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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO i iiiui uni mu um um uni uni lllll llll Ml


Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 990.10.205309-1, da Comarca de Botucatu,
em que são apelantes ADOLPHO DINUCCI VENDITO, OSVALDO
ADOLFO GIANELLA e HUMBERTO GIANELLA JÚNIOR sendo
apelado JAYME DINUCCI FERNANDES.

ACORDAM, em 6* Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS (Presidente)
e SEBASTIÃO CARLOS GARCIA.

São Paulo, 24 de junho de 2010

VITO GUGLIELMI
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO N° 16.927

APELAÇÃO CÍVEL N° 990.10.205309-1

RELATOR DESEMBARGADOR VITO GUGLIELMI


APELANTES ADOLPHO DINUCCI VENDITO e OUTROS
APELADO JAYME DINUCCI FERNANDES
COMARCA BOTUCATU - 3a VARA CÍVEL

DOAÇÃO. MODAL OU COM ENCARGO. BEM IMÓVEL


URBANO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO.
ESTIPULAÇÃO RELATIVA AO PAGAMENTO DE VALOR
CERTO A TERCEIROS, ESPECIFICADO NA ESCRITURA
PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE A
EXPRESSÃO ECONÔMICA DO ENCARGO E O VALOR
DE MERCADO DO BEM. AUSÊNCIA DE QUAISQUER
ELEMENTOS A INDICAR A PRETENDIDA ATRELAGEM
ENTRE OS VALORES. MENÇÃO AO VALOR DO BEM
QUE CONSTITUI ELEMENTO PRÓPRIO À ESCRITURA
DE DOAÇÃO COMO TÍTULO TRANSLATIVO. DOAÇÃO,
ADEMAIS, ATINENTE À METADE IDEAL DISPONÍVEL,
A AFASTAR QUALQUER INTUITO COMPENSATÓRIO.
ATUALIZAÇÃO DO VALOR DO ENCARGO, ENQUANTO
DÉBITO JUDICIAL, QUE DEVE SE DAR PELA TABELA
PRÁTICA DO TJSP E, ANTERIORMENTE AO PERÍODO
DE SUA APLICAÇÃO, PELA VARIAÇÃO DO SALÁRIO
MÍNIMO. PRECEDENTES DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
RECURSOS DE APELAÇÃO IMPROVIDOS.

1. Trata-se de recursos de apelação, tempestivos e


bem processados, interpostos contra sentença que julgou procedente ação de
consignação em pagamento relativa a contrato de doação modal de imóvel
ajuizada por Jayme Dinucci Fernandes em face de Adolpho Dinucci Vendito,
Maria Jiacomino Vendito, Humberto Gianella Júnior, Maria Elizabeth Gianella,
Maria Lúcia Gianella Giribaldi, Renato Gianella, Osvaldo Adolfo Gianella, Jl Ji
Rubens Umberto Gianella, Cláudio Dinucci Gianella e José Fernando Gianella
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O juízo (fls. 291/296), entendendo que o encargo


previsto no contrato de doação seria representativo de valor e não de percentual
sobre a expressão econômica do bem, uma vez que ausente correlação com o
término das obras no imóvel, julgou integralmente procedente a demanda.
Inconformado, apela o co-demandado Adolpho
Dinucci Venditto (fls. 301/307). Aduz que o encargo estabelecido em valor certo
quando da realização do contrato de doação guardaria correspondência com o
valor do imóvel à época e que seu pretendido cumprimento no curso da ação
deveria também obedecer ao mesmo critério de atualização, observado o valor
de mercado atual do bem. Insurge-se, subsidiariamente, contra a determinação
para correção do débito com base na Tabela Prática do Tribunal de Justiça,
discorrendo acerca dos diversos índices de correção existentes e indicando pela
melhor adequação da aplicação do IGP-DI. Conclui pela reforma.
Igualmente inconformados, apelam Osvaldo Adolfo
Gianella e Humberto Gianella Júnior (fls. 310/314). Argumentam que o artigo 85
do Código Civil de 1916 determinava a prevalência, na interpretação dos
negócios jurídicos, da intenção sobre o sentido literal da linguagem, indicando
que a vontade dos doadores não estaria sendo observada no caso da quitação
do encargo na forma proposta na inicial. Dizem que a intenção dos doadores,
pelos valores envolvidos, seria aquinhoar o donatário com três quintos do valor
do imóvel e os demais sucessores com a fração restante, como bem indicaria a
menção ao valor das obras remanescente no imóvel. Concluem pela reforma.
Recebidos (fls. 345) e processados os recursos,
vieram aos autos as contra-razões (fls. 351/358).
É o relatório.
2. Preliminarmente, consigno que, embora noticiada a
presença, no pólo passivo da demanda, de pessoa interditada - a co-ré Maria
Elisabeth Dinucci Gianella -, tendo em conta, de um lado, a renúncia expressa à
intervenção ministerial pelo ilustre representante do Ministério Público em
Primeiro Grau (fls. 359) e, de outro, o trânsito em julgado da decisão em relação
à incapaz, dispenso a manifestação da Douta Procuradoria de Justiça.
No mérito, cuida-se de ação de consignação em
pagamento relativa ao cumprimento de encargo atinente a contrato de doação

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modal. Julgada integralmente procedente a demanda para declarar-se o


cumprimento do encargo relativo ao contrato de doação, pelo demandante, na
forma pretendida na inicial, sobrevieram os presentes recursos de apelação de
parte dos co-demandados, os quais, com efeito, desmerecem provimento.
De início, sobreleva da escritura pública de doação
juntada aos autos (fls. 19/20) que os parentes avoengos do autor, Adolfo Dinucci
e Luciana Fernandes Dinucci, doaram, em outubro de 1947, o imóvel ali descrito
a seu filho Camilo Fernandes Dinucci e à esposa deste, Leontina Carvalho
Dinucci, estabelecendo, que, caso os donatários falecessem sem deixar
descendentes, o bem seria transmitido ao ora autor, Jayme Dinucci Fernandes.
Contudo, dispôs o mesmo contrato de doação que,
no caso da última hipótese, qual seja da efetiva transmissão do bem imóvel ao
ora demandante, este se obrigaria "a pagar aos filhos de Francisco Vendito e de
D. Palmira Dinucci Vendito, que então existirem, a importância de Cr$
40.000,00, em dinheiro, e aos filhos do Dr. Humberto Gianela e de D. Maria
Dinucci Gianela, igual importância, tudo no total de Cr$ 80.000,00" (fls. 19v).
Essa específica característica da imposição de um
encargo ao donatário final do bem, caracteriza o contrato como de doação
modal, definido por ORLANDO GOMES (Contratos, 26a Edição, Rio de Janeiro,
Forense, 2007, p. 259) como aquele que "impõe ao donatário encargos ou
obrigações" que, segundo o mesmo autor, não suspendem a aquisição do
direito, mas, apenas, autorizam a sua revogação em caso de inadimplemento.
Nessa perspectiva, o cumprimento da obrigação
estipulada pelos doadores efetivamente diz com o pagamento de valor certo,
determinado, de maneira expressa, na escritura pública de doação. Não se trata,
ao contrário da equivocada interpretação dos co-demandados, de valor atrelado
àquele atribuído ao bem no contrato, mas, simplesmente, quantia específica e
absoluta inequivocamente indicada no mencionado contrato de doação.
Quisessem mesmo os doadores estipular encargo
consistente no pagamento de quantia variável, dependente do valor atribuído ao
imóvel ao tempo de seu cumprimento, teriam disposto de maneira diversa,
simplesmente atrelando a expressão econômica do encargo ao valor de
mercado do bem objeto da doação. No caso, ao contrário, atribuíram ao encargo

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a ser cumprido valor certo, não se admitindo qualquer outra interpretação.


Aliás, a pretendida aplicação do disposto no artigo
85 do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração do discutido contrato
de doação, só seria admissível se os termos da avença indicassem dúvida
razoável acerca de seu alcance objetivo ou revelarem imprecisão semântica
capaz de tornar incerta a expressão volitiva subjacente à linguagem escrita
empregada, o que não se revela presente na hipótese dos autos.
Como já se vinha há bom tempo entendendo a
respeito desse dispositivo, "consoante regra a ser obedecida na interpretação
dos contratos, deve, em principio, ser admitido que as palavras empregadas
pelas partes reproduzem fielmente o seu pensamento. 'Quando o sentido delas
é evidente, lógico, razoável, em harmonia com a indicada na natureza do
contrato', ensina Cunha Gonçalves, 'não há que se investigar se os contraentes
tiveram vontade diversa daquela que as suas palavras revelam.'" (RT 256/110).
Ainda nesse tema, tampouco se diga consistir a
referência ao valor do imóvel doado e da reforma necessária à sua conclusão na
escritura pública, indício de que pretendiam os doadores estabelecer correlação
entre a expressão econômica do encargo e o valor de mercado do bem. É da
essência da própria escritura pública de doação, como título translativo do
domínio, a referência precisa e exata ao valor do imóvel objeto do negócio.
Não bastasse, a doação modal em benefício do ora
demandante constituía, tecnicamente, no âmbito da doação principal do imóvel
aos tios do apelado, negócio jurídico sucessivo e eventual sujeito à ocorrência
de evento futuro e incerto - rectius: condição -, qual seja, de que os donatários
originais falecessem sem deixar descendentes, sendo, daí, irrazoável supor uma
vinculação tácita entre o encargo e o valor do imóvel, sem referência expressa.
Mais. O contrato de doação sob comento, como
bem indica a declaração expressa nele contida e que não foi objeto de
impugnação por quaisquer dos interessados, abrangeu tão-somente a parcela
disponível do patrimônio dos doadores à época, de sorte que, por mais essa
circunstância, não há que se pressupor a presença de intuito compensatório de/
proporcionalidade na imposição do encargo em favor dos primos do donatário.
Superada, assim, a questão principal com o

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reconhecimento da natureza certa e determinada do encargo de pagamento


fixado no contrato de doação, em relação à forma de correção dos valores
tampouco merece reforma a decisão. Isso porque, em primeiro lugar, para a
atualização monetária dos valores da data da estipulação até o ano de 1964,
correta a utilização dos índices de variação do salário mínimo. Já se decidiu:

"A correção monetária não é um plus que se


acrescenta, mas um minus que se evita. Outra
motivação não tem e em nada mais importa
senão em mera manutenção do valor aquisitivo
da moeda, imposto por razões econômicas,
morais e jurídicas. Diante da não existência de
índices oficiais antes de 1964, deve-se utilizar o
salário mínimo como parâmetro." (STJ - REsp
356421/MG - Quarta Turma - Rei. Min. César
Asfor Rocha - j. 11.03.2003) - (g.m.)

Em segundo lugar, também correta a utilização dos


índices oficiais da Tabela Prática do Tribunal de Justiça a partir do início de sua
apuração. Isso porque, nos termos do artigo 1 o da Resolução n°. 510/2010 do
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a Tabela Prática
do Tribunal de Justiça se presta, justamente, à uniformização da forma de
atualização monetária dos débitos judiciais, exceto os da Fazenda Pública.
Nessa perspectiva, sendo omisso o contrato de
doação em relação ao fator de indexação do encargo estabelecido e havendo
sido trazida a discussão a juízo, a atualização do débito deve mesmo obedecer
à forma de correção encerrada na Tabela Prática do Tribunal de Justiça, sob
pena de se permitir, inclusive, a arbitrária adoção de critérios que, longe de
refletir acerto, resultariam na mera disputa entre a conveniência das partes.
Destarte, era mesmo de se manter a decisão de /
integral procedência da demanda consignatória na forma estabelecida e m ^
sentença, desacolhidos os recursos interpostos pelos co-demandados. Com a /
manutenção da decisão de mérito atacada, desmerece, igualmente, qualquer /

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alteração a sucumbência bem fixada pelo juízo, sobretudo à ausência de


impugnação recursal específica por parte dos litigantes interessados.
3. Nestes termos, nega-se provimento aos recursos.

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