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Direito Penal I - Maria Fernanda Palma
Direito Penal I - Maria Fernanda Palma
葡京的法律大学 | 大象城堡
Direito Penal I | Professora Maria Fernanda Palma
2015/2016
Definição do Direito penal: o problema nas suas vertentes: o Direito Penal é um conjunto
de normas que se autonomizam no Ordenamento Jurídico por atribuírem a certos factos
descritos pormenorizadamente – os crimes – consequências jurídicas profundamente graves –
as penas e as medidas de segurança. Os elementos identificadores das normas penais são,
consequentemente, o crime, a pena e a medida de segurança. Os crimes constituem o conteúdo
da previsão da norma penal, as penas ou as medidas de segurança correspondem à sua
estatuição. Não poderemos reconhecer uma norma como penal apenas porque o legislador 2
designou os factos que previu como crimes e as sanções que estatuiu como penas. O crime e a
pena têm um conteúdo pré-legislativo indisponível. Essa indisponibilidade revela já uma relação
entre a definição material de Direito Penal e a temática da legitimidade constitucional. E essa
relação postula que o Direito Penal português não poderá ter qualquer conteúdo. O crime e a
pena são entidades produzidas por instâncias socias antes de serem moldadas pelo legislador
como tais. Há uma vinculação (embora não rígida) entre a noção de crime dos diversos grupos
sociais e a definição legislativa. Assim, as representações sociais comuns sobre o que é uma
atividade criminosa são normalmente reproduzidas pelo legislador. E a aceitação das decisões
legislativas depende da receção das representações sociais dominantes por aquelas decisões.
Por estas razões, não é correto afirmar que uma conduta é criminosa porque é punida, nem no
âmbito da ciência jurídica, nem num plano científico geral. Tal afirmação só seria correta à custa
da convicção errónea de que o Direito cria, absolutamente, o seu objeto – a realidade a regular.
A afirmação de que um comportamento constitui um crime porque é punido deve ser
substituída pelo reconhecimento de que só é criminoso o comportamento que mereça uma
pena. Este reconhecimento apela à legitimação constitucional do Direito Penal e remete para o
estudo da realidade sócio-psicológica do crime. Pretende-se apenas que as representações
sociais sobre o crime, pré-juridicamente conformadas, constituem (como factos sócio-
psicológicos) pontos de referência do legislador penal na definição jurídica do crime. A teoria do
Direito Penal não poderá, por consequência, definir o crime só em função da atribuição de uma
pena – e por isso como um nada, intrinsecamente – mas terá de encontrar o sentido jurídico
último do crime e da pena, que perita não os confundir, enquanto manifestações de ilícito e de
sanção, com outras realidades. É uma expressão normal deste desiderato a consideração do
Direito Penal como ramo do Direito Público em que à lesão dos bens jurídicos essenciais para a
vida em sociedade são atribuídas as sanções mais graves do Ordenamento Jurídico (esta é uma
noção dominante desde o advento do pensamento liberal sobre a necessidade da pena,
representado por Beccaria). Na noção de essencialidade dos bens está compreendida aquela
imagem social da pré-compreensão do crime que nos permite identificar materialmente o
Direito Penal. Uma outra forma de determinar o sentido último do Direito Penal consiste em
investigar as funções das penas, de modo a poder identificar as condutas e os agentes que
merecem sofrer a consequência jurídica da sua aplicação.
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Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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significa, aplicada às relações sociais, que o conjunto destas relações se organiza em diversos
níveis autónomos, de acordo com as respetivas funções, progressivamente diferenciadas. Todos
os níveis (subsistemas) se interrelacionam, gerando grande complexidade nas relações sociais.
Finalmente, a sociedade seria a ultima função social concebível, da qual resultaria que a enorme
complexidade da inter relação dos agentes sociais – proveniente de as condutas humanas se
processarem em diversos níeis – fosse reduzida, assegurando-se assim a própria interação social.
Torna-se claro o que seja esse fenómeno de redução de complexidade se se confrontar uma
sociedade arcaica, comportando formas tradicionais de interajuda dos seus membros para a
satisfação das respetivas necessidades, com uma sociedade moderna. Nas sociedades modernas,
aquelas formas são substituídas pelo crédito financeiro, assegurado juridicamente, através do 5
qual novas espécies de combinações com riscos e vantagens mais elevados são possíveis. A
função de auxílio social desvincula-se da interajuda familiar ou da vizinhança, passando a existir
um sistema diferenciado para cumprir essa função. Com uma tal diferenciação de funções,
tornam-se mais complexas as relações sociais e mais difícil a previsão pelos agentes dos
comportamentos dos outros agentes. É então necessário reduzir esta complexidade,
institucionalizando condutas que podem ser geralmente aceitas e assegurando juridicamente a
sua prática. Com isto garante-se, afinal, a interação social. Se se considerar que a multiplicação
destes fenómenos de diferenciação de funções produz outros tantos sistemas diferenciados,
conclui-se que a inter relação social tem de tomar em conta, de um modo geral, todos os dados
provenientes dos diversos sistemas, pelo que se torna necessário um nível superior de redução
de complexidade: a sociedade através do seu Direito (Luhmann). O Direito é a estrutura da
sociedade que regula e assegura a institucionalização de relações de sentido constantes entre
ações. A sua função é, precisamente, selecionar entre as expectativas de ação aceitas com um
certo grau de generalidade aquelas cuja generalização deve ser institucionalizada. Assim, a partir
de uma nova conceção de sociedade chega-se a uma nova definição de Direito. O Direito não é
um dever moral ou um imperativo político mas apenas a institucionalização de expectativas de
ação – o que o liga, certamente, à necessidade de estabilização dos possíveis conflitos interiores
ao sistema social e reduz o problema da legitimação do Direito à dimensão da funcionalidade.
Em face disto, toda a conduta desviada em relação à norma surge como uma frustração das
expectativas de comportamento asseguradas juridicamente. Mas esta frustração não é, em si,
disfuncional ou exterior ao sistema de interação social. Como conduta associal, ela é antes uma
consequência das decisões básicas variáveis do sistema social. Ela é produzida através dos
mesmos processos sociais que indicam a conduta conforme ao Direito – é, portanto, uma reação
normal. Além disso, a conduta desviada busca o seu sentido na ordem dominante, pois é
simplesmente impossível uma subcultura criminosa, como um contradireito, sem qualquer
referência à ordem dominante. E, finalmente, o que é mais significativo é que a conduta
divergente desempenha funções positivas e é útil como fator de afirmação da ordem vigente.
Esta conceção da função do Direito conduz à função simbólica da pena e do Direito Penal de
Jakobs. O ponto de vista de que o Direito Penal visa proteger bens jurídicos é substituído,
absolutamente, pela função de estabilização contrafática das expectativas geradas pela violação
de uma norma incriminadora. O crime esvai-se como problema real, dano social objetivo, para
se tornar pretexto da afirmação de modelos de ação. A aplicação da pena é vista como
oportunidade de controlar a interação social. Assim, o funcionalismo, na versão de Jakobs,
destrói a legitimação do Direito Penal num conceito material de crime. Mas será o conceito
material de crime uma ideia ancorada, metodologicamente, num direito natural universalista
que a teoria da sociedade ultrapassou definitivamente? A visão funcionalista baseia-se em
dados objetivos irrecusáveis, quando reconhece que não há definição puramente naturalística
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das necessidades sociais ou individuais e que os sistemas são auto referentes. Mas esse
reconhecimento permite ainda discutir criticamente as decisões legislativas de incriminação de
condutas na ótica dos fins do sistema. E, por isso, viabiliza um controlo de legitimidade do Direito
Penal. Permanecem, por essa via, válidos o significado e a função classicamente conferidos ao
bem jurídico. A incriminação de condutas lesivas da moralidade social, como a pornografia não
reflete uma necessidade do núcleo de condições essenciais de existência na nossa sociedade,
pois a coesão social não se define a partir da moral sexual, mas sim a partir da liberdade
individual. Quando a pornografia, porém, contribuir para diminuir a capacidade de decisão no
domínio sexual ameaça a auto determinação da pessoa e o seu pleno desenvolvimento. Nestas
hipóteses, já o Direito Penal poderá intervir. Em resumo: a visão funcionalista não anula a função 6
crítica do conceito material de crime, pela referência de toda a legitimidade da proteção
jurídico-penal aos fins sociais. E, na medida em que a definição destes fins não é produto de uma
arbitrária decisão normativa, mas surge apenas como efeito objetivo da ação dos indivíduos –
enquanto subsistemas, eles próprios, vocacionados para a auto realização –, o funcionalismo,
como teoria, não exclui a discussão crítica do objeto da infração criminal.
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num conceito material de crime donde resulta que o Estado só pode incriminar
condutas humanas para tutelar bens jurídicos fundamentais à convivência pacífica
entre os cidadãos, tem-se feito sentir, nomeadamente, na exigência de redução do
âmbito dos crimes sexuais. A este respeito, há a assinalar o aparecimento na
literatura penalista, há quase quatro décadas, uma corrente de opinião, que hoje
conta numerosíssimos defensores no estrangeiro e em Portugal (Figueiredo Dias e
Taipa de Carvalho), segundo a qual não é legítimo ao Estado declarar puníveis atos
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com significado sexual que, por muito imorais que sejam, não violam a liberdade
sexual de ninguém nem são praticados em público ou noutras circunstâncias de que
possa resultar qualquer ofensa de interesses atendíveis de terceiros, numa
sociedade pluralista. A outra exigência consiste na criação e ampliação do âmbito de
aplicação das contraordenações. Os primeiros desta exigência foram Goldschimdt e
Erick Wolf – assentavam na ideia de que o Direito Penal só deve punir condutas
ético-socialmente relevantes e tutelar bens jurídicos cuja existência seja anterior
aos comandos estaduais que visam a sua proteção – como acontece com a vida ou
a integridade física e a generalidade dos bens que são objeto dos direitos individuais-
Já não deveriam, porém, ser abrangidas pelo Direito Penal condutas cuja relevância
ético-social é consequência das próprias injunções que as proíbem e não atingem
quaisquer bens que já existam anteriormente a essas injunções. Nesta linha de
orientação, surgiram na Alemanha – já em 1949 – diplomas legais que criaram e
regularam a figura da contraordenação, que veio a ser introduzida em Portugal pelo
Decreto-Lei n.º 232/79, 24 agosto. Está, porém, longe de ser pacífica, na literatura
penalista atual, a resposta a dar à questão de saber se os crimes se distinguem das
contraordenações de acordo com um critério qualitativo – como o de Goldschmidt e
Erick Wolf, que, no essencial, é o que vem sendo sustentado entre nós, desde 1969,
por Figueiredo Dias – ou com base num critério puramente quantitativo, estabelecido
em função da gravidade do ilícito e/ou da sanção, ou, por último, de um critério misto,
propugnado, em termos divergentes entre si, por Jakobs, Jescheck e Roxin. Estamos
inteiramente de acordo quanto à necessidade de se excluírem do âmbito do Direito
Penal atos como, por exemplo, a homossexualidade praticada entre adultos, de livre
vontade e sem ofensa dos interesses atendíveis de terceiro, ou qualquer conduta
imoral não lesiva de bens jurídicos. A resposta terá de procurar-se na Constituição,
à qual o legislador penal, como legislador ordinário, está sujeito. É a Constituição
que fornece o quadro de valores fundamentais da ordem jurídica, nomeadamente
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a tutela do bem ou bens jurídicos que ele tem em vista proteger com a incriminação
não puder ser conseguida através do recurso a outros meios menos gravosos,
nomeadamente a meios próprios do Direito Privado, ou de Direito Administrativo, ou
do Direito das Contraordenações. Como diz Figueiredo Dias, «o direito penal só pode
intervir onde se verifique lesões insuportáveis das condições comunitárias
essenciais de livre desenvolvimento e realização da personalidade de cada homem».
É que as sanções penais constituem a mais grave intromissão do Estado na esfera
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de liberdade dos indivíduos e são também aquelas que têm efeitos estigmatizantes
mais intensos (atingindo, portanto, em regra, mais marcadamente do que quaisquer
outras formas de intromissão estadual, o bom nome e a reputação das pessoas a
que são aplicadas). O artigo 18.º, n.º2 CRP, ao estabelecer que as restrições aos
direitos, liberdades e garantias, devem limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, consagra, implícita,
mas claramente, o caráter subsidiário da tutela jurídico-penal. Este princípio da
subsidiariedade do Direito Penal implica ainda que mesmo aqueles bens jurídicos
que devem ser protegidos pelo Direito Penal, não o devem ser contra quaisquer
agressões, mas apenas contra as formas mais graves de agressão. Manifestação
disso, no nosso ordenamento jurídico-penal, é, por exemplo, a não punição do dano
negligente (artigos 212.º e seguintes CP), ou a não punição do furto do uso de
quaisquer objetos, mas apenas veículos motorizados, barcos, aeronaves e bicicletas
(artigo 208.º CP). Além disso, o princípio da subsidiariedade determina que a
gravidade da pena seja proporcional à gravidade da ofensa e aos valores protegidos
pela incriminação. Implica, portanto, um princípio de proporcionalidade. Afloramento
deste princípio encontramo-lo em várias disposições do nosso Código Penal. É neste
requisito do conceito material de crime, refletido no princípio da subsidiariedade do
Direito Penal – e não a ideia de que as contraordenações não ofendem qualquer bem
jurídico – que se funda, a nosso ver, a legítima reivindicação de que sejam excluídos
do âmbito do Direito Penal os comportamentos ilícitos que puderem ser eficazmente
combatidos como contraordenações (cujas sanções nunca podem ser privativas da
liberdade, e não têm efeito estigmatizante). Claro que a margem de atuação livre do
legislador, quanto a este segundo requisito do conceito material de crime, é
forçosamente maior do que em relação ao primeiro requisito, que impõe a existência
de um bem jurídico a tutelar. Isso deve-se a que, em regra, é bem mais fácil e seguro
detetar, por exemplo, uma incriminação arbitrária, ou uma incriminação de atos
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imorais que não ofendem qualquer bem jurídico, do que afirmar com segurança que
determinados comportamentos ilícitos, lesivos de bens jurídicos, poderiam ser
eficazmente combatidos por meios menos severos do que os do Direito Penal. Estará
o legislador vinculado a punir determinados comportamentos? O tema ultrapassa o
Direito Penal e, como nota Roxin, só pode ser cabalmente tratado em conexão com
a problemática dos deveres de proteção constitucionalmente impostos ao Estado
(artigo 9.º CRP). A questão de saber se o legislador está constitucionalmente
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obrigado a incriminar determinados comportamentos tem sido discutida, sobretudo,
a propósito do aborto, mas pode, evidentemente, colocar-se relativamente a outros
comportamentos gravemente lesivos de bens jurídicos fundamentais à sobrevivência
da sociedade. Em nosso entender – e tendo presente que o Direito Penal deve
limitar-se à proteção subsidiária de bens jurídicos fundamentais à sobrevivência da
sociedade – pode dizer-se que, de um modo geral, o legislador deverá incriminar
aqueles comportamentos tão gravemente lesivos de bens jurídicos fundamentais
que impedem as condições mínimas essenciais da vida em sociedade, desde que
não possam ser combatidas eficazmente através do recurso a meios menos gravosos
do que os que são próprios do Direito Penal. Se o não fizer, estará a violar (por
omissão) o dever de assegurar a coexistência pacífica dos indivíduos na comunidade
estadual. Poderá afirmar-se então, com Batista Machado, «que a ideia de estado de
direito se demite da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos
e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, os direitos e
liberdades dos cidadãos».
Fins das penas2: outra das grandes questões através das quais se indaga o sentido último do
Direito Penal e do merecimento criminal (dignidade punitiva) das condutas humanas é a vexata
quaestio dos fins das penas. A pena tem uma conotação mágica ou sagrada que lhe foi conferida
pelo processo histórico e que ainda hoje persiste, revelando-se sempre como imposição de um
mal para a pessoa do criminoso e para a sua honra (e não apenas para o seu património). Três
grandes conceções se digladiaram: a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial. As
teorias retributivas foram, nas suas primeiras formulações, teorias absolutas, por justificarem a
pena pela compensação do mal do crime, independentemente de qualquer fim pragmático. Já
na antiguidade grega é relatada uma conversa entre Anaxágoras e Péricles em que se manifesta
a conceção retributiva. Durante a idade média, o pensamento retributivo desenvolveu-se com
a conceção cristã de responsabilidade ética individual e assume o auge da sua elaboração em
Kant ou Hegel. Kant assume o pensamento retributivo, justificando a pena independentemente
de quaisquer fins, no magnífico exemplo da punição do último condenado à morte numa ilha
em que o Estado se dissolveu. Hegel, por seu turno, considera a pena como um modo de honrar
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Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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Fins das penas e princípios constitucionais do Direito Penal: nenhuma das teorias dos fins
das penas logra, pelas suas forças exclusivas, dar uma resposta satisfatória ao problema da
legitimidade da pena. As teorias sobre os fins das penas pretendem resolver um problema mal
colocado – o dos fins ideais das penas. A esses fins ideiais contrapõem-se a amarga necessidade
de punir, devendo toda a discussão sobre os fins das penas estar condicionada pelo seu
conteúdo histórico e pela sua função social. O ponto de partida da discussão é, deste modo, a
realidade da pena e não aquilo que ela idealmente deveria ser. Não terá cabimento,
consequentemente, proclamar que a pena não deve ser retributiva onde a primeira necessidade
humana que a pena pública satisfaz é a da substituição psicológica da vingança privada. O
problema fundamental será, então, saber se a pena poderá cumprir aquele destino
racionalmente (e de forma eticamente aceitável) e ser instrumento de efeitos sociais uteis, para
além das razões ancestrais da sua instituição. Esta última análise não implica o apelo a uma pura
racionalidade de fins, mas a uma racionalidade ditada pelas razoes de organização social. Há,
assim, uma ligação visceral da reflexão sobre os fins das penas às teorias sobre o fundamento e
a legitimidade do Estado. Essa ligação tem sido estabelecida através da doutrina contratualista.
Tanto Beccaria como Von Liszt proclamaram como premissa de todo o pensamento sobre a pena
a ideia de que só a pena necessária é legítima. A legitimidade era, para estes autores, referida à
necessidade, na perspetiva da proteção da liberdade de cada cidadão – base racional do
contrato social. A existência da comunidade social tem, todavia, uma sedimentação mais
profunda do que a lógica contratualista supõe. As necessidades que justificam a comunidade
estatal não se reduzem à liberdade de cada um e não são livre e renovadamente discutíveis por
cada indivíduo, sempre e a todo o tempo, dependendo antes de consensos temporários ou de
maiorias contingentes. O contratualismo apela ao mito de um estado original anterior à
formação do Estado (mito e argumento racional apenas e não histórico), sonegando a integração
dos indivíduos na comunidade como facto histórico e o reconhecimento de que a máxima
realização individual pode ser realização de fins coletivos pelo indivíduo. Mesmo a eleição da
máxima realização individual como fim social não está vinculada a uma lógica contratualista. Ela
é, tão só, o produto da história que gerou comunidades igualitárias e democráticas que prezam
a sua identidade e os seus valores. As razões da organização social são, deste modo, ideias
culturais em que se baseia a comunidade social. Estas ideias são o cimento da validade do
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As antinomias entre os fins das penas e os modelos de política criminal: à controvérsia clássica
entre as teorias dos fins das penas sucedeu, contemporaneamente, o confronto entre os
modelos de política criminal. A política criminal é o conjunto das soluções normativas ou
puramente estratégicas tendentes a uma otimização do controlo do crime, na definição
compreensiva de Kaiser. A pena desapareceu como premissa do controlo do crime e a discussão
sobre os seus fins legítimos foi relativizada, por se reconhecer que a sua aplicação é
absolutamente necessária. A política criminal não é, no entanto, uma descoberta
contemporânea. A um modelo fundamentalmente retributivo, que Figueiredo Dias designa de
azul, em que a política criminal se ocultava sob a linguagem ética, sucedeu um modelo
preventivo-especial, o modelo vermelho, e a estes dois a própria crise, a descrença e a
desorganização dos modelos de política criminal. Na realidade, contestada a conceção penal
retributiva, assente numa conceção metafísica da pena, por ser inadequada aos fins legítimos
da intervenção penal, e frustrada a via preventiva-especial, por ter sido simultaneamente
inoperante e atentatória da dignidade da pessoa humana, assoma na crise da política criminal o
que Figueiredo Dias designa como paradigma emergente, o modelo verde, que organiza o
controlo do crime a partir de uma teia de princípios constitucionais (legalidade, culpa,
necessidade da pena) e de uma estratégia de descriminalização, desjudiciarização, socialização
e diversificação (substituição da pena de prisão por sanções alternativas). Os modelos de política
criminal têm relações antinómicas entre si, pois as soluções que propugnam são, em certos
casos, necessariamente contraditórias. A ideia central a partir da qual se constroem permite, no
entanto, que os diversos fins das penas sirvam a lógica uns dos outros. Mas, em todo o caso,
não haverá uma harmonia absoluta entre as soluções dos modelos, pois nem sempre a pena
retributiva é justificada pela prevenção e nem sempre a pena preventiva é justificada pela
retribuição. As antinomias entre os fins das penas permanecem, pois, nos modelos politico-
criminais. Ao modelo verde, fortemente apoiado na prevenção geral positiva, contrapõe-se a
própria renúncia à política criminal. O estado atual da discussão caracteriza-se por uma
contraposição fundamental entre o sem e o não á política criminal. Contra a política criminal
como conjunto de estratégias de controlo do crime funcionalizadoras do próprio Direito Penal,
pronunciam-se aqueles que rejeitam quaisquer soluções distintas da resposta ao crime pela
pena da culpa, quer em nome da ética e da dignidade da pessoa humana, quer em nome de um
modelo realista e operativo da própria prevenção geral. Consequentemente, a ideia de que só
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vista relevantes na lógica do Estado de Direito democrático e social. Alguns exemplos permitem
ilustrar legitimador que se orienta por esta via. A discussão sobre a necessidade de proteção do
bem jurídico surge a propósito da incriminação de condutas meramente contrárias à Moral,
segundo as representações sociais dominante. Como sustenta Roxin, a proteção de normas
éticas só se justificaria, no Estado de Direito, para evitar efeitos danosos para a sociedade. O
problema da necessidade de proteção devido a importância para a sociedade do efeito visado
antecede, ou substitui mesmo, uma discussão ociosa sobre se as próprias normas éticas são
bens jurídicos. Há outras condutas que, embora possam afetar bens necessários à preservação
da sociedade, não carecem de cominação penal porque tais bens são protegidos eficazmente
(ou mais eficazmente) de outra forma. A exigência de relevo ético prévio das condutas impedirá 16
que condutas tidas como eticamente neutras e normalmente aceites, como fumar, sejam
incriminadas. A necessidade de amplo consenso deverá obstar a que o Direito Penal se torne
arma política da maioria e ignore as perspetivas de parte da população. A contradição axiológica
entre a incriminação de certas condutas e outras soluções do sistema jurídico revelar-se-á, por
exemplo, na incriminação de condutas contra a preservação das espécies animais, associada à
irrelevância penal das condutas manipuladoras ou destrutivas da vida humana em formação
numa fase pré ou extra uterina (artigo 139.º CP). Estes exemplos não são, porém, expressão de
um programa de política criminal, mas simples modos de abordagem da legitimidade das
incriminações: o processo de legitimação do Direito Penal no Estado de Direito democrático e
social não exige um Código Penal com uma única espécie de tipos criminais, mas sim uma forma
de justificar racionalmente os tipos criminais consagrados pelo legislador. No entanto, não se
deve confundir a legitimação com a mera formulação de princípios. A legitimação tem de ser,
pela própria natureza das coisas, extra-sistemática, isto é, constituída por razões que explicam
a instituição histórica do sistema, a sua continuidade e a sua vigência no momento presente,
enquanto os princípios são mera expressão de uma racionalidade inerente a um conjunto de
normas ou objetivos gerais do sistema. Deste modo, também em certo sentido os princípios
terão de ser legitimados, como é claramente visível, hoje em dia, quanto ao princípio da culpa.
Há, no entanto, uma vocação de cruzamento entre as temáticas da legitimação e dos princípios
que consiste na moldagem do conteúdo dos princípios do sistema, e portanto da racionalidade
interna do mesmo, por aquilo que torna compreensível que o princípio da culpa tenha adquirido
sentidos e funções não decorrentes direta e necessariamente do seu conteúdo original, ou que
o princípio da necessidade da pena tenha aumentado a sua importância orientadora nos
sistemas jurídico-penais de hoje. Deveremos então definir algumas perspetivas sobre os
princípios que presidem à realização prática das normas do Direito Penal, à sua interpretação e
à sua aplicação.
Colocação da questão tratada sob a rubrica fins das penas e das medidas
de segurança: identifica-se, por vezes, no manuais, a questão de saber qual a
função que o Direito Penal desempenha, ou deve desempenhar, em determinada
ordem jurídico-social, com a questão de saber como se justifica que fim ou fins são
de atribuir à pena cominada a cada crime em particular. Isto explica-se porque existe
uma íntima conexão entre as duas questões, uma vez que, a legitimação e finalidades
da pena, num Direito Penal moderno, não pode abstrair da função que desempenha
o Direito Penal num Estado de Direito democrático. Trata-se, no entanto, de duas
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b. Teoria da prevenção geral: nos termos do qual a pena visa evitar a prática
de futuros crimes da generalidade das pessoas.
c. A teoria da prevenção especial: segundo a qual a pena tem por fim evitar a
prática de futuros crimes pelo próprio delinquente que a sofre.
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tão só, da realização de uma ideia de justiça. A pena contém, portanto, o fim em si
mesma, justifica-se por si própria. É «um imperativo categórico de justiça» (Kant),
ou «a negação da negação do Direito» (Hegel). A ideia de que a pena contém o fim
em si mesmo, de que ela é exigida para alcançar a realização da justiça, está bem
patente na formulação de Kant. Para este autor a pena é algo que se impõe ao
homem, que é indiscutível e não necessita de fundamentação. Não visa realizar
quaisquer fins utilitários exteriores a ela; contém «o fim em si mesma» que é o castigo
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do indivíduo por ter praticado um facto ilícito culposamente. O sentido da pena não
está, portanto, na prossecução de qualquer fim socialmente útil mas sim em que ela,
através da imposição de um mal ao delinquente, expia, compensa, retribui de modo
justo, a culpa que o autor carrega sobre si pelo seu facto. A culpa do agente pelo
facto praticado tem, portanto, que ser compensada pela imposição de uma pena
justa que corresponda na sua duração e severidade à gravidade do crime. É o velho
princípio taliónico «olho por olho, dente por dente», que na prática é inexequível. A
formulação de Hegel, tal como é apresentada historicamente, significa o mesmo que
a de Kant. Para Hegel a pena justifica-se pela necessidade de restabelecer a
concordância da vontade geral, representada pela Ordem Jurídica, com a vontade
especial do delinquente, concordância essa que foi quebrada pelo delito. Isso
consegue-se negando (com a pena) a negação da vontade geral pela vontade
especial do delinquente, de acordo com o método dialético de Hegel. A pena é,
portanto, a afirmação do Direito negado pelo delinquente ao praticar o crime; é a
negação da negação do Direito. O crime é negado, expiando, destruído, pelo
sofrimento da pena imposta ao delinquente, restabelecendo-se assim o Direito
violado. Hegel levava a sua construção ao extremo, a ponto de defender a pena como
direito do delinquente, porque foi através de um ato livre da sua vontade que ele
praticou o crime, que ele negou o Direito, e que, portanto, exigiu que lhe fosse
aplicada uma pena, para repor o Direito. Hegel distingue-se de Kant, na medida em
que substitui o princípio de Talião pelo princípio da igualdade do valor do crime e da
pena. Mas, em plena concordância, também não reconhece à pena quaisquer fins
preventivos, quer gerais, quer especiais.
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Esta conceção depara com dificuldades de diversa ordem. A sua maior falha está no
facto de não fornecer qualquer princípio para a medida da pena, podendo levar a que
o delinquente seja condenado numa pena de duração indeterminada, que dure até
ele ser ressocializado. Isso levaria a que, a delitos de pouca gravidade, quando
constituíssem sintoma de uma perturbação profunda da personalidade, pudesse ser
imposta uma pena de prisão por muitos anos. Além disso, nos termos desta teoria
nada obstaria a que fosse aplicada uma pena ressocializadora quando alguém
mostrasse uma forte perigosidade criminal, sem que se provasse que a pessoa tinha
cometido um facto punível concreto. Ela permitiria limitar a liberdade individual muito
para além do que é admissível e desejável num Estado de Direito democrático. Outra
objeção que tem sido colocada à teoria da prevenção especial é que, não se vê com
que direito pode o Estado educar e corrigir homens adultos. Kant e Hegel viam nisto
uma ofensa à dignidade humana. E, de facto, esta teoria deixa o cidadão mais ao
arbítrio do poder Estatal do que a própria teoria da retribuição. Acresce que esta
teoria não dá explicação para a aplicação da pena a delinquentes que não
necessitam de ressocialização
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Teoria da prevenção geral: É também uma teoria relativa que visa fins
preventivos mas, ao contrário da anterior, não vê o fim da pena na sua influência
sobre o delinquente que cometeu o crime, mas sim nos seus efeitos intimidatórios
sobre a generalidade das pessoas. A pena tem por fim intimidar as pessoas para que
elas não cometam crimes. Modernamente a teoria da prevenção geral encontrou o
seu grande precursor em Feuerbach, para o qual o fim da pena "na lei é a intimidação
de todos …. O fim da aplicação da mesma é fundamentar a eficácia da ameaça penal.
21
Na Doutrina actual distinguem-se duas vertentes da prevenção geral - a prevenção
geral negativa ou de intimidação e a prevenção geral positiva ou de integração . 3.5.1
A prevenção geral negativa ou de intimidação vê o fim da pena na intimidação dos
cidadãos que estão em perigo de cometer crimes idênticos. A pena funciona para
evitar a repetição de crimes, protegendo-se, desse modo, os bens jurídicos. A
prevenção geral positiva ou de integração entende que o fim da pena é manter e
reforçar a confiança dos indivíduos no Direito, evitando-se, desse modo, a prática de
crimes e, portanto, a lesão de bens jurídicos. A pena tem, assim, a função de mostrar
a solidez da Ordem Jurídica face à comunidade e, desse modo, de fortalecer a
confiança jurídica da população, ou, como diz Figueiredo Dias, a pena é a forma de
que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade
e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no
ordenamento jurídico-penal. A este ponto de vista positivo é atribuído hoje muito
maior importância do que ao dos puros efeitos intimidatórios. Na prevenção geral
positiva compreendem-se três fins e efeitos principais:
Crítica: Kant e Hegel diziam contra esta teoria que, se o fim da prevenção
geral é intimidar os outros, então utiliza-se o delinquente como exemplo
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que, o fim preventivo da pena se mantém mesmo que não seja necessária a
prevenção simultaneamente em todos os seus aspetos. Mas este pensamento é
importante, antes de mais, quando o delinquente se recusa a aceitar uma
colaboração na execução de uma pena ressocializadora. Uma pena que pretenda
eliminar a associalização do autor só pode ter êxito pedagógico quando é
estabelecida uma relação de cooperação com o delinquente. Uma "socialização
forçada" não é admissível face aos artigos. 1º, 2º, 18º, nº 1 e 2, 25º, nº. 2, entre outros,
24
da CRP. s. Se o delinquente recusa a sua colaboração na ressocialização, deve, é
certo, ser despertada a sua disposição para isso, na medida do possível, mas não lhe
pode ser imposta à força. A pena tem que ser, naturalmente, também executada
nesses casos, mas então bastarão as necessidades de prevenção geral para a
justificar. Quando ambos os objetivos (de prevenção geral e especial) exigem
medidas da pena diferentes pode surgir um conflito entre os dois tipos de prevenção.
m tais casos é necessário ponderar os fins de prevenção geral e especial e
estabelecer uma ordem de prioridades. Por outro lado, deve dar-se primazia às
necessidades de prevenção especial apenas na medida em que ainda sejam
satisfeitas as necessidades mínimas de prevenção geral. A pena não deve, portanto,
por causa dos efeitos de prevenção especial, ser tão reduzida que já não seja levada
a sério pela população, uma vez que isso abalaria a confiança na ordem jurídica e
impeliria à imitação. Em muitos casos, (embora nem sempre), o limite mínimo da
medida legal da pena cuida já da observância do mínimo de prevenção geral. O
significado da prevenção geral e da prevenção especial é também diferentemente
acentuado durante o processo de imposição do Direito Penal. O fim da ameaça penal
é, num primeiro momento de pura prevenção geral (incriminação). No momento da
imposição da pena na sentença, pelo contrário, são de considerar do mesmo modo
as necessidades de prevenção geral e especial. Finalmente, no momento da
execução da pena, a prevenção especial toma lugar proeminente. Isto não deve,
contudo, ser entendido no sentido de que os fins da pena se repartem, numa
separação rigorosa, pelos diversos estádios de realização do Direito Penal. Não se
trata de uma estratificação, mas sim de uma diferente importância relativa desses
fins ao longo do processo de imposição do Direito Penal. A "teoria dialética
unificadora da prevenção" chama, portanto, para primeiro plano, ora um, ora outro
dos pontos de vista. É certo que avança para primeiro lugar o fim preventivo especial
de ressocialização quando ambos os fins estão em conflito; mas, em compensação,
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a prevenção geral domina as cominações penais e justifica, só por si, a pena quando
faltem ou falhem os fins de prevenção especial, enquanto que, não pode haver uma
pena preventiva especial sem qualquer objetivo de prevenção geral, apesar da
dominância absoluta dos fins ressocializadores durante a fase da execução da pena.
A teoria unificadora da prevenção, tal como é defendida por Roxin, enquadra ambos
os fins num sistema cuidadosamente ponderado que só no entrelaçar dos seus
elementos dá fundamento teórico à punição estatal. Mas recusa, em absoluto, o fim
25
de retribuição. Mas a recusa da retribuição como fim da pena não implica que a culpa
não tenha qualquer papel a desempenhar na teoria unificadora da prevenção. Ao
contrário, o princípio da culpa desempenha um papel decisivo na limitação da pena.
A pena não pode ultrapassar, na sua duração, a medida da culpa, mesmo que tal seja
desejável para satisfação dos interesses de prevenção geral ou especial. O princípio
da culpa tem uma função liberal, totalmente independente de qualquer ideia de
retribuição e essa função tem de se manter intacta num Direito Penal moderno. Tal
princípio constitui um limite ao poder de punir do Estado, na medida em que, seja
qual for a pena exigida por necessidades de prevenção, a sua medida não poderá ser
superior à medida da culpa. Esta constitui o limite máximo até ao qual pode ir a
privação da liberdade do delinquente, sem violação da dignidade humana. Esta
exigência de que a pena em caso algum poderá ser superior à culpa do autor é hoje
geralmente aceite, tal como é, em geral, reconhecido que este princípio tem
consagração Constitucional, nomeadamente nos artigos. 1º e 25º, nº 1. Mas se
nenhuma pena pode ir para além da culpa do agente, nada impede que a pena possa
ficar aquém dos limites da culpa, na medida em que os fins preventivos o admitam.
Esta teoria permite ainda eliminar as objeções que, em geral, são levantadas à
utilização do conceito de culpa em Direito Penal, com base em que ela pressupõe o
livre arbítrio que é indemonstrável. Na verdade a culpa pressupõe a liberdade do
homem para se poder comportar de outro modo. Mas se a culpa não é vista como
fundamento do poder de punir do Estado, mas apenas como um meio de o limitar na
utilização da pena com fins preventivos, a legitimidade do seu reconhecimento como
meio de preservar a liberdade dos cidadãos, não depende da sua comprovabilidade
empírica. A sua suposição é um pressuposto normativo, uma "regra de jogo social",
que se não pronuncia sobre a questão de saber como é configurada a liberdade
humana. Simplesmente prescreve que o homem deve ser tratado pelo Estado, em
princípio, como livre e capaz de responsabilidade. A questão da existência real de
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uma liberdade da vontade pode e deve ser mantida entre parenteses porque é
objetivamente indemonstrável. E como o princípio da culpa só serve como
instrumento de limitação da prevenção, isso não ofende o indivíduo, antes o protege.
O problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, nomeadamente à luz da sua
evolução em Portugal3: se o problema das finalidades das penas se conexiona diretamente com
a questão da legitimação do direito de punir estatal, então é seguro toda esta questão se encontra
co-naturalmente ligada à própria doutrina do Estado e à sua evolução. O caso português é, a este
propósito, exemplar a vários títulos. Presente embora desde sempre na discussão teórica, bem
26
se compreende que o problema dos fins das penas só se tenha ganho um explícito
relacionamento com a doutrina do Estado desde que se iniciou a história da codificação em
sentido moderno; quando precisamente começou também a questionar-se, em termos racionais
secularizados, a própria fundamentação e legitimação do poder punitivo estatal. Bem podendo
afirmar-se que até aí se procurava compreender teoricamente a pena como instrumento de
justiça divida delegada, enquanto praticamente ela se assumia como instrumento destinado a
cumprir – quantas vezes pelo terror – a vontade e os propósitos políticos do soberano. Assim
aconteceu também em Portugal, sem prejuízo de dever assinalar-se que uma certa tradição de
compilação das leis penais – no sentido permitido pelas conceções jurídicas medievais – se
instaurou praticamente desde os primeiros tempos da nacionalidade. Já na Espanha visigótica o
chamado Codex Legum Visigothorum, que chegou a exercer influência direta nos primeiros
tempos também do reino de Portugal, continha inúmeras disposições jurídico-penais, tendentes
sobretudo a combater as formas privadas de reação criminal. É verdade que cedo este conjunto
de disposições foi subvertido, na sai aplicação prática, pelo Direito consuetudinário, com o
recrudescimento inevitável dos instituto da vingança privada e da perda de paz. Com o
fortalecimento do poder público e o renascimento do Direito Canónico e Romano, no entanto,
desde 1221 que se restaurou a tendência para a publicização do ius puniendi, à qual correspondeu
um esforço de elaboração legal, embora casuística, de todo o Direito Penal. As Ordenações
Afonsinas (1446) compilaram, reformaram e complementaram esta legislação extravagante,
contendo no seu Livro V (o chamado Liber Terribilis) aquilo que bem pode considerar-se o
primeiro Código Penal e Processual Civil Português. A estas Ordenações se seguiram as
Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603), que vigoraram, no que ao
Direito Penal respeita, até ao Código Penal Português de 1852. A legislação penal das Ordenações
era caracterizada pela ausência de parte geral, por uma parte especial de natureza
eminentemente casuística e por penalidades em regra não previamente fixadas,
desproporcionadas, desiguais e cruéis. Na evolução da sempre renovada discussão entre
doutrinas retributivas e preventivas podem divisar-se certos períodos fundamentais. O primeiro
determinado pela receção, a nível jurídico-penal, da ideologia própria do Estado liberal e
individualista, corresponde à vigência do CP 1852. O seguinte, iniciado com a publicação da
Reforma Penal de 1884, encontra expressão no CO 1886 e, se bem que com múltiplos
aditamentos e modificações, estende-se até 1982. O último período tem início com a entrada em
vigor deste CP, reformado a 1 outubro 1995; e pretende traduzir a Constituição político-criminal
própria de um Estado de Direito contemporâneo, de cariz social e democrático.
3
Dias, Jorge Figueiredo; Direito Penal, Parte Geral, tomo I; Coimbra Editora, 2.ª Edição; Outubro 2012,
Coimbra.
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de marcar toda a evolução da ciência penal até aos anos 60 do século XX. Assim se compreende
que a referida evolução tivesse determinado a morte do CP português de 1852. Mas que esta não
tivesse conduzido à substituição da sua conceção de pena por uma conceção ético-retributiva,
antes tivesse dado origem a um ponto de vista eclético quanto aos fundamentos do direito de
punir, onde a ideia ético-retributiva se procurava casar com as novas orientações da prevenção,
sobretudo da prevenção especial correcioniista. Foi isto o que no essencial se passou com a Nova
Reforma Penal de 1884 que, aplicada ao CP português de 1852, havia de conduzir a uma nova
codificação penal, o chamado CP 1886. Assim se aproximou a reforma, em matéria de finalidades
da pena, da teoria da reparação moral de Welcker, através da qual se procurava harmonizar,
como finalidades da sanção criminal, a retribuição, a prevenção especial e a própria prevenção 29
geral: nos limites de uma pena retributiva visava-se satisfazer tanto as necessidades de reinserção
social do delinquente, como as exigências de intimidação individual e coletiva. A ideia que, deste
modo, se imputa ao CP 1886 de erigir a retribuição em fundamento e finalidade da pena não
pode aceitar-se. Pelo contrário, não é difícil censurar-lhe, ao fim e ao cabo, uma regressão,
relativamente ao CP 1852, do pensamento da culpa, sobretudo na medida em que o catálogo de
penas constante do seu artigo 55.º e seguintes e continha uma generalidade de penas fixas, como
tais insuscetíveis de tomarem em consideração a culpa do agente. Com o que, de resto, não
deixavam de eliminar-se praticamente as vantagens que se poderiam esperar da circunstância de
se consagrar pela primeira vez um critério de medida (de determinação concreta ou judicial) da
pena em função da gravidade do crime. Por isso deve concluir-se que a confissão, constante do
relatório da reforma, a favor das doutrinas retributivas não passava da afirmação de um princípio
– que todavia nem sequer conduziu, da parte da lei e da própria jurisprudência, à eliminação da
responsabilidade penal objetiva ou sem culpa – de fundamentação ou justificação filosófica da
pena; enquanto na questão concreta das suas finalidades persistia e mesmo se acentuava uma
orientação preventiva, nomeadamente de prevenção especial de correção. A conclusão a retirar
de quanto em síntese ficou exposto relativamente à longa época do Estado liberal português
(1820-1926) é a de que a doutrina da pena e das suas finalidades – correspondente embora, no
essencial, aos pressupostos subjacentes à chamada Escola Clássica – não assumiu nunca o carater
rígido, absoluto e intolerante que constituiu, na ciência jurídico-penal de outros países, como que
a imagem de marca desta orientação. Tal ficou sobretudo a dever-se à particular permeabilidade
da ciência e da legislação jurídico-penais portuguesas, desde estádios particularmente precoces
da evolução, ao pensamento da prevenção especial positiva, sob a égide do pensamento
correcionista. Pensamento este – e não será ocioso sublinhá-lo, desde já – que todavia se não
autonomizou, no sentido de transformar todo o Direito Penal português em um Direito de pura
prevenção especial, de tratamento do delinquente, livre das barreiras ético-jurídicas da culpa,
como haveria de ser pretensão da Escola Positiva; mas antes se manteve sempre, em geral,
dentro dos limites garantísticos e de respeito pelos direitos individuais que constituíram
património inalienável do Iluminismo e do Liberalismo penais e da chamada Escola Clássica.
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mesmo acentuados. Para isso terá contribuído em larga medida a pretensão de se assumir aquilo
que se considerava o caráter e a missão éticos do Estado e que levaram a que a conceção
retributiva da pena não tivesse sido nunca posta radicalmente em causa; como levaram a que
nunca fossem abandonados os limites que todo o pensamento preventivo a si mesmo tem de se
impor em nome da defesa da dignidade da pessoa. O que caracterizou todo este período de
evolução da conceção da pena no ordenamento jurídico português não foi nunca, por isso, uma
conversão às teses puramente especial-preventivas da escola moderna ou positiva; mas o desejo
de levar tão longe quanto fosse possível a compatibilização entre uma fundamentação ético-
retributiva da pena, que se desejava manter a todo o custo, e uma sua finalidade de prevenção
especial positiva ou de socialização à qual o direito penal português nunca se mostrou disposto a 30
renunciar. A questão fulcral era assim a de saber como poderiam articular-se, sem contradição,
as exigência de que a culpa (que se pensava estar co-naturalemente ligada a uma conceção ético-
retributiva da pena) continuasse a ser considerada fundamento da punição; e de que à prevenção,
sobretudo na forma de prevenção especial de sociabilização, fosse concedido o espaço
necessário para que todo o sistema punitivo desse resposta mínima às necessidades político-
criminais correta e razoavelmente entendidas. Uma tal articulação foi tentada, na ciência jurídico-
penal portuguesa – com claros reflexos na legislação – através da referência da culpa, antes que
(ou não só) ao facto, à (ou também à) personalidade do agente. E esta tentativa foi em Portugal
levada à exaustão dogmática por doutrinas como a do monismo prático as penas e medidas de
segurança de Beleza dos Santos. De tal modo e a tal ponto que este conjunto de conceções,
qualquer que seja a concordância ou discordância que hoje elas devam merecer, passou a
constituir um dos traços mais característicos e mesmo, em larga medida, mais originais da
doutrina portuguesa do Direito Penal. Mais originais e, no fim, mais dignos de apreço quando se
repare como, por esta via, se cortava o passo a eventuais tentativas de (des)consideração dos
delinquentes especialmente perigosos, imputáveis ou inimputáveis, como objetos da intervenção
penal: tentativas hoje de novo na ordem do dia. Se quisermos, em jeito de conclusivo, reduzir a
uma fórmula o sentido e as finalidades que presidiram à compreensão da pena durante todo este
período, ela não poderá andar longe da seguinte: pena retributiva com finalidades de prevenção
especial. Prevenção especial que todavia, relativamente a casos particulares (os casos de especial
perigosidade, nos quais lamentavelmente se incluía por presunção – é preciso não o esquecer –
toda a criminalidade política e onde a prevenção especial se exprimia, praticamente de forma
exclusiva, com um cariz puramente negativo, como prevenção especial de segurança), assumia
valor autónomo; sem prejuízo de ser limitada, em toda a medida possível, por uma ideia de culpa
referida à personalidade do agente.
A evolução posterior à institucionalização do Estado de Direito: por ser assim, não seria exato
pensar que a democratização da vida pública portuguesa após o 25 de abril de 1974 teria
introduzido uma modificação sensível nestas matérias da fundamentação e das finalidades da
pena. O Projeto da Parte Geral de um novo CP, elaborado por Eduardo Correia em 1963, era,
neste tema como em outros, o espelho fiel e expressivo do pensamento político-criminal e
dogmático do seu Autor. O artigo 2.º daquele Projeto continha, numa fórmula lapidar, a
conclusão acima exposta: «quem age sem culpa não é punível. A medida da pena não pode
exceder essencialmente a culpa do agente pelo seu facto ou pela sua personalidade criminalmente
perigosa». Esta conceção era compatível, em boa parte, com os princípios do Estado de Direito,
tomado este tanto na sua vertente liberal, como na social. Embora não o fosse completamente,
porque aqueles princípios impõem que em caso algum a medida da pena exceda, essencialmente
ou não, a medida da culpa. As razões da entorse continham-se, todavia, em limites ainda
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suportáveis à época: quando, na maioria do Direito Penal legislado das mais consolidadas
democracias, o princípio da culpa não tinha ainda ganho ilimitada validade. E era tanto mais
suportável quanto, como se disse, a entorse era motivada não por razões de prevenção geral
negativa, muito menos e utilidade ou de pragmatismo políticos, mas pelo vasto campo que se
pretendia conceder à prevenção especial de socialização e a uma política criminal nela assente.
Residindo aqui porventura a mais funda razão porque os Projetos de Eduardo Correia não
conseguiram consagração legislativa os tempos da ditadura corporativa. Quando por isso, depois
do Movimento de 25 abril de 1974, em 1976, os trabalhos de revisão do CP foram retomados, os
fundamentos em que assentava a conceção da pena no Projeto de 1963 não foram
essencialmente questionados. Já porém quando, em 1982, o novo CP foi finalmente publicado, 31
uma circunstância importante perturbou a clareza com que as opções político-criminais
fundamentadoras da pena se encontravam vertidas no Projeto. Essa circunstância é
compreensível. Dado o caráter então ainda não definitivamente institucionalizado da democracia
portuguesa e as ainda estreitas margens dos consensos comunitários alcançados, o CP 1982
procurou – atento o particular condicionalismo sócio-cultural e político em que foi aprovado e
entrou em vigor – apresentar-se como um diploma descomprometido até ao limite possível de
supostos subjacentes tanto em matéria político-criminal, como dogmática; o que – entre outras
alterações – fez com que desaparecesse o citado artigo 2.º ProjPG, sem que ele fosse substituído
por qualquer outro preceito à luz do qual se pudesse ganhar clareza sobre o problema que nos
ocupa. Se um tal propósito, todavia, terá facilitado o processo político da aprovação, a breve
trecho teve de reconhecer-se que ele dificultava em elevadíssimo grau a interiorização das
opções político-criminais e dogmáticas que ao novo código continuavam a presidir. Até um grau
tão elevado que conduziu a erros de aplicação diretamente relacionados com a pena, a sua
fundamentação, o seu sentido e as suas finalidades; e que conduziu, nos pontos mais
fundamentais, mesmo a um – quase sempre latente, mas sempre patente – processo ilegal de
desaplicação da lei. Matérias como as da medida da pena e da sua fundamentação, da
subsidiariedade da pena de prisão, da aplicação de penas de substituição ou mesmo (se bem em
menor grau) de medidas de segurança são exemplos frisantes do que acaba de afirmar-se. A
Comissão Revisora de 1991 – de cujas propostas resultou a Reforma do CP 1995 – trabalhou num
quadro sócio-cultural e político inteiramente diverso daquele em que havia decorrido a parte final
da elaboração e aprovação do diploma de 1982: num quadro típico já de uma democracia e de
um Estado de Direito estabilizados e consolidados. Ela pôde, por outro lado, servir-se da
inestimável experiência do que foram as dificuldades, os êxitos e os fracassos de aplicação do
Código durante o primeiro decénio da sua vigência. Estava, por isso, em condições de apresentar
com clareza o seu programa político-criminal e dogmático, bem como a sua leitura do programa
político-criminal e dogmático subjacente à codificação de 1982, nomeadamente em tema de
fundamentação, de sentido e de finalidades da penas.
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4. A culpa como pressuposto e limite da pena: se a retribuição não tem qualquer palavra a
dizer em matéria de finalidades da pena, a ela pertence, segundo a sua história e segundo
o seu conteúdo, o mérito indeclinável de ter posto em evidência a essencialidade do
princípio da culpa e do significado deste para o problema das finalidades da pena.
Segundo aquele princípio «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso
algum ultrapassar a medida da culpa». A verdadeira função da culpa no sistema punitivo
reside efetivamente numa incondicional proibição do excesso; a culpa não é fundamento
da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o
limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de
prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de
prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de
neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de
Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com
as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre
desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito
Democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao
intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele
possa suscitar. Na realidade das coisas, conflitos frequentes podem surgir entre a culpa
e a prevenção especial, seja negativa ou mesmo positiva, bem como entre a culpa e a
prevenção geral de intimidação. Mas já não será fácil excogitar hipóteses em que o ponto
ótimo ou ainda aceitável de tutela dos bens jurídicos venha a situar-se acima daquilo que
a adequação à culpa permite. Com efeito, como insistentemente tem acentuado Roxin,
as razões de diminuição da culpa são, em princípio, também comunitariamente
compreensíveis e aceitáveis e determinam que, no caso concreto, as exigências de tutela
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dos bens jurídicos e de estabilização das normas sejam menores. Em princípio pois não
se anteveem conflitos insanáveis entre culpa e prevenção geral de integração. O que não
significa todavia que a prevenção de integração seja apenas um outro nome, ou uma
outra perspetiva, da mesma realidade que seria a culpa. De toda a exposição anterior
resulta que se trata ali de realidades diferentes, que possuem diferentes fundamentos e
exercem funções diferenciadas dentro do sistema e dentro do problema das finalidades
da pena. Assim entendidas as coisas, parece dispensável – se não for mesmo equívoca –
a ideia de que (não as finalidades, mas) a legitimação da pena repousa substancialmente
num duplo fundamento: o da prevenção e o da culpa; e isto porque a pena só seria
legítima «quando é necessária de um ponto de vista preventivo e, para além disso, é 34
justa», não se tratando deste modo de uma «união eclética de elementos heterogéneos»,
mas de uma «justificação cumulativa». Esta acumulação, na parte em que é exata, já
encontra plena tradução na ideia de que a culpa é pressuposto indispensável e limite
inultrapassável da pena, não se tornando necessário turvar a limpidez da natureza
exclusivamente preventiva das finalidades da pena com exigências (se bem que
justificadas) de justiça e de merecimento da sua aplicação. Toda a pena que responda
adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena
justa.
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4
Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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efeitos automáticos das penas (artigo 30.º, n.º4 CRP) leva a que a sanção disciplinar
baseada na prática de um crime no exercício de funções dependa de um processo
autónomo tendente a concluir qual é a sanção disciplinar concretamente aplicável. Não
deverá suceder, naturalmente, que um facto que suscite responsabilidade penal não
atinja o merecimento disciplinar, se realizado por um funcionário no exercício das suas
funções, por força da chamada subsidiariedade do Direito Penal. Como o ilícito penal se
restringe às lesões mais graves dos bens jurídicos mais importantes e o Direito Penal
apenas intervém por estrita necessidade, não será pensável que um facto que não seja
justificável ou desculpável segundo os critérios da responsabilidade penal o possa ser
41
disciplinarmente. Do Direito Sancionatório Público faz parte também o Direito de Mera
Ordenação Social. O ilícito de mera ordenação social consubstancia-se na figura das
contraordenações, oriunda da expressão germânica Ordnungwi-drigkeiten; e a sanção
respetiva designa-se coima. A qualificação de um facto como crime ou contraordenação
suscita, igualmente, a subordinação a diferentes princípios ou, pelo menos, a uma
diferente manifestação dos princípios e garantias do Direito Penal. Tais consequências
explicam-se pela diferente natureza do ilícito e das sanções respetivas. A diferente
natureza do ilícito e das sanções respetivas. A diferente natureza do ilícito foi
relacionada no início do século por Goldschmidt e Wolf, com diferentes funções do
Estado. Investido do poder punitivo, o Estado pretenderia proteger passivamente bens
jurídicos de atividades lesivas; pelo Direito de Mera Ordenação Social perpassaria antes
a função de promoção do bem estar e de outros objetivos públicos. Com o progressivo
desenvolvimento de um Direito Penal Secundário desvirtuou-se aquela distinção, de
modo que verdadeiras normas penais tutelam hoje a atividade intervencionista e
fomentadora do Estado, através do Direito Penal Fiscal ou do Económico. Segundo a
doutrina mais recente, a distinção entre o Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação
Social reside fundamentalmente na menor gravidade do ilícito de mera ordenação social
– e, portanto, num critério quantitativo, derivado do princípio da subsidiariedade do
Direito Penal. O critério quantitativo implica, todavia, a consideração de que, a partir de
um certo quantum da gravidade ética e social, certos factos adquirem dignidade punitiva.
Se não forem detetados critérios qualitativos, a distinção entre os dois ilícitos tornar-se-
á indeterminada e deverá considerar-se inconstitucional o Direito de Mera Ordenação
Social na sua generalidade, na medida em que não lhe sejam atribuídas todas as
garantias do processo penal. A procura de um critério qualitativo torna-se, assim,
impostergável. A um critério qualitativo contrapõem-se, contudo, dois grandes
obstáculos: a falta de um único parâmetro do legislador na autonomização do Direito
de Mera Ordenação Social, que obscurece uma lógica material identificadora das suas
normas; e a dificuldade de identificar um critério científico que caracterize
intrinsecamente a infração contraordenacional, devido á mutação funcional dos
poderes do Estado e à extensão do Direito Penal a novas realidades. A primeira
dificuldade é ultrapassável pela não cedência ao positivismo legalista como método de
definir o Direito. A única premissa positiva a respeitar é a da natureza e dos fins das
coimas: o ilícito de mera ordenação social terá de se adequar a eles pela sua natureza e
gravidade. Já a descoberta dos critérios identificadores do ilícito, na sua materialidade,
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Direito Penal I | Professora Maria Fernanda Palma
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As fontes do Direito Penal: dos artigos 29.º CRP e 1.º a 3.º CP resulta que os modos de
revelação do Direito Penal – as suas fontes – são estritamente vinculados no nosso sistema
jurídico. O princípio geral é o de que só a lei pode ser fonte de Direito Penal, estabelecendo-se
uma reserva relativa de competência da Assembleia da República no artigo 168.º, n.º1, alínea c)
CRP. Assim, só a Assembleia da República ou o Governo munido de indispensável autorização
legislativa, sob pena de inconstitucionalidade orgânica dos Decretos-Lei que aprovar, têm
competência em matéria penal. Este princípio só é afastado pelo artigo 29.º, nº.2 CRP, que 44
admite a legitimidade da punição, nos limites da lei interna, das ações e omissões que no
momento da sua prática sejam consideradas criminosas segundo os princípios gerais do Direito
Internacional comummente reconhecidos. Significa esta exceção que o costume internacional
também pode ser fonte do Direito Internacional Penal: a convicção generalizada na sociedade
internacional sobre o caráter criminoso de certas condutas é bastante para que, nos limites da
lei interna, uma conduta seja punida sem lei prévia à sua prática. Uma tal exceção à reserva de
lei tem origem na experiência histórica deste século, em que a perversão do poder político gerou
uma legalidade permissiva da perpetração de factos lesivos de direitos fundamentais. O
fundamento da reserva de lei – a segurança democrática – não impede que uma tal exceção
(prevista no artigo 29.º, n.º2 CRP) seja legitima. À segurança como valor formal contrapõe-se
uma segurança fundamentada no respeito pelos valores humanos essenciais: as expectativas de
não se ser incriminado ó adquirem validade quando não são fundamentadas numa legalidade
criminosa. É claro, porém, que a aplicabilidade do regime do artigo 29.º, n.º2 CRP suscita
dificuldades. Os princípios gerais do Direito Internacional não contêm, por definição, normas
penais completas e precisas – que, nomeadamente, cominem a penalidade aplicável ao crime.
Esta lacuna deve ser integrada através do recuso aos limites da lei interna: valerão, em primeiro
lugar, os limites gerais das penas estabelecidas no Código Penal (artigo 40.º e 46.º CP); e as
penas concretas serão determinadas, necessariamente, por raciocínios de analogia com crimes
identicamente graves previstos na lei, tendo-se sempre presente a exigência de
proporcionalidade entre o crime e a pena.
a. Em primeiro lugar, só a lei pode, em princípio, ser fonte de Direito Penal, prevendo-se,
como se disse, uma reserva relativa de competência da Assembleia da República, no
artigo 168.º, n.º1, alínea c) CRP;
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b. Em segundo lugar, o próprio conteúdo das normas penais terá de revelar um elevado
grau de determinação, na descrição das condutas incriminadas e das suas
consequências (artigo 29.º, n.º1 e 3 CRP);
Todos estes comandos e outros que o texto constitucional não explicitou só serão
compreendidos e formulados corretamente a partir do princípio da legalidade da Constituição.
O princípio da legalidade é uma decorrência do Estado de Direito Democrático, integrando-se
no elenco dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Tal como estes, é expressão da
autolimitação do Estado perante os cidadãos e da sua função primordial de proteção da pessoa.
Mas, mais intensamente do que estes, o princípio da legalidade exprime o modo constitucional
de realização da máxima segurança individual. Ideia central do princípio é, assim, a de que a
segurança dos indivíduos frente ao Estado só se realiza através do controlo da criação e
aplicação do Direito Penal pelos órgãos de representação democrática. E um tal controlo
democrático da lei penal não é um valor puramente formal, mas ainda o meio mais adequado
racionalmente para a concretização da igual dignidade da pessoa humana. São estas ideias que
explicam a extensão do princípio e, nomeadamente, a sua aplicação à previsão dos crimes, e
não só à cominação das penas: a proteção das expectativas individuais e a indicação do ilícito
criminal acresce à garantia de só se ser punido com pena prevista em lei anterior à prática do
facto. Resulta nitidamente da separação dos poderes e do controlo democrático das
interferências na liberdade individual que a nulla poena sine lege se complete com o nullum
crimen sine lege. Também é o princípio democrático que explica a articulação entre o nullum
crimen e a nulla poena sine lege, através da máxima nulla poena sine crimen. A articulação
justifica-se, precisamente, para evitar que os órgãos de aplicação do Direito estabeleçam em
concreto uma certa conexão entre crime e pena que não tenha sido definida pelos órgãos
legislativos (a este princípio se refere já Eduardo Correia, no seu ProjCP 1963). E, para dar outro
exemplo, é o princípio do controlo democrático do Direito Penal que justifica que as medidas de
segurança só sejam aplicáveis se os respetivos pressupostos estiverem fixados em lei anterior.
Verificada a relação entre o fundamento constitucional do princípio da legalidade e o seu âmbito,
poderemos agora formular as consequências do referido princípio, através das seguintes
máximas, que se alargarão a todas as reações criminais:
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Reserva de lei e Direito Penal: âmbito: aplicar-se-á o princípio geral da reserva de lei apenas
às normas ou, mais amplamente, às normas incriminadoras que geram ou agravam a
responsabilidade – as normas penais positivas – ou quaisquer outras normas penais – as
negativas (que determinam a exclusão ou a atenuação da responsabilidade) – merecerão o
mesmo controlo na perspetiva da segurança e das liberdades individuais? O fundamento do
princípio da legalidade impõe que as normas penais que ampliem a incriminação, ao afetarem a
segurança e as liberdades individuais, sejam aprovadas pelo Parlamento ou, pelo menos, pelo
Governo, mediante delegação de competência. O artigo 168.º, n.º1, alínea c) CRP refere-se,
porém, apenas à definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respetivos pressupostos.
Perguntar-se-á, deste modo, se as circunstâncias que agravam a responsabilidade ou as 46
circunstâncias eximentes ou atenuantes se incluirão nesta previsão constitucional, segundo
aquele fundamento. As circunstâncias agravantes definem o concreto facto criminoso, sendo
abrangidas pela previsão da alínea c) do n.º1 do artigo 168.º. Isto sucede nitidamente no caso
das circunstâncias modificativas, que alteram o tipo fundamental suscitando uma nova medida
legal da pena (artigo 132.º CP). Mas também no caso das circunstâncias agravantes simples (que
não alteram a medida legal, mas somente a medida concreta da pena), o facto criminoso, de
ilicitude ou culpa agravadas, é sempre diverso daquele em que a ilicitude ou a culpa são menos
graves. As razões justificativas da reserva de lei favorecem, seguramente, a aplicação da alínea
c) do artigo 168.º, n.º1 CRP a todas as circunstâncias agravantes. No entanto, o artigo 72.º CP
não consagra a tipicidade das circunstâncias a ponderar na determinação da pena concreta. Ora,
esta tipicidade parece ser incompatível com a reserva de lei, por postular a criação
jurisprudencial de novas circunstâncias. Porém, uma tal criação de circunstâncias apenas pode
valer para o caso concreto. O caráter exemplificativo do artigo 72.º CP não obsta a que a previsão
abstrata de circunstâncias agravantes (embora gerais) esteja submetida à reserva de lei. A
previsão de uma nova circunstância agravante à revelia de reserva de lei restringiria o peso das
circunstâncias atenuantes a considerar pelo julgador, modificando sempre o artigo 72.º CP.
Quanto às circunstâncias eximentes ou atenuantes da responsabilidade criminal, o problema é
bem mais delicado. Uma lógica simplificadora dirá que elas não estão submetidas à reserva de
lei por não afetarem as expectativas de segurança e a liberdade individual dos destinatários das
normas penais. Deste modo, por considerarem permitidos factos que de outra forma o não
seriam, ou desculpáveis os seus agentes, aquelas circunstâncias não exigiriam um controlo
direto pelos representantes da vontade democrática. Contra esta perspetiva, no entanto, poder-
se-á dizer que as circunstâncias eximentes da responsabilidade podem alterar a delimitação dos
direitos dos cidadãos entre si. Assim, no que respeita às causas de justificação do facto ou de
exclusão da ilicitude, a liberdade criada pela permissão de certas condutas diminuirá a liberdade
de todos os que se pretenderem opor às mesmas. O problema que resulta desta exemplificação
não pode ser resolvido num plano formal, mas pela análise da natureza da própria circunstância
eximente. Há, na realidade, eximentes que, ao permitirem certas condutas, que em geral são
proibidas, abrem uma exceção, de modo que a sua previsão afeta as expectativas gerais e
diminui a liberdade e a segurança dos cidadãos. Em outros casos, a permissão prevista decorre
de uma ideia geral, de um princípio geral da Ordem Jurídica, sendo, por isso, de direito geral.
Neste último caso, já a reserva de lei é dispensável, pois o legislador ordinário nada mais fará do
que corporizar direitos latentes no ordenamento jurídico. Este critério, que a doutrina já
invocava para a temática da proibição da analogia, será mais compreensível se tivermos em cona
que onde a analogia não é proibida não deverá valer a reserva de lei. Também quanto às
circunstâncias atenuantes da responsabilidade penal é desnecessária a reserva de lei. A
atipicidade das atenuantes gerais resulta da fórmula genérica do artigo 72.º CP e tais
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circunstâncias, influindo apenas na determinação da pena, não são suscetíveis de promover uma
restrição indireta dos direitos das vítimas de crimes.
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ser controlável o seu conteúdo. Mas, disposições legais como o artigo 137.º e o artigo 171.º CP
utilizam conceitos normativos suscetíveis de um razoável consenso na linguagem jurídica, ética
e social. De qualquer modo, também neste ponto a inconstitucionalidade depende do grau de
imprecisão do conteúdo da norma, do nível de artificialismo dos conceitos e da sua inserção na
linguagem vulgar. A violação da reserva de lei começará onde a linguagem normativa permitir a
total manipulação do conceito para fins incontroláveis e onde for impossível uma perceção da
descrição legal pelos seus destinatários coincidente com os resultados de uma interpretação
teleológica. Uma outra concretização da reserva de lei verifica-se na própria interpretação da lei
penal. O artigo 1.º, n.º3 CP proíbe, expressamente, a analogia quanto às normas de que resulta
a qualificação do facto como crime, a definição de um estado de perigosidade e a determinação 48
da pena ou medida de segurança correspondentes. O fundamento desta proibição reside,
igualmente, na exclusividade da competência do Parlamento na formulação de normas
incriminadoras. Se os tribunais pudessem utilizar a analogia, formulariam normas
incriminadoras que deixariam de ser objeto de controlo democrático. Por outro lado, o caráter
fragmentário do Direito Penal impede que comportamentos análogos aos expressamente
previstos, na perspetiva da lesão do bem jurídico violado, tenham o mesmo merecimento penal.
A seleção da conduta incriminada é uma decisão legislativa inimitável pelo julgador através do
recurso à analogia. A proibição de analogia não deve, porém, ser confundida com a proibição de
raciocínios analógicos na aplicação da lei penal. A delimitação entre a analogia proibida e outras
técnicas de interpretação tem sido formulada a propósito das fronteiras entre interpretação
extensiva e analogia. O problema tem surgido através de três perguntas:
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da proibição legal da analogia com todos os instrumentos do pensamento jurídico que permitam
compreender a sua ratio e a sua possibilidade. Quando se descobre a razão de ser de tal
proibição na segurança jurídica e no controlo democrático da aplicação da lei penal,
compreende-se, igualmente, que a distinção entre interpretação extensiva e analogia não
permite traçar rigorosamente as fronteiras da interpretação que não ofende a segurança jurídica.
Na realidade, a própria interpretação extensiva, embora atribuível num plano lógico e objetivo
ao pensamento do legislador, pode não corresponder já a um entendimento juridicamente
aceitável das palavras. E, por outro lado, não é de excluir que se ultrapasse o pensamento do
legislador, na sua formulação histórica, interpretando-se a norma de acordo com um significado
plausível e juridicamente válidos das palavras. A categoria da interpretação extensiva não tem, 49
em si mesma, força suficiente para resolver o problema da fronteira da interpretação permitida,
devendo procurar-se um critério fundamentado na racionalidade da proibição de analogia e
desligado destas categorias tradicionais. Antes de se tentar uma superação das categorias
tradicionais da interpretação extensiva e da analogia poderemos questionar se a ultrapassagem
das dificuldades se obtém, sem mais, pela proibição da interpretação extensiva. Uma resposta
afirmativa remeteria a fronteira da interpretação permitida para a delimitação entre
interpretação declarativa e extensiva e permitiria o cumprimento do principio da legalidade
consagrado no artigo 1.º, n,º.3 CP. O artigo 1.º, n.º3 CP porém, não proíbe expressamente a
interpretação extensiva. E, por outro lado, não se poderá inferir da proibição da analogia in
malam partem pelo n.º3 do artigo 1.º CP a permissão da interpretação extensiva, através de um
raciocínio a contrario sensu. Na verdade, este raciocínio postularia apenas a analogia in bonam
partem. Aplicando os critérios tradicionais de interpretação jurídica, a proibição de
interpretação extensiva só pode ser retirada do artigo 1.º, n.º3 CP por analogia com a proibição
da própria analogia. Porém, a norma que proíbe a analogia no Direito Penal circunscreve
excecionalmente, no conjunto da Ordem Jurídica, a atividade interpretativa: a analogia só é
proibida, em geral, quanto às normas excecionais, que podem, no entanto, ser objeto de
interpretação extensiva (artigo 11.º CC). Uma limitação da atividade interpretativa mais ampla
do que a do artigo 11.º CC só se justificaria na medida em que os princípios constitucionais do
Direito Penal o impusessem indiscutivelmente – isto é, na medida requerida pela legalidade e
pela reserva de lei. Ora, a interpretação extensiva, tal como é definida tradicionalmente, como
expressão do pensamento da lei revelado pelos elementos não literais da interpretação, não
contende, necessariamente, com estes princípios. Não se poderia, por conseguinte, considerar
proibida toda e qualquer interpretação extensiva, no Direito Penal, apenas porque é difícil
praticamente delimitá-la da analogia à luz dos critérios tradicionais da interpretação. Esse
fundamento não seria sistematicamente admissível para justificar uma conclusão por analogia
com a própria proibição da analogia. Não se deve também deduzir a proibição de interpretação
extensiva do preceito constitucional que exige a expressa cominação legal das penas e medidas
de segurança (artigo 29.º, n.º3 CRP), visto que se poderia ainda entender que a interpretação
extensiva se refere a um pensamento expresso, embora imperfeitamente. De tudo isto, resulta
que a interpretação extensiva não é necessariamente proibida ou permitida em Direito Penal,
tudo dependendo da enunciação de outros critérios, derivados diretamente da ideia de
segurança jurídica inerente ao princípio da legalidade e recondutíveis, em última instância, ao
princípio do Estado de Direito democrático. As dificuldades metodológicas da delimitação entre
interpretação extensiva e analogia e a insuficiência desta distinção para realizar plenamente os
valores jurídicos que justificam o próprio princípio da legalidade conduziram a uma fase
problemática ainda não ultrapassada. Tal fase problemática caracteriza-se pela dificuldade ou
mesmo impossibilidade de cumprir o princípio da legalidade tal como ele se formula pela
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logicamente possível das palavras da lei, mas também a que revele os valores jurídicos que a lei
pretende atingir e seja compatível com outros valores do sistema e com a unidade do Direito
definida pelas instâncias que a devem assegurar. A perspetiva proposta por Castanheira Neves
converte, todavia, o controlo da reserva de lei (modelo democrático-parlamentar) num controlo
institucional-jurisprudencial da lei penal (modelo jurisprudencial dogmático), ultrapassando a
racionalidade liberal que está na origem da proibição da analogia. Enquanto apela à coerência
sistemática e à unidade do Direito definida pela jurisprudência, o autor remete a definição dos
critérios da interpretação da lei penal para a definição de instâncias menos diretamente
controladas pelos cidadãos. A própria definição de adequação sistemática não é, contudo, um
problema de conhecimento dos valores estáticos do sistema, mas depende de redefinições 51
atualistas, que só estão ao alcance das instâncias de discussão pública e parlamentar. E é
discutível que a máxima segurança não dependa diretamente do modelo de consenso
democrático, de modo a que a interpretação proibida não seja, sempre e tão só, a que fere o
consenso constitucionalmente instituído. Por outro lado, a unidade do Direito que Castanheira
Neves atribui ao Supremo Tribunal de Justiça é uma tarefa só realizável através de um juízo de
constitucionalidade e consequentemente própria do controlo de constitucionalidade efetuado,
em última instância, pelo Tribunal Constitucional. Por outro lado, as duas últimas condições
formuladas por Castanheira Neves (sistemática e institucional) referem o problema da
interpretação proibida a uma questão mais geral, autónoma da proibição da analogia: a mera
inconstitucionalidade da interpretação de determinada norma. Na verdade, a aplicação de uma
norma por analogia não se pode confundir com uma sua interpretação contrária à unidade
material do Direito que resulta dos princípios constitucionais. E, em certos casos, a aceitação de
analogia concordante com os princípios gerais do sistema afetaria a garantia previsibilidade da
incriminação. A possibilidade de distinguir o sentido comunicado pelo legislador na norma do
plano da sua validade é uma garantia básica de segurança jurídica, pois subtrai o âmbito do
proibido aos possíveis subjetivismos valorativos. Esta sensibilidade contrária ao
institucionalismo e ao subjetivismo normativista afasta-nos, consequentemente, da
metodologia oferecida por Castanheira Neves. Mas a crítica que a solução proposta por
Castanheira Neves nos sugere contém, implicitamente, uma divergência quanto ao ser da
interpretação jurídica. A interpretação é, em geral, entendida por Castanheira Neves como
«momento da concreta e problemática decisória realização do direito», o que implica uma
redefinição do objeto tradicional da interpretação – o texto jurídico. O objeto da interpretação
deixará de ser, como se disse, o texto, para se tornar os critérios jurídicos, apreensíveis nos
textos legais, da decisão dos casos concretos. Haverá, consequentemente, uma total
relativização dos momentos tradicionais da investigação hermenêutica sobre o conteúdo dos
textos normativos. A interpretação passa a assumir-se, exclusivamente, como decisão dos casos
pela aplicação de critérios jurídicos emanados da norma e do sistema em que esta se insere.
Esta norma, porém, não se confunde cm a sua expressão, o seu texto, mas é necessariamente a
norma de decisão do caso concreto: o critério de decisão jurídica solicitado pela
problematicidade concreta do caso decidendo e que seja adequado a um sentido normativo
essencial, correspondente a uma intencionalidade de dever ser relativa a uma multiplicidade de
casos. A supressão, na interpretação, de um momento determinante de compreensão do
significado do texto normativo enfraquece o processo lógico de fundamentação da decisão
jurídica. O respeito pelas garantias dos destinatários das normas não dispensa aquele momento.
Não é, aliás, desejável encontrar a norma do caso sem investigar, previamente, a norma de um
conjunto de casos hipotéticos a que mais evidentemente se aplica a norma. A descoberta do
sentido literal e comunicacional do texto jurídico corresponde à obtenção dessa regra válida
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para os casos hipotéticos imediatamente apreensíveis, que possibilita a igualdade das soluções
e aquele raciocínio analógico (e não subsuntivo) de que Arthur Kaufmann fala a propósito do
modo de ser da adequação do caso concreto à norma jurídica. A divergência com o modelo de
interpretação jurídica que Castanheira Neves propõe não implica, no entanto, a aceitação do
modelo positivista subsuntivo tradicional, mas apenas uma perspetiva menos subjetivista e
menos normativista sobre o conteúdo do raciocínio fundamentador em que consiste a
interpretação das normas jurídicas. Tal raciocínio fundamentador da interpretação não
prescindirá nunca da relevância do texto jurídico, como ente autonomamente significativo,
devido ao valor comunicativo e de garantia que ele confere. A transposição desta análise para a
da interpretação permitida em Direito Penal implica, obviamente, que o sentido possível das 52
palavras no texto jurídico seja necessariamente fundamentante da decisão e critério jurídico
inultrapassável da norma do caso. Haverá, portanto, uma vinculação relativa ao texto, em si
mesmo, na apreensão da norma. Enquanto para Castanheira Neves, na sua inspiração platónia,
as ideia jurídicas não são moldadas pelas palavras, mas meramente indiciadas por elas, na
perspetiva agora referida as palavras são constitutivas das ideias. As palavras são o limite do
mundo5. A perspetiva do positivismo lógico-analítico, que subjaz à referência da proibição da
analogia ao sentido possível das palavras, surge, consequentemente, como polo de atração da
crítica anterior através do predomínio que na interpretação deve ser concedido ao texto jurídico.
No seu enquadramento filosófico, esta outra perspetiva não dilui o Direito nas intencionalidades
normativas ou no subjetivismo do sistema, mas antes o absorve na constituição objetiva do
mundo através da linguagem e sobretudo da linguagem da comunicação – a linguagem comum.
A convicção primeira desta perspetiva é a possibilidade de obtenção do significado válido do
texto independentemente de um contexto subjetivo ou de uma intencionalidade particular que
ao mesmo seja atribuído pelo seu autor. Isto implica a possibilidade de determinação do sentido
ou dos limites do sentido do texto legislativo previamente à das suas referências sistemáticas
ou à descoberta da intenção legislativa. Na raiz de uma tal análise, está uma teoria da
significação semântico-formal, segundo a qual a linguagem vale e significa independentemente
das intenções e ideias dos sujeitos, de acordo com o sistema de regras da linguagem – são as
prioridades formais das expressões ou as suas regras geradoras que determinam o significado e
a validade da linguagem. Menos formalmente do que esta perspetiva enquadradora, a teoria do
uso da significação de Wittgenstein concebe ainda que o significado de uma palavra é o seu uso
na linguagem, o qual está comprometido com formas de vida e de sociabilidade. Existiria uma
espécie de gramática dos jogos de linguagem que dependeria de uma prática social ou interação.
E, ainda com uma referência objetiva mais complexa, Habermas argumentará que o significado
linguístico é também constituído comunicativamente. Na medida desta comunicabilidade, o
sentido completo de uma asserção depende de uma tripla pretensão de validade – a referência
ao estado das coisas existentes no mundo objetivo (pretensão de verdade), a referência ao
mundo subjetivo das experiências a que o sujeito que fala tem um acesso particular (pretensão
de sinceridade) e a referência ao mundo social normativamente regulado das atuações
interpessoais. São estas referências que pressupõem a aceitabilidade de razões ou argumentos
por quem é destinatário de um ato linguístico que permitem a compreensão do significado do
mesmo. Desde a semântica formal até à teoria da comunicação, a significação da linguagem
constrói a sua validade com uma referência à realidade, que não se confunde com as meras
5
Assim, comentando Peirce, diz Habermas que o seu pensamento se confronta com a consequência
perturbadora de os limites da linguagem serem os próprios limites do mundo. Para Habermas, todavia, a
linguagem é uma projeção vazia que se preenche com a modificação das perspetivas sobre a realidade.
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intenções de quem fala ou com qualquer outra subjetividade (mesmo que este seja, afinal, a dos
valores do sistema jurídico). Mas mesmo que se devessem admitir linguagens privadas no
Direito Penal, o artigo 1.º CP vedaria essa possibilidade. Há um sentido geral das palavras que
se impõe ao sentido meramente jurídico, restringindo-se o voo livre de critérios jurídicos
suscitados pelo caso. A perspetiva do sentido possível do texto a que se apelou implica
esclarecimentos adicionais. Trata-se do sentido do texto, ou das palavras no texto jurídico, e não
das palavras isoladamente. O sentido possível do texto, como limite da interpretação permitida,
é o sentido comunicacional percetível do mesmo e não qualquer sentido lógico não sustentável
pela linguagem social, pelo menos na sua forma simbólica. O sentido possível do texto delimita-
se ainda, mas não se alarga, pela adequação do texto à essência do proibido de acordo com as 53
valorações do sistema que a norma diretamente exprime ou pretende exprimir. Em conclusão,
o texto jurídico, cujo significado seja determinável pela linguagem comum, torna-se, nessa
perspetiva, a condição essencialmente pré-determinante da interpretação permitida em Direito
Penal, a que se adicionam, sem dúvida, ainda outras condições. Estas outras condições
contribuem para a fixação do sentido jurídico definitivo do texto, para a delimitação da intenção
da intenção normativa que ele objetivamente revela, mas não são elas mesmas elementos de
fixação ou determinação do texto. É, todavia, possível que esse sentido normativo em que a
norma revela a expressão concretizada do sistema seja contrário às normas ou princípios
constitucionais. Nesse caso, estaremos, apenas, perante uma interpretação proibida com
fundamento na Constituição e não perante a proibição da analogia do artigo 1.º CP.
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derivado da redução teleológica de uma norma permissiva. Mas esse efeito não está
necessariamente subordinado às garantias que justifiquem a proibição da analogia de normas
incriminadoras. Consideremos, por exemplo, uma redução teleológica do artigo 32.º CP que
retire do seu âmbito «as defesas necessárias elevadamente desproporcionadas à gravidade
insignificante da agressão», com fundamento no princípio geral de que a legítima defesa implica
concretizações em que a defesa do direito é menos valiosa do que a preservação da dignidade
da pessoa do agressor. Nesse caso, o efeito incriminador não consiste num alargamento da
norma incriminadora, mas na limitação do conteúdo da norma permissiva, cuja prevalência
sobre a norma incriminadora deixa de existir no caso concreto. O alargamento das possibilidades
de incriminação, na hipótese proposta, baseia-se, contudo, na ponderação de valores 54
subjacente à norma permissiva e no conteúdo do direito de defesa que o Direito Penal não pode
autonomamente prever, mas que resulta de ponderações de valores do sistema. Somente a
consideração das causas de justificação reconhecidas no Direito Penal como direitos impediria
raciocínios deste tipo. No entanto, as causas de justificação positivadas não conferem,
necessariamente, a partir da sua configuração penal excludente da punibilidade, direitos de
intervenção.
6
Dias, Jorge Figueiredo; Direito Penal, Parte Geral, tomo I; Coimbra Editora, 2.ª Edição; Outubro 2012,
Coimbra.
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diverso, uma vez que no termo lege se inclui também o Direito (Internacional)
Costumeiro; o que não deixa de trazer problemas graves quanto à exigência de
determinabilidade das condutas puníveis. De toda a maneira, a importância do problema
tem vindo a reduzir-se progressivamente desde o fim da II Guerra por força da
cristalização positiva do Direito Costumeiro em várias Convenções Internacionais, cujas
normas os Estados vão incorporando no seu Direito Interno. Nesses casos a lei interna
deve servir a proteção do Direito Internacional. Dever que se tornou ainda mais claro
com o Estatuto de Roma e o princípio de subsidiariedade da jurisdição do TPI em relação
às jurisdições nacionais, aí contido, nomeadamente, quando esteja em causa a aplicação
extraterritorial das normas de acordo com o princípio da universalidade (artigo 5.º, n.º2, 55
alínea b)). O princípio da legalidade da intervenção penal possui uma pluralidade de
fundamentos, uns externos (isto é, ligados à conceção fundamental do Estado), outro
internos (sc., de natureza especificamente jurídico-penal). Estre os primeiros avultam o
princípio liberal, o princípio democrático e o princípio da separação de poderes. De
acordo com o princípio liberal, toda a atividade intervencionista do Estado na esfera dos
direitos, liberdades e garantias das pessoas tem de ligar-se à existência de uma lei e
mesmo, entre nós, de uma lei geral, abstrata e anterior (artigo 18.º, n.º2 e 3 CRP). De
acordo com os princípios democrático e da separação dos poderes (na sua compreensão
atual, onde a separação é pensada nos quadros da interpenetração e da
corresponsabilização), para a intervenção penal, com o seu particular peso e magnitude,
só se encontra legitimada a instância que represente o Povo como titular último do ius
puniendi; donde a exigência, uma vez mais, de lei, e na verdade, entre nós, de lei formal
emanada do Parlamento ou por ele competentemente autorizada (artigo 165.º, n.º1,
alínea c) CRP). Entre os fundamentos interno costumam apontar-se a ideia da prevenção
geral e o princípio da culpa. Com razão. Não pode esperar-se que a norma cumpra a sua
função motivadora do comportamento da generalidade dos cidadãos – seja na sua
vertente negativa de intimidação, seja sobretudo na sua vertente positiva de
estabilização das expectativas – se aqueles não puderem saber, através de lei anterior,
estrita e certa, por onde passa a fronteira que separa os comportamentos criminalmente
puníveis dos não puníveis. Como não seria legítimo dirigir a alguém a censura por ter
atuado de certa maneira se uma lei com aquela características não considerasse o
comportamento respetivo como crime. Vale a própria função de prevenção especial
positiva ou de ressocialização, no seu entendimento atual, confirma a exigência do
princípio da legalidade: o comportamento que indicia a perigosidade não é (não pode ser)
apenas sintoma ou índice da carência de socialização e ensejo para que esta intervenha,
mas tem de ser co-fundamento e limite da intervenção criminal; nesta medida
ressurgindo a exigência de legalidade estrita daquela.
2. Nullum crimen sine lege: o princípio segundo o qual não há crime sem lei anterior que
como tal preveja uma certa conduta significa que, por mais socialmente nocivo e
reprovável que se afigure um comportamento, tem o legislador de o considerar como
crime (descrevendo e impondo-lhe como consequência jurídica uma sanção criminal)
para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de
regulamentação ou de redação funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor
da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir
finalidade da norma) abranger na punibilidade também certos (outros) comportamentos.
Neste sentido se tornou célebre a afirmação de Von Liszt segundo a qual a lei penal
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constitui a «magna Charta do criminoso». Tem-se argumentado que, sendo assim, a lei
penal representa uma espécie de carta de alforria para o agente mais hábil, mais refinado
e (às vezes) mais rico e poderoso, numa palavra (própria da ciência criminológica), para
o agente dotado de maior competência de ação. Será verdade. Mas importa fazer neste
contexto duas precisões: a primeira é a de que um ta agente não é, em definitivo, um
criminoso se não for como tal considerado por uma sentença passada em julgado; a
segunda a de constituir este, apesar de tudo, um razoável preço a pagar para que possa
viver-se numa democracia que proteja minimamente o cidadão do arbítrio, da
insegurança e dos excessos de que de outro modo inevitavelmente padeceria a
intervenção do Leviatã estadual. 56
3. Nulla poena sine lege: a fórmula «não há crime sem lei» é complementada pela fórmula
«não há pena (rectior, não há sanção criminal, pena ou medida de segurança) sem lei».
Na interpretação desta fórmula verificam-se todavia algumas dificuldades que devem ser
consideradas. Desde logo, cumpre dizer que – diversamente do que sucede em muitas
outras ordens jurídicas, onde a conclusão tem de ser alcançada por via interpretativa –
entre nós também este segmento do princípio tem expressa consagração jurídico-
constitucional e legal. Nesse sentido afirma logo o artigo 29.º, nº.3 CRP que «não podem
ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas
em lei anterior». No que toca às penas, estas exigências de lex praevia corresponde à
doutrina internacional dominante. Não assim já porém no que toca às medidas de
segurança, relativamente às quais se pensava que o seu fundamento de estrita
prevenção especial deveria conduzir a que pudesse aplicar-se a medida de segurança
vigente ao tempo da aplicação, porque isso seria apenas sinal de um entendimento
legislativo melhor para o (sc., mais favorável) ao agente. Uma tal conceção foi reusada
pela CRP, como se disse, e , na sua esteira, pelo artigo 2.º, n.º1 CP. Em detrimento da
ideia paternalista de que ao legislador pertenceria dizer o que seria melhor para o agente,
porquanto só considerações ilimitadas de prevenção especial estariam na base das
medidas de segurança, veio a legislação constitucional e ordinária portuguesa dar
prevalência a uma consistente proteção dos direitos, liberdades e garantias das pessoas
também face à aplicação de medidas de segurança, conferindo assim ao facto uma
função de co-fundamento da respetiva aplicação. E, por esta via, veio assegurar-se a
extensão do princípio da legalidade às medidas de segurança com âmbito análogo àquele
que ele tradicionalmente assume para as penas. Com esta extensão, o CP 1982 e a nossa
lei Constitucional deram um passo decisivo – e mesmo pioneiro – numa compreensão
moderna e democrática destes instrumentos sancionatórios. O princípio em exame
significa, por outro lado, ser completamente vedado ao juiz, seja em bora na base da mais
esclarecida e avançada consciência político-criminal, criar instrumentos sancionatórios
criminais que se não encontrem estritamente previstos em lei anterior. O princípio da
legalidade assume consequências ou efeitos em cinco planos diversos: no plano do
âmbito ou da extensão, no plano da fonte, no plano da determinabilidade, no plano da
proibição da analogia e no plano da proibição da retroatividade.
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e a sua própria razão de ser: a proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão
face à possibilidade de arbítrio e de excesso do poder estatal. Por isso, para se avançar
apenas com um exemplo, o princípio cobre toda a matéria relativa ao tipo de ilícito ou ao
tipo de culpa, mas já não a que respeita às causas de justificação ou às causas de exclusão
da culpa. De tal forma é importante esta restrição do âmbito do princípio que ela se
estende a todas as suas consequências – seja no plano da fonte (matéria em todo o caso
discutível), seja no da determinabilidade, seja no das proibições de analogia e de
retroatividade.
5. O plano da fonte: neste plano o princípio conduz à exigência de lei formal: só uma lei da
AR ou por ela competentemente autorizada pode definir o regime dos crimes, das penas 57
e das medidas de segurança e seus pressupostos. A este propósito podem todavia
suscitar-se alguns problemas que não devem deixar de ser referidos, ainda que só per
summa capita. Desde logo, o de que, em rigor, o conteúdo de sentido do princípio da
legalidade, ainda aqui, só deveria cobrir a atividade de criminalização ou de agravação,
não a de descriminalização ou de atenuação. O que deveria conduzir, por seu lado, a
considerar que o Governo possui competência concorrente com a da AR para
descriminalizar ou atenuar a responsabilidade criminal. Posto perante a questão, o nosso
TC respondeu-lhe negativamente, interpretando a definição dos crimes, penas, medidas
de segurança e respetivos pressupostos no sentido de abranger tanto a função de
criminalização (ou de maior criminalização), como a de descriminalização (ou de menor
criminalização). Não é impossível excogitar razões jurídicas de política geral, relacionadas
nomeadamente com a definição dos círculos de competência de órgãos de soberania
dotados de poderes legiferantes, que ofereçam um qualquer fundamento a esta doutrina.
O que sempre será errado é invocar, ainda qui, o princípio da legalidade penal na sua
teleologia e na sua funcionalidade específicas. Outro problema é o de saber se a exigência
de legalidade no plano da fonte deverá abranger só a lei penal sensu stricto ou ainda
também a lei extra-penal, na medida em que esta venha a ser chamada pela lei penal à
fundamentação ou à agravação da responsabilidade criminal. Para esta fundamentação
ou agravação serve-se muitas vezes a lei penal, com efeito de procedimentos de reenvio
para ordenamentos jurídicos não penais; ordenamentos estes onde não vale, logo no
plano da fonte, um princípio de legalidade equivalente ao que aqui se considera e onde,
por isso, o Governo e a Administração têm competência geral, ou mais lata do que em
matéria penal, para legislar. O que acaba por fazer crise nas chamadas normas penais em
branco, sobretudo abundantes no âmbito do Direito Penal Secundário, que cominam
uma pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma
remissão da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente atos administrativos
autonomamente promulgados em outro tempo ou lugar. Pressuposto, porém, evidente,
que a norma penal em branco consta de lei forma, não se veem razões teleológico-
funcionais decisivas para considerar em causa, no plano da fonte, o respeito pelo
princípio da legalidade. O que fica dito vale também para os casos em que um
Regulamento Comunitário (diretamente aplicável na ordem jurídica portuguesa – artigo
8.º, n.º4 CRP) é chamado a preencher, por remissão, o espaço em branco de uma norma
penal interna: para este efeito o regulamento encontra-se no mesmo plano dos
instrumentos legislativos nacionais não legitimados para criar proibições penais. O
problema já não se põe relativamente às diretivas comunitárias e às decisões-quadro,
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pois estes instrumentos carecem sempre de uma atividade de transposição por parte dos
legisladores nacionais, a quem caberá proceder de acordo com o princípio da legalidade.
Proibição da analogia: toma-se neste contexto o conceito de analogia como aplicação de uma
regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de um argumento de semelhança
substancial com os casos regulados: a chamada analogia legis, não a analogia iuris. Depois de
quanto ficou dito torna-se evidente que o argumento de analogia, largamente adequado à
aplicação da lei, tem em Direito Penal de ser proibido, por força do conteúdo de sentido do
princípio da legalidade, sempre que ele funcione contra o agente e vise servir a fundamentação
ou a agravação da sua responsabilidade. Esta conclusão já resultaria evidente do texto do artigo
29.º, n.º1 CRP (e também do artigo 1.º, n.º1 CP), porque nestas hipóteses se não pode afirmar
que a lei declara punível o ato ou a omissão. Mas o CP entendeu – e bem – reforçar a proibição,
estatuindo expressis verbis, no artigo 1.º, n.º3, que «não é permitido o recurso à analogia para
qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou a
medida de segurança que lhes corresponde».
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aqueles que à primeira vista se diria caracterizadamente descritivos e por isso apreensíveis
através dos sentidos. Deste modo se torna inarredável a questão de saber o que pertence ainda
à interpretação permitida e o que pertence já à analogia proibida em Direito Penal pelo princípio
da legalidade. O critério de distinção teleológica e funcionalmente imposto pelo fundamento e
pelo conteúdo de sentido do princípio da legalidade só pode ser o seguinte: o legislador penal é
obrigado a exprimir-se através de palavras; as quais todavia nem sempre possuem um único
sentido, mas pelo contrário se apresentam quase sempre polissémicas. Por isso o texto legal se
torna carente de interpretação (e neste sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de
concretização, complementação ou desenvolvimento judicial), oferecendo as palavras que o
compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de 59
significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os
limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro, sob não importa que argumento, o
aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida. Um tal quadro não constitui
por isso critério ou elemento, mas limite da interpretação admissível em Direito Penal. A doutrina
aqui defendida não é, contra o que poderia pensar-se, arbitrária, nem muito menos filha de uma
metodologia crassamente positivista. É, pelo contrário, a posição teleológica e funcionalmente
imposta pelo conteúdo de sentido próprio do princípio da legalidade. Fundar ou agravar a
responsabilidade do agente em uma qualquer base que caia fora do quadro de significações
possíveis das palavras da lei não limita o poder do Estado e não defende os direitos, liberdades e
garantias das pessoas. Por isso falta a um tal procedimento legitimação democrática e tem de lhe
ser assacada violação da regra do Estado de Direito. É claro que, dito isto, não ficam ainda
apontados os critérios de que o intérprete se deve servir para eleger, de entre os sentidos
possíveis das palavras, aquele que deve reputar-se jurídico-penalmente imposto. Se o caso
couber em um dos sentidos possíveis das palavras da lei nada há, a partir daí, a acrescentar ou a
retirar aos critérios gerais da interpretação jurídica. O que simplesmente sucede, pois, é que há
de facto, em toda a construção – e muito particularmente na aplicação – do Direito Penal um
momento inicial de mera subsunção formal, imposta por aquele princípio (da legalidade) e pela
função de garantia ou, se quisermos, pelo tipo de garantia que daquele princípio resulta.
Ultrapassado porém este momento inicial, correspondente à operação lógico-jurídica a
incriminação, toda a posterior construção e aplicação não está submetida àquelas exigências e
deve integrar-se completamente nas duas ideias fundamentais da impostação metodológica
sugerida. Decisivo será assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente
comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro que
ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em
definitivo, a regulamentação) assume no sistema. Perante a conceção aqui defendida parecem
improceder as objeções que se seja tentado a opor-lhe. E desde logo a velha – mas sempre
renovada – objeção segundo a qual não é logicamente possível, nem metodologicamente
legítimo distinguir entre interpretação e analogia. Decerto que o processo lógico é o mesmo;
decerto que interpretação e integração são momentos, ambos, de um processo metodológico de
aplicação fundamentalmente unitário. Mas nada disto ofusca a circunstância de que existem
processos hermenêuticos cuja conclusão se mantém no quadro dos significados comuns
atribuídos às palavras utilizadas pelo legislador e processos cuja conclusão o ultrapassa: e é isto
o essencial para observância do conteúdo de sentido legitimador do princípio da legalidade. Todo
o resto acaba por reduzir-se a uma questão terminológica desinteressante, qual seja a de saber
se em vez de distinguir a interpretação da analogia não se torna preferível distinguir uma
interpretação jurídico-penalmente permitida de uma outra proibida. Não parece, por outro lado,
que deva substituir-se a função limitadora que aqui se assinala ao teor literal da norma
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incriminadora pelo sentido e finalidade da lei, em suma, pelo apelo à ratio legis. Claro que este
sentido e finalidade assume na interpretação (também na jurídico-penal, como assinalámos) uma
função primordial. Mas, antes de ele entrar em jogo, a interpretação admissível tem de passar a
prova de fogo – para a qual pode servir a imagem do funil invertido – da sua admissibilidade face
ao teor literal da lei e aos significados comuns que ele comporta. De outro modo esfuma-se a
função de garantia da lei penal – a proteção das pessoas perante a lei penal –, não é possível
encontrar qualquer especificidade do princípio da legalidade criminal face ao princípio da
legalidade tout court e o disposto no artigo 29.º, n.º1 CRP perde inteiramente a sua função e o
seu significado. O que acaba de dizer-se não significa porem que deva aceitar-se uma cisão entre
o princípio da legalidade e a sua função político-criminal, sujeito a uma compreensão metódica 60
estritamente lógico-formal, de um lado, e a dogmática do crime, orientada por uma consideração
substancial, de outro; de tal modo que àquele princípio, uma vez ultrapassado o momento inicial
de subsunção incriminatória, não mais houvesse que reverter. Antes o conteúdo e a função
político-criminal do princípio da legalidade devem a cada momento estar presentes na
construção dogmática do crime. E, antes de tudo, no seu elemento constitutivo que se acolhe
sob a epígrafe da tipicidade ou, mais concretamente, tipo de ilícito, sendo neste que se fazem
sentir de forma mais intensa e devem portanto encontrar tradução mais cabal as exigências de
determinabilidade inerentes ao princípio da legalidade. Temas como os da exigência de uma
conexão de risco em matéria de imputação objetiva, de determinação do que sejam atos de
execução em matéria de tentativa, ou de preferência pelas doutrinas do domínio do facto em
matéria de autoria são só alguns exemplos que esperamos tornarem claro aquilo que aqui se quis
significar.
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a. As incriminações;
b. As agravações da responsabilidade criminal;
c. As penas;
d. Os pressupostos das medidas de segurança;
e. As medidas de segurança;
f. Todas as normas processuais que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias.
Pressupostos da retroatividade: a interpretação jurídica e o problema do conceito de
retroatividade: a proibição da retroatividade importa que o conceito de retroatividade seja
discutido e delimitado normativamente. Desde logo, a retroatividade só existe se o regime
previsto numa lei se puder referir a um determinado tipo de situação anterior à sua vigência.
Segundo o artigo 3.º CP tal situação é referida ao momento da efetiva prática da ação criminosa
ou ao momento em que se produziria a ação que evitaria o resultado típico. Assim, se a lei em
causa for anterior à produção do resultado típico, mas posterior à prática da ação prevista já
haverá retroatividade. A retroatividade pressupõe que a lei penal se pretende referir, segundo
a interpretação jurídica, a certos factos anteriores. Não há, portanto, problema de
retroatividade onde o dever ser objetivo e a intenção normativa não se puderes concretizar, de
modo algum, naquelas situações. O abandono da conceção tradicional de interpretação jurídica
desligada da aplicação da norma reflete-se no conceito de retroatividade. Se, como advoga
Castanheira Neves, o texto jurídico deixar de ser o verdadeiro fundamento dos elementos extra
literais (histórico e teleológico), a retroatividade de uma lei tenderá a depender também das
definições jurisprudenciais do direito relativamente a certas categorias de casos anteriormente
7
Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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decididos. Mas a desvalorização do texto que resulta desta perspetiva tende a implicar que a
proibição de retroatividade abranja as próprias mudanças de orientação na jurisprudência
incriminadora e punitiva, pois, Como diz Castanheira Neves,
Uma tal conclusão seria, porém, excessiva, pois levaria a que toda a jurisprudência errada se
consolidasse. A proibição da retroatividade jurídica seria a única garantia possível contra
alterações jurisprudenciais absolutamente desvinculadas do texto jurídico a que a perspetiva de 62
Castanheira Neves, por força do apagamento do texto que propugna, conduz. Uma alteração de
jurisprudência que seja somente a correção de uma errada definição do direito não viola a
garantia da proibição de retroatividade das normas incriminadoras se o seu critério, ainda que
ampliador da incriminação, for o único critério jurídico possível da decisão. Não deverão ser
protegidas expectativas de uma menor punição relativamente a condutas para as quais,
objetivamente, o texto jurídico conterá um juízo de desvalor idêntico ao de outras
reconhecidamente incriminadas.
Retroatividade e processo penal: do artigo 5.º, n.º1 Código Processo Penal (CPP) resulta a
aplicabilidade imediata da nova lei processual penal. O n.º2 do artigo 5.º CPP limita a
aplicabilidade imediata, relativamente «aos processos iniciados anteriormente à sua vigência»,
nos casos de «agravamento sensível da situação processual do arguido» e de «quebra de
harmonia e unidade de vários atos do processo». Há, assim, limites à aplicabilidade imediata
resultantes diretamente do princípio constitucional da proibição da retroatividade e do próprio
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subprincípio contido no artigo 5.º, n.º2. O primeiro tipo de limites exclui a aplicabilidade
imediata de todas as normas do Processo Penal que não se possam caracterizar como puras
normas processuais, mas que sejam de natureza substantiva penal numa conexão
fundamentadora da responsabilidade do arguido. A aplicabilidade imediata justifica-se, apenas,
relativamente a normas que regulem o modo de proceder dos tribunais na definição concreta
do Direito Penal e não já relativamente a normas que se refiram às condições de procedibilidade
ou causas de extinção do procedimento criminal, como acontece com as normas que regulam
os prazos prescricionais, na medida em que estas delimitem direta e exclusivamente a relação
jurídica punitiva. Assim, as normas que dilatem os prazos de procedimento prescricional,
embora não afetem verdadeiramente um direito subjetivo dos autores dos crimes a não serem 63
perseguidos após o decurso de um certo lapso, revelam uma alteração da necessidade de punir
e uma intensificação da dignidade punitiva comparativamente com a vigente no momento da
prática do crime. A aplicação imediata do prazo prescricional revelaria, deste modo, uma
apreciação, à luz do presente, da necessidade de punição de um crime praticado no passado.
Uma tal solução enfraqueceria a limitação do Estado pelo Direito que criou num determinado
momento, não assegurando a auto limitação própria do Estado de Direito. Jakobs afirma que «o
princípio da vinculação à lei e consequentemente a proibição da retroatividade atinge tanto
quanto seja necessário pela garantia de objetividade». Também é de rejeitar a aplicação
imediata da lei que transforma um crime particular ou semipúblico em público, de modo que o
facto criminoso cometido no passado contra o qual não foi deduzida queixa possa vir a ser objeto
de processo penal. Taipa de Carvalho conclui no mesmo sentido do texto embora com referência
exclusiva ao artigo 29.º, nº.1 CRP. Jeschech e Roxin não convergem nas soluções. Roxin, contra
a doutrina e a jurisprudência dominantes, defendem a proibição de retroatividade da lei
posterior da lei posterior que suprima uma exigência de queixa particular: «se a exigência de
queixa é retroativamente eliminada e se pune sem queixa, então só nesse momento é que é
constituído um direito de punição do Estado». Neste último caso, não haverá, igualmente, um
direito do autor do facto criminoso não ser submetido a processo penal, ou pelo menos um
direito subjetivo construído como proteção de um bem em atenção às finalidades da pessoa. No
entanto, a aplicação imediata da lei, no caso de não ter sido deduzida queixa antes de ela ter
entrado em vigor, não garantiria suficientemente o princípio da objetividade e vinculação do
Estado ao seu Direito. A solução deste tipo de casos deve ser, diferentemente, a aplicação pura
e simples da lei antiga.. Finalmente, a situação inversa em que o crime é convertido de público
em semipúblico (ou até particular) não se equaciona juridicamente nos mesmos termos. Aí o
princípio do Estado de Direito não será critério decisivo da solução jurídica, se o referirmos
apenas à perspetiva do arguido – isto é, se dele pretendermos extrair exclusivamente garantias
de que o Estado se vincule ao seu Direito para não agravar, arbitrária e inesperadamente, a
posição do arguido. Também a lógica da proteção da segurança jurídica não é decisiva se apenas
for lida na perspetiva do arguido. Todavia, é ainda o princípio do Estado de Direito – como regra
de objetividade, de previsibilidade e segurança jurídica geral – que impõe, neste caso, que as
expectativas do titular do direito de queixa não sejam defraudadas, dando-se-lhe oportunidade
processual de exercer o seu direito após a entrada em vigor da lei nova. Esta solução não parece
de qualquer aplicação a este tipo de casos do artigo 5.º, n.º1 CPP, isto é, do critério de aplicação
imediata da lei processual penal pois o direito de queixa tem uma valia extraprocessual e até
extrapenal. A função do direito de queixa não justifica a referência das normas que o regulam à
ratio legis do nº.1 do artigo 5.º - a adaptação do processo a soluções novas mais eficientes,
instrumental da realização da justiça. O direito de queixa é influenciado pelo chamado princípio
vitimológico, segundo o qual compete ao Direito assegurar a reparação dos danos do crime
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sofridos pela vítima em toda a sua dimensão jurídica, nomeadamente através da utilização do
processo penal. Este princípio pressupõe que a proteção penal de um bem de que alguém é
titular, embora relevante para toda a sociedade, deve ser deixado à disponibilidade do ofendido
em situações em que o valor da disponibilidade pelo seu titular seja prevalecente. A anterior
argumentação demonstra que a lei da qual resultem alterações do direito de queixa não é
apenas uma lei penal no sentido do Direito Penal como conjunto de normas direta ou
indiretamente incriminadoras e dos seus meios de aplicação processual. A natureza do direito
de queixa também não permite referir integralmente as normas que o regulam ao princípio da
retroatividade in melius consagrado no artigo 29.º, n.º4 CRP e no artigo 2.º, n.º2 CP. Finalmente,
os limites previstos no artigo 5.º, n.º2 CPP, referem-se nitidamente a normas processuais das 64
quais derive um efeito essencial para a posição processual do arguido na relação jurídica punitiva,
na sua fase processual. São normas que, embora não afetando a existência da relação jurídica
punitiva nem a modificando substancialmente, atingem a possibilidade do comportamento do
arguido realizar os direitos que lhe são reconhecidos no processo penal, como por exemplo o
direito de defesa.
A aplicação retroativa de lei penal mais favorável: como limite não intrínseco à proibição
da retroatividade consagra-se nos artigos 29.º, n.º4 CRP e 2.º, n.º4 CP a aplicação retroativa da
lei penal mais favorável. O fundamento da chamada retroatividade in melius é simultaneamente
a igualdade e a necessidade da pena. A retroatividade in melius surge assim como um princípio
e não apenas como uma exceção à proibição da retroatividade. Se a lei penal posterior suprimir
uma norma incriminadora, será injusto que agentes de factos idênticos recebam tratamento
radicalmente diferente (punição e não punição), conforme tais factos sejam perpetrados antes
ou depois da revogação da norma. A lógica que subjaz ao artigo 2.º, nº.2 CP impõe assim que a
revogação da norma incriminadora tenha como consequência a extinção da pena ou do
procedimento criminal sem quaisquer limitações. O artigo 29.º, n.º4 CRP parece sugerir, embora
não expressamente, que a aplicação retroativa da lei penal mais favorável se detém perante o
caos julgado, na medida em que se refere a «leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido».
Todavia, uma eventual restrição pelo caso julgado não se adequa ao fundamento do princípio
da retroatividade in melius. Uma restrição do alcance daquele princípio não se justificaria senão
por uma lógica exterior de segurança e estabilidade das instituições que executam as penas. Por
outro lado, a referência ao arguido não é sinónima de caso julgado, na medida em que após o
caso julgado a qualidade de arguido persistirá se o processo for reativado. Não seria, no entanto,
razoável supor que a estabilidade e a segurança se realizariam, num Estado de Direito
Democrático, em contradição com a igualdade e sem qualquer apoio no princípio da
necessidade da pena (artigo 18.º, n.º2 CRP). O texto constitucional não apoia qualquer restrição
da garantia emanada do artigo 2.º CP, preceito em que o princípio da aplicação retroativa da lei
mais favorável se consagra de modo mais amplo. E, por força do artigo 17.º CRP, a amplitude da
garantia é tutelada constitucionalmente, na medida em que o direito à extinção da
responsabilidade criminal, resultante da aplicação da lei penal mais favorável desincriminadora
após o caso julgado, é de natureza análoga ao direito que se fundamenta expressa e
imediatamente no artigo 29.º, n.º4 CRP. Uma outra questão que a aplicação retroativa da lei
penal mais favorável suscita é a da abrangência da retroatividade perante leis penais posteriores
atenuantes da responsabilidade perante leis penais posteriores atenuantes da responsabilidade
penal mas não desincriminadores. Relativamente a estas, já o artigo 2.º, n.º4 CP refere
expressamente o «trânsito em julgado» como limitação da retroatividade em favor do agente.
Nesse caso, poderia pensar-se que o âmbito do princípio coincidiria com um sentido restrito que
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parece resultar do texto constitucional. Todavia, também nesta situação se impõe a aplicação
retroativa da lei que em concreto estabelece o regime mais favorável, com fundamento na
igualdade e na necessidade da pena. A reserva de caso julgado apenas se fundamenta em razões
de segurança e estabilidade das instituições penais cujo valor é necessariamente inferior à
igualdade e à necessidade da pena. O artigo 282.º, n.º3 CRP também não se refere
expressamente ao caso julgado, o que demonstra que o conceito de arguido utilizado, tanto
nesse artigo como no artigo 29.º, n.º4 CRP, não impõe uma restrição do princípio pelo caso
julgado. A aplicação retroativa da lei penal de conteúdo mais favorável impõe que se determine
em concreto o regime mais favorável para o arguido, isto é que se considere qual seria a medida
da pena mais favorável, em face de todas as causas de justificação, desculpa, atenuação, 65
agravação e procedibilidade de uma determinada lei. Uma lei posterior que agrave a medida
legal da pena poderá, ainda assim, permitir a aplicação de uma pena inferior ao agente e deverá,
nesse caso, ser aplicada retroativamente.
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apela a uma compreensão valorativa da substituição e regimes. Embora numa aparente e estrita
lógica formal se pudesse concluir que a diferença qualitativa do ilícito penal relativamente ao de
mera ordenação social impediria uma verdadeira sucessão de leis no tempo, pois os critérios
valorativos de um ilícito de outra natureza suscitariam um facto jurídico novo e diferente, tal
construção desconheceria que o sentido do apelo à autonomia qualitativa do ilícito é apenas
evitar a plena utilização dos custos e vantagens dos critérios de responsabilização penal e do
respetivo processo e permitir a introdução de critérios de aferição da responsabilidade
justificados por objetivos sociais menos centrais e mais instrumentais. É incorreto, deste modo,
defender a extinção em absoluto da responsabilidade jurídica em tais situações, quando não
existir uma explícita e coerente vontade legislativa da extinção de toda a responsabilidade pelos 66
factos passados. Por outro lado, nestas situações existe, na realidade, um comportamento
humano referente essencialmente idêntico, que assegura a unidade do facto e a continuidade
normativa. A sucessão de leis que origina a conversão do crime público em semipúblico é uma
verdadeira sucessão de leis penais para efeitos da aplicação do artigo 2.º, n.º2 e 4 CP? A
pergunta justifica-se, obviamente, por se poder entender que violaria aquelas normas uma não
aplicação retroativa da lei penal posterior aos factos que foram cometidos antes da sua vigência,
sendo esta última mais favorável. Porém, como se disse, a dimensão normativa dos preceitos
que alteram o direito de queixa não é estritamente penal: a normação do direito de queixa não
é inequivocamente lei penal no sentido dos artigos 2.º, n.º2 CP e 29.º, n.º4 CRP. Sendo
justificada a retroatividade in melius pela igualdade na aplicação da pena e pela necessidade da
mesma, o âmbito do conceito de lei penal é aferido por essa ratio legis, de modo que as
alterações do direito de queixa não estão necessariamente contempladas. Isto é, a exigência de
exercício do direito de queixa para o desencadeamento do processo penal não significa
diretamente a diminuição da necessidade de punir relativamente à fase anterior nem pretende
necessariamente favorecer a posição do autor do crime, embora esses efeitos possam ser
reflexamente produzidos. Com efeito, a despublicização de crimes pode ter um fim de mera
proteção da vítima ou então revelar um desinteresse do Estado pela iniciativa processual, devido
a razões de política criminal. Nesses casos, a fundamentação normativa do direito de queixa
seria negada com uma aplicação retroativa da lei posterior que levasse a um automático
arquivamento dos processos e à total impossibilidade do exercício do mesmo direito. Nesse
sentido, nunca se poderia dizer que tais casos se submeteriam exclusivamente ao artigo 29.º,
n.º4 CRP tem difícil aplicação sua plenitude lógica. Já nos casos em que despublicização revele
uma menor intensidade do direito de punir, seria mais compreensivelmente uma decisão
segundo o artigo 29.º, n.º4 CRP, sem que, no entanto, essa aplicação pudesse ser absolutamente
limitativa dos direitos do ofendido. Assim, tanto nos últimos casos como nos primeiros (em que
o artigo 29.º, n.º4 CRP, não estaria em causa) a solução jurídica mais harmoniosa será a da
atribuição ao ofendido da oportunidade processual para o exercício do direito de queixa. Nos
casos de despublicização para proteção da vítima (que não se submetem plenamente à ratio dos
artigos 29.º, n.º4 CRP e 2.º, n.º4 CP), a ultra atividade da lei anterior (crime público) levaria a
uma desigualdade entre os arguidos pelos mesmos crimes ates e depois da despublicização, se
não se viesse a exigir o exercício do direito de queixa. Noutros casos, em que se divisa um sentido
relativamente descriminalizador (uma menor necessidade de punir), a aplicação retroativa da
lei que despubliciza implicaria uma desproteção dos titulares do direito de queixa que o artigo
29.º, n.º4 CRP, não pode em rigor produzir, impondo-se uma contenção do seu alcance pelo
princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º CRP). Por todas essas razões se impõe
uma única solução jurídica para estes casos: a atribuição de oportunidade de exercício do direito
de queixa. O seu fundamento não decorre direta e exclusivamente do artigo 29.º, n.º4 CRP, mas
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sim dos princípios jurídicos que a este subjazem – a igualdade e a necessidade da pena –,
articuladamente com a proteção da confiança emanada do Estado de Direito Democrático.
Justifica-se, simulataneamente, a aplicação imediata da lei nova e a proteção do exercício do
direito de queixa.
8
Dias, Jorge Figueiredo; Direito Penal, Parte Geral, tomo I; Coimbra Editora, 2.ª Edição; Outubro 2012,
Coimbra.
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resolvido através das normas chamadas de direito inter-temporal. Este direito como que
se reduz, no âmbito penal, ao princípio que traduz uma das consequências mais
fundamentais do princípio da legalidade: o da proibição da retroatividade em tudo
quanto funcione contra reum ou in malem partem. Através dele se satisfaz a exigência
constitucional e legal de que só seja punido o facto descrito e declarado passível de pena
por lei anterior ao momento da prática do facto. Com este conteúdo e esta extensão a
proibição de retroatividade da lei penal fundamentadora ou agravadora da punibilidade
constitui uma das traves mestras de todo o Estado Democrático contemporâneo.
3. Âmbito de aplicação da proibição: tal como vimos suceder com a proibição da analogia –
e pelas mesmas razões substanciais –, também a proibição de retroatividade funciona
apenas a favor do agente, não contra ele. Por isso a proibição vale relativamente a todos
os elementos da punibilidade, à limitação de causas de justificação, de exclusão ou de
diminuição da culpa e às consequências jurídicas do crime, qualquer que seja a sua
espécie. Em muitas ordens jurídicas vigora ainda hoje a ideia de que a proibição não vale
relativamente às medidas de segurança; na base, uma vez mais, de que se trata aí de
medidas de prevenção especial positiva comandadas pelo verdadeiro bem do agente. E
a ideia teve também curso entre nós até à CRP 1976 e ao CP 1982. Hoje, porém, existem
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injunções legais, constitucionais (artigo 29.º, n.º1 e 3 CRP) e ordinárias (artigo 1.º, n.º2
CP), que terminantemente afastam uma tal doutrina. Com razão. Também relativamente
às medidas de segurança se fazem sentir exigências de proteção dos direitos, liberdades
e garantias das pessoas atingidas que substancialmente se identificam com as que se
fazem sentir ao nível das penas. De considerar é agora todavia a doutrina diferenciadora
proposta por Maria João Antunes:
Por isso,
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não estará completamente desprotegido, já que poderá por vezes amparar-se numa falta
de consciência do ilícito não censurável, que determinará a exclusão da culpa e, em
consequência, da punição (artigo 17.º, n.º1 CP). Questão muito discutida é, por fim, a de
saber se a proibição de retroatividade se estende aos pressupostos da punição, positivos
e negativos, e aos pressupostos processuais. O problema concretamente mais relevante
situa-se em matéria de prazos de prescrição. Urge considerar, por outro lado, que em
matéria processual o nosso ordenamento jurídico dispõe, no CPP, de uma norma
especificamente dirigida à questão: a do artigo 5.º, que contém o princípio da aplicação
imediata da lei nova, mas lhe introduz decisivas limitações quando dele derive – no que
ao presente enquadramento interessa – um agravamento sensível e ainda evitável da 70
situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
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2.º, n.º4, resulta que a ressalva dos casos julgados só é afastada em caso de
execução de uma pena principal e já não de uma pena de substituição, uma vez
que só é possível avaliar se o tempo de execução corresponde à pena máxima
aplicável pela lei posterior se ambas forem da mesma espécie. Apesar destas
cautelas, resta saber se uma tal brecha na ressalva dos casos julgados não
constituirá um fator de inibição de futuras reformas legislativas com vista à
redução de penas de certas categorias de crimes em que se verifique um
elevado número de condenações e se não acabará assim por ter efeitos
contraproducentes.
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devem pois considerar-se apenas aquelas que, a priori, são editadas pelo
legislador para um tempo determinado: seja porque este período é desde logo
apontado pelo legislador em termos de calendário ou em função da verificação
ou cessação de um certo evento (chamadas leis temporárias em sentido estrito);
seja porque aquele período se torna reconhecível em função de certas
circunstâncias temporais (chamadas leis temporárias em sentido amplo).
Comum é a circunstância de a lei cessar automaticamente a sua vigência uma
vez decorrido o período de tempo para o qual foi editada. A razão que justifica
o afastamento da aplicação da lei mais favorável reside em que a modificação
legal se operou em função não de uma alteração da conceção legislativa – esta 73
é sempre a mesma –, mas unicamente de uma alteração das circunstâncias
fáticas que deram base à lei. Não existem por isso aqui expectativas que
mereçam ser tuteladas, enquanto, por outro lado, razões de prevenção geral
positiva persistem O que deve ser reforçada é a necessidade, a que começou
por aludir-se, de interpretação rigorosa daquilo que na verdade constitui uma
lei temporária; com a consequência de, em caso de duvida, fazer valer as regras
da proibição de retroatividade e da aplicação da lei mais favorável, nos termos
gerais.
Taipa de Carvalho
9
Palma, Maria Fernanda; Direito Penal, parte geral; AAFDL; Lisboa, 1994.
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relevante para o Direito para além da ação típica. O perigo afronta assim a Ordem
Jurídica e põe em causa a segurança dos bens e a confiança no Direito, clamando pela
soberania punitiva do Estado, do mesmo modo que a ação ou o resultado. Questão que
subsiste ainda é a de saber se a mera ocorrência do dano (lesão do bem jurídico) sem
que o resultado típico se verifique em Portugal permite considerar praticado em
território português o facto. O dano nunca é uma lesão ideal do bem jurídico totalmente
desligada de um certo evento contraponível e imputável à ação típica. Embora esse
evento não seja necessano para a tipicidade, porque o resultado típico pode
corresponder a uma fase menos concretizada e avançada da lesão do bem jurídico, todo
o dano pressupõe, nos crimes de resultado, uma manutenção do resultado típico ou a 75
sua intensificação. Apesar de bastar para a definição do local da prática do crime a
realização do resultado típico, esse primeiro momento (ou esse momento mínimo) não
afasta a conexão com a ordem jurídica portuguesa, quando apenas se relacione com ela
a perduração do mesmo resultado. Deste modo, naqueles tipos legais de crimes em que
a tipicidade se consuma com um resultado anterior à lesão efetiva do bem jurídico, a
produção do dano é elemento de conexão com a lei penal portuguesa, pressupondo
uma intensificação ou um desenvolvimento do evento típico.
3. Princípio da defesa dos interesses nacionais: a territorialidade da lei penal não permite
estabelecer exaustivamente uma conexão entre o poder punitivo e a defesa de bens
jurídicos essenciais à preservação de certas condições essenciais da organização e da
segurança da sociedade, sempre que ocorram lesões de bens exteriores ao território
português, mas que façam perigar as condições referidas. O artigo 5.º, n.º1, alínea a),
indica um elenco de normas que correspondem a essas possibilidades mais frequentes.
A realidade de novos espaços extra territoriais de titularidade de interesses nacionais é
especialmente notória em matéria ambiental, em que a ação e o resultado são, por
vezes, extra territoriais, mas em que o perigo para os bens jurídicos nacionais justificaria
imediata intervenção penal.
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questão que se coloca é saber até onde a validade espacial das leis internas pode e deve
ir sem que o princípio da cooperação entre as ordens jurídicas inerente se adultere,
potenciando a conflitualidade entre os Estados.
ii) Os factos serem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido
praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo;
iii) Os factos constituírem crimes que admitam extradição e esta não possa ser
concedida.
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entanto, estejam determinadas pela irrelevância penal das suas condutas, não tendo
cabimento assegurar expectativas ou proteger a igualdade na proteção jurídica entre
esses agentes e os estrangeiros. A interpretação da alínea e) do artigo 5.º levanta alguns
problemas, que terão de ser resolvidos de acordo com a ratio legis e com o próprio teor
do princípio da nacionalidade. Assim, pode desde logo questionar-se quais os contornos
concetuais e o âmbito da exigência de punição no lugar em que os factos tiverem sido
praticados. Perguntar-se-á se será exigida uma punibilidade em abstrato (as meras
tipicidade e ilicitude) ou em concreto a inexistência de causas de exclusão da culpa ou
da punibilidade reportadas à pessoa do agente. A lógica imanente ao princípio da
nacionalidade bastar-se-ia, em rigor, com a tipicidade e a ilicitude dos factos no 77
território estrangeiro, isto é, com a sua contrariedade objetiva à ordem jurídica
estrangeira, pois só estas categorias fundamentariam expectativas quanto à irrelevância
do facto, ao seu não desvalor. Todavia, uma aplicação da lei penal portuguesa de que
decorresse uma punibilidade de factos não puníveis em concreto no estrangeiro (devido
a certas condições do agente) redundaria numa violação do princípio da aplicação da lei
penal estrangeira mais favorável, expresso (ainda que restritamente e referido às
situações do n.º1 do artigo 6.º CP) no artigo 6.º, n.º2 CP. A melhor interpretação do
artigo 5.º, n.º1, alínea e), ii) CP, imporá que a lei penal portuguesa seja aplicável, por
força do princípio da nacionalidade conjugado com o da aplicação da lei penal
estrangeira mais favorável, somente nos casos em que o facto seja em concreto punível
no país estrangeiro. A circunstância de o artigo 6.º, n,º.1 CP, impor a aplicação da lei
penal estrangeira mais favorável nos casos em que o agente foi julgado no estrangeiro
(e se subtraiu à condenação) ou não foi julgado no estrangeiro impõe, por maioria de
razão, que onde o agente nem pudesse ter sido julgado no estrangeiro (por força de
uma condição objetiva ou subjetiva de punibilidade, ou de uma condição de
procedibilidade) ou em que, se fosse julgado nunca poderia ter sido condenado (em
virtude de causa de exclusão de culpa, por exemplo), nem sequer deva ser submetido à
aplicabilidade da lei penal portuguesa. Outra questão de interpretação que o artigo 5.º,
n.º1, alínea b) CP, suscita é saber o que é que deve ser entendido por crime contra
portugueses. Apesar de, historicamente, o preceito da alínea b) do n.º1 do artigo 5.º CP
ter tido como objetivo complementar crimes como a bigamia e o aborto, pergunta-se,
hoje, se este último crime pode ser entendido como crime contra portugueses, sem o
recurso a analogia, no caso do aborto consentido previsto no artigo 140.º CP, já que o
feto parece não ser, no sentido normal das palavras, um cidadão português. A cidadania
não implica, todavia, o reconhecimento de personalidade jurídica nos termos da lei civil,
mas a irreversibilidade da aquisição dessa personalidade, como acontecerá durante o
parte, antes ainda do corte do cordão umbilical. Ora, apesar de o aborto consentido
proibido ter como objeto da ação típica o próprio feto e o bem jurídico protegido ser a
vida intra-uterina, são ainda os interesses da sociedade portuguesa como um todo,
como em qualquer outro crime, que são afetados. A vida intra-uterina de futuro cidadão
português é assim um bem cuja tutela penal se tem que justificar por um interesse
objetivo da sociedade. Não há portanto, neste caso qualquer necessidade de recorrer à
analogia, entre o conceito de feto e o de cidadão português na medida em que é possível
através de interpretação sistematicamente justificada referir o sujeito passivo do crime
e toda a sociedade, isto é, a todos os portugueses. Por outro lado, em inúmeras outras
infrações há uma mera titularidade coletiva do bem jurídico a justificar a incriminação,
como acontece nos crimes contra a vida em sociedade ou contra o Estado.
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6. Restrições à aplicação da lei penal portuguesa por força da aplicação mais favorável
do Direito estrangeiro (artigo 6.º, n.º2 CP): o artigo 6.º, n.º2 CP consagra igualmente
uma restrição à aplicação da lei penal portuguesa menos favorável, nos casos em que
ela seja aplicável por força dos princípios da universalidade e da nacionalidade, isto é,
quando não estejam em causa os princípios da territorialidade e da defesa dos
interesses nacionais (artigo 6.º, n.º1 e 3 CP) e sempre que o agente encontrado em
território nacional «não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver
subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação». Consiste tal restrição na
exigência de naqueles casos ser aplicada a lei do país em que o facto tiver sido praticado
sempre que aquela for concretamente mais favorável ao agente (artigo 6.º, n.º2 CP). A 78
razão de ser de tal restrição à aplicação da lei portuguesa é a conjugação da
subsidiariedade do exercício do poder punitivo do Estado português nesses casos com
os princípios da culpa, da igualdade, da necessidade da pena e da segurança jurídica
(artigos 1.º, 13.º, n.º1, 18.º, n.º2 e 29.º, n.º1 CRP). Na verdade, nessas situações o Estado
português pune porque outro Estado não pôde punir, mas não deixa de conceber a
punição de acordo com os seus princípios constitucionais. A punição, em termos mais
graves, pelo Direito português não garantiria uma adequação da consciência da ilicitude
do agente ao desvalor da ação e à gravidade do ilícito para ele previsível. A ratio do
princípio da aplicação da lei estrangeira mais favorável não abrange a alínea b) do n.º1
do artigo 5.º CP, na medida em que, aí, o poder punitivo do Estado português não é de
modo algum subsidiário. Resulta assim do próprio artigo 6.º, n.º1 e 2 CP, que as
situações contempladas naquele outro preceito não deveriam ser incluídas. Na verdade,
o artigo 6.º pressupõe que o facto seja punível em país estrangeiro, enquanto a alínea
b) do n.º1 do artigo 5.º CP se baseia, exatamente, em o facto não ser punível no
território em que é praticado nem em abstrato nem em concreto ou ser menos
gravemente punível. Punição em concreto significará punibilidade efetiva do facto,
consideradas todas as circunstâncias da sua ocorrência e até mesmo os aspetos
relacionados com a culpa do autor. Deste modo, a falta de uma referência explícita à
exclusão do artigo 5.º, n.º1, alínea b) CP não impede que, pro força do próprio elemento
lógico da interpretação, se entenda afastada a aplicação do referido princípio naqueles
casos. Também a circunstância de o artigo 5.º, nº.1, alínea e), ii) CP, ter sido interpretado
com referência ao princípio da aplicação da lei penal mais favorável, fazendo uma
interpretação da punibilidade pela legislação estrangeira no sentido de punibilidade em
concreto, não contende com a referida subtração da alínea b) do n.º1 do artigo 5.º CP
ao mesmo principio, pois os casos previstos neste último nunca são, por natureza,
comparáveis (em termos de igualdade e necessidade) aos factos semelhantes
cometidos por estrangeiro no respetivo país.
7. A aplicabilidade da lei penal portuguesa e o princípio non bis in idem: o artigo 6.º, n.º1
CP exprime um condicionamento geral da aplicabilidade da lei penal portuguesa pelo
princípio do non bis in idem (artigo 29.º, n.º5 CRP). Assim, pressuposto da efetivação
dos princípios da nacionalidade e da universalidade é o facto de o agente, encontrado
em Portugal, não ter sido julgado no país da prática do facto ou ter-se subtraído ao
cumprimento total ou parcial da condenação. O n.º2 do artigo 6.º CP, por outro lado,
prevê, nos casos em que haja efetivamente lugar à aplicação da lei penal portuguesa
que a lei penal estrangeira mais favorável em concreto se imponha, sendo a pena
aplicável posteriormente convertida numa pena correspondente no sistema penal
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português ou, se a correspondência não for possível, na pena que estiver prevista para
o facto. Questão que imediatamente se levanta é a de saber se, havendo condenação
ou o cumprimento parcial da pena, no país estrangeiro, tal facto não deverá impedir o
julgamento, em Portugal, pela prática dos mesmos crimes com vista ao cumprimento
da pena (total ou parcialmente) em Portugal, por força do princípio non bis in idem.
Pressuposto da resposta a tal questão é o próprio âmbito constitucional do princípio
non bis in idem. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem, todavia, apenas o âmbito
literal da proibição constitucional, distinguindo o duplo julgamento da dupla
penalização e concluindo que, embora só primeiro seja vedado expressamente pela
Constituição, o segundo é abrangido pelas finalidades da proibição constitucional. Ora, 79
essas penalidades não podem ser totalmente esclarecidas pelo sentido histórico do
princípio (dimensão da defesa contra o Estado e de obrigação do Estado à definição no
caso julgado material), mas terão de ser compreendidas na conexão desta proibição
constitucional com a ideia de Estado de Direito (princípio de limitação do poder do
Estado pelo seu Direito – objetividade e confiança) e com o princípio da necessidade da
intervenção penal. Abrangerá o artigo 29.º, n.º5 CRP o julgamento anterior no
estrangeiro pelo mesmo crime ou apenas o julgamento por tribunais portugueses? A
resposta a tal questão, no puro plano da constitucionalidade, impõe o reconhecimento
de que o princípio non bis in idem é a expressão penal da garantia de que a perseguição
criminal mediante o processo penal não é instrumento de arbitrariedade do poder
punitivo, utilizável renovadamente e sem limites, mas é antes um modo controlável e
garantido de aplicação do Direito Penal. Assim, tanto a repetição do julgamento pelo
mesmo crime, de que se foi absolvido ou condenado a certa pena, como a repetição da
punição de agente já condenado e punido constituem claras negações do valor geral do
processo penal e do direito do arguido a que o Estado se vincule ao desfecho do
processo penal que desencadeou. À necessidade de densificação semântica do preceito
constitucional de referem Gomes Canotilho e Vital Moreira concebendo-a a partir dos
conceitos jurídico-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do
direito e do processo penais. Todavia, o conceito de «mesmo crime» tem de se referir a
uma unidade factual pré-normativa. Não é a artificial diversificação de factos pela lei e
a analítica configuração de bens jurídicos que há-de, legitimamente, definir «mesmo
crime». O problema da semântica constitucional resolve o conteúdo jurídico material da
unidade de facto e do concurso de crimes e não o inverso. Esta lógica fundamentadora
não restringe a aplicação do princípio aos julgamentos realizados por tribunais
portugueses. Por outro lado, o poder punitivo do Estado português terá que se justificar
pela estrita necessidade de intervir (julgar e punir), nos termos do artigo 18.º, n.º2 CRP.
De um modo geral, a necessidade de intervenção do poder punitivo, quando uma
pessoa foi julgada e absolvida no estrangeiro ou já aí cumpriu a pena, não existe. Apenas
quando a intervenção penal se justifica pela proteção de interesses nacionais é legítima
a renovada intervenção punitiva do Estado Português. O princípio non bis in idem surge,
deste modo, como uma emanação de duas ideias fundamentais: a vinculação do poder
punitivo do Estado de Direito pelo desfecho do processo penal e o próprio princípio da
necessidade da intervenção penal. Este horizonte valorativo do princípio non bis in idem
assegura-lhe universalidade mas pressupõe, igualmente, uma harmonização dos
direitos que não existe na comunidade internacional. Ora, o sentido da expressão
«julgado pelo mesmo crime», no artigo 29.º, n.º5 CRP, é conferido essencialmente pelos
conceitos de processo penal e de julgamento na ordem jurídica portuguesa, de modo
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uma política criminal minimamente concertada não poderia admitir. Para tanto
bastando que o país onde a conduta teve lugar seguisse o critério do resultado
típico, enquanto o outro país onde o resultado se verificou aceitasse o critério da
conduta. A revisão do CP 1998 veio aditar ao artigo 7.º duas conexões que, em
rigor, já não seriam exigidas pela referida solução plurilateral: o local onde se
produziu «o resultado não compreendido no tipo de crime» e, em caso de
tentativa, o local onde o resultado se deveria ter produzido «de acordo com a
representação do agente». A primeira conexão diz respeito, desde logo, aos
chamados crimes tipicamente formais mas substancialmente materiais, que
atingem a consumação típica sem que todavia se tenha verificado ainda a lesão 82
que, em última análise, a lei quer evitar, proporcionando assim uma tutela
antecipada do bem jurídico. Em segundo lugar, ela abrange os chamados crimes
de atentado, ou de empreendimento, que, embora pressuponham um resultado
que transcende a factualidade típica, se consumam no estádio da tentativa.
Enfim, aquela conexão vale também para os resultados ou eventos agravantes
nos denominadas crimes agravados pelo resultado. Em todos estes casos, a
ocorrência em território português do «resultado não compreendido no tipo de
crime» fundamenta a competência da lei portuguesa, assim se retomando, de
alguma forma, o entendimento da nossa doutrina já à luz do CP 1886, o qual,
como se disse, não regulava expressamente a questão do locus deliti. Duvidosa
é a questão de saber se podem reconduzir-se àquela expressão as meras
condições objetivas de punibilidade, como pretende a doutrina alemã perante
um texto legal muito semelhante, interpretando latamente o termo «resultado».
Parece de acolher a formulação segundo a qual é necessário para tanto que tais
condições tenham sido causadas pela conduta e sirvam para fixar o sentido
antijurídico do facto. O artigo 7.º, n.º2, introduzido pela revisão do CP de 1998,
acrescentou uma segunda inovação aos critérios de determinação do locus
delicti: local do facto é também, em caso de tentativa, o local onde o resultado
deveria ocorrer segundo a representação do agente. Na prática, a grande maioria
dos casos regulados por esta norma seria também punível através das regras
(com pressupostos mais estreitos, é certo) da nacionalidade passiva e da
proteção dos interesses nacionais. De toda a maneira, no plano dogmático, não
deixa de ser estranho considerar como local da prática do facto o lugar onde o
facto não chegou efetivamente a praticar-se.
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valem as condições postas nos três apartados da alínea e) do artigo 5.º, n.º1 CP.
O princípio da nacionalidade encontra-se consagrado, na forma normal do seu
aparecimento – e na verdade tanto na sua vertente ativa, como na passiva – no
artigo 5.º, n.º1, alínea e) CP. De acordo com ele a lei penal portuguesa é aplicável
a factos cometidos fora do território nacional, por portugueses (princípio da
personalidade ativa) ou por estrangeiros contra portugueses (princípio da
personalidade passiva), sob uma tríplice condição: a de os agentes serem
encontrados em Portugal; a de tais factos serem uníveis pela legislação do lugar
em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar se não exercer poder
punitivo; e a de constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser 84
concedida. Português para os efeitos em causa é todo aquele que como tal deva
ser considerado, no momento do facto (artigo 3.º CP) e segundo as normas da
lei da nacionalidade.
b. Condições de aplicação:
ii. Que o facto seja também punível pela legislação do lugar em que tiver
sido praticado: a exigência de que o facto seja também punível pela
legislação do lugar em que tiver sido praticado (artigo 5.º, n.º1, alínea e),
inciso ii) CP) é a condição materialmente mais importante de aplicação
do princípio da nacionalidade e que mais claramente o converte em
princípio subsidiário. Uma tal exigência é, pelo menos em via de princípio,
político-criminalmente justificada e teleologicamente plena de sentido.
Não é em regra razoável star a submeter ao poder punitivo alguém que
praticou o facto num lugar onde ele não é considerado penalmente
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iii. Que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser
concedida: o inciso iii) do artigo 5.º, n.º1, alínea e) CP põe como última
condição de aplicação do princípio da personalidade, ativa ou passiva,
que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa ser
concedida. Trata-se aqui claramente de uma reafirmação da conceção
do legislador segundo a qual o princípio da territorialidade deve não
apenas no conspeto nacional, mas internacional constituir o princípio
base, e o princípio da nacionalidade o complemento. Se a extradição
fosse jurídica e faticamente possível ela deveria ser concedida e o
princípio pessoal deveria regredir: do ponto de vista do princípio base da
territorialidade antes dedere que punire. Se estiver em causa o princípio
da nacionalidade ativa (sendo o agente português), a extradição só é
possível nos apertados limites do regime previsto no artigo 33.º, n.º3
CRP e no artigo 32.º, n.º2 Lei n.º 144/99, 31 agosto. Com efeito,
rompendo com uma tradição plurissecular, a Lei Constitucional n.º1/97
introduziu no nosso Ordenamento Jurídico a possibilidade de extradição
de nacionais, até então absolutamente proibida pela Constituição: a
causa imediata da modificação deveu-se por certo à vontade de dar
cumprimento à regra posta pelo artigo 7.º, n.º1 Convenção Relativa à
Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, assinala a 27
setembro 1996. Embora esta norma admitisse a formulação de reservas,
o Estado Português optou por abrir o seu direito à extradição de
nacionais em certos casos de contados e taxativamente descritos, de
acordo com a faculdade concedida no artigo 7.º, n.º2 da Convenção.
Assim, o atual artigo 33.º, n.º3 CRP (só) permite a extradição de
nacionais desde que se verifiquem os seguintes requisitos (cumulativos!):
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3. O princípio complementar da defesa (da proteção) dos interesses nacionais: trata-se, neste
princípio complementar de aplicação da lei penal portuguesa, da específica proteção que
deve ser concedida a bens jurídicos portugueses, independentemente, por conseguinte,
da nacionalidade do agente, de os crimes terem sido cometidos no estrangeiro e mesmo
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do que a seu respeito disponha a lei do lugar. O que sucede é que, apesar dos esforços,
em parte já coroados de algum êxito a nível internacional ou inter-regional, de
aproximação e de cooperação entre as diversas leis nacionais, pode compreender-se que
muitas delas não punam os factos, ainda que praticados no seu âmbito territorial,
exclusivamente dirigidos à lesão dos bens jurídicos próprios de outro país. É o que sucede
com a generalidade dos crimes contra o Estado, onde a área de tutela típica cobre apenas
os interesses do Estado Português. Foi precisamente a regra enunciada no texto que
levou o legislador nacional a rever o regime da punição do terrorismo na Lei de Combate
ao Terrorismo (L 52/2003, 22 agosto), passando a incriminar as organizações terroristas
que tenham por fim a prática de atos terroristas contra entidades estrangeiras (artigo 3.º) 88
e, naturalmente, o próprio Terrorismo internacional (artigo 5.º). Por isso os estados
nacionais se veem na necessidade de fazer intervir a proteção penal dos seus interesses
específicos perante factos cometidos no estrangeiro, mas diretamente dirigido à lesão
de bens jurídicos nacionais. O bom fundamento de uma tal extensão do ius puniendi
nacional reside em que o próprio agente estabeleceu a relação com a ordem jurídico-
penal portuguesa ao dirigir o seu facto contra interesses especificamente portugueses.
Além disso, o Estado em cujo território o crime foi praticado pode não se encontrar em
condições de perseguir os infratores, pelo que o Estado Português deve munir-se dos
instrumentos necessários à defesa própria dos seus interesses essenciais. As hipóteses
integrantes deste princípio têm a ver com a defesa de bens jurídicos que podem dizer-
se nacionais segundo a específica natureza. Aqui é pois a substancia do bem jurídico que
o torna em interesse nacional, não necessariamente a titularidade, por isso se falando
hoje com propriedade, a respeito desta vertente do princípio da defesa de interesses
nacionais, de um princípio de proteção real. A lei tem, deste modo, de fazer uma
enumeração taxativa dos tipos de factos relativamente aos quais vale o princípio em
exame. A ela procede o artigo 5.º, n.º1, alínea a) CP. Assinale-se que, em um certo sentido,
o princípio de proteção real prefere ao princípio da personalidade ativa quando ambos
sejam convocados no caso concreto, isto é, sempre que um dos crimes a que o princípio
real se refere tenha sido praticado por um português: no sentido de que, em casos tais,
não se torna necessária à aplicação da lei penal portuguesa a verificação dos requisitos
de que o artigo 5.º, n.º1, alínea e) e b) CP faz depender a entrada em função do princípio
da nacionalidade.
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c. O facto constitua crime que admita a extradição e esta não possa ser concedida.
Também aqui se devendo entender que o conceito de extradição, para efeitos desta
alínea, abarca, por interpretação extensiva (licita), a entrega aos Tribunais Penais
Internacionais e a que resulta de um mandado de detenção europeu, nos termos da Lei
n.º 65/2003, 23 agosto. Nos raros casos em que um desses pedidos de entrega não deva
ser satisfeito, e não se aplique nenhuma das conexões precedentes, a lei portuguesa é
competente para conhecer dos factos em virtude da norma contida no artigo 5.º, n.º1,
alínea f) CP.
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aplicação só ter lugar «quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se
houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação» (artigo 6.º, n.1ºCP). Trata-se
aqui, antes de mais, de respeitar o princípio jurídico-constitucional ne bis in idem, segundo o qual
«ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» (artigo 29.º, n.º5
CRP); até porque uma tal garantia é considerada pela nossa Constituição como valendo para
todas as pessoas e para todos os tribunais, que não apenas para os cidadãos portugueses ou para
julgamentos levados a cabo por tribunais portugueses. Mas trata-se também de traduzir a ideia
segundo a qual o critério da territorialidade deve, segundo a nossa constituição político-criminal,
constituir efetivamente o princípio prioritário e todos os outros assumirem a veste de princípios
meramente complementares, ou melhor ainda, nesta aceção, supletivos. Trata-se, em suma e só, 90
de prevenir a impunidade que poderia resultar de conflitos negativos de jurisdição. Esta solução
pode suscitar algumas dúvidas quanto ao seu fundamento político-criminal no que toca à sua
aplicação aos casos em que intervenha o princípio da defesa dos interesses nacionais na sua
vertente de proteção real. Pode dizer-se que não deve confiar-se a tribunais estrangeiros a
apreciação de ofensas a interesses especificamente nacionais. Mas a validade deste argumento
já tem sido posta em causa: porque atrás dele estaria uma inadmissível desconfiança de princípio
perante sentenças de tribunais estrangeiros, a qual só pode prejudicar os esforços de
incrementação da cooperação judiciária internacional em matéria penal; e porque era esta já a
solução contida no CP 1886 e não há noticia de que tenha dado lugar a lacunas intoleráveis na
defesa de interesses especificamente portugueses. O que se compreenderia, porque uma de
duas: ou os interesses nacionais em causa correspondem também a interesses dignos de
proteção segundo a lex loci e deve então esperar-se que esta proteção seja suficiente para
assegurar a defesa dos interesses nacionais; ou os interesses portugueses não são protegidos
pela lex loci, menos indiretamente e o problema então nem sequer se suscita porquanto o agente
não será julgado no país estrangeiro e a lei portuguesa torna-se plenamente aplicável. Prova
definitiva do caráter subsidiário dos princípios de extra territorialidade é que, nos termos do
artigo 6.º, n.º2 CP, o facto deva ser julgado pelos tribunais portugueses «segundo a lei do pais em
que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao delinquente».
Trata-se, por isso, verdadeiramente de aplicação da lei penal estrangeira pelo tribunal português.
Solução esta que, se encontra o seu fundamento primário no princípio da aplicação do regime
concretamente mais favorável, constitui em último termo uma decorrência da ideia segundo a
qual a aplicabilidade da lei portuguesa é subsidiária. Dois problemas, no entanto, costumam
suscitar-se ainda neste contexto. O primeiro é o de saber se certas categorias de crimes não
devem ser radicalmente afastadas do âmbito de aplicação do princípio. A lei portuguesa vigente,
depois de muitas hesitações durante o seu período de gestação, acabou por se deixar convencer
pelo bom fundamento da ideia da exclusão, que estendeu a todos os crimes aos quais a lei
portuguesa é aplicável em nome do princípio da defesa dos interesses nacionais. Nesse sentido,
dispõe o artigo 6.º, n.º3 CP que «o regime do número anterior não se aplica aos crimes previstos
na alínea a) e b) do n.º1 do artigo 5.º». Solução que é coerente com a dispensa do princípio da
dupla incriminação visada pela alínea b) do n.º1 do artigo 5.º CP. O segundo problema é o de
saber como devem resolver concretamente as dificuldades práticas que possam resultar da
aplicação da lei penal estrangeira no que respeita à assimilação das sanções previstas por esta. O
problema não possui acuidade entre nós. É verdade que o sistema português não admite nem a
pena de morte, nem a pena de prisão perpétua; mas precisamente nestes casos a lei estrangeira
não se aplicará por não surgir como lex mellior. É nos limites inferiores da escala penal que o
problema se pode suscitar; mas nessa zona o CP português consagra uma larguíssima panóplia
de penas substitutivas de prisão, de modo que também aí o problema da assimilação não
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suscitará dificuldades especiais. Em todo o caso, ao menos no plano teórico, o problema persiste.
Já se preconizou que para resolver o CP contivesse uma tábua e conversão completa das penas
estrangeiras em penas nacionais; ou em alternativa que contivesse uma cláusula geral de
conversão d apena estrangeira naquela que dela mais se aproximasse no sistema nacional. Foi
esta a última via a seguida pela 2.º parte do artigo 6.º, n.º2 CP, nos termos da qual «a pena
(estrangeira) aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português ou, não
havendo correspondência, naquela que a lei portuguesa previr para o facto».
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