (80% da dose inalada) torna-se inativada,
O impedindo a sua biodisponibilidade sistêmica. A fração de glicocorticóide inalada
Triancinolona que chega aos pulmões é finalmente absorvida na circulação sistêmica.
468 | Capítulo Vinte e Sete

na é um substrato fraco da 11␤-HSD II placentária e, por con- o cetoconazol em altas doses exerce efeitos amplamente inibi-
seguinte, encontra-se presente em sua forma ativa na circulação tórios sobre a síntese de hormônios adrenocorticais.
fetal, onde estimula a maturação dos pulmões. A dose deve ser A metirapona e o trilostano exercem efeitos mais específicos
cuidadosamente titulada, visto que uma exposição excessiva sobre a síntese dos hormônios supra-renais. A metirapona inibe
ao glicocorticóide pode ter vários efeitos deletérios sobre o a 11␤-hidroxilação, resultando em comprometimento da síntese
desenvolvimento fetal. de cortisol (Fig. 27.2). Como o cortisol é o esteróide supra-renal
responsável pela inibição da liberação de ACTH por retroalimen-
Inibidores da Síntese de Hormônios Adrenocorticais tação, o tratamento com metirapona também resulta em desinibi-
ção da secreção de ACTH. Por conseguinte, a metirapona pode
Dispõe-se de diversos compostos para inibir a biossíntese de hor- ser utilizada como teste de reserva do ACTH.
mônios pelo córtex supra-renal. Embora esses fármacos exibam O trilostano é um inibidor reversível da 3␤-hidroxiesterói-
uma certa especificidade pelas enzimas supra-renais (Quadro de desidrogenase. A administração desse fármaco resulta em
27.2), não é geralmente possível alterar a produção de um hor- diminuição da síntese de aldosterona e de cortisol pelo córtex
mônio supra-renal isolado, independentemente dos outros. Como supra-renal.
as enzimas necessárias para a síntese dos hormônios supra-renais
são enzimas P450, o uso desses inibidores também está associado
a uma toxicidade potencial das enzimas hepáticas P450. Em geral Antagonistas dos Receptores de Glicocorticóides
esses agentes podem ser divididos em fármacos que afetam as A mifepristona (RU-486) é um antagonista dos receptores de
etapas iniciais e naqueles que afetam etapas mais avançadas da progesterona, utilizado para induzir aborto precoce durante a
síntese de hormônios supra-renais. Os agentes que inibem as gravidez (ver Cap. 28). Em concentrações mais altas, a mife-
etapas iniciais possuem efeitos amplos, enquanto aqueles que pristona também bloqueia o receptor de glicocorticóides. Essa
afetam etapas posteriores exibem ações mais seletivas. ação torna a mifepristona potencialmente útil para o tratamento
O mitotano, a aminoglutetimida e o cetoconazol inibem as dos níveis elevados de glicocorticóides potencialmente fatais,
etapas iniciais na síntese dos hormônios supra-renais. O mito- como os que ocorrem na síndrome de ACTH ectópico, embora
tano é um análogo estrutural do DDT (um potente inseticida), a sua utilidade clínica para esse propósito ainda não tenha sido
que é tóxico para as mitocôndrias adrenocorticais. Apesar de ser avaliada por completo.
utilizado com pouca freqüência, o mitotano pode estar indicado
para supra-renalectomia clínica nos casos de doença de Cushing
grave ou carcinoma adrenocortical. Os pacientes em uso de
mitotano costumam desenvolver hipercolesterolemia, devido à MINERALOCORTICÓIDES
inibição concomitante da colesterol oxidase pelo fármaco.
A aminoglutetimida inibe a enzima de clivagem da cadeia FISIOLOGIA
lateral. A aminoglutetimida também inibe a enzima aromatase,
que é importante na conversão dos andrógenos em estrógenos. Síntese
Em virtude de sua capacidade de inibir a aromatase, a amino- A exemplo do cortisol, a aldosterona é um hormônio esteróide
glutetimida está sendo investigada como terapia potencial para de 21 carbonos derivado do colesterol. As enzimas específicas
o câncer de mama (ver Cap. 28). para a síntese de aldosterona são expressas apenas na zona
O cetoconazol é um agente antifúngico que atua através da glomerulosa e reguladas pelo sistema de renina-angiotensina
inibição das enzimas P450 fúngicas (ver Cap. 36). Como as e pelo potássio.
enzimas que medeiam a síntese de hormônios supra-renais e
gonádicos também são membros da família de enzimas P450,
o cetoconazol em altas doses também suprime a síntese de Metabolismo
esteróides nesses órgãos. Esse fármaco inibe primariamente a A aldosterona circulante liga-se com baixa afinidade à transcor-
17,20-liase (que é importante na síntese de andrógenos supra- tina, à albumina e a uma proteína específica de ligação de mine-
renais). O cetoconazol em altas doses também inibe a enzima ralocorticóides. Cerca de 50 a 60% da aldosterona circulante
de clivagem da cadeia lateral, a enzima que converte o coles- estão ligados a proteínas de transporte, resultando em meia-vida
terol em pregnenolona. Como a geração de pregnenolona é de eliminação curta (20 minutos). A aldosterona administrada
necessária para a síntese de todos os hormônios supra-renais, por via oral também possui um elevado metabolismo hepático

QUADRO 27.2 Locais de Ação e Vias Afetadas por Inibidores da Síntese dos Hormônios Supra-Renais
INIBIDOR LOCAL DE AÇÃO VIAS DE ESTEROIDOGÊNESE SUPRA-RENAL AFETADAS
Mitotano Mitocôndria Todas
Aminoglutetimida Enzima de clivagem da cadeia lateral Todas (a aromatase também é inibida no ovário)
Cetoconazol Primariamente 17, 20-liase Baixas concentrações: ↓ Síntese de andrógenos
Altas concentrações: ↓ Síntese de todos os
hormônios esteróides supra-renais e gonadais
Metirapona 11␤-hidroxilase Síntese de cortisol
Trilostano 3␤-hidroxiesteróide desidrogenase Síntese de cortisol e de aldosterona
Farmacologia do Córtex Supra-Renal | 469

de primeira passagem, e cerca de 75% do hormônio são metabo- A sobrecarga de potássio aumenta a síntese de aldosterona,
lizados a uma forma inativa durante cada passagem pelo fígado. independentemente da atividade da renina. Como a atividade
Por conseguinte, a aldosterona administrada por via oral não da aldosterona no néfron distal aumenta a excreção de potássio,
constitui uma terapia de reposição efetiva nos estados de insu- esse mecanismo de controle desempenha um papel homeostá-
ficiência supra-renal. tico na regulação do equilíbrio do potássio.
Por fim, o ACTH estimula agudamente a síntese de aldoste-
Ações Fisiológicas rona na zona glomerulosa. Entretanto, acredita-se que o ACTH
só desempenhe um papel fisiológico mínimo na síntese de
Os mineralocorticóides desempenham um importante papel na aldosterona. Ao contrário do cortisol, a aldosterona não regula
regulação da reabsorção de sódio nas glândulas sudoríparas e negativamente a secreção de ACTH.
salivares, no cólon e no rim. Em cada um desses órgãos, a aldos-
terona circulante difunde-se através da membrana plasmática
e liga-se a um receptor de mineralocorticóides citosólico FISIOPATOLOGIA
(sinônimo de receptor de glicocorticóides Tipo I). A seguir, o
complexo aldosterona:receptor de mineralocorticóides é trans- Hipofunção da Aldosterona
portado até o núcleo, onde se liga a elementos de resposta aos A hipofunção da aldosterona (hipoaldosteronismo) pode resul-
mineralocorticóides presentes em promotores gênicos específi- tar de uma diminuição primária na síntese ou na ação da aldos-
cos, exercendo, assim, uma supra-regulação ou infra-regulação terona, ou de uma redução secundária nos reguladores da
da expressão gênica. Os estudos realizados também demonstra- aldosterona, como a renina. Os casos de hipoaldosteronismo
ram ações não-genômicas rápidas da aldosterona, que podem resultam, em sua maioria, de uma diminuição da síntese de
ser mediadas pela ligação do hormônio a um receptor de aldos- aldosterona. A ocorrência de defeitos no gene que codifica a
terona de superfície celular. O papel fisiológico desse segundo esteróide 21-hidroxilase, uma enzima necessária para a sín-
mecanismo de sinalização é atualmente desconhecido. tese tanto da aldosterona quanto dos glicocorticóides, provoca
Uma importante função da aldosterona consiste em aumen- hiperplasia supra-renal congênita (discutida na seção sobre
tar a expressão da Na+/K+-ATPase na membrana basolateral fisiopatologia dos andrógenos supra-renais) e causa perda de
das células do néfron distal. O aumento da atividade da Na+/ sal em conseqüência da deficiência de aldosterona. A doença
K+-ATPase aumenta secundariamente a reabsorção de sódio e de Addison ou insuficiência supra-renal primária resulta em
a secreção de potássio através do epitélio luminal do néfron hipoaldosteronismo em conseqüência da destruição da zona
(ver Cap. 20). Em conseqüência, a aldosterona aumenta a reten- glomerulosa. Os casos de doença de Addison são, em sua maio-
ção de sódio, a excreção de potássio e a excreção de H+. A ria, causados por adrenalite auto-imune; outras causas incluem
aldosterona, quando presente em quantidades excessivas, pode tuberculose e câncer metastático. Em cada um desses casos, a
causar alcalose hipocalêmica, enquanto o hipoaldosteronismo hipofunção da aldosterona pode resultar em perda de sal, hiper-
pode provocar acidose hipercalêmica. calemia e acidose. O hipoaldosteronismo também pode ocorrer
Embora a aldosterona tenha sido classicamente conside- em conseqüência de estados de produção diminuída de renina
rada um hormônio importante na homeostasia do sódio e na (o denominado hipoaldosteronismo hiporreninêmico, que é
regulação do potássio, dados recentes também demonstraram comum na insuficiência renal diabética), da resistência à ação
que a aldosterona possui ações extra-renais nos tecidos car- da aldosterona em nível do receptor de mineralocorticóides ou
diovasculares. Estudos realizados em animais demonstraram de mutações inativadoras do canal de sódio epitelial (ENaC)
a ocorrência de fibrose cardíaca mediada por aldosterona, regulado pela aldosterona no ducto coletor cortical do néfron.
porém apenas no contexto de uma sobrecarga de sal. A fibrose
parece constituir um processo reparador secundário à necro-
se inflamatória. É importante ressaltar que os antagonistas da
Hiperfunção da Aldosterona
ação da aldosterona no receptor de mineralocorticóides, como O hiperaldosteronismo primário resulta da produção exces-
a espironolactona e a eplerenona, podem constituir agentes far- siva de aldosterona pelo córtex supra-renal. As duas causas
macológicos úteis na prevenção dessas ações cardíacas. mais comuns consistem em hiperplasia supra-renal bilateral
da zona glomerulosa e adenoma produtor de aldosterona. O
aumento na síntese de aldosterona leva a um equilíbrio positivo
Regulação do sódio, com conseqüente expansão do volume extracelular,
A síntese de aldosterona é regulada por três sistemas: o sistema supressão da atividade da renina plasmática, perda de potássio
de renina-angiotensina–aldosterona, os níveis plasmáticos de e hipocalemia e hipertensão.
potássio e o ACTH.
O sistema de renina-angiotensina–aldosterona é um regu-
lador central do volume de líquido extracelular. A ocorrência CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
de uma diminuição do volume de líquido extracelular reduz a
pressão de perfusão na arteríola aferente do glomérulo renal, que Agonistas dos Receptores de Mineralocorticóides
atua como barorreceptor. Isso estimula as células justaglomeru- As condições fisiopatológicas que levam ao desenvolvimento
lares a secretar renina, uma protease que cliva o pró-hormônio de hipoaldosteronismo necessitam de reposição com doses fisio-
angiotensinogênio em angiotensina I. A seguir, a angiotensina lógicas de um mineralocorticóide. Não é possível administrar a
I é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de aldosterona como agente terapêutico, visto que o fígado converte
angiotensina, que é expressa em altas concentrações no endotélio mais de 75% da aldosterona oral em metabólito inativo durante
capilar dos pulmões. A angiotensina II exerce efeitos pressores o metabolismo de primeira passagem. Em seu lugar, utiliza-se o
arteriolares diretos e estimula a síntese de aldosterona através de análogo do cortisol, a fludrocortisona, que sofre metabolismo hep-
sua ligação a um receptor acoplado à proteína G nas células da ático de primeira passagem mínimo e que apresenta uma alta rela-
zona glomerulosa do córtex supra-renal, ativando-o. ção entre potência mineralocorticóide e glicocorticóide. Todos os
470 | Capítulo Vinte e Sete

efeitos adversos da terapia com fludrocortisona estão relacionados (Fig. 27.8). Como o cortisol é o principal regulador por retroali-
com a capacidade desse fármaco de simular um estado de excesso mentação negativa da liberação de ACTH pela hipófise, a síntese
de mineralocorticóides, incluindo hipertensão, hipocalemia e até diminuída de cortisol em decorrência da deficiência de 21-hidro-
mesmo insuficiência cardíaca. Para assegurar a administração de xilase desinibe a liberação de ACTH. O aumento do ACTH
uma dose apropriada de fludrocortisona, é de suma importância restaura os níveis de cortisol, porém ocorre também desvio de
monitorar rigorosamente os níveis séricos de potássio e a pressão compostos precursores para a via androgênica “não-bloqueada”,
arterial em todos os pacientes em uso desse fármaco. resultando em maior produção de DHEA e de androstenediona.
Subseqüentemente, o fígado converte esses compostos em testos-
terona. Na deficiência grave de 21-hidroxilase, pode-se observar
Antagonistas dos Receptores de Mineralocorticóides
um efeito virilizante sobre o feto feminino em desenvolvimento.
A espironolactona (também discutida nos Caps. 20 e 28) é um Em conseqüência, os recém-nascidos do sexo feminino com defi-
antagonista competitivo nos receptores de mineralocorticóides; ciência de 21-hidroxilase apresentam tipicamente uma genitália
todavia, o fármaco liga-se também aos receptores de andrógeno externa masculinizada ou ambígua. Entretanto, no indivíduo do
e de progesterona, inibindo-os. Estas últimas ações, que resultam sexo masculino, o aumento dos andrógenos supra-renais pode ter
em efeitos adversos, como ginecomastia nos homens, limitam a pouco ou nenhum efeito fenotípico perceptível. Com efeito, os
utilidade da espironolactona em alguns subgrupos de pacientes. A indivíduos do sexo masculino com deficiência de 21-hidroxila-
eplerenona é um antagonista do receptor de mineralocorticóides se costumam ser diagnosticados na lactância, durante uma crise
que se liga seletivamente ao receptor de mineralocorticóides; aguda de perda de sal, que resulta da incapacidade de sintetizar
devido a essa seletividade, a eplerenona pode não apresentar a aldosterona. A deficiência leve de 21-hidroxilase pode mani-
os efeitos adversos indesejáveis da espironolactona. Tanto a festar-se posteriormente durante a vida na forma de hirsutismo,
espironolactona quanto a eplerenona podem ser utilizadas como acne e oligomenorréia em mulheres jovens após a menarca.
agentes anti-hipertensivos, e ambas foram aprovadas para uso O tratamento da hiperplasia supra-renal congênita visa à
em pacientes com insuficiência cardíaca. reposição de glicocorticóides para suprimir a liberação hipo-
O antagonismo do receptor de mineralocorticóides pode talâmica e hipofisária excessiva de CRH e de ACTH, resultando
resultar em hipercalemia significativa. Como tanto a espirono- em síntese diminuída de andrógenos supra-renais.
lactona ou a eplerenona quanto um inibidor da enzima conver-
sora de angiotensina (que também eleva os níveis plasmáticos
de potássio) são prescritos a muitos pacientes com insuficiência CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
cardíaca, é importante monitorar rigorosamente os níveis de Os andrógenos sintetizados pela glândula supra-renal podem
potássio nesses pacientes. ser considerados como pró-hormônios. Como ainda não foi
descrito nenhum receptor específico para a DHEA ou a andros-
tenediona, a atividade desses hormônios depende da con-
ANDRÓGENOS SUPRA-RENAIS versão dos hormônios em testosterona e, subseqüentemente,
em diidrotestosterona nos tecidos-alvo periféricos. Conforme
discutido anteriormente, o excesso de andrógenos supra-renais
FISIOLOGIA pode produzir uma variedade de síndromes nas mulheres; a
Os esteróides sexuais produzidos pelo córtex supra-renal, pri- interrupção farmacológica da atividade androgênica excessiva
mariamente a desidroepiandrosterona (DHEA), desempenham é discutida no Cap. 28.
um papel incerto na fisiologia humana. A DHEA parece ser um A DHEA ainda não foi aprovada pela FDA e costuma ser
pró-hormônio que é convertido em andrógenos mais potentes na adquirida como fármaco de venda livre. Estudos transversais
periferia, primariamente testosterona. Os andrógenos adreno- de populações demonstraram uma relação recíproca entre um
corticais constituem uma importante fonte de testosterona nos declínio dos níveis de DHEA relacionado com a idade e o risco
indivíduos do sexo feminino; esses hormônios são necessários de doença cardiovascular e câncer. A terapia de reposição com
para o desenvolvimento dos pêlos axilares e púbicos por oca- DHEA pode estar indicada para casos de doença de Addison
sião da puberdade na mulher, quando a secreção de andrógenos em que existe uma verdadeira deficiência de DHEA. Alguns
supra-renais é ativada (adrenarca). estudos relataram uma diminuição dos níveis de DHEA na sín-
drome de fadiga crônica; entretanto, um estudo clínico recente
de grande porte não demonstrou nenhum benefício da DHEA
FISIOPATOLOGIA em homens e mulheres idosos com baixos níveis circulantes
de DHEA.
A hiperplasia supra-renal congênita (HSRC) e a síndrome A DHEA exógena pode ser convertida em testosterona pelo
do ovário policístico são duas doenças importantes relacio- fígado. Em conseqüência, a DHEA é comumente utilizada de
nadas com a produção adrenocortical de andrógenos. A hiper- modo abusivo pelos efeitos anabólicos.
plasia supra-renal congênita é um termo clínico que se refere
a várias deficiências enzimáticas hereditárias no córtex supra-
renal. Essas anormalidades provocam hirsutismo e virilização n Conclusão e Perspectivas Futuras
no sexo feminino em conseqüência da produção adrenocortical A aldosterona, o cortisol e os andrógenos supra-renais regulam
aumentada de andrógenos. A síndrome do ovário policístico, muitos aspectos da homeostasia básica. A aldosterona regula
que é discutida no Cap. 28, pode ser causada por hiperplasia o volume de líquido extracelular ao promover a reabsorção
supra-renal congênita em um subgrupo de pacientes. de sódio e a retenção de líquido. O cortisol regula diversos
A forma mais comum de hiperplasia supra-renal congênita processos fisiológicos, incluindo a homeostasia da energia e
resulta de uma deficiência de esteróide 21-hidroxilase. A defi- as respostas inflamatórias. O papel fisiológico dos andróge-
ciência de 21-hidroxilase resulta na incapacidade das células nos supra-renais não é conhecido, porém os estados fisiopa-
adrenocorticais de sintetizar tanto a aldosterona quanto o cortisol tológicos que provocam aumento na síntese de andrógenos
Farmacologia do Córtex Supra-Renal | 471

Inibição por retroalimentação


ACTH

Adeno-hipófise

Córtex da supra-renal hiperplásico

Colesterol

Pregnenolona

Progesterona 17-hidroxipregnenolona Desidroepiandrosterona

21

11-desoxicorticosterona 17-hidroxiprogesterona Androstenediona

21

Corticosterona 11-desoxicortisol

Aldosterona Cortisol Testosterona

Mineralocorticóides Glicocorticóides Esteróides sexuais

Fig. 27.8 Hiperplasia supra-renal congênita. A deficiência da esteróide 21-hidroxilase, que constitui a causa mais comum de hiperplasia supra-renal congênita,
resulta em comprometimento da biossíntese de aldosterona e cortisol (linhas tracejadas). Por conseguinte, a síntese de hormônios esteróides no córtex supra-
renal é desviada para a produção aumentada de esteróides sexuais (linhas espessas). A ausência de produção de cortisol diminui a retroalimentação negativa
sobre as células corticotrópicas da adeno-hipófise (linha tracejada), causando aumento da liberação de ACTH (seta espessa em azul). Os níveis elevados de
ACTH induzem hiperplasia supra-renal e estimulam ainda mais a síntese de esteróides sexuais. Essa via pode ser interrompida pela administração de cortisol
exógeno. A enzima deficiente aparece como número: 21, esteróide 21-hidroxilase.

supra-renais possuem efeitos masculinizantes significativos n Leituras Sugeridas


nas mulheres. Hoje em dia, os antagonistas da aldosterona são Barnes PJ. Corticosteroids: the drugs to beat. Eur J Pharmacol
utilizados como diuréticos, e evidências recentes em modelos 2006;533:2–14. (Revisão da farmacologia dos glicocorticóides,
animais sustentam que esses agentes desempenham um papel com ênfase especial nos esteróides inalados.)
adicional na prevenção da fibrose cardíaca. Para esse propósito, Fuller PJ, Young MJ. Mechanisms of mineralocorticoid action. Hyper-
antagonistas específicos do receptor de aldosterona podem pas- tension 2005;46:1227–1235. (Mecanismos moleculares da ação
sar a constituir uma terapia importante para doenças cardio- dos mineralocorticóides, inclusive efeitos cardiovasculares.)
vasculares. A farmacologia dos glicocorticóides é um campo Nair KS, Rizza RA, OʼBrien P, et al. DHEA in elderly women and
imenso, principalmente pelo fato de os glicocorticóides serem DHEA or testosterone in elderly men. N Engl J Med 2006;355:1647–
utilizados para suprimir a inflamação em inúmeros estados 1659. (Ensaio clínico amplo, recente sobre DHEA.)
mórbidos. O uso crônico de glicocorticóides está associado a Salvatori R. Adrenal insufficiency. JAMA 2005;294:2481–2488.
numerosos efeitos adversos previsíveis, e a pesquisa futura nes- (Fisiopatologia e tratamento da insuficiência supra-renal.)
sa área deverá procurar minimizar os efeitos adversos da terapia Sapolsky R. How do glucocorticoids influence stress responses?
Integrating permissive, suppressive, stimulatory, and preparative
com glicocorticóides, mantendo suas ações antiinflamatórias.
actions. Endocrine Rev 2000;21:55–89. (Discussão detalhada das
Esses esforços devem incluir o desenvolvimento de agonis- inúmeras funções dos glicocorticóides nas respostas ao estresse.)
tas e antagonistas dos glicocorticóides seletivos (análogos aos Stellato C. Post-transcriptional and nongenomic effects of glucocorti-
moduladores seletivos dos receptores de estrógeno), bem como coids. Proc Am Thorac Soc 2004;1:255–263. (Detalhes de avanços
maior aprimoramento dos métodos de liberação de fármacos. recentes na sinalização dos glicocorticóides.)
É necessário estudar mais extensamente a farmacologia dos Williams JS, Williams GH. 50th anniversary of aldosterone. J Clin
andrógenos supra-renais para determinar as indicações — se Endocrinol Metab 2003;88:2364–2372. (Revisão do histórico dos
houver alguma — da terapia com DHEA. mineralocorticóides.)
Resumo Farmacológico Capítulo 27 Farmacologia da Glândula Supra-Renal
472

Efeitos Adversos
|

Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas


AGONISTAS DOS RECEPTORES DE GLICOCORTICÓIDES
Mecanismo — Simulam a função do cortisol, atuando como agonistas no receptor de glicocorticóides
Prednisona Distúrbios inflamatórios em muitos Imunossupressão, Infecção fúngica sistêmica Ver Quadro 27.1 para a potência relativa e a duração de ação
Prednisolona órgãos diferentes cataratas, hiperglicemia, dos fármacos individuais
Metilprednisolona Doenças auto-imunes hipercortisolismo, depressão, A terapia farmacológica com glicocorticóides não corrige a
Dexametasona Terapia de reposição para a euforia, osteoporose, retardo etiologia da doença subjacente, porém limita os efeitos da
Hidrocortisona insuficiência supra-renal primária e do crescimento em crianças, inflamação
Fluticasona secundária (hidrocortisona) atrofia muscular O tratamento crônico com glicocorticóides deve ser
Capítulo Vinte e Sete

Beclometasona Comprometimento da reduzido lenta e gradativamente; a interrupção abrupta de


Flunisolida cicatrização de feridas, glicocorticóides sistêmicos pode resultar em insuficiência supra-
Triancinolona hipertensão, retenção de renal aguda
Budesonida líquido As formulações intranasais e inaladas reduzem acentuadamente
Os glicocorticóides inalados os efeitos adversos sistêmicos; não se deve substituir
também podem causar abruptamente os glicocorticóides orais em altas doses por
candidíase orofaríngea e formulações inaladas
disfonia A atividade intrínseca de um glicocorticóide é particularmente
Os glicocorticóides tópicos importante para fármacos de administração tópica, visto que a
também podem causar pele não possui quantidades apreciáveis de 11␤-HSDI
atrofia da pele Os glicocorticóides com maior potência antiinflamatória
apresentam tipicamente maior duração de ação
Os glicocorticóides inalados incluem fluticasona,
beclometasona, flunisolida, triancinolona e budesonida
ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES DE GLICOCORTICÓIDES
Mecanismo — Antagonista competitivo da ação do cortisol no receptor de glicocorticóides
Mifepristona (RU-486) Aborto (até o dia 49 da gravidez) Prolongamento do tempo Insuficiência supra-renal crônica A mifepristona é um antagonista do receptor da progesterona
de sangramento, infecções Gravidez ectópica utilizado para indução de aborto no início da gravidez; em
bacterianas, sepse Distúrbios hemorrágicos concentrações mais altas, a mifepristona também bloqueia
Náusea, vômitos, diarréia, Terapia de anticoagulação o receptor de glicocorticóides; esta última ação pode,
cólicas, sangramento vaginal Porfirias hereditárias potencialmente, tornar a mifepristona útil no tratamento dos
anormal, cefaléia Dispositivo intra-uterino níveis de glicocorticóides elevados e potencialmente fatais,
Massa de anexos não diagnosticada como os que ocorrem na síndrome de ACTH ectópico
INIBIDORES DA SÍNTESE DE GLICOCORTICÓIDES
Mecanismo — Inibem várias etapas na biossíntese dos hormônios glicocorticóides
Mitotano Supra-renalectomia clínica em casos Distúrbio visual, cistite Vacina com rotavírus vivo Análogo estrutural do DDT, tóxico para as mitocôndrias
de síndrome de Cushing grave ou hemorrágica adrenocorticais
carcinoma adrenocortical Hipercolesterolemia, A hipercolesterolemia pode resultar da inibição da colesterol
sonolência, náusea, oxidase
depressão

Aminoglutetimida Síndrome de Cushing Insuficiência de cortisol, Hipersensibilidade à glutetimida ou A aminoglutetimida inibe a enzima de clivagem da cadeia
agranulocitose, leucopenia, aminoglutetimida lateral, bem como a aromatase, que é importante na conversão
neutropenia, pancitopenia dos andrógenos em estrógenos; o seu potencial terapêutico para
Prurido, náusea, hipotensão, o câncer de mama está em fase de pesquisa
sonolência
Metirapona Avaliação diagnóstica do eixo Insuficiência de cortisol Insuficiência do córtex supra-renal Inibe a 11␤-hidroxilação, resultando em comprometimento da
hipotalâmico-hipofisário–supra-renal Hipertensão síntese de cortisol
Síndrome de Cushing O tratamento com metirapona também resulta em desinibição
da secreção de ACTH; por conseguinte, a metirapona pode ser
administrada para avaliar a reserva de ACTH
Trilostano Síndrome de Cushing Crise addisoniana Insuficiência do córtex supra-renal O trilostano é um inibidor reversível da 3␤-hidroxiesteróide
Aldosteronismo Hipotensão postural, Disfunção renal ou hepática desidrogenase que diminui a produção de aldosterona e de
hipoglicemia, diarréia, cortisol no córtex supra-renal
náusea
Cetoconazol Ver Resumo Farmacológico: Cap. 34
AGONISTAS DOS RECEPTORES DE MINERALOCORTICÓIDES
Mecanismo — Agonista no receptor de mineralocorticóides
Fludrocortisona Hipoaldosteronismo Hipertensão, hipocalemia, Infecção fúngica sistêmica Os efeitos adversos da terapia com fludrocortisona estão
insuficiência cardíaca, relacionados com a capacidade do fármaco de simular um
tromboflebite, estado de excesso de mineralocorticóides, incluindo hipertensão,
hipercortisolismo secundário, hipocalemia e insuficiência cardíaca; é necessário monitorizar
aumento da pressão rigorosamente os níveis séricos de potássio e a pressão arterial
intracraniana
Edema, comprometimento
da cicatrização de feridas,
exantema, miopatia,
hiperglicemia, irregularidades
menstruais

ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES DE MINERALOCORTICÓIDES


Mecanismo — Antagonistas competitivos da ação da aldosterona no receptor de mineralocorticóides
Espironolactona Ver Resumo Farmacológico: Cap. 20
Eplerenona
ESTERÓIDE SEXUAL SUPRA-RENAL
Mecanismo — A DHEA é um pró-hormônio que é convertido em testosterona na periferia
Desidroepiandrosterona Hipoaldosteronismo Acne, hepatite, hirsutismo, Câncer de mama, ovário ou próstata Pode ser utilizada como terapia de reposição para casos de
(DHEA) Síndrome de fadiga crônica androgenização doença de Addison com deficiência documentada de DHEA; a
(benefícios incertos) sua eficácia clínica no tratamento da síndrome de fadiga crônica
está em fase de pesquisa; a DHEA costuma ser utilizada de modo
abusivo pelos seus efeitos anabólicos
Farmacologia do Córtex Supra-Renal
|
473

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