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25/01/23, 16:22 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães


Processo: 694/08.9TBVCT-C.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: PROVAS
PROVA DOCUMENTAL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09-03-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário:
I - As provas têm por função a demonstração da realidade
dos factos (artº341.º do CC), destinando-se a (prova)
documental a comprovar os fundamentos da acção ou da
defesa – artº523.º.1 do CPC.
A prova de certo facto pode ser lograda através de
presunções, legais ou judiciais – artigos 349.º a 351.º do
CC.
II - Assim, os documentos apresentados não têm que ter a
ver directamente com a factualidade quesitada, devendo,
obviamente, apresentar uma qualquer conexão com ela, ao
menos de molde a poder, com base neles, formular-se um
juízo de compatibilidade ou incompatibilidade, com a
normalidade das coisas, dos factos que com eles se visa
demonstrar, abrindo-se, deste modo, o caminho à
operância de uma presunção judicial - “Estas presunções
são afinal o produto de regras de experiência: o juiz,
valendo-se de certo facto e de regras de experiência
conclui que aquele denuncia a existência de outro facto.
Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos
relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência
da vida, da qual resulta que um facto é a consequência
típica de outro; procede então mediante uma presunção
ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma
prova de primeira aparência” – A. Lopes Cardoso, Alguns
aspectos das dívidas dos cônjuges no novo Cód. Civil, RT,
86.º-112.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – B........... e esposa, C..........., autores da acção,


recorrem do douto despacho ditado para a acta da
audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia
08-09-2009 (despacho), e que lhes indeferiu o seu pedido
de junção aos autos de determinados documentos,
concluindo do modo seguinte:
“1ª – O que está em causa nos Autos, e constitui
fundamento da acção é, para além do mais, a existência
de um acordo simulatório, planeado e concretizado com o
intuito de enganar o Autor, impedindo-o de reclamar a sua
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herança e de suceder ao seu pai D............


2ª -Com vista a demonstrar o negócio e a simulação
subjacente ao mesmo, importa fazer prova de factos que,
por força da sua desconformidade manifesta e ostensiva
com a realidade, sejam demonstrativos da efectiva
existência da simulação, e estes factos têm obviamente a
ver com o valor atribuído aos bens (se real, se ridículo e
inaceitável face aos bens em questão, à sua situação e
localização, ao seu estado !!!), e com a demonstração da
efectividade ou não efectividade do pagamento do preço.
3ª – A matéria quesitada e levada aos artºs. 1º, 2º, 4º e 10º
a 19º da B.I., para a sua prova e contraprova, dá
aconchego e justifica a junção aos Autos dos documentos
fotográficos juntos a fls. sob os nºs. 1 a 16 e da caderneta
da Caixa Geral de Depósitos junta sob o doc. nº. 17.
4ª – Os documentos fotográficos anexos sob os nºs. 1 a 16
dão-nos conta da configuração, conservação, estado,
apresentação e localização do imóvel (moradia) a que se
reporta o negócio dos Autos, o bastante para se concluir
que o seu valor real nunca se poderia confinar aos €
75.000,00 (setenta e cinco mil euros) mencionados na
Escritura de 18/10/2007, já que o seu valor real é
muitíssimo superior, rondando os € 150.000,00 (cento e
cinquenta mil euros-) … O que dá aconchego de prova aos
artºs. 1º, 2º e 4º da B.I., servindo do mesmo passo de
contraprova ao tão rebuscado, quanto falso, negócio
fantasiado nos artºs. 10º a 19º da B.I.
5ª -Analisados nesta perspectiva abrangente e enquadrada
na realidade que se discute, os documentos fotográficos
juntos sob os nºs. 1 a 16 são pertinentes, não podendo,
nem devendo, ser indeferida a sua junção, nem ordenado
o seu desentranhamento e devolução à parte que os
ofereceu.
6ª – A caderneta da Caixa Geral de Depósitos junta como
doc. nº. 17, onde se retractam os movimentos da conta do
finado D........... desde 07/03/2007 (data anterior à
escritura) até 10/01/2008 (data do óbito daquele), permite
fazer prova indelével e irrefutável, de que nenhum
dinheiro, relativo ao preço real do prédio (€ 150.000,00),
ou relativo ao preço ficcionado (€ 75.000,00) foi
movimentado naquela conta, e que portanto nenhum
pagamento, nem sequer os € 10.000,00 que se refere nos
artºs. 15º e 16º da B.I., ali deram entrada … Tudo bem
demonstrativo de que não houve qualquer negócio, nem
pagamento do que quer que fosse, E daí a pertinência
daquele documento como meio de prova dos artºs. 1º, 2º e
4º da B.I. e contraprova dos artºs. 10º a 19º da B.I. … E,
portanto não poderia, nem deveria, o Tribunal “A Quo” ter
indeferido a sua junção, nem ordenado o seu

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desentranhamento e devolução à parte que os ofereceu.


7ª -Da conjugação do artº. 523º com o artº. 543º do C. P.
Civil resulta que, juntos os documentos aos Autos, eles só
podem ser mandados retirar, quando forem
extemporâneos, ou impertinentes, ou desnecessários …
Sendo patente a tempestividade da junção por se ter
operado antes do «encerramento da discussão em primeira
instância» (cit. artº. 523º nº. 2), clara a pertinência, por se
referirem a factos em que os RR. basearam a sua defesa, e
necessários, por representarem a factos incluídos no
questionário, verifica-se a trilogia dos requisitos legais,
devendo concluir-se pela revogação do despacho que os
mandou desentranhar … Não há preceito que exija, por
parte do requerente da junção, a indicação dos factos ou
quesitos que os documentos se destinam a provar (Ac. RC.
de 24/05/1972: BMJ., 218º -316; Ac. RL. de 03/12/1987:
Col. Jur., 1987: Col. Jur., 1987, 5º -140; Ac. RC. de
14/12/1995: Col. Jur., 1995, 5º -150) … Pelo que face à
sua pertinência, não haveria de ter sido indeferida a
junção daqueles documentos juntos em audiência sob os
nºs. 1 a 17.
8ª -A decisão que ordene o desentranhamento e a
restituição ao apresentante seja de documentos, seja de
requerimentos (indeferidos), só assume carácter definitivo
nos termos gerais, isto é, após o trânsito em julgado, pelo
que constitui prática inaceitável, embora frequente, a de
proceder ao desentranhamento e restituição em conjunto
com a notificação do despacho que a ordenou, sem
aguardar o respectivo trânsito em julgado.
9ª -Não é um despacho de mero expediente aquele que, ao
abrigo do disposto no artº. 543º nº. 1, do C. P. Civil,
indefere o pedido de junção de documentos … Trata-se,
antes, de um despacho com carácter jurisdicional, pelo
que é passível de recurso (Ac. RC. de 10/05/1988: BMJ.,
377º -565), de onde decorre que não poderia ter sido
ordenado o desentranhamento e entrega dos documentos
ao Recorrente, até que aquela decisão transitasse em
julgado.
10ª – Ao decidir nos termos do douto despacho em recurso
o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 523º nºs. 1
e 2 e 543º nº. 1, ambos do C. P. Civil.”.
Não houve contra-alegações.

II – A questão a decidir é a que abaixo se enuncia.

III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
1 – O despacho é do seguinte teor:
“Nos presentes autos está em discussão a concretização de
um negócio jurídico formalizado através de uma escritura
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pública de compra e venda, outorgada no dia 18-10-2007,


tal como consta assente na alínea E) da especificação, e a
real vontade dos outorgantes nesse documento
relativamente ao objecto do mesmo. Toda a matéria
constante da Base Instrutória que, aliás, espelha a
factualidade vertida nas peças processuais apresentadas
pelas partes, se centra à volta da vontade dos outorgantes
aludidos, dos motivos que terão conduzido à celebração do
negócio aí formalizado do preço dessa transacção e da
forma de pagamento da mesma.
Os documentos cuja junção foi ora requerida referidos nos
n.(s) 1 e 2 do requerimento apresentado pelo ilustre
mandatário dos Autores, ou seja, dezasseis documentos
fotográficos obtidos no passado dia 26/08/2009 e cópia
certificada da caderneta da Caixa Geral de Depósitos
relativa à conta titulada pelo falecido D..........., bem como
as eventuais atitudes, legítimas ou não, que estão por
detrás da factualidade retratada nesses documentos, não
têm directamente a ver com a factualidade quesitada e o
objecto do presente processo.
Assim sendo, por entendermos que os mesmos não
apresentam qualquer relevância em termos probatórios
para a factualidade concreta em litígio, vai a sua requerida
junção indeferida.
Quanto ao documento indicado no ponto 3 do
requerimento apresentado, ou seja, a cópia certificada do
testamento exarado no Cartório Notarial de Sever do
Vouga, por se mostrar com interesse e relevância para a
descoberta da verdade, admite-se a sua junção.
Pelo facto da mesma se mostrar tardia e não justificada,
condena-se o requerente em 1/2 Uc de multa.
Devolva à parte os documentos cuja junção não foi
admitida.”.
2 – Os artigos 1º, 2º, 4º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º,
17º, 18º e 19º da base instrutória têm a seguinte
redacção:
(1º) – O valor de mercado da casa referenciada atrás é
superior a € 150.000,00, não tendo qualquer
correspondência com a realidade o preço declarado
naquela escritura?
(2º) – Acresce que nem o D........... quis vender a casa?
(4º) – Os RR. não fizeram qualquer pagamento ao D...........
nem este recebeu qualquer montante a título de
pagamento do preço?
(10º) – Pelas contas que o próprio D........... explicou aos
RR., se ele e a mãe fossem residir para um lar de
acolhimento a idosos, teriam que pagar, no mínimo, €
10.000,00 (dez mil euros), cada um, de entrada, na
quantia global de € 20.000,00 (vinte mil euros)?

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(11º) – Por outro lado, ficariam vinculados a pagar uma


mensalidade de, pelo menos, € 750,00 (setecentos e
cinquenta euros) cada, para serem mantidos numa dessas
instituições?
(12º) – Assim, pelas contas explicadas pelo próprio
D..........., os gastos com um lar para idosos, para ele e
para a mãe, importariam na quantia de € 38.000,00
(trinta e oito mil euros), apenas no primeiro ano?
(13º) – À qual acresceria o montante de € 18.000,00
(dezoito mil euros), por ano?
(14º) – O D........... pretendia que os RR., em vez de
pagarem a um lar, os acolhessem aquele D........... e a
respectiva mãe, na casa de morada dos RR., em Viana do
Castelo, substituindo-se, assim, a um lar de idosos?
(15º) – Por outro lado, o D........... pretendia receber, em
dinheiro, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) para
que pudesse pagar dívidas que afirmou existirem, nesse
montante?
(16º) – Os RR., em conselho de família, concordaram com
as condições do negócio, propostas pelo D........... e
entregaram-lhe a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros)?
(17º) – Foram os RR. que pagaram as despesas com o
funeral do D...........?
(18º) – O D........... considerou o preço estabelecido para o
acordo que celebrou com os RR., como tendo sido
recebido?
(19º) – Sendo que, a forma de pagamento em que as partes
acordaram, para liquidação dos € 75.000,00 (setenta e
cinco mil euros), foi o pagamento da quantia de €
10.000,00 (dez mil euros), pelos RR. ao D..........., e o
assumir, pelos RR., das despesas que o D........... e a mãe
tivessem, até ao fim da vida de ambos?
3 – Os recorrentes requereram a junção dos 16
documentos fotográficos referidos no despacho, para prova
da matéria do artº1.º e contraprova da matéria dos artigos
10.º a 19.º da base instrutória, e (requereram a junção) de
cópia certificada da caderneta da Caixa Geral de Depósitos
de D..........., para prova da matéria dos artigos 1.º, 2.º e
4.º e contraprova da matéria dos artigos 10.º a 19.º da
mesma base.

ii) Da legalidade do despacho:


Ele viola, segundo os recorrentes, o disposto nos artigos
523.º. 1 e 2, e 543.º. 1 do CPC, enquanto que o despacho,
em síntese, entende que os documentos recusados “não
têm directamente a ver com a factualidade quesitada e o
objecto do presente processo.”.
Vejamos:
As provas têm por função a demonstração da realidade

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dos factos (artº341.º do CC), destinando-se a (prova)


documental a comprovar os fundamentos da acção ou da
defesa – artº523.º.1 do CPC.
A prova de certo facto pode ser lograda através de
presunções, legais ou judiciais – artigos 349.º a 351.º do
CC.
Assim, os documentos apresentados não têm que ter a ver
directamente com a factualidade quesitada, devendo,
obviamente, apresentar uma qualquer conexão com ela, ao
menos de molde a poder, com base neles, formular-se um
juízo de compatibilidade ou incompatibilidade, com a
normalidade das coisas, dos factos que com eles se visa
demonstrar, abrindo-se, deste modo, o caminho à
operância de uma presunção judicial - “Estas presunções
são afinal o produto de regras de experiência: o juiz,
valendo-se de certo facto e de regras de experiência
conclui que aquele denuncia a existência de outro facto.
Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos
relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência
da vida, da qual resulta que um facto é a consequência
típica de outro; procede então mediante uma presunção
ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma
prova de primeira aparência” – A. Lopes Cardoso, Alguns
aspectos das dívidas dos cônjuges no novo Cód. Civil, RT,
86.º-112.
Nesta óptica, é legítima a pretensão dos recorrentes, de,
com os documentos fotográficos, tentarem demonstrar o
inusitado de uma vivenda como a aí retratada ser vendida
pelo preço em questão, e a (pretensão) de, através da
análise da dita caderneta, tentar demonstrar a falta de
verdade da afirmação do pagamento do preço ao D...........,
factos que, não estando quesitados, não deixam de ter
relação evidente com estes, propiciando, eventualmente,
nos termos expostos, e de acordo com o restante da prova
produzida e a convicção do julgador, a formulação de uma
presunção judicial que leve ao escopo por aqueles,
recorrentes, almejado.
O despacho é, pois, contrário à lei, na interpretação que
desta aqui se acolhe, não devendo manter-se na ordem
jurídica.

Em breve súmula, dir-se-á:


I - As provas têm por função a demonstração da realidade
dos factos (artº341.º do CC), destinando-se a (prova)
documental a comprovar os fundamentos da acção ou da
defesa – artº523.º.1 do CPC.
A prova de certo facto pode ser lograda através de
presunções, legais ou judiciais – artigos 349.º a 351.º do
CC.

www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/2baac62b046b9a808025771f003e2c20?OpenDocument 6/7
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II - Assim, os documentos apresentados não têm que ter a


ver directamente com a factualidade quesitada, devendo,
obviamente, apresentar uma qualquer conexão com ela, ao
menos de molde a poder, com base neles, formular-se um
juízo de compatibilidade ou incompatibilidade, com a
normalidade das coisas, dos factos que com eles se visa
demonstrar, abrindo-se, deste modo, o caminho à
operância de uma presunção judicial - “Estas presunções
são afinal o produto de regras de experiência: o juiz,
valendo-se de certo facto e de regras de experiência
conclui que aquele denuncia a existência de outro facto.
Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos
relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência
da vida, da qual resulta que um facto é a consequência
típica de outro; procede então mediante uma presunção
ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma
prova de primeira aparência” – A. Lopes Cardoso, Alguns
aspectos das dívidas dos cônjuges no novo Cód. Civil, RT,
86.º-112.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando procedente a apelação,
revoga-se o despacho, e admite-se a junção aos autos dos
documentos em questão, condenando-se os autores na
multa de 1 UC pela sua apresentação no momento em que
o fizeram, visto não terem demonstrado que não o
tivessem podido fazer com o articulado respectivo –
artº523º.1 e 2 do CPC.
Sem custas.
Guimarães,

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