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A Educação Da Infância No MST o Olhar Das Crianças Sobre Uma Pedagogia em Movimento
A Educação Da Infância No MST o Olhar Das Crianças Sobre Uma Pedagogia em Movimento
IN: BONDIOLI,
Anna e MANTOVANI, Susanna. Manual de educação infantil: de 0 a 3 anos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 9ª edição, 1998. p.212-227.
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descobridora e construtora da realidade, e que o jogo apresenta, desde o
início, uma forte qualidade social.
Isso também fez repensar ou, pelo menos, conter dentro de limites mais
restritos a idéia piagetiana do egocentrismo infantil que vê a criança em
idade pré-escolar interagir com os coetâneos por períodos de tempo
prolongados de maneira completamente solipsística e não social. Uma
linha de pesquisa, que está amplamente apresentada em um outro ensaio
desta parte da antologia (cf. Musatti, neste volume), corrige essa
hipótese, evidenciando as conotações peculiares das trocas entre crianças
em situações de jogo.
Dessas breves considerações surge a necessidade de delinear uma
seqüência evolutiva do jogo de zero a três anos que esclareça, para cada
etapa considerada, o entrelaçamento entre criança, objetos, pessoas no
jogo, e evidencie a inter-relação entre aspectos cognitivos, afetivos e
sociais. A partir dessa progressão, apresentada na primeira parte deste
trabalho, serão discutidos alguns traços de uma "pedagogia do jogo" na
creche, setting (ambiente) educacional absolutamente particular que se
caracteriza pela presença de várias crianças aproximadamente da mesma
idade e de figuras de referência diversas das parentais, com uma
preparação pedagógica que deveria permitir a organização e
administração de maneira consciente das situações de jogo oferecidas às
crianças. Mas, para que essa possibilidade se traduza em realidade, é
necessário iniciar a discussão - pelo menos no que diz respeito às
atividades lúdicas, que é o tema que aqui nos compete - sobre as
modalidades com as quais objetos e pessoas do setting creche são
colocados para fazê-los interagir no jogo. Portanto, analisaremos algumas
pesquisas no campo da avaliação de experiências de jogo na creche e,
sem nos determos nas também importantes questões relativas à escolha
dos materiais, aos tipos de atividades e à organização temporal da vida
cotidiana na creche, identificaremos como problema principal o
comportamento e o papel do adulto nas situações lúdicas. Já na família,
primeira agência de socialização infantil, o espaço de jogo deveria ser
estudado e potencializado. Ainda com maior razão, na creche, que se
caracterizou, durante todos estes anos, pela busca de estratégias e
modelos pedagógicos na medida da criança. Em particular, a interação
adulto/criança e adulto/grupo de crianças constitui um elemento
fundamental para caracterizar qualitativamente a creche como espaço
educacional sobretudo em relação ao jogo, que é um dos mais difundidos
e espontâneos comportamentos infantis. A espontaneidade de tal
comportamento não deve, porém, fazer com que se esqueça que o espaço
do jogo é, desde o início, um espaço que se constrói, uma experiência que
se adquire enquanto compartilhada, que se enriquece através da
incorporação de modelos "culturais" participados.
1. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE JOGO ENTRE ADULTO E CRIANÇA:
O OBJETO DE TRANSIÇÃO
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“Em princípio o jogo é para a criança uma atividade que produz prazer
erótico e envolve a boca, os dedos, a visão e toda a superfície do corpo. Esse
jogo desenvolve-se sobre o próprio corpo da criança (jogo auto-erótico) ou
sobre o da mãe (normalmente em relação à alimentação) sem uma clara
distinção entre os dois corpos e sem nenhuma ordem ou preferência, sob
este aspecto” (A. Freud, 1965). O brincar com o próprio corpo, de acordo
com a interpretação analítica, constitui a fase inicial da atividade lúdica, em
particular a sucção a vácuo, e é reforçada por todas aquelas situações
prazerosas dos rituais cotidianos (a troca de fraldas, a nutrição, o banho) nas
quais a criança é acariciada, tocada, manipulada. Até mesmo as observações
de Piaget (1936, 1937) convergem ao considerar esses tipos de atividades
lúdicas como primárias. A reação circular primária (repetição de uma nova
adaptação casual), durante o segundo estágio da inteligência sensório-
motora, prolonga-se em jogos que envolvem a língua (brincar com a língua e
sugá-la) e a coordenação da mão e da sucção (sugar a mão e os dedos,
sucção antecipatória). O exercício do reflexo da sucção generaliza-se através
da repetição funcional lúdica, nas situações mais variadas e novas: o mundo
é algo a ser sugado. Novas combinações corporais, junto ao esquema da
sucção, são experimentadas pela criança e inseridas em esquemas lúdicos.
Ao juntar as mãos, a criança sente uma nova sensação tátil somada a uma
inédita visão das duas mãos no interior do campo visivo. O exercício
funcional dos movimentos das mãos e dos dedos produz novas e
significativas coordenações, entre as quais a da visão e da preensão que
consente à criança segurar um objeto e explorá-lo através da visão
(primeiramente, só se a mão e o objeto estão contemporaneamente
presentes no campo visivo, depois somente na presença do objeto).
Logo que a criança for capaz de sentar de maneira apropriada (isto envolve
uma considerável ampliação do raio da visão), embora o prazer da sucção
permaneça por muito tempo preponderante, e cada objeto, logo que
segurado, é levado para a boca, ela é induzida progressivamente a prestar
atenção às suas próprias mãos e a observar as diferentes perspectivas que
os objetos assumem quando segurados e vistos por ângulos diferentes. A
mudança de interesse da boca para a mão, que permite um melhor domínio
da realidade exterior, marca a passagem da fase na qual o interesse da
criança refere-se prevalentemente às pessoas e aos objetos, somente
enquanto utilizados no diálogo entre mãe e filho, à fase na qual a criança
começa a prestar
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atenção a tudo aquilo que está ao alcance de suas mãos, a tudo aquilo que é
possível fazer com as mãos.
4. A DESCOBERTA DO OBJETO
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obediente até mesmo nos momentos em que a mãe não estava presente,
consistia em jogar longe todos os objetos que encontrava pela frente,
divertindo-se em pedir aos familiares que os pegassem. Uma variante mais
complexa do jogo era a de utilizar um carretel preso a um barbante e lançá-
lo alternadamente para fora do alcance da sua visão pronunciando a palavra
"fort" (longe, embora), para depois trazê-lo novamente para perto de si,
exclamando: "da" (êi-lo!). Uma terceira variação do jogo consistia em fazer
aparecer e desaparecer a sua própria imagem diante do espelho. Freud
interpreta o jogo como uma dramática representação simbólica da perda da
mãe e do seu reaparecimento, o que permite transformar de uma situação
desagradável enfrentada em outra que a própria criança domina e controla.
Erikson (1950), retomando a interpretação de Freud, coloca em evidência o
dispositivo através do qual a criança, no jogo, exercita tal controle. Quando
lança os objetos para longe de si, o pequeno Ernst identifica-se com a mãe
frustrante (identificação com o agressor) e, contemporaneamente, dá a ela
um significado para a sua agressividade ("jogo-te fora, porque tu me
abandonas"). Esta introjeção do objeto conduz ao controle da imagem
materna ("se tu fores embora, voltarás, como volta o carretel quando o faço
desaparecer, ou como volta a minha imagem no espelho, depois que me
diverti fazendo-a desaparecer").
A brincadeira do "esconder e achar", nos seus aspectos cognitivos e
afetivos, mostra a evolução do relacionamento com o objeto, o realizado
reconhecimento do não-eu, que é ao mesmo tempo realidade física,
objetivamente percebida, e realidade emocional; evidencia, além disso, como
a descoberta do mundo dos objetos e qualquer forma de conhecimento
aconteça em função da qualidade do relacionamento que a criança
estabelece com as figuras adultas das quais depende, e salienta a estreita
ligação entre a inteligência e a afetividade. Mostra enfim que atividades
infantis aparentemente situáveis em uma relação solitária entre criança e
objetos são dotadas de qualidades sociais e de valores comunicativos.
Garvey (1977, p. 56) diz: "as crianças pequenas estão sempre procurando
descobrir o que as coisas são, como funcionam e o que se pode fazer com
elas... A criança, diante de um objeto não familiar, tende a estabelecer uma
cadeia que, passando da exploração à familiarização, chega à compreensão;
uma seqüência muitas vezes repetida que leva a uma visão mais madura das
características (forma, estrutura, dimensão) do mundo físico". Existe,
portanto, uma evolução progressiva que pode ser esquematicamente
resumida da seguinte maneira:
- aproximadamente aos 9 meses, a criança segura o objeto mais próximo, o
leva para a boca, o inspeciona e o movimenta utilizando somente poucos
modelos de ação;
- em torno dos 12 meses a exploração precede qualquer outro tipo de ação;
o objeto não possui ainda uma permanência própria, mas existe em função
das ações que a criança realiza sobre ele;
- em torno dos 15 meses aparecem classificações significativas dos objetos:
a criança junta objetos que correspondem a atividades similares da vida
cotidiana. Os objetos começam a ser usados de acordo com os seus
significados afetivos ou convencionais (o uso da escova para pentear-se, o
uso da colher para comer, etc.);
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6. A QUALIDADE DO JOGO
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7. O JOGO NA CRECHE
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não desenvolve uma pedagogia do jogo mais coerente, pois o adulto, mesmo
dando mais espaço ao jogo livre, não intervém nele com propostas e
estímulos adequados.
As dificuldades encontradas ao produzir uma adequada direção do jogo
infantil na creche parecem, então, fortemente ligadas a "ideologias
educacionais" enraizadas e muito pouco submetidas a discussão e
verificação. A primeira dessas "ideologias" considera o jogo como um espaço
no qual a criança pode exercitar habilidades cognitivas, sempre mais
complexas, de modo totalmente livre e espontâneo. Isso implica para o
adulto assumir a tarefa de organizar o espaço com materiais apropriados,
sendo porém moderado na intervenção da seqüência lúdica, devido ao temor
de introduzir nela elementos estranhos, de sobrepor de forma demasiado
direcionada as próprias idéias às idéias das crianças, de destruir a
criatividade infantil. A adesão a teorias psicanalíticas (em suas versões
simplificadas e de divulgação) conduz às mesmas conclusões que vêem no
jogo, sobretudo no jogo de faz-de-conta, uma ocasião catártica de
elaboração de angústias, uma forma de autoterapia que a intervenção do
adulto acabaria por inibir ou bloquear. Até mesmo a convicção da
precocidade das trocas sociais entre crianças, levando a superestimar o
papel dos colegas, acaba considerando o jogo como um espaço
exclusivamente infantil, do qual o adulto se auto – exclui por focalizar a sua
própria intervenção em situações mais regradas, como as conversações, as
atividades guiadas, os momentos de rotina.
Junto a essa ideologia do laissez faire (deixar fazer) encontramos
concepções educacionais muito mais direcionadas que vêem no jogo uma
ocasião que não deve ser desperdiçada para objetivos de aprendizagem, e
que deve portanto ser regulada e guiada pelo adulto, para não tornar-se
ineficiente e dispersiva. O adulto aproveita sistematicamente o terreno de
jogo transformando as atividades em situações didáticas (ensinamento de
noções e regras de comportamento). Esta segunda estratégia é sustentada
pela convicção de que a criança da creche seja essencialmente egocêntrica,
tanto do ponto de vista cognitivo quanto social, e que o adulto pode ajudar
na superação dessa fase, colocando-se como porta-voz da realidade (em
relação ao animismo da criança) e das convenções sociais (em relação à
incapacidade infantil de colocar-se no lugar do outro, do ponto de vista do
outro).
Se nos detivemos sobre esses modelos "negativos" de direção do jogo
infantil, propositalmente esquematizados e oferecidos por contraposição, foi
para ressaltar outras possíveis formas de intervenção do adulto no jogo que
parecem eficazes para finalidades educativas e mais alinhadas com as
qualidades que caracterizam a experiência lúdica. Com base nas pesquisas
disponíveis, que não são muito numerosas, tentaremos mostrar que uma
adequada direção do jogo infantil passa pelo conjunto das mediações que o
adulto pode oferecer a cada criança, referentes às suas necessidades e
àquilo que ela já sabe fazer, em relação ao mundo dos objetos e às outras
crianças. Ela é, pois, determinada pela qualidade das estratégias e dos
dispositivos colocados em prática pelo adulto, a fim de facilitar e enriquecer,
no sentido social e/ou cognitivo, a experiência lúdica de cada criança. São
muitos os "registros" a serem ativados, e a habilidade da educadora consiste
justamente em lidar com esses diferentes registros em função da idade, das
competências da criança e das intenções a que se propõe. Apresentaremos
portanto algumas dessas modalidades, levando em consideração as
pesquisas disponíveis, conscientes de que se trata de uma hipótese de
trabalho que deveria ser aprofundada e verificada.
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Glossário de Notas