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Apostila de Nefrologia UFPR

Research · August 2015

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Frederico Ramalho Romero


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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NEFROLOGIA - 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Avaliação clínica e laboratorial da função renal

Introdução

O diagnóstico de uma enfermidade do aparelho urinário depende de


informações obtidas a partir de dados subjetivos fornecidos pelo paciente a partir da
anamnese e de dados objetivos obtidos pelo médico através do exame físico e dos exames
laboratoriais.

Dados subjetivos

Alterações na micção
Uma pessoa normal urina a cada 4 a 6 horas
durante o dia e normalmente não urina à noite. Entre as alterações miccionais mais
importantes, destacamos:
 Polaciúria
Aumento da freqüência miccional, eliminando-se
pequeno volume de urina.

 Urgência miccional
Necessidade imperiosa de urinar.

 Urência
Traduz dor em queimação à micção.
Geralmente está acompanhada de polaciúria e urgência
miccional e é secundária a processos inflamatórios da bexiga,
próstata ou uretra.

 Nictúria
Predomínio noturno da diurese.
 Diabetes mellitus;
 Hipertrofia prostática benigna;
 Infecção do trato urinário;
 Insuficiência cardíaca congestiva;
 Insuficiência renal crônica.

 Incontinência urinária
 De esforço  Defecando, tossindo ou levantando peso;
 Paradoxal
É a perda involuntária de urina por extravasamento,
devido a retenção urinária crônica.
 Hipertrofia prostática benigna
 Bexiga neurogênica.
NEFROLOGIA - 2

Alterações do volume urinário


O volume urinário diário, no adulto,
varia usualmente entre 700 e 2.000 ml.
Toda vez que a diurese nas 24 horas é
inferior a 400 ml nós podemos afirmar que há um comprometimento funcional ou orgânico
do rim.
Por outro lado, uma diurese normal
não indica, de maneira alguma, uma função renal normal e integridade orgânica do rim.
 Oligúria
Volume urinário inferior ou igual a 400 ml/dia.
 Estados hipovolêmicos;
 Insuficiência cardíaca congestiva;
 Cirrose hepática;
 Lesão glomerular
 Glomerulonefrite difusa aguda
 Necrose cortical bilateral;

 Lesão tubular
 Necrose tubular;

 Lesão obstrutiva.

 Poliúria
Volume urinário igual ou superior a 2.500 ml/dia.
 Polidipsia psicogênica;
 Diabetes
 Mellitus
 Insipidus  Síndrome caracterizada por poliúria importante
devido a uma insuficiência do sistema neuro-hipofisário em
produzir ou liberar hormônio antidiurético (ADH)
 Insipidus nefrogênica  Falta de resposta dos túbulos renais ao
ADH circulante;

 Insuficiência renal crônica;


 Anemia falciforme.

 Anúria
Volume urinário igual ou inferior a 100 ml/dia.
 Obstrução do trato urinário;
 Trombose das artérias renais;
 Insuficiência renal aguda grave;
 Necrose cortical do rim.
NEFROLOGIA - 3

Alterações na coloração da urina


A coloração normal da urina pode
variar desde um amarelo-claro, quando diluída, até um amarelo-escuro, quando
concentrada.
Quando o paciente não está
tomando drogas e quando não pode ser atribuída aos alimentos ingeridos, uma alteração na
coloração da urina é indício de uma enfermidade, que se traduz pela presença de certos
pigmentos na urina.
 Urina turva
 Piúria  Bactérias e leucócitos;
 Sais de fosfato amorfo em urina alcalina
É normal e pode ser
diferenciada da piúria com a acidificação da urina, que determina
o clareamento da turvação determinada pela fosfatúria.

 Hematúria
 Macroscópica;
 Microscópica
Não causa alteração da coloração da urina e só é
detectada ao microscópio;

 Inicial ou final
Geralmente associadas a doença do trato urinário
baixo;

 Durante toda a micção  Rim, ureter e bexiga.

 Hemoglobinúria
 Hemólise intravascular.

 Mioglobinúria
 Necrose ou queimaduras extensas.

 Bilirrubinúria
 Afecções hepatobiliares  Coloração amarelo-esverdeada.

Dor renal
Situa-se no flanco ou na região lombar e, às vezes, pode
irradiar-se anteriormente. Origina-se a partir de distensão da cápsula renal, quando há
obstrução do fluxo urinário (litíase renal) ou em condições que causam edema do
parênquima renal (pielonefrite aguda).
Uma irritação da pélvis renal ou do ureter causa dor em
flanco e hipocôndrio, com irradiação para a fossa ilíaca do mesmo lado e freqüentemente
para o testículo ou lábio genital.
NEFROLOGIA - 4

Edema
Qualquer que seja a causa do edema, ele implica um excesso de
água e sal, o que causa um aumento do componente extravascular do volume extracelular.
O edema é geralmente percebido nas extremidades inferiores
mas isto se deve simplesmente a ação da gravidade pois no paciente em decúbito dorsal ele
é facilmente percebido em outros sítios.
 Glomerulonefrite aguda
 Síndrome nefrótica
 Insuficiência renal aguda
 Insuficiência renal crônica

Na prática, pode-se caracterizar dois tipos de edema renal:


1. Generalizado  Anasarca
 Síndrome nefrótica
 Glomerulonefrite aguda
 Insuficiência renal aguda  Atinge predominantemente o rosto
 Insuficiência renal crônica

2. Localizado
 Inflamação
 Queimaduras
 Obstrução venosa
 Obstrução linfática
 Angioedema

História mórbida pregressa


 Hipertensão arterial
A época da detecção da hipertensão arterial é
importante na formulação da patogenia da nefropatia.
Se a hipertensão já existia, é possível que ela
tenha lesado o parênquima renal com o decorrer do tempo, causando
uma nefropatia crônica.
Por outro lado, o seu aparecimento mais
recente pode indicar ser ela a conseqüência de uma nefropatia
crônica que se tenha instalado lenta e progressivamente.

 Diabetes mellitus
Trinta a cinqüenta porcento dos diabéticos
insulino-dependentes e 10 a 15% dos diabéticos não insulino-
dependentes vão apresentar nefropatia diabética, com um pico de
incidência entre os 14 e os 16 anos de duração do diabetes.

 Colagenoses
 Lupus Eritematoso Sistêmico
 Esclerodermia
 Poliartrite nodosa
NEFROLOGIA - 5

 Hipercalcemias e hiperuricemias
Podem levar a precipitação de
cristais no parênquima renal ou no lume tubular, causando litíase
renal ou nefrite intersticial.

 Infecções
 Estreptococos -hemolíticos
Infecções de orofaringe ou da pele
causadas por estes agentes podem ter como complicação o
desenvolvimento de glomerulonefrite aguda.

 Traumatismo ou cirurgia prévia


 Procedência do paciente

História mórbida familiar


 Síndrome de Alport
 Rim em esponja
 Rim policístico

Dados objetivos

H álito do paciente
 Odor amoniacal ou de peixe

Pele e unhas
Aproximadamente 10% dos paciente portadores de
insuficiência renal crônica apresentam unhas cuja metade proximal é pálida e cuja metade
distal é rósea (“half and half nails of Lindsey”).

Pressão arterial
Pacientes urêmicos ou diabéticos muitas vezes
apresentam queda ortostática da pressão arterial (na ausência de drogas) devido a um
comprometimento do sistema nervoso autônomo.

Fundo de olho
Em nefrologia, o estudo do fundo de olho é
especialmente importante por ser um exame que permite a avaliação da repercussão
dinâmica da hipertensão arterial, tão comum em nefropatias crônicas.
 Reflexo dorsal da arteríola
Normalmente, como a parede arteriolar
é transparente, a incidência da luz sobre a coluna de sangue no seu
interior resulta num reflexo de coloração amarelada.
Quando ocorrem alterações escleróticas
nas arteríolas, a incidência da luz sobre os lipídeos e o colesterol
NEFROLOGIA - 6

infiltrados na suas paredes é responsável pela coloração de fio de


cobre e reflete uma arteriosclerose moderada.
Na arteriosclerose grave, com o
agravamento da esclerose, o reflexo dorsal se parece com um fio de
prata.

 Espasmo do vaso
 Corpos cistóides
São manchas de coloração esbranquiçada com um
tamanho cerca de 1/5 do tamanho do disco papilar e que representam
uma coleção de células gliais edemaciadas resultantes de um infarto
isquêmico da artéria terminal na camada de fibras nervosas.

 Exsudatos duros
Fração não-absorvida do soro após um edema de
retina.

 Alterações nos cruzamentos arteriovenosos


 Edema de papila
Manifesta-se pela perda da nitidez do contorno
papilar e indica hipertensão arterial maligna.

Figura 1 - Comparação de uma fundoscopia normal (a direita) à uma fundoscopia evidenciando


edema de papila (a esquerda)

Aparelho cardiopulmonar
 Pulmão
 Derrame pleural
 Congestão pulmonar
 Atrito pleural

 Coração
 Pericardite urêmica
NEFROLOGIA - 7

 Insuficiência aórtica funcional


Decorrente do excesso de volume
circulante que faz dilatar o anel aórtico.

Exame dos rins


 Palpação
O paciente é colocado em decúbito dorsal, com os joelhos
levemente elevados.
Coloca-se a mão posteriormente, debaixo do rebordo
costal, e faz-se pressão para cima. A outra mão é colocada
anteriormente, debaixo do rebordo costal na linha hemiclavicular.
Com a inspiração, o rim se desloca para baixo,
possibilitando a palpação.
 Tumores renais benignos  Geralmente são pequenos demais para
serem palpáveis;
 Tumor de Wilms  Massa palpável em flanco;
 Rins policísticos  São normalmente bilaterais e podem ser
palpados a medida que os cistos aumentam;
 Obstrução urinária.

 Percussão
 Sinal de Giordano  Percussão com a mão fechada sobre o ângulo
costovertebral.

 Ausculta
É útil na verificação de sopros abdominais na estenose da
artéria renal.

Exames laboratoriais

 pH
O pH normal varia de 4,5 a 7,8. Contudo, o pH não identifica
nem exclui doença renal.
A urina alcalina (pH > 7) pode sugerir infecção por
organismos que desdobram a uréia, mas também ocorre por
contaminação de urina guardada por muito tempo, pela dieta
vegetariana, diuréticos, vômitos, sucção gástrica e terapia com
substâncias alcalinas.
Uma maior ingestão de carne produz urina ácida devido a
maior formação de uréia.

 Bilirrubina e urobilinogênio
 Estase leucocitária e nitritos
A pesquisa de infecção urinária
através do screening com o uso de fitas reativas é realizada
através da detecção de granulócitos urinários que sofreram lise e
da pesquisa de nitrito na urina.
NEFROLOGIA - 8

A esterase liberada pelos


granulócitos reage com sais da fita resultando numa cor rosa ou
roxa.
Falso-positivos ocorrem quando há
contaminação vaginal, e a reação pode ser inibida na presença de
excesso de glicose, albumina, ácido ascórbico, tetraciclina,
cefalexina, cefalotina ou ácido oxálico.
Os nitritos são formados a partir da
conversão de nitratos pelas bactérias da urina e reage com a fita
resultando numa cor rosa.
Resultados falso-negativos ocor-
em quando a urina é armazenada por muito tempo e na presença
de infecção por bactérias Streptococcus faecalis, Neisseria
gonorrheae e Mycobacterium tuberculosis.

 Glicose
Como o limiar renal de glicose é de 160 a 180 mg/dl, a
presença de glicose na urina geralmente indica glicemia acima de
210 mg/dl.

 Corpos cetônicos
Acetoacetato e acetona podem aparecer na
urina em jejum prolongado e na presença de cetoacidose alcoólica
ou diabética.

 Hemoglobina e mioglobina
 Densidade urinária
A densidade urinária avalia a concentração
de solutos na urina e normalmente varia de 1,003 a 1,030.

 Proteinúria
Diariamente, menos de 150 mg de proteína são
excretadas na urina, das quais a maior parte é composta por uma
mucoproteína de alto peso molecular (Tamm-Horsfall) e o
restante é composto por globulinas e muito pouca albumina.
As proteínas que são filtradas pelos glomérulos,
especialmente aquelas de baixo peso molecular, geralmente são
absorvidas no túbulo distal.
As moléculas do mesmo tamanho ou maiores que a
albumina plasmática (PM = 40.000) não atravessam o glomérulo
normal.
Entre os mecanismos propostos para se explicar a
proteinúria destacam-se o aumento da filtração glomerular de
proteínas, a diminuição na remoção da proteína filtrada e a adição
de proteínas por ductos tubulares ou linfáticos renais.
Todavia, a proteinúria nem sempre indica patologia.
Cerca de 3 a 5% dos jovens sadios podem apresentar uma
proteinúria discreta (< 1,0 g/dia) durante o dia que desaparece
durante a noite (proteinúria postural).
NEFROLOGIA - 9

Da mesma maneira, a proteinúria funcional refere-se


a proteinúria que aparece com exercício físico, febre, exposição
ao frio ou calor e, provavelmente, insuficiência cardíaca
congestiva.
Os melhores testes qualitativos para detectar
proteinúria são o ácido acético associado ao calor, o ácido
sulfossalicílico a 25% e as tiras de papel com tetrabromofenol
azul.
A determinação quantitativa pode ser feita através da
avaliação da urina em 24 horas ou através da relação entre a
quantidade de proteína e a quantidade de creatinina numa amostra
de urina.
Normalmente, a relação proteinúria/creatinina é
menor que 0,1. Uma relação maior que 3,0 - 3,5 indica excreção
proteica maior que 3,0 - 3,5 g/24 horas e uma relação menor que
0,2 indica menos de 0,2 g/24 horas.

 Sedimento urinário
Normalmente, um pequeno número de
células e outros elementos formados podem ser detectados na
urina como, por exemplo:
 Células do sangue
 Eritrócitos
 Leucócitos
 Linfócitos
 Plasmócitos;

 Células do trato urinário


 Células tubulares renais
 Células transicionais ou escamosas da bexiga;

 Células estranhas
 Bactérias
 Fungos
 Parasitas
 Células neoplásicas;

 Cristais
 Oxalato
 Fosfatos
 Uratos
 Drogas.

Na presença de uma enfermidade, o número


desses elementos aumenta.
Nas nefropatias, as células epiteliais
degeneram e são excretadas em grande número, particularmente
quanto há proteinúria intensa.
NEFROLOGIA - 10

Os elementos do sedimento urinário de


maior importância na distinção entre nefropatia primária e
doenças do trato urinário baixo são os cilindros, que são massas
alongadas (cilíndricas) e de material aglutinado formadas
usualmente nas partes distais dos néfrons, onde a urina é
concentrada.
A desidratação e o aumento da
concentração do líquido tubular favorece a formação de cilindros.
Os cilindros podem ser classificados em
cilindros simples (sem inclusões) e cilindros com inclusões.
Dentre os cilindros simples nós temos o
cilindro hialino, constituído pela mucoproteína de Tamm-
Horsfall; o cilindro epitelial, formado de células epiteliais
tubulares sem muita matriz proteica; o cilindro leucocitário,
contendo leucócitos; o cilindro eritrocitário, contendo hemácias; o
cilindro graxo, que é um cilindro hialino impregnado com
gotículas de gordura; e outros.

Figura 2 - Cilindro eritrocitário


NEFROLOGIA - 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Sódio e água

Introdução

A diminuição ou o excesso de água e sódio ocorrem em uma grande variedade


de circunstâncias clínicas.
Teoricamente, os distúrbios no metabolismo da água e do sódio podem ser
classificados em quatro categorias, refletindo o excesso ou o déficit de água e sódio, mas
na prática, tais distúrbios raramente ocorrem isoladamente.
O excesso de sódio geralmente resulta em edema, enquanto seu déficit quase
sempre é acompanhado por depleção de água.
Da mesma maneira, o excesso de água resulta em hiponatremia e a depleção de
água relativa ou absoluta leva a hipernatremia.

Metabolismo da água

No adulto, a quantidade total de água equivale a cerca de 57% do seu


peso corporal total. No recém-nascido, esse valor pode atingir 75%, mas ele diminui
progressivamente desde o nascimento até a idade adulta, principalmente nos dez primeiros
anos de vida. A obesidade pode diminuir a porcentagem de água do organismo até 45%.
A regulação da água corporal é feita pelo centro da sede e pelo
núcleo supra-óptico do hipotálamo.
O centro da sede situa-se no hipotálamo lateral e estimula a ingestão
de água quando há uma concentração excessiva dos eletrólitos no interior dos seus
neurônios. Assim, qualquer fator passível de causar desidratação intracelular irá causar a
sensação de sede.
O núcleo supra-óptico controla a excreção renal de água através da
secreção do hormônio antidiurético. Esse hormônio aumenta a permeabilidade à água na
porção terminal dos túbulos distais e dos ductos coletores, determinando uma maior
conservação de água pelos rins.
A maior parte da nossa ingestão diária de água é feita por via oral, da
qual cerca de dois terços encontra-se na forma de água pura ou de alguma bebida, enquanto
o restante provém dos alimentos ingeridos.
Uma pequena quantidade, equivalente a 150 - 250 ml por dia,
também é sintetizada no organismo como conseqüência da oxidação dos alimentos.
Do total de água ingerida, cerca de 70% é eliminado na urina, 4% no
suor e 4% nas fezes. Os 22% restantes são eliminados por evaporação a partir do aparelho
respiratório ou por difusão através da pele (perda insensível de água).
Quanto a absorção, a água é totalmente transportada através da
membrana intestinal pelo processo de difusão, obedecendo as leis gerais de osmose. Por
conseguinte, quando o quimo (pasta a que se reduzem os alimentos pela digestão
estomacal) está diluído, a água é absorvida por osmose através da mucosa intestinal.
Por outro lado, a água também pode ser transportada na direção
oposta, especialmente quando soluções hiperosmóticas são lançadas no duodeno pelo
estômago.
NEFROLOGIA - 12

Em geral, dentro de poucos minutos, quantidade suficiente de água é


transferida por osmose para tornar o quimo isosmótico em relação ao plasma.
Depois de absorvida, a água difunde-se para os diferentes
compartimentos corporais.
Do total de água presente no organismo, cerca de 60% situa-se no
interior dos cerca de 75 trilhões de células existentes no corpo. Esse líquido é
coletivamente chamado de líquido intracelular.
Todos os líquidos existentes fora das células recebem a denominação
de líquido extracelular. A quantidade de líquido no compartimento extracelular é, em
média, de cerca de 40% do líquido corporal total.
O líquido extracelular pode ser dividido em líquido intersticial,
plasma, líquido cefaloraquidiano, líquido intra-ocular, líquidos do tubo gastrointestinal e
líquidos dos espaços potenciais.
Nos rins, a reabsorção de água depende da reabsorção renal dos
diferentes solutos.
A reabsorção renal dos solutos dos túbulos renais causa uma redução
na sua concentração no lume tubular, mas aumenta-a no interstício.
Isso cria uma diferença de concentração que irá produzir osmose de
água na mesma direção em que foram transportados os solutos, através de grandes poros
existentes nas “junções fechadas” localizadas entre as células epiteliais.
Esse processo é especialmente observado nos túbulos proximais. As
partes mais distais do sistema tubular, começando na alça de Henle e estendendo-se pelos
demais túbulos, são bem menos permeáveis dos que os túbulos proximais.
Ou seja, a velocidade de absorção do volume de líquido tubular
diminui progressivamente ao longo do sistema tubular.

Metabolismo do sódio

A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto normal está em


torno de 7 g por dia.
Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se para o líquido
extracelular (45%), para o líquido intracelular (7%) e para o esqueleto (48%).
A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145 mEq/L e a
concentração intracelular é em torno de 10% da concentração plasmática.
O sódio pode ser eliminado na urina, fezes ou suor. Todavia, para
efeito de balanço, a excreção urinária de sódio é a mais importante. A eliminação pelo suor
ou pelas fezes só adquirem importância em casos de sudorese intensa ou diarréias graves.
Assim, a concentração do sódio no organismo depende
principalmente do balanço entre a sua ingesta na dieta e a sua excreção renal.
A excreção renal de sódio é regulada para equivaler à quantidade
ingerida. Pouco tempo depois que a ingesta de sódio é abolida, a sua excreção urinária
diminui intensamente. Quando a ingestão de sódio se eleva abruptamente, a sua excreção
aumenta imediatamente e se iguala a ingesta em poucos dias.
Desta forma, as concentrações de sódio no organismo permanecem
dentro de uma estreita faixa no indivíduo normal, a despeito das amplas variações na sua
ingesta.
O mecanismo pelo qual alterações na ingesta modificam a excreção
de sódio ainda não está totalmente esclarecido.
NEFROLOGIA - 13

Acredita-se que receptores sensíveis a alterações regionais da


volemia, tais como receptores intratorácicos, renais, do sistema nervoso central e do
fígado, sejam os responsáveis.
Como a quantidade diária de sódio filtrada pelos rins (26.000 mEq)
excede em muito a quantidade ingerida (cerca de 135 mEq), a principal função dos rins no
metabolismo do sódio é sua reabsorção.
A maior parte da reabsorção de sódio tubular ocorre nos túbulos
proximais e nas alças de Henle.
Cerca de 40 a 65% do total de sódio filtrado é reabsorvido nos
túbulos proximais, devido ao seu transporte ativo através de sistemas de co-transporte (via
transcelular), ou ao seu transporte passivo através das “junções fechadas” localizadas entre
as células epiteliais (via paracelular).
Na porção espessa do ramo ascendente da alça de Henle, outros 27 a
40% são reabsorvidos, de modo que apenas 8 a 20% penetram nos túbulos distais.

A reabsorção de sódio na porção


terminal dos túbulos distais e nos ductos coletores
corticais é extremamente variável, dependendo
sobretudo da concentração sangüínea de aldosterona.
Nesses segmentos, a passagem do sódio para dentro das
células é característica e ocorre via canais de sódio.
Na presença de grandes
quantidades de aldosterona, quase todo o sódio tubular
restante é reabsorvido por essas porções do sistema
tubular, de modo que praticamente nenhum sódio chega
à urina.
Na ausência de aldosterona, quase
todo o sódio que penetra na porção terminal dos túbulos
distais, isto é, cerca de 800 mEq/dia, não é reabsorvido
e, assim, passa para a urina.
A aldosterona age através da sua Figura 1 - Reabsorção de sódio nos
combinação com uma proteína receptora intracelular, que túbulos coletores
se difunde para o interior do núcleo onde ativa as
moléculas de DNA para formar um ou mais tipos de RNA mensageiros.
A seguir, acredita-se que o RNAm determine a formação de
proteínas ou de enzimas necessárias para o processo de transporte do sódio, como a bomba
Na+/K+, mas ainda se desconhece o mecanismo preciso envolvido.
A secreção de aldosterona é feita pelas células da zona glomerular do
córtex das glândulas supra-renais e é estimulada principalmente pela redução excessiva do
volume de líquido extracelular e, em menor grau, pela redução da concentração de íons
sódio no líquido extracelular.
A redução excessiva de volume do líquido extracelular resulta em
queda da pressão arterial e aumento da estimulação reflexa do sistema nervoso simpático,
que produzem uma redução do fluxo sangüíneo para os rins e estimulam a secreção de
renina.
A renina determina a formação de angiotensina I, que é convertida
em angiotensina II e, então, exerce efeito direto sobre as células da zona glomerular do
córtex adrenal, aumentando a secreção de aldosterona.
Apesar da aldosterona aumentar a quantidade de sódio no líquido
extracelular, a maior reabsorção de água juntamente com o sódio impede, em geral, a
NEFROLOGIA - 14

elevação na concentração de sódio, mas aumenta principalmente a quantidade total do


líquido extracelular.
A manutenção da normalidade do sódio extracelular requer não
apenas o controle da excreção de sódio, mas também o controle da sua ingesta.
Da mesma forma que a sede atua no controle da ingestão de água, a
diminuição da concentração de sódio no líquido extracelular e a redução do volume
sangüíneo estimulam o apetite por sal.
A importância do desejo por sal é especialmente ilustrada em
pacientes com doença de Addison, em que praticamente nenhuma aldosterona é secretada,
resultando em um forte desejo por sal.

Depleção de volume

O déficit combinado de sódio e água é muito mais freqüente do que o


déficit isolado de cada um dos constituintes.
Apesar do termo “desidratação” geralmente ser utilizado para
descrever o déficit combinado de sódio e água, ele deveria representar uma depleção pura
de água, que leva a hipernatremia. O termo correto para se utilizar nesses casos é
“depleção de volume”.
As principais causas de depleção de volume são:
 Perdas extra-renais
 Gastrointestinais  É a causa mais comum de depleção de
volume
 Vômitos
 Diarréia
 Fístulas
 Sondagem gastrointestinal

 Seqüestro abdominal
 Peritonite
 Ascite

 Pele
 Sudorese
 Queimaduras

 Perdas renais
 Doenças renais
 Fase diurética da insuficiência renal aguda
 Diurese pós-obstrutiva
 Insuficiência renal crônica
 Doença tubular perdedora de sal

 Diuréticos
 Diurese osmótica
 Deficiência de mineralocorticóides
 Doença de Addison
 Hipoaldosteronismo
NEFROLOGIA - 15

A causa da depleção de volume pode geralmente ser suspeitada a


partir de uma história de ingestão inadequada de sal e água associada a vômitos, diarréia ou
sudorese excessiva. Da mesma maneira, os sintomas de um diabetes mellitus não-
controlado e doenças renais ou adrenais podem sugerir sua etiologia.
Os principais achados no exame físico são aqueles de depleção de
volume intersticial e plasmático.
A depleção do volume intersticial pode ser avaliada através da
redução do turgor da pele e da desidratação das membranas mucosas.
O turgor da pele pode ser estimado clinicamente pela observação do
lento retorno da pele à sua posição original quando ela é espremida entre os dedos do
examinador. Para a realização dessa manobra, deve ser escolhida uma área de pele
normalmente livre de rugas e que não apresente grandes variações na espessura do tecido
subcutâneo, como o esterno por exemplo.
A depleção de volume plasmático é indicada por mudanças na pressão
arterial.
Uma depleção moderada de volume plasmático geralmente apresenta-
se com uma pressão arterial normal quando o paciente está em decúbito, mas pode haver
taquicardia. Nesses casos geralmente há hipotensão postural, isto é, uma queda em pelo
menos 5 a 10 mmHg na posição sentada ou em pé.
Nas depleções mais acentuadas, a pressão arterial encontra-se
reduzida mesmo em decúbito, desenvolvendo-se choque hipovolêmico.
Outros sintomas do paciente hipovolêmico incluem letargia, fraqueza,
confusão mental e obnubilação. Geralmente há oligúria, exceto na diurese osmótica.
Laboratorialmente, o hematócrito geralmente está aumentado, mas
elevações dentro da faixa normal são interpretáveis somente quando se tem valores
anteriores.
A concentração plasmática de sódio pode apresentar-se reduzida,
normal ou aumentada, dependendo da proporção entre os déficits de sódio e água.
A creatinina e a uréia plasmáticas geralmente estão elevadas devido a
diminuição no ritmo de filtração glomerular.
Terapeuticamente, as depleções leves de volume podem ser corrigidas
pelo aumento na ingesta oral de sal e água nos pacientes sem distúrbios gastrointestinais.
Depleções mais graves requerem tratamento com soluções endovenosas.
A quantidade de líquido a ser infundida no paciente pode ser estimada
pela história clínica e pela gravidade dos achados no exame físico.
Os pacientes com depleção moderada de volume geralmente requerem
uma reposição com dois a três litros de solução salina isotônica, enquanto pacientes com
depleção grave podem necessitar de quantidades muito maiores.
A necessidade de corrigir outras anormalidades eletrolíticas
associadas pode modificar a composição do líquido infundido. Por exemplo, os pacientes
com depleção de volume e acidose metabólica podem receber parte do sódio na forma de
bicarbonato de sódio.

Edema

Edema significa um acúmulo excessivo de líquido no compartimento intersticial, ou


seja, na parte não vascular do compartimento líquido extracelular.
NEFROLOGIA - 16

O edema pode ser bem localizado como numa pequena inflamação ou generalizado
como na insuficiência cardíaca.

Edema localizado
O mecanismo de formação do edema localizado pode ser adequadamente explicado
com base numa alteração das forças de Starling que controlam a troca de líquido entre o
plasma e o interstício.
Estas forças estão relacionadas na seguinte expressão:

q = Kf [(PC – PT) – (P – T)]

onde: q = Ritmo de fluxo de líquido através da parede capilar


Kf = Coeficiente de filtração que é proporcional à permeabilidade capilar e à
área do leito capilar
PC = Pressão hidrostática intracapilar
PT = Pressão do turgor tecidual
P = Pressão oncótica do plasma
T = Pressão oncótica tecidual

O edema localizado ocorre quando as alterações nas forças de Starling estão


restritas a um órgão ou determinado território vascular.
Normalmente, o balanço de forças de Starling na porção arteriolar do capilar é de
tal ordem que ocorre filtração de líquido para o interstício. Com isso, ocorre uma
diminuição axial da pressão hidrostática capilar e um aumento da pressão coloidosmótica
do plasma.
De acordo com a visão clássica de distribuição de líquido transcapilar, a reversão
do balanço das forças de Starling ocorria na porção terminal venosa do capilar, havendo
então reabsorção do líquido filtrado.
Assim sendo, havendo equilíbrio entre o líquido filtrado e reabsorvido, apenas uma
pequena quantidade deveria retornar ao sistema vascular via linfáticos.
No entanto, recentemente demonstrou-se que a pressão hidráulica transcapilar
excede a pressão coloidosmótica do plasma em toda a extensão do capilar, de sorte que a
filtração ocorre ao longo de todo o capilar. O líquido filtrado retorna à circulação via
linfáticos.
Desta forma, a circulação linfática passa a ter um papel importante no controle da
formação do edema.
Numa reação de hipersensibilidade ou inflamação local ocorre vasodilatação que
aumenta a saída de líquido do capilar principalmente através de um aumento da pressão
hidrostática intracapilar e do coeficiente de filtração.
O aumento do Kf ocorre devido à abertura de novos capilares, dilatação dos
capilares e aumento da permeabilidade a determinados solutos, tais como as proteínas.
Uma diminuição da P e um aumento da T também contribuem para a saída de
líquido do capilar.
Portanto, a coleção de líquidos no interstício ocorre devido a um aumento da
pressão hidrostática capilar (por vasodilatação ou mais comumente obstrução venosa) ou
por obstrução linfática.
NEFROLOGIA - 17

Mais raramente, um aumento na permeabilidade capilar favorece a saída de líquido.


Exemplos clínicos de edema localizado são:
 Inflamação
 Queimaduras
 Obstrução venosa
 Obstrução linfática
 Angioedema

Edema generalizado
É a principal manifestação clínica da expansão do volume líquido do
compartimento extracelular e está invariavelmente associado a uma retenção renal de
sódio.
É uma manifestação comum em situações clínicas tais como a insuficiência
cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, e a retenção de sódio é apenas uma
resposta renal a um distúrbio hemodinâmico determinado pela enfermidade básica.
As principais causas de edema generalizado são:
 Enfermidades renais
 Glomerulonefrite aguda
 Síndrome nefrótica
 Insuficiência renal aguda
 Insuficiência renal crônica

 Insuficiência cardíaca
 Baixo débito
 Alto débito
 Anemia
 Tireotoxicose
 Septicemia

 Enfermidades hepáticas
 Cirrose hepática
 Obstrução da drenagem hepática venosa

 Enfermidades confinadas a mulheres


 Gravidez
 Toxemia gravídica
 Síndrome da tensão pré-menstrual
 Edema cíclico idiopático

 Enfermidades vasculares
 Fístulas arteriovenosas
 Obstrução das veias do tórax
 Veia cava inferior
 Veia cava superior

 Distúrbios endócrinos
 Hipotireoidismo
 Excesso de mineralocorticóides
NEFROLOGIA - 18

 Diabetes mellitus

 Causas iatrogênicas
 Administração de drogas
 Anticoncepcionais orais
 Agentes anti-hipertensivos

 Miscelânea
 Hipocalemia crônica
 Anemia crônica
 Edema nutricional
 Síndrome da permeabilidade capilar

Clinicamente, a distribuição do edema generalizado é afetada por fatores locais e


gravitacionais. Assim sendo, o líquido intersticial em excesso pode acumular-se nos
membros inferiores de pacientes ambulatoriais e na região pré-sacra de pacientes
acamados.
A baixa pressão do turgor tecidual nas regiões periorbital e escrotal pode acentuar o
edema nestas áreas.
O edema revela o sinal do cacifo quando a pressão deixa uma depressão transitória
na pele. Em algumas situações clínicas o edema não revela o sinal de cacifo, pois a pressão
digital não consegue mobiliar o líquido intersticial devido a obstrução linfática (linfedema)
ou fibrose do tecido subcutâneo, que pode ocorrer na obstrução venosa crônica.
É importante salientar que pode haver um acúmulo de quatro a cinco litros de
líquido no compartimento extracelular antes que o paciente ou o médico percebam o
edema com sinal de cacifo presente.
Há, no entanto, sinais e sintomas sugestivos do excesso de líquido no organismo
como, por exemplo:
 Ganho de peso
 Flutuações diárias no peso
 Redução da diurese
 Nictúria
 Tosse ou dispnéia ao deitar-se
 Dispnéia aos esforços

Princípios gerais no tratamento


Quando houver uma etiologia identificável, como insuficiência cardíaca, cirrose
hepática ou síndrome nefrótica, o manejo clínico do edema deve ser dirigido para a
correção desse distúrbio básico.
Embora a restrição isolada de sódio seja efetiva na prevenção do aumento do
edema, ela não causa um balanço negativo de sódio.
A diurese de pacientes cardíacos hospitalizados e colocados em dietas hipossódicas
está mais relacionada ao efeito benéfico do repouso no débito cardíaco do que resultante da
dieta hipossódica.
Pacientes que estão formando edema retêm uma fração da ingesta diária de sal a
fim de restaurar o volume sangüíneo arterial efetivo. A excreção urinária diária de sódio
desses pacientes reflete a capacidade de excreção renal.
NEFROLOGIA - 19

Conhecendo-se a oferta de sódio na dieta, a determinação da excreção de sódio nas


24 horas permite saber se o balanço de sódio é positivo ou negativo. Concentrações
urinárias de sódio na ordem de 10 a 15 mEq/L geralmente indicam um balanço positivo.
A maior parte dos pacientes edemaciados tem um comprometimento na excreção
renal de água. A ingesta diária de líquido deve ser ajustada para às suas perdas diárias.
O repouso no leito, como já foi frisado, é capaz de induzir uma diurese devido a
uma redução da seqüestração venosa na periferia, aumentando assim o volume sangüíneo
arterial efetivo. Efeito similar possuem as meias elásticas.
A presença de edema por si só não é uma indicação de uso de diuréticos. Em geral,
o uso dos diuréticos deve ficar restrito a situações tais como:
 Comprometimento da função cardíaca e/ou respiratória
 Desconforto físico devido ao acúmulo excessivo de líquido
 Para permitir liberalização do sal na alimentação de pacientes que pouco
toleram dietas hipossódicas
NEFROLOGIA - 20

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Metabolismo do potássio

Fisiologia

O potássio é o principal cátion intracelular. Seu transporte ativo, mediado pela


bomba Na+/K+ das membranas celulares, mantém uma concentração celular de
aproximadamente 160 mEq/L, quarenta vezes maior que no líquido extracelular.
Com exceção de quando há mudanças no equilíbrio ácido-básico, as
concentrações de potássio intra e extracelulares são diretamente proporcionais. Assim,
alterações no potássio plasmático geralmente são um bom indicativo para a avaliação de
alterações nos níveis de potássio corporal total.
Nos distúrbios ácido-básicos, a relação entre o potássio plasmático e o potássio
intracelular é alterada (desvio iônico).
A acidose promove a saída do potássio intracelular, enquanto a alcalose favorece
o movimento do líquido extracelular para o interior das células.
A relação entre o pH plasmático e a concentração de potássio plasmática é
complexa e é influenciada por diversos fatores, incluindo o tipo de acidose, a duração do
distúrbio ácido-básico e mudanças na concentração de bicarbonato.
Em geral, o potássio plasmático é menos alterado na acidose respiratória do que
na alcalose metabólica e se modifica menos na alcalose do que na acidose.
Os hormônios também parecem ter um papel importante no equilíbrio do
potássio corporal. A insulina e as catecolaminas beta-adrenérgicas promovem o
movimento do potássio para dentro das células, enquanto os agonistas alfa-adrenérgicos
impedem a sua entrada.
Os mecanismos de excreção renal do potássio são complexos. Para manter o
balanço normal de potássio corporal, o rim pode excretar apenas um oitavo dos 800 mEq
de potássio filtrados por dia, já que a sua ingestão diária é de apenas 50 a 150 mEq.
O transporte ativo pelas células epiteliais dos túbulos proximais reabsorve cerca
de 65% de todo o potássio filtrado. Outros 27% são reabsorvidos na porção grossa do ramo
ascendente da alça de Henle e os 8% restantes penetram nos túbulos distais e nos ductos
coletores corticais quando a concentração de potássio no líquido extracelular está muito
baixa.
Por outro lado, quando a concentração de potássio no líquido extracelular está
normal ou elevada, é preciso que haja excreção de grande quantidade de potássio na urina.
Essa excreção é dependente da absorção de sódio e ocorre na porção terminal
dos túbulos distais e nos ductos coletores, através das bombas de Na+/K+ localizadas na
membrana basolateral dessas células.
As bombas de Na+/K+ atuam bombeando sódio do interior das células tubulares
para o interstício renal e, inversamente, o potássio do interstício para as células.
Assim, o acentuado aumento de potássio no interior das células promove sua
rápida difusão para o lume tubular e, conseqüentemente, sua excreção na urina.
Exceto quando o indivíduo está ingerindo quantidades extremamente baixas de
potássio, sua excreção tubular é geralmente necessária para evitar a morte.
Com freqüência, surgem arritmias cardíacas quando a concentração de potássio
plasmática eleva-se do seu valor normal de 4,5 mEq/L para um nível de 8 mEq/L.
Concentrações mais elevadas de potássio podem resultar em parada cardíaca ou
fibrilação.
NEFROLOGIA - 21

Por isso, é importante o controle da concentração de potássio no líquido


extracelular.
O aumento da concentração de potássio no líquido extracelular estimula a
velocidade de secreção de íons potássio nas porções terminais do néfron através da bomba
de Na+/K+, como foi descrito anteriormente.
Além disso, da mesma maneira que a aldosterona age para reabsorver sódio na
porção terminal dos túbulos distais e dos ductos coletores, ela também exerce um poderoso
efeito de controle na secreção de íons potássio por essas mesmas células, uma vez que
ativa a bomba de Na+/K+ das membranas basolaterais.
O efeito da aldosterona pode ser visualizado na doença de Addison, onde a
secreção de aldosterona aproxima-se de zero e, conseqüentemente, a concentração de
potássio no líquido extracelular se eleva e atinge 2 vezes o seu valor normal. Isso quase
sempre leva à morte do paciente devido a parada cardíaca.
No aldosteronismo primário causado por um tumor da zona glomerular em uma
das glândulas supra-renais, a secreção de grandes quantidades de aldosterona leva a um
acentuado aumento na excreção de potássio, resultando em pronunciada redução da
concentração de potássio no líquido extracelular, de modo que muitos desses pacientes
apresentam paralisia causada por falta de transmissão nervosa.

Hipocalemia

Etiologicamente, as principais causas da depleção de potássio são:


 Gastrointestinais
 Ingesta deficiente
Como a resposta renal a depleção de potássio é lenta,
diminuindo os níveis de excreção somente do 7o ao 14o dias, uma
depleção moderada de potássio pode resultar da sua ingesta deficiente.

 Doenças gastrointestinais
 Vômitos
 Diarréia
 Adenoma viloso
 Fístulas
 Ureterosigmoidostomia

 Renais
 Alcalose metabólica
 Diuréticos
 Tiazídicos
 De alça
 Inibidores da anidrase carbônica
- Acetazolamida

 Efeitos mineralocorticóides excessivos


 Aldosteronismo primário
NEFROLOGIA - 22

 Aldosteronismo secundário
A despeito do aldosteronismo secundário
presente nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, cirrose
hepática e síndrome nefrótica, eles não apresentam hipocalemia.
O aldosteronismo secundário causa
hipocalemia nos pacientes com:
- Hipertensão maligna
- Síndrome de Bartter
- Tumor de células justaglomerulares  Secretores de renina

 Excesso de glicocorticóides
- Síndrome de Cushing
- Esteróides exógenos

 Doenças tubulares renais


 Acidose tubular renal  Tipo I e II
 Leucemia
- Monocítica
- Mielomonocítica

 Síndrome de Liddle
 Alguns antibióticos
- Carbenicilina e, raramente, outros derivados da penicilina
- Anfoterecina B
- Gentamicina

 Depleção de magnésio

 Hipocalemia por desvio iônico


 Alcalose
 Insulina
 Atividade beta-adrenérgica
 Paralisia periódica hipocalêmica

As principais características clínicas da hipocalemia são neuromusculares.


Um grau moderado de depleção pode ser assintomático, principalmente se for
de evolução lenta. Alguns pacientes, contudo, queixam-se de fraqueza muscular,
especialmente nos membros inferiores.
Graus mais elevados de hipocalemia levam a uma fraqueza generalizada dos
músculos esqueléticos. Uma hipocalemia grave ou súbita pode desenvolver uma paralisia
virtualmente total, incluindo os músculos respiratórios.
Ao exame físico, além da redução da força, os pacientes podem demonstrar
redução ou ausência de reflexos profundos. Os músculos liso do trato gastrointestinal
podem também ser afetados, resultando em íleo paralítico.
NEFROLOGIA - 23

Anormalidades eletro-
cardiográficas são comuns. As
mudanças características incluem
achatamento ou inversão da onda T,
exacerbação da onda U e
infradesnivelamento do segmento ST.
Essas alterações não se Figura 1 - Anormalidades eletrocardiográficas na
correlacionam com a gravidade do hipocalemia
distúrbio no metabolismo do potássio
e, desta forma, não podem ser consideradas como índices da significação clínica de uma
hipocalemia.
Apesar de que uma depleção moderada de potássio raramente afeta o coração,
uma depleção grave ou súbita do potássio plasmático pode causar parada cardíaca. Além
disso, a hipocalemia favorece a intoxicação cardíaca por digitálicos, predispondo o
paciente a uma variedade de arritmias atriais e ventriculares.
A função tubular renal fica caracteristicamente alterada na hipocalemia,
principalmente na sua capacidade de concentração urinária, resultando em poliúria e
polidipsia.
No diagnóstico, a causa da hipocalemia pode ser obtida a partir da história
clínica. O esquema a seguir nos mostra a conduta no diagnóstico da hipocalemia quando
não houver uma causa evidente na anamnese.
Avaliar desvio iônico (alcalose,
HIPOCALEMIA insulina, agonistas -adrenérgicos,
paralisia periódica, etc.)

Pressão arterial

Normal Hipertensão

Potássio urinário Renina plasmática

< 25 mEq/L > 25 mEq/L Alta Baixa

Bicarbonato Bicarbonato Aldosterona


plasmático plasmático plasmática

Baixo Alto Baixo Alto Alta Baixa

Perdas GI Diuréticos Acidose Vômitos, Hipertensão Hiperaldos- Excesso de


baixas ou (uso renal diuréticos maligna ou tumor teronismo glicocorti-
ingesta prévio) tubular ou (em uso) ou secretor de renina cóides
inadequada acidose S. de Bartter
diabética
NEFROLOGIA - 24

A avaliação do equilíbrio ácido-básico pode ajudar no diagnóstico diferencial.


A hipocalemia encontra-se associada a acidose metabólica causada por:
 Disfunção tubular renal
 Cetoacidose diabética
 Diarréia grave
 Inibidores da anidrase carbônica

Os outros tipos de hipocalemia cursam com bicarbonato normal ou elevado,


quando estão associadas a alcalose metabólica.
Quando possível, a depleção do potássio deve ser corrigida através do
aumento da ingesta alimentar ou através da suplementação com sais de potássio.
Os sais de potássio podem ser fornecidos na forma de um elixir ou de
tabletes, nos quais os cristais de cloreto de potássio são encontrados.
O tratamento endovenoso é recomendado para os pacientes com distúrbios
gastrointestinais ou quando a deficiência de potássio é grave.
Contudo deve ser enfatizado que as infusões endovenosas não devem
ultrapassar 40 ou, no máximo, 60 mEq/L e a velocidade de infusão não deve exceder 40
mEq/h ou, aproximadamente, 240 mEq/dia, a não ser quando houver necessidade de uma
infusão mais rápida, com evidência de perda contínua grande o suficiente para justificar
uma terapia mais intensa.
Os resultados do tratamento são monitorizados por determinações sucessivas
do potássio plasmático e pela avaliação dos sintomas clínicos, tais como a fraqueza
muscular e a paralisia.
O desaparecimento dos sinais eletrocardiográficos não indica uma melhora
completa dos níveis de potássio corporal, mas o eletrocardiograma é um bom exame para
monitorizar uma administração endovenosa rápida de potássio.

Hipercalemia

As principais causas de hipercalemia são:


 Excreção renal inadequada
 Doenças renais
 Insuficiência renal aguda  Pela redução progressiva do volume
urinário
 Insuficiência renal crônica grave  Devido a oligúria
 Disfunções tubulares
- Lupus Eritematoso
- Doença falciforme
- Rejeição aguda de transplante renal
- Uropatia obstrutiva
- Amiloidose

 Diminuição do volume circulante efetivo


 Hipoaldosteronismo
 Distúrbios da glândula supra-renal
- Doença de Addison
- Distúrbios enzimáticos congênitos da adrenal
NEFROLOGIA - 25

 Hiporeninemia
- Nefropatia diabética
- Nefrite intersticial crônica
- Causada por drogas  Agentes antiinflamatórios não-esteroidais,
bloqueadores beta-adrenérgicos, etc.

 Diuréticos  Poupadores de potássio


 Espironolactona
 Triamtereno
 Amiloride

 Desvio do potássio para fora dos tecidos


 Dano tissular
 Rabdomiólise
 Hemólise
 Hemorragia interna

 Drogas
 Succinilcolina  Relaxante muscular
 Hidrocloreto de arginina  Utilizado no tratamento da alcalose
metabólica
 Digitálicos
 Antagonistas beta-adrenérgicos
 Envenenamento

 Acidose
 Hiperosmolaridade
 Deficiência de insulina
 Paralisia periódica hipercalêmica

 Ingesta excessiva
 Pseudo-hipercalemia
 Trombocitose
 Leucocitose
 Outros

Clinicamente, os principais efeitos da hipercalemia são as arritmias cardíacas.


A manifestação mais precoce é o desenvolvimento de ondas T em forma de tenda.
Achados mais tardios incluem prolongamento do intervalo PR, bloqueio cardíaco completo
e assistolia atrial.

A medida que o potássio


plasmático se eleva, o complexo QRS
tende a se deteriorar, tornando-se
progressivamente mais prolongado,
até se fundir com a onda T em uma
configuração sinusal. Finalmente,
Figura 2 - Alterações eletrocardiográficas na
hipercalemia fibrilação ventricular e parada
cardíaca podem ocorrer.
NEFROLOGIA - 26

Ocasionalmente, uma hipercalemia moderada ou grave pode também produzir


efeitos nos músculos periféricos. Uma fraqueza muscular ascendente pode ocorrer,
progredindo para tetraplegia flácida e paralisia respiratória. Assim como a sensibilidade, a
função cerebral e a dos nervos cranianos permanece normal.
Em termos diagnósticos, uma hipercalemia grave ou progressiva raramente
ocorre na ausência de insuficiência renal. Desta forma, a creatinina sérica e o débito
urinário devem ser determinados imediatamente nos pacientes com hipercalemia.
A insuficiência renal aguda não-complicada, principalmente se oligúrica, vai
determinar uma hipercalemia progressiva, elevando o potássio plasmático em cerca de 0,5
mEq/L por dia. Contudo, na presença de acidose ou dano tissular, a insuficiência renal
aguda pode elevar o potássio plasmático em 2 a 4 mEq/L por dia.
Por isso, a elevação do potássio plasmático em mais de 0,5 mEq/L por dia
sugere a presença de outras fontes de elevação de potássio além da insuficiência renal
aguda, como por exemplo, rabdomiólise ou hemólise.
Quando é detectada uma hipercalemia em pacientes com insuficiência renal
crônica, o médico deve procurar por uma alta ingesta de potássio na alimentação ou por
medicações que interfiram na excreção de potássio como os antiinflamatórios não-
esteroidais, beta-bloqueadores, diuréticos poupadores de potássio, etc.
Na ausência desses elementos, deve-se procurar hiporeninemia ou uma
doença tubular que afete diretamente a excreção tubular de potássio.
Além da creatinina plasmática, os níveis de glicose e de bicarbonato devem
ser determinados para avaliar possíveis contribuições de diabetes ou acidose à
hipercalemia.
Ao contrário da hipocalemia, na hipercalemia a análise do potássio urinário
contribui pouco no diagnóstico diferencial.
Com relação ao tratamento, é importante classificar a hipercalemia de acordo
com o seu grau de gravidade, que pode ser estimado tanto através da concentração de
potássio plasmático quanto pelo eletrocardiograma.

Tabela 1 - Classificação da hipercalemia de acordo com seu grau de gravidade


Classificação Concentração de K+ plasmático Alterações eletrocardiográficas
Leve < 6 mEq/L Alterações limitadas a onda T
Moderada 6 a 8 mEq/L Alterações limitadas a onda T
Grave > 8 mEq/L Inclui ausência de onda P, complexos QRS alargados
ou arritmias ventriculares

A hipercalemia leve geralmente pode ser tratada pela eliminação da sua


causa. Contudo, os casos mais graves ou progressivos requerem um tratamento vigoroso.
A toxicidade cardíaca grave responde rapidamente a infusão de cálcio, mas
apesar de seu efeito ser quase imediato, ele é transitório caso a hipercalemia não seja
tratada diretamente.
Na hipercalemia moderada ou grave, a infusão de soluções de glicose
hipertônica diminuem a sua toxicidade induzindo a liberação de insulina e,
conseqüentemente, o desvio do potássio para dentro das células. A insulina também pode
ser administrada diretamente, por via subcutânea ou endovenosa.
Da mesma maneira, a infusão de bicarbonato de sódio ajuda a diminuir
rapidamente o potássio plasmático facilitando a entrada de potássio no interior das células.
Apesar desse agente ter maior valor nos pacientes com acidose, ele também é efetivo em
indivíduos com um equilíbrio ácido-básico normal.
NEFROLOGIA - 27

A infusão de soluções hipertônicas de sódio pode ser efetiva em reverter a


toxicidade cardíaca, principalmente em pacientes hipovolêmicos e com hiponatremia,
através da simples diluição do potássio plasmático.
A glicose, o bicarbonato e o sódio podem ser misturados para formar um
“coquetel terapêutico”.
NEFROLOGIA - 28

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Nefrologia
Equilíbrio ácido-básico

Considerações fisiológicas

Por definição, ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir


com um íon hidrogênio para a solução, como o H2CO3 (ácido carbônico), o ácido úrico, o
ácido acetoacético, etc.
Base, por sua vez, é a molécula ou íon que irá se combinar com
íons hidrogênio para removê-los da solução, como o íon HCO3– (íon bicarbonato), o HPO4–
(íon fosfato), as proteínas, etc.
A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação
normal do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos, dos
quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato.
Os ácidos são produzidos continuamente durante o metabolismo
normal do organismo. Apesar da deposição de 20.000 mEq de ácido carbônico e de 80
mEq de ácidos não-voláteis diariamente nos líquidos corporais, a concentração de íon
hidrogênio livre (H+) nesses líquidos permanece dentro de uma estreita faixa.
O pH do líquido extracelular normalmente encontra-se entre
7,35 e 7,45. O limite inferior compatível com a vida de uma pessoa durante algumas horas
é de cerca de 6,8, enquanto o limite superior é de cerca de 8,0.
O pH dos líquidos intracelulares não pode ser determinado com
precisão, mas a maioria dos métodos sugere que a média de pH intracelular encontra-se na
faixa de 6,0 a 7,4, com uma média de 6,9.
Apesar da concentração de hidrogênio livre nos líquidos
corporais ser pequena, esses prótons são tão reativos que qualquer alteração na sua
concentração pode alterar reações enzimáticas e processos fisiológicos.
A defesa imediata contra essas mudanças no pH é fornecida
pelos sistemas tampões, que podem receber (bases) ou liberar (ácidos) íons hidrogênio
instantaneamente em resposta a alterações na acidez dos líquidos corporais. A regulação do
pH, posteriormente, depende da função dos pulmões e dos rins.
No organismo, os seguintes sistemas tampões são importantes:
 Bicarbonato;
 Fosfato
O tampão fosfato não é muito importante no líquido
extracelular porque sua capacidade de tamponamento é bem
menor que a do sistema bicarbonato, mas ele é especialmente
importante nos líquidos tubulares dos rins e nos líquidos
intracelulares;

 Proteínas plasmáticas e tissulares  É o sistema tampão


mais abundante e mais potente do organismo;
 Hemoglobina  É nas hemácias que se forma a maior parte
do bicarbonato plasmático;
 Compostos organofosforados e
 Cristais de apatita do osso.
NEFROLOGIA - 29

O principal produto ácido do metabolismo é o ácido carbônico,


que é formado a partir do dióxido de carbono, ou gás carbônico (CO2), dissolvido em
solução através da seguinte reação:

CO2 + H2O  H2CO3 (1)

A concentração normal do ácido carbônico nos líquidos


corporais é mantida pelos pulmões em cerca de 1,2 mEq/L (pCO2 = 40 mmHg). Nessa
concentração, a excreção pulmonar de CO2 se iguala a sua produção metabólica.
Além da produção de CO2, o metabolismo orgânico produz íons
hidrogênio e radicais ácidos que dão origem aos ácidos não-voláteis ou fixos que, ao
contrário do dióxido de carbono, não podem ser eliminados diretamente pelo pulmão.
Quando um ácido não-volátil é produzido pelo metabolismo,
seus íons hidrogênio são tamponados quase que instantaneamente, principalmente pelo
sistema bicarbonato (HCO3–). A partir de então, através da conversão do ácido carbônico
em água e dióxido de carbono, eles podem ser excretados pelos pulmões.
A eliminação do dióxido de carbono pelos pulmões pode ser
modulada pela ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro respiratório no bulbo, que
controla a respiração.
Devido a capacidade do centro respiratório de responder à
concentração de íons hidrogênio, o sistema respiratório atua como um controlador típico de
“feedback”, isto é, toda vez que a concentração de íons hidrogênio se elevar, o sistema
respiratório também fica mais ativo e, por outro lado, se a concentração de H+ cair para
níveis muito baixos, ele fica deprimido.
Contudo, o controle respiratório é incapaz de fazer com que a
concentração de íons hidrogênio retorne exatamente ao valor normal de 7,4, pois a medida
que o pH retorna ao seu valor normal, o estímulo que causou a alteração respiratória
começa a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório possui uma eficiência de
controle de cerca de 50 a 75%.
Apesar deste mecanismo minimizar as mudanças do pH,
eliminando CO2 ele destrói o bicarbonato e esgota a capacidade de tamponagem celular.
Como a capacidade de tamponagem total dos líquidos corporais é de cerca de 15 mEq por
quilograma de peso, a taxa normal de produção de ácidos não-voláteis seria capaz de
depletar completamente os tampões corporais em cerca de 10 a 20 dias, se não fosse a
habilidade dos rins em eliminar íons hidrogênio do corpo sem destruir o íon bicarbonato,
mantendo sua concentração entre 24 a 28 mEq/L.
A principal fonte de ácidos não-voláteis é o metabolismo de
metionina e cistina da dieta proteica, que produz ácido sulfúrico. Outras fontes incluem a
combustão incompleta de carboidratos e gorduras, que produzem ácido úrico; e o
metabolismo de compostos organofosforados, que liberam íons hidrogênio e fosfatos
inorgânicos.
As principais funções dos rins no equilíbrio ácido-básico são:
1. Retenção do bicarbonato extracelular;
2. Excreção dos íons hidrogênio de ácidos não-voláteis
produzidos pelos processos metabólicos.

A secreção de íons hidrogênio no fluido tubular, através da sua


troca por sódio (mecanismo de contratransporte Na+/H+) nos segmentos proximais do
néfron (95%) e através da bomba H+-ATPase nos segmentos distais (5%), é feita a partir da
NEFROLOGIA - 30

dissociação do ácido carbônico em H+ e HCO3– (íon bicarbonato), através da seguinte


reação:

H2CO3  H+ + HCO3– (2)

O ácido carbônico é formado no interior das células epiteliais


tubulares pela ação da enzima anidrase carbônica, que combina a água com o dióxido de
carbono que se difundiu para o interior das células ou foi formado pelo seu metabolismo.
Existe uma lei físico-química que se aplica a dissociação de
todas as moléculas e estabelece que a divisão do produto das moléculas dissociadas pela
concentração das moléculas não-dissociadas é igual a uma constante, K.

H+ × HCO3– / H2CO3 = K (3)

Essa fórmula pode ser modificada para a seguinte:

H+ = K × H2CO3 / HCO3– (4)

Todavia, como é quase impossível medir a concentração do


ácido carbônico não-dissociado porque ele se dissocia rapidamente, nós podemos substituí-
lo pela pressão parcial de gás carbônico multiplicada por uma outra constante, .

H+ = K ×  × pCO2 / HCO3– (5)

(K ×  = 24)

H+ = 24 pCO2 / HCO3– (equação de Henderson) (6)

Se tomarmos o logaritmo de cada termo da equação 4 nós


teremos a equação de Henderson-Hasselbalch:

log H+ = log K  log H2CO3 / HCO3–

 log H+ =  log K  log HCO3 / H2CO3

pH = pK  log HCO3 / H2CO3 (eq. de Henderson-Hasselbalch) (7)

Essas equações vão ser importantes para nós mais adiante.


A reabsorção do bicarbonato filtrado pelos glomérulos inicia
com a sua reação com os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares, dando origem
ao ácido carbônico (2).
A seguir, o ácido carbônico dissocia-se em dióxido de carbono e
água através da fórmula (1). Como o CO2 tem a capacidade de se difundir com extrema
rapidez através de todas as membranas celulares, ele se difunde instantaneamente para a
célula tubular e, em seguida, para o líquido extracelular, enquanto a água permanece no
túbulo.
NEFROLOGIA - 31

A destruição do bicarbonato por este processo é


substituída pela produção de bicarbonato pelas células
tubulares renais, pela transformação do ácido carbônico
em H+ e HCO3 descrita na fórmula (2), que mantém os
estoques de bicarbonato constantes.
Quando os íons hidrogênio são tamponados por
outros tampões urinários que não o bicarbonato, este íon
é poupado e, desta forma, vai representar um
componente adicional ao sistema tampão do organismo.
Contudo, a maior parte dos íons hidrogênio
urinários são tamponados por íons bicarbonato e apenas
uma pequena porção deles é tamponada por outros
sistemas como pelo fosfato e a amônia.
A quantidade de íons H+ livres que são excretados
na urina é mínima, mesmo quando o pH urinário é de
Figura 1 - Esquema de eliminação e 4,8. A acidificação da urina, contudo, é essencial para a
regeneração do bicarbonato tamponação dos prótons por fosfato e amônia.
Assim, toda vez que um íon H+ é secretado nos
túbulos, forma-se simultaneamente um íon bicarbonato na célula epitelial tubular e ocorre
absorção de um íon sódio do túbulo para a célula epitelial.
O íon sódio e o íon bicarbonato são, então, transportados juntos
da célula epitelial para o líquido extracelular.

HCO3 + Na+ = NaHCO3 (8)

Mudanças no pH dos líquidos corporais resultam em respostas


regulatórias mediadas pelos rins.
Na acidose, o excesso de dióxido de carbono ou a redução de
bicarbonato de sódio leva a uma secreção de íons hidrogênio superior a filtração dos íons
bicarbonato nos glomérulos.
Em conseqüência, o excesso de íons hidrogênio nos túbulos
aumenta a sua reação com os outros tampões do líquido tubular, principalmente a amônia.
Na alcalose, a diminuição da pCO2 ou o aumento de bicarbonato
aumenta a proporção de íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular.
Por conseguinte, o delicado equilíbrio que normalmente existe
nos túbulos entre os íons hidrogênio e o bicarbonato deixa de ocorrer. Como quase nenhum
íon bicarbonato pode ser reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o
excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando com ele o íon sódio ou
outros íons positivos.
Estudos recentes mostraram que os rins podem secretar
bicarbonato nos túbulos distais através de uma bomba Cl/HCO3, que é estimulada pela
alcalose.
Os mecanismos regulatórios renais para o equilíbrio ácido-
básico são influenciados por outros fatores além do pH dos fluidos corporais, como a
pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2), o volume de líquido extracelular,
angiotensina, aldosterona, íons cloreto (Cl–) e potássio (K+).
A hipercapnia (elevação da pCO2), que induz acidose
intracelular, tende a estimular a reabsorção de bicarbonato renal, enquanto a hipocapnia
tem um efeito oposto.
NEFROLOGIA - 32

Os estados hipovolêmicos aumentam os níveis de bicarbonato


provavelmente devido a estimulação da sua reabsorção juntamente com o sódio, mediada
pela angiotensina II, e pela diminuição da sua filtração glomerular.
A aldosterona aumenta a secreção de íons hidrogênio nos
segmentos distais do néfron por estimulação direta da bomba H+-ATPase e pela maior
reabsorção de sódio, que retém os íons H+ no fluido tubular por aumento da
eletronegatividade intraluminal.
A diminuição da concentração de íons cloreto diminui a
excreção de íon bicarbonato devido a sua necessidade na secreção de HCO3– pela troca
HCO3–/Cl–.
Desta forma, resumidamente, os sistemas tampões podem atuar
dentro de fração de segundos para impedir a ocorrência de alterações excessivas na
concentração de íons hidrogênio. Por outro lado, são necessários 1 a 12 minutos para que o
sistema respiratório possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar ajustes
adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de constituírem o mais potente de todos os
sistemas de regulação ácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias para reajustar
a concentração de íons hidrogênio.

Avaliação do equilíbrio ácido-básico

Na prática, a classificação dos distúrbios ácido-básicos


são baseados na medida das alterações no sistema bicarbonato-ácido carbônico, o principal
sistema tampão do líquido extracelular.
A relação entre os elementos do sistema bicarbonato é
geralmente descrita em termos da equação de Henderson-Hasselbalch:

pH = pK + log HCO3– / H2CO3

A acidose é definida como um distúrbio que tende a


adicionar ácido ou remover álcalis dos líquidos corporais, enquanto alcalose é um distúrbio
que tende a remover ácido ou adicionar base a eles.
Por sua vez, acidemia é o aumento de íons hidrogênio
no sangue enquanto alcalemia é a sua diminuição.
Como os processos compensatórios podem minimizar
ou prevenir alterações na concentração dos íons hidrogênio no plasma, a acidose ou a
alcalose nem sempre resultam em acidemia ou alcalemia.
Distúrbios metabólicos são aqueles em que a
perturbação primária encontra-se na concentração do bicarbonato. Como o bicarbonato
figura no numerador da equação de Henderson-Hasselbalch, um aumento na sua
concentração causa elevação do pH (alcalose metabólica), enquanto uma redução do
bicarbonato resulta em sua diminuição (acidose metabólica).
Os distúrbios respiratórios são aqueles em que a
alteração primária está na concentração de ácido carbônico. Conforme pode ser observado
através da equação de Henderson-Hasselbalch, uma queda na concentração de ácido
carbônico causa alcalose respiratória e uma elevação, acidose.
O principal problema na determinação dos distúrbios
ácido-básicos resultam das respostas compensatórias dos pulmões e dos rins.
NEFROLOGIA - 33

Os distúrbios respiratórios induzem uma resposta renal


compensatória que altera a concentração plasmática de bicarbonato na mesma direção, para
cima ou para baixo.
Semelhantemente, um distúrbio metabólico induz
reposta respiratória que modifica a concentração de ácido carbônico na mesma direção.
Por exemplo, considere um paciente com insuficiência
respiratória crônica que apresente uma acidose respiratória com as seguintes medidas:
 pCO2 = 70 mmHg (normal = 40 mmHg)
 HCO3 = 31 mEq/L (normal = 24 mEq/L)
 pH = 7,25 (normal = 7,4)

É importante para o clínico diferenciar se a elevação do


bicarbonato é meramente uma resposta renal apropriada a hipercapnia ou um distúrbio
ácido-básico metabólico associado.

Acidose metabólica

A acidose metabólica é causada por um de três mecanismos:


1. Produção aumentada de ácidos não-voláteis;
2. Diminuição da excreção renal de ácidos;
3. Redução do bicarbonato extracelular.

A diminuição do pH estimula a respiração e, conseqüentemente, a


pressão parcial de dióxido de carbono se reduz. Normalmente, a pressão parcial de dióxido
de carbono diminui em 1,2 mmHg para cada 1 mEq/L de decréscimo no bicarbonato
plasmático.
Na acidose metabólica, uma compensação respiratória completa
raramente ocorre, principalmente nas acidoses metabólicas crônicas. A máxima
compensação respiratória alcançável só é evidente em 12 a 24 horas e uma hiperventilação
fisiológica não consegue reduzir a pCO2 abaixo de 10 mmHg.
Quando a função renal está normal, a excreção de ácidos aumenta
imediatamente em resposta a acidose metabólica, especialmente devido a sua titulação com
fosfatos. Depois de diversos dias, a produção de amônia pelos rins também aumenta e se
torna o mecanismo mais importante para a excreção do ácido em excesso. A quantidade de
bicarbonato que o rim devolve a circulação também aumenta de maneira progressiva.
As principais causas de acidose metabólica são:
 Cetoacidose
 Diabética
 Alcoólica
 Nutritiva

 Acidose lática
 Secundária a insuficiência circulatória
 Choque séptico
 Infarto agudo do miocárdio
 Hemorragia

 Secundária a insuficiência respiratória


NEFROLOGIA - 34

 Exercícios físicos vigorosos ou convulsão


Podem causar uma
desproporção entre o suprimento de oxigênio e a demanda
metabólica muscular, levando a uma acidose lática clinicamente
benigna e transitória.

 Associada a diversos distúrbios  Os mecanismos


fisiopatológicos dessa associação são pouco conhecidos
 Leucemia
 Linfoma
 Tumores sólidos
 Diabetes mellitus
 Insuficiência hepática grave

 Drogas e toxinas
 Frutose parenteral
 Nitroprussiato de sódio
 Epinefrina e norepinefrina

 Defeitos enzimáticos congênitos  Principalmente no


metabolismo dos carboidratos
 Glicose-6-fosfatase
 Frutose-1,6-bifosfatase
 Piruvato carboxilase
 Piruvato desidrogenase

 Intoxicação e drogas
 Salicilatos
Produzem um bloqueio metabólico que leva a
produção de uma mistura de ácidos orgânicos endógenos.
Os salicilatos tem o efeito adicional de estimular o
centro respiratório diretamente. Assim, a alcalose respiratória
pode ser o primeiro sintoma da intoxicação por salicilatos e, em
alguns pacientes, pode ser o único distúrbio.

 Etilenoglicol
É convertido em ácidos glioxílicos e oxálicos.
Além disso, o etilenoglicol produz bloqueios metabólicos que
podem levar ao aumento da produção de ácidos orgânicos
endógenos.

 Metanol
O metanol é convertido em ácido fórmico e também
pode levar a produção de ácidos orgânicos endógenos pelo
bloqueio metabólico.
NEFROLOGIA - 35

 Insuficiência renal
 Crônica
Seu principal defeito é a redução na excreção de
amônia, mas alguns pacientes também perdem bicarbonato,
reduzindo seus níveis plasmáticos para cerca de 12 a 18 mEq/L.

 Aguda
A concentração de bicarbonato cai de 1 a 2 mEq/L/dia
quando a redução da excreção de ácido renal é a única causa da
acidose metabólica.

 Disfunção tubular renal


 Acidose tubular renal
 Hipoaldosteronismo  Causa acidose associada a hipercalemia
 Diuréticos poupadores de potássio  Inibem a secreção tubular
distal de íons hidrogênio e potássio

 Perda de bicarbonato
 Diarréia grave
 Síndrome da malabsorção intestinal
 Ureterosigmoidostomia
 Inibidores da anidrase carbônica
 Acetazolamida  Diamox®

 Produção de ácido clorídrico  O bicarbonato é titulado pelo


ácido e substituído pelo cloro.

Existem poucos sintomas ou sinais específicos de acidose metabólica.


Na acidose metabólica aguda, a hiperventilação (ritmo de Kussmaul) é
freqüente e pode ser intensa. Contudo, na acidose metabólica crônica, a hiperventilação
quase nunca está presente, a despeito da redução substancial da pressão parcial de dióxido
de carbono.
Uma acidose aguda e grave produz uma variedade de sintomas
inespecíficos variando desde fadiga até confusão mental, estupor e coma. Sintomas
cardiovasculares incluem hipocontratilidade cardíaca e vasodilatação, que levam a
insuficiência cardíaca ou a hipotensão.
A acidose metabólica crônica pode ser assintomática ou estar
associada com fadiga e anorexia, apesar de geralmente ser difícil determinar se esses
sintomas refletem a acidose em si ou se eles estão relacionados a doença de base.
As características laboratoriais incluem diminuição do bicarbonato
plasmático e do pH sangüíneo, associados com a redução compensatória na pressão parcial
de dióxido de carbono.
Geralmente ocorre hipercalemia em decorrência da saída de potássio
do interior das células.
Isso ocorre devido a um fenômeno denominado desvio iônico, em que
a maior quantidade de íons hidrogênio no espaço extracelular induz a sua entrada no
interior das células, resultando na saída do potássio e, conseqüentemente, em hipercalemia,
que pode mascarar significativamente uma depleção de potássio.
Em termos gerais, para cada redução no pH em 0,1 unidade, a
concentração plasmática de potássio aumenta em 0,6.
NEFROLOGIA - 36

Quando a causa da acidose metabólica não está evidente, o cálculo do


fator R ou “anion gap” pode ajudar no diagnóstico diferencial.
O fator R é calculado através das concentrações plasmáticas dos
seguintes eletrólitos:

Fator R = Na+ – (Cl– + HCO3–) ou


Fator R = (Na+ + K+) – (Cl– + HCO3–) (9)

Como a concentração plasmática de potássio é mais ou menos


constante, a primeira fórmula é a mais utilizada.
Considerando-se como valores normais as concentrações plasmáticas
dos eletrólitos citados, o fator R normalmente está em torno de 8 a 16 mEq/L (12 mEq/L).

R = Na+ – (Cl– + HCO3–)


R = 140 – (103 + 24)
R = 140 – 127
R = 13

O termo em inglês “anion gap”, que poderia ser traduzido como hiato
aniônico, não é correto, porque na verdade não existe um hiato entre a concentração de
ânions e cátions.
Sabemos que a concentração de cátions no plasma deve ser igual à
concentração de ânions. Os cátions do plasma são o Na+ e os cátions não-determinados
(CND), tais como o potássio, o cálcio e o magnésio. Os ânions do plasma são o Cl–, o
HCO3– e os ânions não-determinados (AND), como as proteínas, os íons fosfato, os íons
sulfato e os ácidos orgânicos.
Portanto:

[cátions] = [ânions]
Na+ + CND = (Cl– + HCO3–) + AND
Na+ – (Cl– + HCO3–) = AND – CND
Fator R = AND – CND

Conclui-se, assim, que o fator R, embora seja determinado a partir do


sódio, cloro e íon bicarbonato, é na verdade determinado a partir das concentrações dos
cátions e ânions não-determinados.
Desta forma, quando a acidose metabólica é devido ao aumento na
produção de ácidos ou à insuficiência renal, o fator R encontra-se geralmente aumentado,
devido a elevação na concentração dos ânions não-determinados.
A causa da acidose com um fator R elevado geralmente é determinada
facilmente pela clínica ou por exames laboratoriais.
A cetoacidose deve ser considerada quando a acidose ocorre em
pacientes com diabetes mellitus não-controlada, alcoolismo ou desnutrição. Cetoacidemia
pode ser detectada por testes séricos que reagem com o acetoacetato, mas não com o -
hidroxibutirato. A reação para o -hidroxibutirato exige testes específicos.
O diagnóstico de acidose lática é suspeitado nos pacientes com
insuficiência circulatória grave quando outras causas de acidose foram descartadas. Um
teste específico para o lactato plasmático pode ser realizado quando o diagnóstico é
duvidoso.
NEFROLOGIA - 37

A concentração elevada a níveis tóxicos de salicilato confirma a


suspeita de intoxicação por salicilato e a acidose causada pela intoxicação com
etilenoglicol ou metanol deve ser presumida se a osmolaridade plasmática mensurada
exceder a osmolaridade calculada.
Em todos os outros tipos de acidose metabólica, o fator R está normal
porque não há nem uma produção aumentada nem uma excreção reduzida dos ácidos
orgânicos.
O tratamento da acidose metabólica depende da sua causa e da sua
gravidade. Na insuficiência renal crônica, uma acidose metabólica leve ou moderada não
requer tratamento.
Quando o bicarbonato plasmático cai abaixo de 15 mEq/L, o
tratamento pode ser feito via oral com álcalis, tais como bicarbonato de sódio ou citrato de
sódio. Cuidados devem ser tomados para evitar a rápida alcalinização do plasma, que pode
levar a tetania. Um excesso de sódio dado com o bicarbonato pode agravar uma
hipertensão ou edema.
Os pacientes com insuficiência renal aguda normalmente também não
requerem terapia específica para a acidose. A diálise instituída para a insuficiência renal
deve manter níveis adequados de bicarbonato.
A acidose causada por disfunção tubular renal deve ser
completamente tratada para evitar o desenvolvimento de hipercalciúria, osteomalácia,
nefrocalcinose e litíase.
A cetoacidose diabética responde bem a insulina e a maioria dos
pacientes não requer tratamento com álcalis, a não ser quando o pH reduz-se de 7,1. A
cetoacidose alcoólica responde rapidamente a infusões de glicose ou solução salina.
Na acidose lática, a acidose pode ser corrigida pelo próprio
metabolismo do lactato, que produz bicarbonato, quando o distúrbio puder ser revertido. O
tratamento com bicarbonato endovenoso é controverso porque, primeiramente, a
velocidade de formação de H+ e lactato é muito grande, necessitando de grandes
quantidades de bicarbonato para elevar seu nível plasmático. Em segundo lugar, parece que
a correção da acidose aumenta a produção de lactato.
Por outro lado, uma acidose extrema pode levar a um colapso
circulatório.
Recomenda-se o tratamento da acidose lática com bicarbonato
endovenoso numa dosagem suficiente para manter o bicarbonato plasmático em 8 a 10
mEq/L e o pH acima de 7,1.
O cálculo da quantidade de bicarbonato a ser administrado baseia-se
no espaço de distribuição do bicarbonato, que habitualmente é considerado como 50% do
peso corporal.
Por exemplo, em um paciente de 70 kg (espaço de distribuição do
bicarbonato = 35 litros) em que se deseja elevar a concentração de bicarbonato em 10
mEq/L, a quantidade de bicarbonato que deve ser administrada é:

10 mEq = 1 litro
x 35 litros

x = 350 mEq
NEFROLOGIA - 38

Nem sempre o espaço de distribuição do bicarbonato é de 50%. Nos


casos de intensa acidose metabólica, a participação de outros sistemas tampões e o
tamponamento intracelular excessivo eleva o espaço de distribuição acima de 100% do
peso corporal.
Assim, recomenda-se que quando o bicarbonato plasmático for igual
ou inferior a 5 mEq/L, o espaço calculado seja em torno de 100% do peso corporal.
Quando for impossível controlar a acidose metabólica com
bicarbonato porque a produção endógena de ácido é muito rápida ou já há sinais de
sobrecarga circulatória, o tratamento dialítico está indicado.

Alcalose metabólica

A alcalose metabólica geralmente resulta da perda aumentada de ácido


pelo estômago ou pelos rins. Contudo, a excreção de bicarbonato é normalmente tão rápida
que a alcalose só vai se sustentar na presença de elevada reabsorção ou progressiva
produção de bicarbonato.
Clinicamente, a manutenção da alcalose metabólica é mais freqüente
quando ocorre estimulação da reabsorção de bicarbonato devido a uma hipovolemia. Neste
caso, o aumento da reabsorção de sódio, como mecanismo compensatório da hipovolemia,
acaba elevando a reabsorção de bicarbonato porque o íon bicarbonato é reabsorvido
juntamente com o sódio.
Assim, a alcalose vai se sustentar até que a hipovolemia seja corrigida
pela administração de cloreto de sódio.
Outro mecanismo que pode suster uma alcalose metabólica é o
hipermineralocorticoidismo. Os mineralocorticóides estimulam a secreção de íons
hidrogênio pelos rins. Nos pacientes com excesso deste hormônio, a elevação dos níveis
plasmáticos de bicarbonato inicia com a perda aumentada dos íons H+ como amônia e é
mantida pela sua elevada reabsorção.
A compensação respiratória (hipercapnia) para a alcalose metabólica é
limitada pela hipóxia e a redução da ventilação alveolar raramente eleva a pressão de gás
carbônico acima de 55 ou 60 mmHg. Essa compensação só ocorre na ausência de
hipocalemia, por mecanismos ainda não bem esclarecidos.
As principais causas de alcalose metabólica são:
 Hipovolemia
 Vômito ou drenagem gástrica
 Diuréticos
Os diuréticos causam redução do volume
extracelular através da inibição da reabsorção de sódio. O
conseqüente aumento na produção de aldosterona, assim como a
hipocalemia concomitante, estimulam a secreção de H+,
produzindo e mantendo a alcalose, que é geralmente discreta.
Os diuréticos capazes de causar alcalose metabólica
são os diuréticos tiazídicos e os de alça. Os diuréticos que
inibem especificamente a reabsorção de bicarbonato, tais como a
espironolactona, o amiloride e o triamtereno, causam acidose ao
invés de alcalose.
NEFROLOGIA - 39

 Alcalose pós-hipercapnia
Pacientes com hipercapnia crônica
causada por insuficiência respiratória (acidose respiratória)
mantém altos níveis de bicarbonato.
Quando a respiração melhora, a pCO2
cai rapidamente, mas a excreção urinária do bicarbonato em
excesso produzido pela compensação renal leva vários dias.
Em pacientes com uma dieta pobre em
sal ou em uso de diuréticos, que apresentam hipovolemia, a
alcalose pode persistir indefinidamente, até que cloreto de sódio
ou de potássio seja adicionado a sua dieta.

 Hipermineralocorticoidismo
 Síndrome de Cushing
 Aldosteronismo primário
 Síndrome de Bartter

 Hipocalemia grave  Com níveis séricos de potássio iguais ou


inferiores a 2 mEq/L
 Ingestão excessiva de bicarbonato

Não há sintomatologia específica na alcalose metabólica. Uma


alcalose grave pode causar apatia, confusão mental e estupor. Quando os níveis séricos de
cálcio forem baixos, o rápido desenvolvimento da alcalose pode induzir tetania.
A associação de hipocalemia com alcalose metabólica pode
manifestar-se por fraqueza ou paralisia muscular, distúrbios abdominais, íleo e arritmias
cardíacas.
Em pacientes intensamente alcalóticos, um pH de 7,54 a 7,56 tem uma
mortalidade de 40% e um pH de 7,65 a 7,7 atinge 80% de mortalidade.
O diagnóstico de alcalose metabólica depende do reconhecimento do
quadro clínico e de exames laboratoriais apropriados.
O bicarbonato plasmático está aumentado e a pressão de dióxido de
carbono aumenta em cerca de 0,7 mmHg para cada mEq/L na elevação do bicarbonato. A
concentração de potássio freqüentemente está reduzida, e o eletrocardiograma pode revelar
alterações nas ondas T e U decorrentes da hipocalemia.
Uma alcalose metabólica leve ou moderada raramente necessita de
tratamento específico.
Nos pacientes com vômito ou drenagem gástrica, a infusão de solução
salina é geralmente suficiente para aumentar a excreção renal de bicarbonato. A
administração de cloreto de potássio nos pacientes tratados com diuréticos também é útil.
Quando houver hiperfunção adrenal (hiperadrenocorticismo), a
alcalose deve ser corrigida com o tratamento específico da doença de base.

Acidose respiratória

Ocorre quando há uma retenção de CO2 no organismo e traduz-se por


uma elevação da pCO2 no sangue. Isto ocorre quando a produção de CO2 nos tecidos
excede a capacidade de remoção pelos pulmões.
NEFROLOGIA - 40

A acidose respiratória aguda promove somente uma pequena elevação


do bicarbonato plasmático, cerca de 1 mEq/L para cada 10 mmHg de aumento da pCO2.
Se a hipercapnia for mantida, a excreção renal de ácidos vai se elevar
e a reabsorção de bicarbonato vai ser estimulada.
Na acidose respiratória crônica, o bicarbonato vai ser capaz de se
elevar em aproximadamente 3,5 mEq/L para cada 10 mmHg de pCO2, minimizando o grau
de acidemia.
Patogenicamente, a acidose respiratória aguda ocorre sempre que
houver insuficiência súbita da ventilação. Suas causas mais comuns incluem:
 Depressão do centro respiratório
 Doença cerebral
 Drogas

 Distúrbios neuromusculares

A acidose respiratória crônica, por sua vez, ocorre em doenças


pulmonares tais como:
 Enfisema
 Asma
 Bronquite crônica

É freqüentemente difícil de distinguir as manifestações clínicas da


acidose respiratória daquelas resultantes da hipóxia associada. Na presença de uma
hipercapnia moderada, principalmente quando seu desenvolvimento é lento, provavelmente
não vai haver características clínicas.
Quando a pCO2 ultrapassa 70 mmHg, os pacientes tornam-se
progressivamente confusos e obnubilados.
Pode ocorrer edema de papila, aparentemente porque a pressão
intracraniana está elevada pela vasodilatação característica da hipercapnia.
Os pacientes com hipercapnia crônica são geralmente acidêmicos.
Contudo, alguns indivíduos com hipercapnia crônica mínima ou moderada podem ter um
pH plasmático normal ou mesmo levemente elevado, devido a compensação renal.
Todavia, na maioria das vezes, uma elevação significativa do pH, em
pacientes com hipercapnia crônica, resulta de uma complicação por alcalose metabólica.
Os diuréticos, dietas com baixo teor de sódio e a alcalose pós-hipercapnia são freqüentes
causas desse tipo de distúrbio ácido-básico associado.
A única abordagem válida no tratamento da acidose respiratória é a
correção do distúrbio subjacente.

Alcalose respiratória

Uma redução aguda na concentração de dióxido de carbono traduz-se


por uma diminuição da pCO2, que leva a uma liberação de íons hidrogênio pelos tampões
plasmáticos no sentido de reduzir a alcalemia reduzindo o bicarbonato plasmático.
A alcalose aguda também aumenta o metabolismo da via glicolítica,
levando a produção de ácidos lático e pirúvico que diminuem a concentração de
bicarbonato.
NEFROLOGIA - 41

Na hipocapnia crônica, o bicarbonato plasmático ainda é reduzido por


um mecanismo complementar no qual a pCO2 inibe a reabsorção tubular e a regeneração
de bicarbonato.
Assim como na acidose respiratória, a compensação do estado crônico
é muito mais completa do que a do agudo. Na hipocapnia aguda, o bicarbonato plasmático
cai em apenas 2 mEq/L para cada 10 mmHg na queda da pCO2, enquanto que na hipocapnia
crônica ele se reduz em 4 a 5 mEq/L.
Patogenicamente, a alcalose respiratória é decorrente de
hiperventilação aguda ou crônica, causadas por:
 Hipóxia  Com redução da pO2 para menos de 60 mmHg
 Aguda
 Pneumonia
 Asma
 Edema pulmonar
 Hipotensão

 Crônica
 Fibrose pulmonar
 Cardiopatia cianótica
 Altas altitudes
 Anemia

 Estimulação do centro respiratório


 Ansiedade
 Febre
 Septicemia
 Intoxicação por salicilatos
 Doença cerebral
 Cirrose hepática
 Gestação
 Correção da acidose metabólica

 Ventilação mecânica excessiva

Dependendo da sua gravidade e velocidade de desenvolvimento, a


hiperventilação pode ou não ser visível clinicamente.
Na alcalose respiratória aguda, o quadro clínico é característico. O
paciente queixa-se de parestesias nas extremidades e região perioral, alteração na
consciência e, quando a alcalose for grave o suficiente, manifestações de tetania.
A alcalose aumenta diretamente a excitabilidade neuromuscular. Esse
efeito é provavelmente a causa principal da tetania.
Alcalose respiratória grave pode causar confusão ou perda da
consciência, talvez devido a vasoespasmo cerebral induzido pela hipocapnia.
O diagnóstico pode ser presumido pelo quadro clínico, mas deve ser
confirmado a partir da análise da pCO2.
O único tratamento de sucesso da alcalose respiratória é a eliminação
do distúrbio subjacente.
NEFROLOGIA - 42

Distúrbios mistos

Acidose metabólica e acidose respiratória


 Parada cárdio-respiratória
 Edema pulmonar grave
Assim como a parada cárdio-respiratória,
o edema pulmonar grave pode resultar em acidose metabólica devido
a insuficiência circulatória e em hipercapnia devido a insuficiência
respiratória.

 Intoxicação por salicilatos e sedativos


Além da acidose metabólica
causada pela intoxicação isolada por salicilatos, pacientes em
tratamento crônico que também recebem sedativos ou hipnóticos
podem desenvolver uma depressão respiratória e apresentar acidose
respiratória.

 Pneumopatia associada a insuficiência renal ou septicemia

Acidose metabólica e alcalose respiratória


 Intoxicação por salicilatos
 Septicemia
A insuficiência cardiovascular causa acidose lática
enquanto a febre e a endotoxemia estimulam o centro respiratório e
causam hipocapnia.

 Cirrose hepática associada a insuficiência renal


A insuficiência
renal, uma complicação freqüente em pacientes com cirrose
hepática, vai associar uma acidose metabólica à alcalose respiratória
crônica, freqüente em pacientes com cirrose.

 Embriagues
Pacientes embriagados que desenvolvem cetoacidose
também podem desenvolver hiperventilação devido ao “delirium
tremens”.
Nos pacientes que vomitaram repetitivamente, pode
haver associado um terceiro distúrbio, a alcalose metabólica.

Alcalose metabólica e acidose respiratória


Nos pacientes com
acidose respiratória crônica causada por pneumopatia, pode-se desenvolver uma alcalose
metabólica quando há administração terapêutica de diuréticos, esteróides ou ventiladores
ou vômito.
NEFROLOGIA - 43

Alcalose metabólica e alcalose respiratória


 Gestação com vômitos
 Hepatopatia crônica tratada com diuréticos
 Parada cárdio-respiratória tratada com bicarbonato e ventilador
A alcalose metabólica é associada pela administração de
bicarbonato e pela conversão metabólica de lactato acumulado em
bicarbonato depois da correção do colapso circulatório.
Um terceiro distúrbio pode ocorrer caso a circulação não seja
adequadamente corrigida, com acúmulo de acido lático, levando a
associação da alcalose metabólica e respiratória a uma acidose
metabólica (acidose lática).

Acidose metabólica e alcalose metabólica


Este distúrbio geralmente
ocorre quando a alcalose metabólica causada por vômitos sobrepõe-se a:
 Cetoacidose diabética ou alcoólica
 Insuficiência renal aguda ou crônica

Em alguns pacientes com


cetoacidose diabética, a ingestão de grandes quantidades de antiácidos absorvíveis para
tratamento de sintomas de desconforto gástrico podem ser uma causa adicional de alcalose
metabólica.

Diagnóstico

O diagnóstico de um distúrbio ácido-básico é feito através de uma análise


sistemática com os seguintes elementos:
 Anamnese
 Exame físico
 Exames laboratoriais

Normalmente, a história clínica, o bicarbonato plasmático e o fator R são


suficientes para o diagnóstico.
Arbus desenvolveu um mapa ácido-básico que pode ser útil no diagnóstico
clínico de um distúrbio ácido-básico.
Valores que não se encaixam em nenhuma faixa do mapa para um único
distúrbio ácido-básico freqüentemente sugerem um distúrbio misto. Contudo, valores
presentes nas faixas para um único distúrbio não eliminam a possibilidade de um distúrbio
misto. Mesmo valores normais podem ser encontrados nesses distúrbios.
Outra maneira de se avaliar se um distúrbio ácido-básico é puro ou misto é
através das seguintes fórmulas:
 Acidose metabólica

pCO2 = 1,1 HCO3–

 pCO2 < 1,1 HCO3–  Alcalose respiratória associada


 pCO2 > 1,1 HCO3–  Acidose respiratória associada
NEFROLOGIA - 44

 Alcalose metabólica

0,4 HCO3–  pCO2  0,7 HCO3–

 pCO2 < 0,4 HCO3–  Alcalose respiratória associada


 pCO2 > 0,7 HCO3–  Acidose respiratória associada

 Acidose respiratória aguda

HCO3– = 0,1 pCO2

 HCO3– < 0,1 pCO2  Acidose metabólica associada


 HCO3– > 0,1 pCO2  Alcalose metabólica associada

 Acidose respiratória crônica

HCO3– = 0,35 pCO2

 HCO3– < 0,35 pCO2  Acidose metabólica associada


 HCO3– > 0,35 pCO2  Alcalose metabólica associada

 Alcalose respiratória aguda

HCO3– = 0,2 pCO2

 HCO3– < 0,2 pCO2  Acidose metabólica associada


 HCO3– > 0,2 pCO2  Alcalose metabólica associada

 Alcalose respiratória crônica

HCO3– = 0,5 pCO2

 HCO3– < 0,5 pCO2  Acidose metabólica associada


 HCO3– > 0,5 pCO2  Alcalose metabólica associada
NEFROLOGIA - 45

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Reposição hidroeletrolítica

Introdução

Para se formular um plano parenteral, é necessário o conhecimento dos


problemas do paciente através do exame clínico e laboratorial.
Na história, nós devemos prestar atenção em dados como vômitos, que indicam
uma provável alcalose metabólica e um déficit de sódio e potássio; insuficiência cardíaca
congestiva, que apresenta-se com excesso de sódio; rápidas mudanças no peso, que
traduzem ganho ou perda de líquidos; etc.
As determinações das concentrações plasmáticas de sódio (Na+), potássio (K+),
cloro (Cl–), bicarbonato (HCO3–), glicose (C6H12O6), uréia e creatinina já são rotina na
maioria dos hospitais e são de extrema importância no diagnóstico e correção dos
distúrbios hidroeletrolíticos.
Uma vez obtidas essas informações, a formulação do plano para a reposição
hidroeletrolítica, elaborado pelo Dr. Gelding H. Scribner, da Universidade de Washington,
obedece à seguinte ordem:
1. Cálculo da necessidade básica
Refere-se a previsão da quantidade de
líquidos e eletrólitos perdidas nas próximas 24 horas através da urina, fezes,
suor, respiração, etc.

2. Cálculo das correções hidroeletrolíticas relativas aos distúrbios


detectados através da avaliação clínica e laboratorial
3. Balanço entre a necessidade básica e as correções para determinar o
total de líquido e eletrólitos a ser administrado

Cálculo da necessidade básica

A estimativa da quantidade de líquidos e eletrólitos


perdidos em um período de 24 horas baseia-se em:
 Volume urinário
 Perdas gastrointestinais
 Perdas sensíveis e insensíveis  Pele e pulmão

O volume urinário normal atinge 2.000 ml e em condições


de intensa restrição líquida, é de cerca de 500 ml/dia.
O valor médio entre os volumes urinários mínimo e máximo
excretados habitualmente é de 1.500 ml/dia e, por isso, é o valor utilizado por nós por
convenção.
A ingesta média diária de sódio é de 135 mEq.
Se houver suspensão na ingesta ou perda de sódio pelo
organismo, ele poderá produzir uma urina quase sem sódio em quatro a nove dias.
Na necessidade básica, costumamos administrar 75 mEq
diários de sódio, permitindo ao rim eliminar uma maior ou menor quantidade, de acordo
com as suas necessidades.
NEFROLOGIA - 46

A perda diária habitual de potássio é de 40 mEq e,


obrigatoriamente, pelo menos 25 mEq de potássio é excretado diariamente pelo organismo.
Conservando o mesmo raciocínio para o cálculo do volume
urinário e do sódio, administra-se 40 mEq de potássio diariamente na necessidade básica.
A necessidade básica do cloro é de 115 mEq por dia e,
como conveniência, pode ser deduzida pela soma da necessidade do Na+ e do K+.
Assim, resumidamente, a perda urinária diária de água e
eletrólitos de um indivíduo normal é:
 Água = 1.500 ml
 Sódio = 75 mEq
 Potássio = 40 mEq
 Cloro = 115 mEq

Quando o paciente apresenta um distúrbio da função renal,


o raciocínio acima não é válido para o cálculo da quantidade de água e eletrólitos perdidos
na urina. Por exemplo, um paciente com oligúria devido a um comprometimento orgânico
do rim deverá receber um volume de água igual ao volume de urina excretada. Da mesma
forma, um paciente com edema resultante de sódio total deve ter sua necessidade básica de
sódio reduzida.
As perdas gastrointestinais podem ser altas, através de
vômitos, por exemplo; ou baixas, devido a diarréias.
Procura-se avaliar o volume a ser eliminado nas próximas
24 horas baseando-se nas perdas diárias anteriores. Isto é, se um paciente vem eliminando
1.000 ml de suco gástrico ao dia, é natural esperar que ele elimine a mesma quantidade nas
próximas 24 horas.
Por sua vez, o melhor meio de avaliar as perdas eletrolíticas
é proceder à análise bioquímica do líquido.
Como regra prática, calcula-se a concentração de sódio do
suco gástrico baseado no seu pH.
Quando ele é superior a 4, a concentração de sódio em
mEq/L será numericamente igual a 10% do volume de suco gástrico em ml. Por exemplo,
quando o volume de suco gástrico eliminado é igual a 1.500 ml e o seu pH é superior a 4, a
concentração de sódio será de 150 mEq/L.
Se o pH for inferior a 4, a concentração de sódio será de 5%
do volume eliminado.
A perda de potássio no suco gástrico é geralmente na base
de 1% do volume eliminado e a concentração de cloro pode ser calculada pela soma das
perdas de sódio e potássio.
Como o pH das fezes liquefeitas na diarréia é geralmente
superior a 4, suas perdas eletrolíticas são semelhantes à do suco gástrico de pH > 4.
Habitualmente, para a necessidade básica, consideramos a
perda diária pela pele e pulmões na ordem de 1.000 ml de água, com exceção de quando há
febre ou taquipnéia, em que nós aumentamos:
 200 ml a cada elevação de 1o C acima de 37o C;
 200 ml a cada 4 impulsões por minuto, quando a
freqüência respiratória for superior a 20 ipm.

As perdas eletrolíticas são desprezíveis, com exceção de


quando há sudorese excessiva.
NEFROLOGIA - 47

Tabela 1 - Necessidade básica diária


Perdas Água (ml/dia) Sódio (mEq/L) Potássio (mEq/L) Cloro (mEq/L)
Urina 1.500 75 40 115
Gastrointestinais Volume perdido 5 ou 10% 1% ?
no dia anterior
Pele e pulmões 1.000 0 0 0

Cálculo das correções

O estado de cada uma das cinco categorias a seguir enumeradas


deverá ser avaliado toda vez que se formula um plano parenteral. Isto será extremamente
útil nos distúrbios hidroeletrolíticos mais complexos:
1. Água
2. Sódio
3. Sangue e plasma
4. Ácido-básico
5. Potássio

Correções para a água


A maneira mais prática de avaliar a
necessidade de água é determinar o sódio plasmático. O objetivo é administrar uma
quantidade de água que mantenha o sódio plasmático entre 130 e 135 mEq/L.
Considerando-se que quando a
concentração plasmática de sódio é de 140 mEq/L (concentração de sódio normal), a
quantidade total de água corporal é de 60% do peso corporal total de um indivíduo, pode-
se calcular a quantidade de água de um paciente através da avaliação do seu sódio
plasmático.
Por exemplo, um paciente de 65 anos, que
usualmente pesa 70 kg, chega ao hospital com um quadro de gastroenterite, queixando-se
de sede e com um sódio plasmático de 154 mEq/L.

Na+ normal = total de água corporal


Na+ observado X

140 = 60% do peso corporal


154 X

140 = 42
154 X

X = 42  154
140
NEFROLOGIA - 48

X = 46,2 litros

Como a concentração de sódio do paciente


está aumentada, deduzimos que ele apresenta um déficit de água.
Pela fórmula acima, observamos que um
sódio equivalente ao do paciente necessitaria de 46,2 litros para manter sua concentração
normal. Ou seja, uma variação de 4,2 litros do normal calculado para esse mesmo paciente
(42 litros).
Como a concentração de sódio corporal e
a quantidade total de água corporal variam de maneira inversamente proporcional (e não de
maneira diretamente proporcional como na fórmula acima), podemos concluir que o
aumento na concentração de sódio do paciente ocorreu devido a um déficit de água que é
numericamente igual ao valor obtido por essa regra prática, ou seja, 4,2 litros.
Quando há déficit de água, a correção se
faz apenas acrescentando a quantidade defasada. Assim, no exemplo acima, deve-se
administrar 4,2 litros no paciente.
No excesso de água, a correção é feita em
até 50% do valor calculado.

Correções para o sódio


Grosseiramente, pode-se avaliar um
déficit de sódio através de perdas pequenas (10%), médias (20%) ou moderadas (30%) de
volume extracelular.
Pressupõe-se uma perda pequena quando
o paciente apresenta apenas dados na história clínica, como vômitos, diarréia, etc., mas seu
exame físico é normal.
Perdas moderadas de volume extracelular
são indicadas por alterações no exame físico, como hipotensão ortostática com redução de
20 mmHg na pressão sistólica e 10 mmHg na pressão diastólica; taquicardia; vasos
sublinguais e jugular externa não-ingurgitados; etc.
Um estado intermediário é indicativo de
perdas médias do volume extracelular.

Sangue e plasma
Se houver uma redução importante do volume
globular ou evidência de sangramento ativo, a administração de sangue pode ser indicada.

Ácido-base
Quando houver alcalose metabólica, a correção da
depleção do volume extracelular e do déficit de potássio, em geral, é suficiente. Raramente
há necessidade de administração de ácidos minerais.
Se o diagnóstico é de acidose metabólica, deve-se
calcular a quantidade de bicarbonato de sódio a ser administrada e tomar cuidado para
deduzir da necessidade básica ou da correção para o sódio a quantidade desse elemento
administrada com o bicarbonato de sódio.
NEFROLOGIA - 49

Correções para o potássio


Uma maneira de se fazer um cálculo
aproximado do déficit de potássio é o seguinte:
1. Quando o potássio sérico é superior a 3 mEq/L, para se elevar
o potássio sérico em 1 mEq/L, há necessidade de administrar
de 100 a 200 mEq de potássio.
2. Quando o potássio sérico é inferior a 3 mEq/L, para se elevar o
potássio sérico em 1 mEq/L, há necessidade de administrar de
200 a 400 mEq de potássio.
3. Para cada alteração no pH de 0,1 unidade, há uma alteração
inversa de 0,6 mEq/L na concentração sérica de K+.

Com a exceção de quando houver


controle eletrocardiográfico, não se deve administrar mais de 40 mEq/hora ou 240 mEq/24
horas na reposição terapêutica de potássio.

Princípios gerais no plano parenteral

Primeiramente, é necessário que se faça apenas uma


estimativa da magnitude do distúrbio, a qual servirá de guia para a reposição. Uma
determinação exata não é possível e tampouco necessária.
À medida que se faz a correção do distúrbio, o plano
terapêutico seguinte deverá aproximar-se da necessidade básica e deixar que o próprio rim
faça os ajustes finais.
Nunca há necessidade de corrigir o distúrbio
completamente nas primeiras 24 horas.
Normalmente, não se acrescenta fósforo, magnésio e
cálcio às soluções hidrossalinas que se destinam a uma reposição hidroeletrolítica de
poucos dias de duração. No entanto, esses elementos são essenciais na nutrição parenteral.
Uma intensa depleção de fósforo pode ser encontrada
em situações como o diabetes mellitus; a suspensão da ingesta de álcool; a utilização de
drogas como o hidróxido de alumínio, que se liga ao fósforo no intestino; a fase de
melhora de queimaduras extensas; etc.
Nesses casos, a hipofosfatemia pode causar fraqueza
muscular; hemólise; alterações na função de plaquetas e leucócitos; rabdomiólise, quando
indivíduos desnutridos com hipofosfatemia são realimentados; insuficiência respiratória;
hipocontratilidade miocárdica; insuficiência cardíaca congestiva; etc.
O magnésio, por sua vez, pode estar diminuído nas
diureses intensas induzidas por diuréticos e quando há perdas gastrointestinais.
Sua sintomatologia mais freqüente inclui agitação e
tremores; hiper-reflexia profunda; alterações da personalidade; convulsões; arritmias
cardíacas; etc.
Algumas vezes, a hipomagnesemia é associada a uma
hipocalcemia que não é corrigível através da administração de cálcio a não ser que se
restaure o déficit de magnésio.
Desta forma, deve-se lembrar que embora não haja
necessidade de administrar rotineiramente fósforo e magnésio na terapia parenteral
NEFROLOGIA - 50

hidroeletrolítica de curta duração, deve-se corrigir a sua concentração plasmática quando


houver manifestação clínica da sua diminuição.

Plano de administração

O sódio é administrado sob a forma de solução salina isotônica


(soro fisiológico), na qual 1.000 ml possui 150 mEq de sódio.
A água é administrada sob a forma de solução de glicose a 5%
(isotônica). Soluções hipertônicas de glicose poderão ser utilizadas, mas a sua infusão
periférica causa flebite.
O potássio é administrado sob a forma de cloreto de potássio em
ampolas de 10 ml. Uma ampola de KCl 19,1% contém 2,5 mEq de K+ por ml. A
quantidade de potássio prevista na reposição é distribuída preferencialmente pelos frascos
de soro glicosado a 5%.
Deve-se evitar uma concentração de K+ superior a 30 mEq/L, pois
concentrações maiores causam irritação e dor ao longo da veia.
Na prescrição médica, o plano parenteral deve ter especificado:
1. A solução básica  Soro fisiológico, soro glicosado, etc.;
2. A via de administração  Sempre E.V. ou I.V.;
3. O volume de cada solução  Soro fisiológico, E.V., 2.000 ml;
4. A identificação de cada frasco por um número consecutivo 
Soro glicosado, E.V., 3.000 ml, frascos 1, 2 e 3;
5. Os aditivos a serem usados na solução  Adicionar 5 ml de KCl
19,1% aos frascos 4, 5, 6 e 7;
6. A velocidade de infusão  Gotejamento por minuto.
Aproximadamente, 12 gotas por
minuto equivalem a 1 litro em 24 horas, 15 gotas por minuto a
1,2 litros em 24 horas e 30 gotas/minuto a 2,4 l/24 horas.

Ao final de cada prescrição, deve-se lembrar que o nosso


metabolismo basal necessita diariamente de pelo menos 400 Kcal.
Sabendo-se que a combustão de um grama de glicose produz 4
Kcal, pode-se calcular a quantidade de Kcal que vão ser fornecidas pela administração de
soro glicosado.
Por exemplo, um paciente que recebe diariamente 2.000 ml de soro
glicosado a 5% vai apresentar exatamente as 400 Kcal diárias necessárias para o seu
metabolismo.

5% de 2.000 ml = 100 g de glicose

1g = 4 Kcal
100 g 400 Kcal

Caso ele fosse receber apenas 1.000 ml de soro glicosado, suas


necessidades seriam preenchidas por um soro glicosado a 10% e assim por diante.
Contudo, deve-se lembrar que soluções de glicose mais
concentradas (10, 20 ou 50%) não podem ser administradas por veia periférica pois podem
causar flebite.
NEFROLOGIA - 51

Exemplos

1. Uma jovem de 28 anos é submetida a uma colecistectomia e, 24 horas após,


apresenta-se bem, com sede.
Dados:
PA = 140/80 mmHg Pulso = 80 bpm T = 36,2o C FR = 10 ipm
Peso = 60 kg Diurese = 600 ml/24 horas
Sódio = 147 mEq/L Potássio = 3,9 mEq/L
Drenagem nasogástrica = 2.500 (pH = 6,0)
Formular o plano parenteral para as próximas 24 horas:

Fonte Volume Na+ (mEq/L) K+ (mEq/L) Cl- (mEq/L)


Urina 1.500 75 40 115
Sensível e insensível 1.000 0 0 0
P. gastrointestinais 2.500 250 25 275
Subtotal 5.000 325 65 390
Água 1.800 0 0 0
Sódio 0 0 0 0
Sangue e plasma 0 0 0 0
Ácido-base 0 0 0 0
Potássio 0 0 0 0
TOTAL 6.800 325 65 390

Administrar:
1. Soro fisiológico, E.V., 2.000 ml, frascos 1 e 2, 24 gotas/min;
2. Soro glicosado 5%, E.V., 5.000 ml, frascos 3, 4, 5, 6 e 7, 60 gotas/min;
3. Adicionar 5 ml de KCl 19,1% nos frascos 3, 4, 5, 6 e 7.

2. Um homem de 35 anos é trazido para o Serviço de Emergência do hospital


após ter sido encontrado por amigos num estado semi-estuporoso. Segundo os
amigos, ele vinha bebendo muito nos últimos dias. A história médica
pregressa era irrelevante, a não ser por um tratamento ambulatorial de úlcera
péptica.
Ao exame físico, ele se apresentava obnubilado, com os seguintes dados
vitais:
PA = 100/60 mmHg (deitado) 40/? mmHg (sentado)
Pulso = 100 bpm (deitado) 140 bpm (sentado)
FR = 18 ipm T = 38o C Peso = 60 Kg
As veias jugulares não eram visíveis em decúbito dorsal. O exame do abdome
acusou dor epigástrica e ruídos hidroaéreos diminuídos. Não havia edema.
Os exames laboratoriais revelaram:
Hematócrito = 45%; 10.500 leucócitos com 75% de polimorfonucleares;
Glicemia = 120 mg/100 ml;
Na+ = 125 mEq/L K+ = 3 mEq/L Cl- = 75 mEq/L
-
HCO3 = 25 mEq/L pCO2 = 38 pO2 = 60
pH arterial = 7,41 creatinina = 1,8 mg/100 ml
Formular o plano parenteral para as próximas 24 horas:
NEFROLOGIA - 52

Fonte Volume Na+ (mEq/L) K+ (mEq/L) Cl- (mEq/L)


Urina 1.500 75 40 115
Sensível e insensível 1.000 0 0 0
P. gastrointestinais 0 0 0 0
Subtotal 2.500 75 40 115
*
Água - 2.000 0 0 0
Sódio 3.600 540 0 540
Sangue e plasma 0 0 0 0
Ácido-base 0 0 0 0
Potássio 0 0 100 100
TOTAL 4.100 615 140 755
* Aplicando a fórmula descrita nas páginas anteriores, concluímos que há um excesso de
aproximadamente 3.850 ml de água. Contudo, a correção deve ser feita em até
aproximadamente 50% do valor calculado, ou seja, 2.000 ml.

Administrar:
1. Soro fisiológico, E.V., 4.000 ml, frascos 1, 2, 3 e 4, 48 gotas/min;
2. Adicionar 14 ml de KCl 19,1% aos frascos 1, 2, 3 e 4.

Tabela 2 - Composição das principais soluções utilizadas na terapia hidroeletrolítica


Soluções Eletrólitos mEq/L
Na +
K +
Cl– Ca++ Mg++ HCO3–
Soro glicosado - - - - - -
Soro fisiológico 153 - 153 - - -
Soro glicofisiológico 153 - 153 - - -
Solução de Ringer 147 4 156 4,5 - -
Ringer-lactato 130 4 109 3 - 28
Bicarbonato de sódio 3% 360 - - - - 360
Bicarbonato de sódio 10% 1.190 - - - - 1.190
Lactato de sódio 1/6 M 167 - - - - 167
Haemacel 140 5 154 9,5 3,5 -
NEFROLOGIA - 53

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Avaliação diagnóstica da hipertensão arterial

Conceito e definições

A conceituação de pressão arterial normal tem se modificado


ultimamente devido a descoberta que mesmo pequenas alterações no nível pressórico já
estão associadas ao maior risco de se desenvolver complicações cardiovasculares.
Hoje, há um consenso de que qualquer valor igual ou superior a
140/90 mmHg é considerado hipertensão arterial.
Hipertensão sistólica isolada é aquela em que apenas o componente
sistólico está elevado, com níveis superiores a 140 mmHg, enquanto o componente
diastólico mantém-se abaixo de 90 mmHg. A pressão sistólica isolada é muito comum em
idosos devido a maior rigidez das grandes artérias e seus riscos são semelhantes aos
indivíduos com elevação da pressão sistólica e diastólica.
O conceito de hipertensão lábil, ao contrário da hipertensão definida,
refere-se a indivíduos cujos níveis pressóricos oscilam entre a faixa elevada e a
considerada normal.
Contudo, esse conceito ficou abalado diante do conhecimento de que
a pressão arterial sofre grande variação no decorrer do dia, apresentando um “ritmo
circadiano” com elevação pela manhã, redução após as refeições e decréscimo de 10 a 20
mmHg durante o sono.
A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) por 24
horas, com aparelhos automáticos, vem demonstrando claramente que a pressão arterial,
tanto em normotensos quanto em hipertensos, sofre variações dentro de uma faixa
relativamente ampla durante o período em que estamos acordados em atividade.
Esta é uma das razões para que se recomende, do ponto-de-vista
clínico, só rotularmos um indivíduo de hipertenso após pelo menos três determinações da
pressão arterial em momentos e circunstâncias diferentes, realizadas após um período de
repouso de pelo menos 5 minutos.
A pressão sangüínea arterial pode ser determinada por métodos
diretos, através da introdução de um cateter na luz arterial; ou indiretos, com o auxílio dos
esfigmomanômetros.
A MAPA tem se mostrado útil nas seguintes condições:
 Hipertensão paroxística
 Feocromocitoma
 Hipertensão lábil

 Hipertensão que aparece exclusivamente em consultórios 


Hipertensão do “jaleco branco”
 Para se avaliar a eficácia e ajuste de medicamentos
 Avaliação do comportamento noturno da pressão arterial
 Hipotensão arterial
 Síncope
NEFROLOGIA - 54

Avaliação do paciente

Na avaliação do paciente com hipertensão arterial, três pontos


principais devem ser analisados:
1. Grau de comprometimento sistêmico que a moléstia possa ter
causado;
2. Identificação de doenças e/ou fatores de risco para doenças
cardiovasculares que possam estar associados;
3. Indícios de que a hipertensão possa ter caráter primário ou
secundário.

Do ponto-de-vista clínico, é muito importante ressaltar que na


maioria dos indivíduos a hipertensão arterial é absolutamente assintomática. Por isso, só a
determinação sistemática da pressão arterial irá possibilitar o diagnóstico e tratamento
precoces, evitando suas complicações.
A história clínica deve ser orientada através dos seguintes tópicos:
 Identificação;
 Duração da hipertensão arterial;
 Ganho de peso recente;
 Queixas clínicas
 Dispnéia
 Nictúria
 Edema
 Palpitação
 Síncope
 Dor pré-cordial;

 Claudicação intermitente;
 Dor abdominal pós-prandial;
 Paralisias;
 Dificuldade para andar;
 Alterações visuais
 Turvação
 Borramento;

 História anterior de doença renal;


 Alterações urinárias
 Hematúria
 Disúria;

 Outras doenças associadas


 Diabetes
 Gota
 Dislipidemia
 Bronquite ou asma
 Alterações hepáticas, gástricas ou intestinais
 Artrites
 Anemia
 Enxaqueca;
NEFROLOGIA - 55

 Antecedentes familiares
 Hipertensão arterial
 Acidente vascular cerebral
 Infarto do miocárdio
 Diabetes
 Amputações;

 Idade e causa de falecimento dos pais e irmãos;


 Hábitos pessoais
 Fumo (tempo e qualidade)
 Etilismo (tempo e qualidade)
 Exercícios (tipo, tempo e freqüência)
 Lazer habitual (regularidade);

 Hábitos alimentares
 Sal
 Carboidratos
 Gorduras
 Proteínas
 Vegetais;

 Medicação em uso
 Anticoncepcionais
 Antiinflamatórios
 Corticóides
 Antidepressivos;

 Medicação anti-hipertensiva em uso


 Regularidade
 Adesão ao tratamento.

O exame físico, por sua vez, deve avaliar:


 Fácies;
 Peso e altura;
 Pressão arterial;
 Exame cardiovascular completo;
 Exame abdominal
 Hepatomegalia
 Tumorações pulsáteis
 Massas renais palpáveis;

 Extremidades
 Edema
 Lesões tróficas de pele
 Alterações ungueais
 Outros sinais de isquemia;
NEFROLOGIA - 56

 Exame de fundo de olho  Observar e descrever com detalhes


as papilas, vasos retinianos, aspecto e alterações retinianas.

Quando fazemos uma observação clínica pormenorizada


freqüentemente detectamos, mesmo em indivíduos aparentemente assintomáticos, algum
grau de comprometimento sistêmico da doença e se há indícios de que a hipertensão possa
ter caráter primário ou secundário.
Indivíduos com hipertensão arterial primária ou essencial
freqüentemente apresentam antecedentes familiares de hipertensão e/ou de doenças
cardiovasculares, encontram-se na faixa etária mais prevalente e não costumam apresentar
sinais ou sintomas clínicos de quaisquer doenças que possam causar a hipertensão.
O exame de fundo de olho é um importante subsídio para a
avaliação do comprometimento vascular periférico, da gravidade e duração da hipertensão.
Segundo a classificação de Keith-Wagener, nós vamos ter:
 Grau 0 – Fundo de olho normal;
 Grau 1 – Esclerose arteriolar discreta, com tortuosidade e brilho
central das arteríolas reduzindo a relação artério/venosa;
 Grau 2 – Esclerose arteriolar grave, com cruzamentos
patológicos, arteríola em “fio de cobre” ou “fio de prata” e
lesões retinianas antigas, como exsudatos duros;
 Grau 3 – Grau 2 associado a lesões recentes como exsudatos
algodonosos e hemorragias;
 Grau 4 – Grau 3 com edema de papila (hipertensão
intracraniana)

A presença de alterações de grau 1 ou grau 2 indica a duração e


gravidade anterior da hipertensão, enquanto as de graus 3 e 4 nos dizem se há ou não
lesões sugestivas de agravo recente da hipertensão (exsudatos, hemorragias e edema de
papila).
O conhecimento dos hábitos pessoais e a presença de sinais e
sintomas sugestivos de comprometimento sistêmico serão fundamentais para nos orientar
na estratégia de tratamento.
Alguns dos riscos associados à hipertensão que também poderão
influenciar na maneira de tratarmos cada indivíduo só serão conhecidos após a realização
da rotina laboratorial proposta a seguir:
 Hemograma  Na presença de anemia;
 Glicemia de jejum  Na suspeita de diabetes mellitus;
 Creatinina  Na suspeita de insuficiência renal;
 Urina I  Para avaliar doença renal prévia ou lesão pela
hipertensão;
 Potássio  Para avaliar hipocalemia para um eventual uso de
diuréticos;
 Ácido úrico  Para avaliar gota;
 Colesterol total  Para avaliar dislipidemia;
 Triglicerídeos  Também serve para avaliar dislipidemia;
 Raio-X de tórax  Para estudo cardiopulmonar;
 Eletrocardiograma  Para detectar arritmias, hipertrofia,
bloqueios, alterações da repolarização ventricular;
 Ecocardiograma  Para avaliar a fisiologia cardíaca;
NEFROLOGIA - 57

 Ultra-sonografia renal  Somente em casos de suspeita de


doença renal;
 Metanefrina urinária  Somente em caso de suspeita de
feocromocitoma;
 Teste de captopril  Somente em caso de suspeita de
hipertensão renovascular;
 Aldosterona e renina  Somente em caso de suspeita de
hiperaldosteronismo.

Quaisquer desvios nesses exames que venham significar risco


adicional devem ser levados em conta. A associação de hipertensão arterial com quaisquer
outros fatores de risco, tais como diabetes mellitus, dislipidemia, fumo e hipertrofia
ventricular esquerda, aumenta assustadoramente a probabilidade de ocorrência de
complicações cardiovasculares.
Por isso, é essencial que saibamos como manipular estas
associações minimizando seus efeitos.
Também é fundamental que o médico se esforce no sentido de
informar e orientar o paciente quanto aos riscos da própria hipertensão e também de outras
condições clínicas que possam estar associadas, e não apenas reduzir sua pressão com um
medicamento qualquer e considerar sua tarefa realizada.

Complicações

Devido a evolução insidiosa da hipertensão arterial, vão ocorrendo várias


adaptações, principalmente do sistema cardiovascular, em resposta à elevação pressórica.
De uma forma geral, a manifestação clínica mais precoce é a doença
aterosclerótica das artérias de maior calibre, acompanhada do espessamento das pequenas
artérias e arteríolas.
Esse espessamento da parede arteriolar, além de contribuir para aumentar a
resistência periférica, perpetuando o processo hipertensivo, pode ser tão grave a ponto de
comprometer o fluxo sangüíneo para órgãos importantes como os rins e a musculatura
cardíaca.

Comprometimento renal
A hipertensão arterial compromete principalmente as estruturas vasculares
renais como as artérias, as arteríolas e os capilares glomerulares.
A parede das arteríolas sofrem espessamento das camadas muscular e
elástica reduzindo o fluxo efetivo do rim, que promove a liberação de renina, agravando
ainda mais a hipertensão e comprometendo a filtração glomerular.
Do ponto-de-vista anatomopatológico, a esclerose progressiva dos
glomérulos, parcial ou total, é um achado característico da hipertensão.
A conseqüência das lesões arteriolares e glomerulares é a queda lenta e
progressiva da filtração glomerular e a correspondente perda da função renal (insuficiência
renal crônica).
Esse quadro é conhecido como nefroesclerose e costuma acompanhar os
casos de hipertensão sem caráter maligno.
NEFROLOGIA - 58

Na hipertensão maligna, além da nefroesclerose, ocorre também necrose


fibrinóide das arteríolas, cujo processo de regeneração freqüentemente leva à endarterite
proliferativa com caráter obliterante (proliferação em casca de cebola).

Figura 1 - Microscopia óptica mostrando necrose fibrinóide das arteríolas e endarterite proliferativa
de caráter obliterante, respectivamente

Nesses casos, a elevação extrema da pressão arterial provoca ruptura dos


capilares glomerulares, levando a insuficiência renal aguda ou a “agudização” de uma
insuficiência renal preexistente.

Comprometimento retiniano
As lesões retinianas provocadas pela hipertensão podem ser de natureza
aguda ou crônica.
As alterações crônicas correspondem ao comprometimento arteriolar como
em qualquer outro território vascular. A arteriosclerose pode ser visualizada em diversas
fases de seu processo. No início ocorre apenas aumento do reflexo central das arteríolas e
tortuosidade. Posteriormente pode ocorrer compressão venosa no local de cruzamento, que
é denominado “cruzamento patológico”. Em estágio mais avançado de esclerose, as
arteríolas podem refletir completamente a luz incidente, conferindo-lhes o aspecto
comparável ao “fio de cobre”. Mais tarde, quando ocorre interrupção total do fluxo
sangüíneo, suas paredes brilham como “fios de prata”. A elevação abrupta da pressão
arterial provoca vasoconstrição generalizada nas arteríolas reduzindo a relação entre o
diâmetro arteríolo-venular.
NEFROLOGIA - 59

As lesões de caráter agudo que


comprometem o tecido retiniano provocam
edema superficial da retina (que se torna mais
brilhante) e a formação de exsudatos e
hemorragias. A isquemia da camada nervosa da
retina forma edema localizado chamado de
“exsudato algodonoso”. As hemorragias
retinianas são mais freqüentemente vistas junto
às arteríolas e significam lesão da parede
arteriolar (necrose fibrinóide). Os exsudatos
duros são vistos como manchas muito
refringentes (brilhantes) na retina e
correspondem a restos antigos de lipídeos
provenientes do extravasamento sangüíneo ou
transudação. Figura 2 - Exsudato algonodoso

Comprometimento cerebral
A encefalopatia hipertensiva, que ocorre quando há um desequilíbrio na
auto-regulação da perfusão cerebral, é freqüentemente acompanhada por um ou mais dos
seguintes sinas de hipertensão intracraniana:
 Cefaléia intensa;
 Náuseas e vômitos;
 Alterações da consciência  Desde sonolência e obnubilação até o coma
profundo;
 Comprometimento motor;
 Convulsões;
 Outros.

O exame fundoscópico mostrará com freqüência as seguintes alterações


agudas:
 Edema de retina  Brilho aumentado;
 Edema de papila  Edema cerebral;
 Hemorragias retinianas  Lesão da parede arteriolar;
 Exsudatos algodonosos  Isquemia da retina.

O acidente vascular cerebral (AVC), que é 5 a 7 vezes mais freqüente em


hipertensos que em normotensos, é na maioria das vezes do tipo isquêmico ou trombótico,
por obstrução completa de uma artéria previamente comprometida por placa
aterosclerótica.
Geralmente coexistem alterações da sensibilidade do mesmo lado da
hemiplegia e comprometimento da consciência (sonolência ou coma) devido ao edema
cerebral.
O AVC hemorrágico é mais raro, porém mais dramático e de pior
prognóstico.
A apresentação clínica é semelhante ao AVC isquêmico, porém, como o
edema cerebral é mais intenso, há maior comprometimento da consciência (coma
profundo) e de funções cerebrais vitais.
O AVC do tipo lacunar, cuja ocorrência é quase exclusiva de indivíduos
hipertensos, deve-se ao rompimento ou obstrução de vasos muito pequenos formando
NEFROLOGIA - 60

“lacunas” no parênquima cerebral, cujas conseqüências são mais tardias à medida que
vários deles se sucedem. Na fase aguda pode simular um episódio isquêmico transitório.

Comprometimento cardíaco
A resposta da massa muscular cardíaca frente à elevação da pressão
sistêmica é a hipertrofia ventricular esquerda, do tipo concêntrica.

Figura 3 - Hipertrofia ventricular concêntrica

Embora a hipertrofia ventricular seja uma adaptação à elevação da pressão


arterial, ela reduz a complacência do ventrículo esquerdo e predispõe à fibrose, dilatação e
arritmias, principalmente as extra-sístoles ventriculares isoladas.
Além disso, a hipertrofia ventricular esquerda constitui-se no maior fator de
risco isolado para a ocorrência de complicações cardíacas como o infarto do miocárdio,
arritmias graves e morte súbita.
Os sintomas clínicos mais freqüentes e precoces referem-se à insuficiência
cardíaca esquerda, que podem progredir para a insuficiência cardíaca congestiva.
A aterosclerose que se instala no território das artérias coronárias também
apresenta a hipertensão como um importante fator de risco, manifestando-se por episódios
de angina e infarto do miocárdio.

Comprometimento arterial periférico


A hipertensão arterial leva a formação de aneurismas e obstruções no
sistema arterial periférico.
O aneurisma dissecante da aorta, presente quase que exclusivamente em
hipertensos, é uma emergência. Nestes casos, a redução da pressão arterial é indispensável
para interromper a dissecção da parede da aorta.
NEFROLOGIA - 61

Figura 4 - Aneurisma dissecante da aorta

O território mais comprometido pelas obstruções é aquele compreendido


entre a aorta abdominal e as artérias femorais, mas os membros também podem ser
acometidos.
As manifestações clínicas mais freqüentes são:
 Claudicação intermitente;
 Trombose arterial de membros inferiores;
 Úlceras cutâneas.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Diuréticos

Introdução

Os diuréticos são drogas que aumentam o volume de formação da urina. O


termo diurese refere-se ao aumento do volume urinário em si, através da perda de soluto e
água.
Seu uso é indicado para a manutenção do volume urinário e, principalmente,
para a mobilização de líquido de edema, de modo a normalizar o volume extracelular.
Com exceção dos diuréticos osmóticos, os diuréticos atuam diretamente sobre
determinados segmentos do epitélio tubular, podendo atuar indiretamente nos outros
segmentos.
O organismo tende a reagir à diminuição do volume de líquido extracelular
induzida pelos diuréticos através de mecanismos hemodinâmicos, neurais e endócrinos,
que procuram conservar a água e os solutos.
Além disso, todas as drogas nesta classe tem tendência a alterar a composição
dos líquidos corporais através de diversos fatores como, por exemplo, a excreção seletiva
de um único tipo de íon.

Fisiologia

Cada segmento do néfron tem um mecanismo de reabsorção diferente de sódio e


de outros íons. A classificação dos diuréticos é baseada nos locais em que eles agem.
Os efeitos dos agentes diuréticos são previsíveis a partir do conhecimento da
função do segmento do néfron em que eles agem.
 Túbulo contorcido proximal
Este segmento é responsável pela reabsorção
de aminoácidos, glicose e cátions, assim como é o sítio de maior reabsorção
de bicarbonato.
A anidrase carbônica, enzima necessária para
o processo de reabsorção do bicarbonato, é o alvo dos diuréticos inibidores da
anidrase carbônica.
O túbulo proximal é o responsável pela
reabsorção de 40 a 65% do sódio.
O transporte de ácido úrico é especialmente
importante e é o alvo de algumas drogas utilizadas no tratamento da gota.

 Porção espessa da alça de Henle ascendente


Este segmento bombeia sódio,
potássio e cloreto do lume tubular para o interstício renal. O transporte desses
íons é realizado por uma única proteína, que é o alvo dos diuréticos de alça.
Vinte e sete a quarenta porcento do sódio filtrado no glomérulo é reabsorvido
nesta localização.
A porção espessa da alça de
Henle ascendente também é um local importantíssimo para a reabsorção de
cálcio e magnésio.
NEFROLOGIA - 63

 Túbulo contorcido distal


Este segmento bombeia sódio e cloreto ativamente
para fora do lume tubular. A enzima responsável por esse co-transporte é o
alvo dos diuréticos tiazídicos. O túbulo contorcido distal é responsável por 6 a
16% da reabsorção de sódio.
O cálcio também é reabsorvido nesta localização,
na dependência de hormônio paratireóide.

Arteríolas aferente Túbulo contorcido distal


e eferente Glomérulo

Túbulo
contorcido
proximal

Local de ação:
O - Diuréticos osmóticos
I - Inibidores da anidrase Ducto
carbônica coletor
T - Benzotiazidas
A - Diuréticos de alça
P - Diuréticos poupadores
de potássio

Figura 1 - Locais de ação dos agentes diuréticos sobre o néfron


NEFROLOGIA - 64

 Túbulo coletor
O túbulo coletor é o último sítio de reabsorção de sódio e é
controlado pela aldosterona. Ele é responsável por 2 a 4% da reabsorção total
de sódio.
Os receptores da aldosterona e os canais de sódio são os
locais de ação dos diuréticos poupadores de potássio.
A reabsorção do sódio é acompanhada por perda equivalente
de potássio ou íons hidrogênio. Assim, o túbulo coletor é o sítio primário de
acidificação da urina.
A reabsorção de água por este segmento é dependente de
hormônio antidiurético (ADH).

Diuréticos osmóticos

O termo diurético osmótico é utilizado para referir-se a certos


solutos que têm os seguintes atributos em comum:
1. São livremente filtráveis no glomérulo;
2. Têm absorção limitada pelo túbulo renal;
3. São relativamente inertes pelos critérios farmacológicos
convencionais.

O manitol é o diurético osmótico usado com maior freqüência.


Outros fármacos que são classificados como diuréticos osmóticos mas que raramente são
utilizados são a glicerina, a uréia e a isosorbida.
 Mecanismo de ação
Um soluto não-reabsorvível na luz tubular
proximal torna-se progressivamente concentrado à medida que
ocorre reabsorção de líquido, produzindo uma contraforça para a
reabsorção normal de água.
Apesar da excreção de sódio geralmente
estar aumentada, a reabsorção de sódio não diminui na mesma
proporção que a de água e, em conseqüência, ocorre reabsorção
relativamente maior de sódio do que de água.
Na hiperglicemia grave, o mecanismo de
reabsorção de glicose torna-se saturado e a porção não-
reabsorvida atua como um diurético osmótico, assim como os
agentes de contraste radiológicos.

 Usos terapêuticos
 Insuficiência renal aguda
 Cirurgias cardiovasculares
 Lesão traumática grave
 Operações em presença de icterícia grave
 Hemólise
 Rabdomiólise
NEFROLOGIA - 65

 Estado oligúrico
Nesta situação, as drogas que inibem
seletivamente a reabsorção de solutos em algum segmento
tubular podem ser incapazes de aumentar o fluxo urinário,
enquanto os diuréticos osmóticos geralmente mantém sua
eficácia.

 Isquemia renal aguda de curta duração


Os agentes nefrotóxicos
e a insuficiência renal grave e prolongada podem lesar o
epitélio tubular e provocar necrose tubular aguda com oligúria.
Nesse estágio, o túbulo deixa de exibir a sua impermeabilidade
seletiva e os diuréticos osmóticos tornam-se ineficazes.

 Hipertensão intracraniana
Os diuréticos osmóticos podem
reduzir a pressão e o volume do líquido céfalo-raquidiano ao
elevar a osmolaridade do plasma, aumentando a difusão de
água de volta para o plasma.

 Glaucoma
A redução da pressão intra-ocular a curto prazo,
sobretudo no pré e pós-operatório de pacientes que necessitam
de cirurgia ocular, também pode ser conseguida com diuréticos
osmóticos.

 Toxicidade
Cefaléia, náuseas e vômitos são queixas comuns a
todos os diuréticos osmóticos.
As contra-indicações do manitol incluem:
 Doença renal de gravidade suficiente para produzir anúria,
congestão ou edema pulmonares acentuados;
 Desidratação pronunciada;
 Hemorragia intracraniana.

A infusão de manitol deve ser suspensa se o paciente


apresentar:
 Sinais de disfunção renal progressiva;
 Insuficiência cardíaca;
 Congestão pulmonar.

Inibidores da anidrase carbônica

No início da década de 30 foi descoberta a enzima


anidrase carbônica no interior dos eritrócitos. Posteriormente, essa enzima foi encontrada
em muitos outros tecidos, incluindo o córtex renal, a mucosa gástrica, o pâncreas, olho e
SNC.
Quando a sulfanilamida, um derivado da sulfonamida, foi
introduzida como agente quimioterápico, a acidose metabólica foi reconhecida como um
NEFROLOGIA - 66

de seus efeitos colaterais. Verificou-se, então, que a droga inibia a anidrase carbônica e a
acidificação normal da urina.
Dentre o enorme número de sulfonamidas que já foram
sintetizadas, a acetazolamida foi a mais extensamente estudada. Ela é um potente inibidor
reversível da anidrase carbônica e age nas células do túbulo contorcido proximal.
Após a administração de acetazolamida, verifica-se
aumento imediato no volume urinário. O pH normalmente ácido da urina torna-se alcalino
e a concentração urinária de bicarbonato aumenta, sendo equilibrada pelo sódio e por
quantidades substanciais de potássio. A concentração urinária de cloreto, por sua vez, cai.
Como conseqüência da excreção aumentada de
bicarbonato e de cátions fixos, sobretudo o sódio, desenvolve-se acidose metabólica.
Com o aumento progressivo da exposição de sódio ao
túbulo coletor, uma proporção maior de sódio é trocada por potássio, resultando numa
importante “perda” de potássio.
A depleção do bicarbonato plasmático reduz a excreção de
bicarbonato pelos rins, mesmo com a administração contínua do diurético, e a diurese fica
autolimitada a 2 a 3 dias.
Além da sua ação sobre o rim e sobre o plasma, a
acetazolamida age sobre diversos órgãos que contém a enzima anidrase carbônica como,
por exemplo, no olho, reduzindo a formação de humor aquoso; no SNC, reduzindo a
formação de líquido céfalo-raquidiano; no trato gastrointestinal; etc.
A aplicação mais comum dos inibidores da anidrase
carbônica consiste em reduzir a pressão intra-ocular. A acetazolamida é raramente utilizada
como diurético, mas pode ser útil para a alcalinização da urina.

Benzotiazidas

As benzotiazidas foram sintetizadas na tentativa de aumentar a potência dos


inibidores da anidrase carbônica, mas uma reação química inesperada produziu substâncias
com novas propriedades farmacológicas.
A urina eliminada continha quantidades aumentadas de cloreto,
representando uma resposta significativamente diferente daquela produzida pelos
compostos originais.
Estudos posteriores indicaram que o efeito das benzotiazidas independe de
qualquer ação sobre a anidrase carbônica.
As benzotiazidas também podem ser designadas como diuréticos
benzotiazídicos ou tiazídicos.
Os principais diuréticos tiazídicos são a hidroclorotiazida, a
diidroclorotiazida e a clortalidona.
 Mecanismo de ação
As tiazidas atuam diretamente sobre o rim
aumentando a excreção de cloreto de sódio, água e potássio.
Elas variam amplamente na sua potência como
inibidores da anidrase carbônica. Todavia, tal fenômeno é raramente
observado na prática clínica.
As tiazidas são ativamente secretadas no túbulo
proximal e seu principal local de ação é a porção inicial do túbulo distal.
NEFROLOGIA - 67

Sua ação pode ser atribuída ao bloqueio do co-


transporte de Na+-Cl– e o diurético deve estar no lume tubular para
exercer seu efeito.
A taxa máxima de excreção de sódio induzida pelas
tiazidas é moderada em relação à que se pode obter com outros tipos de
diuréticos. Isso resulta do fato de que cerca de 80% do Na+ filtrado é
reabsorvido antes do túbulo distal.
A excreção de potássio induzida pelos tiazídicos
ocorre devido ao aumento do fluxo tubular nos segmentos distais ao local
de ação dos tiazídicos, que é estimulante para a secreção de K+.
Esse efeito pode ser facilmente observado na
administração a curto prazo de tiazídicos, mas na administração a longo
prazo ele pode ser insignificante.
Alguns diuréticos tiazídicos também exibem
atividade hiperglicemiante e hiperuricemiante.
Os tiazídicos determinam aumento nas
concentrações plasmáticas de colesterol e triglicerídeos através de
mecanismos desconhecidos.
A taxa de filtração glomerular pode ser reduzida por
ação direta dos tiazídicos sobre a vascularização renal. Esse efeito pode
adquirir importância clínica nos pacientes com reserva renal diminuída.
Ao contrário de alguns outros fármacos
natriuréticos, os tiazídicos reduzem a excreção renal de Ca+2 e aumentam
a excreção de Mg+2.
Como os iodetos e os brometos são excretados por
mecanismos renais qualitativamente semelhantes aos cloretos, todos os
agentes cloruréticos podem ser úteis no tratamento da intoxicação por
brometos.
Além disso, a excreção aumentada de iodeto,
sobretudo na terapia diurética prolongada, pode produzir ligeira depleção
de iodo.

 Farmacocinética
A clorotiazida não é bem absorvida pelo trato
gastrointestinal, sendo sua absorção de cerca de 10%. As outras drogas
desta classe caracterizam-se por uma biodisponibilidade muito maior.
A maioria dessas drogas produz efeito diurético
demonstrável dentro de uma hora após sua administração oral. Todavia, a
persistência das drogas no organismo varia acentuadamente, de acordo
com suas meia-vidas.
Várias dessas drogas apresentam-se no interior dos
eritrócitos, talvez em conseqüência da ligação à anidrase carbônica. A
ligação às proteínas plasmáticas também varia consideravelmente.

 Toxicidade
A toxicidade clínica das tiazidas é rara em decorrência de que
sua dose tóxica é muitas vezes maior do que a necessária para sua ação
farmacológica.
NEFROLOGIA - 68

Foram relatados casos de hipersensibilidade inesperada,


púrpura, fotodermatite, redução dos elementos figurados do sangue,
pancreatite aguda e vasculite necrotizante.
Pode haver hipocalemia, quando se indica suplementação de
potássio ou associação com um diurético poupador de K+.
O nível plasmático de ácido úrico está quase sempre elevado
e, em raras ocasiões, pode haver hipercalcemia e hipofosfatemia,
simulando o hiperparatireoidismo.
As insuficiências renal e/ou hepática limítrofe podem ser
imprevisivelmente agravadas pelos tiazídicos.
A hiperglicemia pode agravar um diabetes mellitus
preexistente.
Não se sabe se o aumento nas concentrações plasmáticas de
colesterol e triglicerídeos aumenta o risco de aterosclerose.

 Usos terapêuticos
 Edema da insuficiência cardíaca congestiva;
 Edema de doença hepática crônica;
 Edema de doença renal crônica;
 Hipertensão arterial sistêmica;
 Controle da hipercalciúria em pacientes com cálculos urinários
recorrentes compostos de sais de cálcio.

Diuréticos de alça

Existem atualmente duas drogas desta classe que são utilizadas


clinicamente no Brasil, o furosemide e a bumetamida. Nos Estados Unidos, utiliza-se
também o ácido etacrínico.
 Farmacocinética
Os diuréticos de alça são rapidamente absorvidos
pelo trato gastrointestinal, ainda que em graus variáveis. Por
exemplo, a biodisponibilidade da furosemida é de cerca de 60%,
enquanto a da bumetamida é de quase 100%.
Após serem absorvidos, esses diuréticos ligam-se
extensamente às proteínas plasmáticas.
Sua excreção renal é rápida e ocorre nos túbulos
proximais, quando eles vão ter acesso ao líquido tubular e,
eventualmente, ao seu local de ação mais distal.
Os diuréticos de alça podem ser excretados pelos
rins ou pelo fígado.
A meia-vida de todos esses diuréticos é curta (1 a
2 horas), e cada um deles tem duração de ação situada na faixa de 3 a
6 horas.

 Toxicidade
As anormalidades do equilíbrio hidroeletrolítico
constituem as formas mais comuns de toxicidade clínica, enquanto
os efeitos colaterais não relacionados à ação primária dessas drogas
são muito raros.
NEFROLOGIA - 69

A hiperuricemia é relativamente comum. Outras


reações incluem distúrbios gastrointestinais (com o sem
sangramento), redução dos elementos figurados do sangue,
exantemas cutâneos, parestesias e disfunção hepática.
A furosemida tem sido implicada como causa de nefrite
intersticial alérgica, com conseqüente desenvolvimento de
insuficiência renal reversível; e com a ocorrência de surdez
transitória.
Pode ocorrer diminuição da tolerância aos carboidratos,
porém em menor grau do que aquele observado com os diuréticos
tiazídicos.
Os diuréticos de alça podem interagir de modo adverso
com outras drogas devido a sua ligação com a albumina plasmática.
A depuração renal do Li+ diminui durante a terapia
prolongada com diuréticos.
A furosemida também aumenta a nefrotoxicidade
produzida pela cefaloridina (cefalosporina).

 Usos terapêuticos
 Edema da insuficiência cardíaca congestiva;
 Edema de doença hepática crônica;
 Edema de doença renal crônica;
 Insuficiência renal aguda;
 Hipercalcemia sintomática.

Espironolactona

 Mecanismo de ação
A espironolactona é um antagonista competitivo
das ações dos mineralocorticóides, dentre os quais a aldosterona é o
mais potente.
Quando a espironolactona liga-se ao receptor da
aldosterona na porção final do túbulo distal e do sistema coletor, ela o
impede de assumir uma conformação ativa.
Então, a ação global da aldosterona, que consiste
em elevar a reabsorção de Na+ e a excreção de K+, fica prejudicada.
Além disso, a espironolactona aumenta a
excreção de Ca+2 através de um efeito direto sobre o transporte tubular.
Em concentrações relativamente altas, a
espironolactona pode também inibir a biossíntese de aldosterona.

 Farmacocinética
Cerca de 70% de uma dose oral de espironolactona é
absorvida, mas o composto é significativamente metabolizado durante a
sua primeira passagem pelo fígado. A ligação às proteínas plasmáticas é
extensa.
Toda espironolactona é metabolizada antes de ser
excretada nos rins. Um metabólito importante desse processo é a
canrenona.
NEFROLOGIA - 70

 Toxicidade
Os efeitos tóxicos mais graves da espironolactona
resultam da hipercalemia.
Além disso, foram relatadas algumas reações de menor
gravidade, que costumam ser reversíveis com a suspensão da droga, tais
como ginecomastia, efeitos colaterais semelhantes aos efeitos
androgênicos e sintomas gastrointestinais leves.

 Usos terapêuticos
 Hipertensão arterial sistêmica;
 Controle do edema refratário;
 Diagnóstico e controle das doenças metabólicas e renais associadas
com hipocalemia e depleção de potássio.

Outros diuréticos poupadores de potássio

As duas drogas pertencentes a esta classe que são utilizadas clinicamente


são o triamtereno e o amiloride. Ambas possuem atividade natriurética moderada,
suficiente para a manutenção de alguns pacientes. Entretanto, são utilizadas mais
freqüentemente pelos seus efeitos sobre o potássio.
 Mecanismo de ação
O triamtereno e o amiloride interferem no
transporte dos segmentos finais do néfron, produzindo elevação
moderada da excreção de Na+, acompanhada principalmente pelo íon
cloreto, e apenas um leve aumento na excreção de K+.
Todavia, quando a excreção de potássio está
elevada em virtude da maior ingestão do elemento, da administração
de outro diurético ou de excesso de mineralocorticóides, tais drogas
provocam acentuada redução na sua excreção.
Em muitos aspectos, esses efeitos assemelham-
se aos da espironolactona, mas está bem claro que essas drogas não
são antagonistas da aldosterona.
Sua principal ação consiste em inibir a entrada
eletrogênica de sódio ou agir como um inibidor competitivo do
transporte de Na+ ou por outros mecanismos não esclarecidos.
Em virtude da interrupção do transporte
+
eletrogênico de Na por esses fármacos, o potencial elétrico através do
epitélio tubular cai.
A redução ou eliminação desse potencial, que é
uma das forças propulsoras para a secreção de K+, representa
provavelmente a base do efeito poupador de potássio.
Os diuréticos poupadores de potássio também
podem provocar leve alcalinização da urina, atribuível à inibição da
secreção de prótons no néfron distal.
O amiloride também diminui a excreção de
+2
Ca .
NEFROLOGIA - 71

 Farmacocinética
Cerca de 50% de uma dose oral de amiloride e
triamtereno é absorvida no tubo gastrointestinal.
O triamtereno liga-se às proteínas plasmáticas
numa proporção maior do que o amiloride.
O amiloride não é metabolizado, enquanto o
metabolismo de triamtereno é muito extenso, e alguns de seus
metabólitos possuem atividade diurética.
Ambas as drogas são secretadas no túbulo
proximal.

 Toxicidade
O efeito tóxico mais grave dos diuréticos poupadores de
potássio é a hipercalemia.
O triamtereno produz relativamente poucos outros
efeitos colaterais, que incluem náuseas, vômitos, cãibras de perna e
tonturas.
É relativamente comum a presença de uremia leve a
moderada.
Foi relatada a ocorrência de anemia megaloblástica em
pacientes com cirrose alcoólica.
Alguns pacientes que receberam triamtereno
desenvolveram nefrolitíase.
Os efeitos colaterais mais comuns do amiloride, além da
hipercalemia, consistem em náuseas, vômitos, diarréia e cefaléia.

 Usos terapêuticos
Alguns pacientes com edema apresentam resposta
diurética satisfatória ao diurético poupador de potássio isoladamente.
Todavia, a maior utilidade dessas drogas reside em seu uso
concomitante com outros diuréticos, principalmente as benzotiazidas.
Em virtude de induzir hipercalemia grave, os
pacientes tratados com diurético poupador de potássio não devem
receber suplementos de K+.
Além disso, deve-se cuidar com a sua associação
aos inibidores da enzima angiotensina, visto que estas drogas reduzem
a secreção de aldosterona.
De modo semelhante, o triamtereno ou o amiloride
não devem ser prescritos com espironolactona. Nos casos em que foi
feita tal associação, verificou-se a ocorrência de um grau
inesperadamente elevado de hipercalemia.

Metilxantinas

As metilxantinas são conhecidas há muito tempo pela sua ação diurética.


Dentre elas, a teofilina é a que possui maior ação sobre o rim.
NEFROLOGIA - 72

 Mecanismo e ação
A diurese induzida pela teofilina provavelmente
resulta, em parte, do aumento no fluxo sangüíneo renal e da taxa de
filtração glomerular.
Todavia, as metilxantinas também parecem exercer
ações diretas sobre o túbulo renal.

 Usos terapêuticos
As metilxantinas são raramente empregadas como
diuréticos primários. Entretanto, quando utilizadas com outras
finalidades, sobretudo como broncodilatadores, deve-se considerar a
coexistência de sua ação diurética.
NEFROLOGIA - 73

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Síndrome nefrótica

Introdução

A síndrome nefrótica é caracterizada por:


 Proteinúria;
 Hipoalbuminemia;
 Edema;
 Hiperlipidemia e
 Lipidúria.

Essas anormalidades são conseqüência de uma filtração glomerular deficiente,


que pode ser causada por uma variedade de processos patológicos, incluindo doenças
imunológicas, intoxicação, anormalidades metabólicas, defeitos bioquímicos e distúrbios
vasculares.
Assim a síndrome nefrótica é o desfecho comum de uma variedade de
processos patológicos que alteram as propriedades de permeabilidade da parede capilar
glomerular.

Fisiopatologia

Os glomérulos são normalmente perfundidos com plasma contendo mais de


60.000 g de proteína por dia. Apesar disso, apenas 150 mg de proteína são excretados na
urina final, graças a uma barreira de filtração glomerular que inclui células endoteliais,
membrana basal, células epiteliais e diafragmas fenestrados.
A principal característica da síndrome nefrótica é a proteinúria.
Arbitrariamente, as taxas de excreção urinária total de proteínas superiores a 3,5 g por 1,73
m2 de área corporal por dia (ou concentração urinária de proteínas superior a 0,4 mg/mEq
de creatinina) são consideradas na faixa nefrótica, principalmente pelo fato de que esse
grau de proteinúria é raramente observado em doenças túbulo intersticiais ou vasculares
renais.
Na presença de doença glomerular difusa, mais de 40 gramas de proteína
podem ser excretados na urina de alguns pacientes a cada dia.
Uma proteinúria elevada e constante é freqüentemente, mas não
invariavelmente, acompanhada por hipoalbuminemia (< 3,0 g/dl), que ocorre quando a
perda urinária excessiva e o catabolismo renal da albumina filtrada excedem a velocidade
de síntese hepática.
O resultante decréscimo na pressão oncótica plasmática leva a um distúrbio
nas forças de Starling ao longo dos capilares periféricos, diminuindo a reabsorção de
líquido intersticial e produzindo edema.
Esse distúrbio leva a uma diminuição no volume efetivo de sangue
circulante, o que ativa uma série de mecanismos compensatórios, tais como o sistema
renina-angiotensina-aldosterona, a secreção do hormônio antidiurético, a estimulação do
sistema nervoso simpático e alterações no metabolismo do peptídeo natriurético atrial, que
causam uma maior reabsorção de sódio e água pelos rins e resultam na intensificação do
edema.
NEFROLOGIA - 74

A diminuição na pressão oncótica plasmática também parece estimular a


síntese hepática de colesterol, triglicerídeos e lipoproteínas resultando em hiperlipidemia.
A elevação das proteínas de baixa densidade (LDL) e a hipercolesterolemia
geralmente são as primeiras anomalias observadas mas, a medida que a pressão oncótica
plasmática cai, as lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) e os triglicerídeos
também aumentam.
A excreção urinária de fatores proteicos plasmáticos que regulam o
metabolismo das lipoproteínas também pode contribuir para a hiperlipidemia.
A excreção urinária de lipídeos (lipidúria) apresenta-se como gordura livre,
corpúsculos gordurosos ovais e ácidos graxos, todos os quais apresentam um padrão de
cruz de malta à luz polarizada. A lipidúria acompanha o nível de excreção de proteínas e
não os níveis séricos de lipídeos.
As perdas de outras proteínas plasmáticas na urina, além da albumina,
também são importantes. Por exemplo, a excreção da globulina de ligação da tiroxina pode
produzir anormalidades nos testes de função tireoidiana; a excreção de transferrina pode
resultar em uma anemia microcítica e hipocrômica resistente ao ferro; as perdas de
antitrombina III, proteína C e proteína S são responsáveis por uma estado de
hipercoagulação que freqüentemente acompanha a síndrome nefrótica grave; alguns
pacientes podem desenvolver uma deficiência de IgG grave; etc.
Membrana basal glomerular

Hemácia
Endotélio

Processos
pedicelares Células
epiteliais pedicelares

Células
endoteliais

Células mesangiais Matriz mesangial

Figura 1 - Representação esquemática da barreira de filtração glomerular


NEFROLOGIA - 75

Complicações

As principais complicações metabólicas da síndrome nefrótica são a


desnutrição proteica grave; hipercoagulabilidade, levando a complicações
tromboembólicas; e insuficiência renal aguda.
Acredita-se que a hipercoagulabilidade seja uma conseqüência da alteração
dos níveis dos fatores de coagulação e do aumento da susceptibilidade das plaquetas à
agregação.
As complicações tromboembólicas resultantes são razoavelmente comuns,
incluindo oclusões periféricas espontâneas, oclusões arteriais pulmonares e oclusões
venosas renais.

A trombose venosa renal,


antigamente, era considerada
uma causa e não uma
conseqüência da síndrome
nefrótica. Ela pode produzir
certas lesões glomerulares, tais
como glomerulonefrite
membranosa ou
membranoproliferativa e
amiloidose.
Características sugestivas
de trombose venosa renal aguda
incluem dor em flanco que pode
ser bilateral, hematúria
Figura 2 - Trombose venosa renal macroscópica, varicocele no lado
esquerdo, ritmo de filtração
glomerular flutuante, proteinúria e assimetria renal. A trombose venosa renal crônica é
geralmente assintomática.
O risco de trombose venosa renal ou trombose venosa profunda está
aumentado nos pacientes com níveis de albumina sérica muito baixos (menos de 2 g/dl).
A presença de uma complicação tromboembólica geralmente é vista como
uma indicação para o uso de anticoagulantes orais por longo período de tempo. Contudo, o
efeito da heparina pode ser bloqueado por uma deficiência concomitante de antitrombina
III, um fator necessário para a ação desse anticoagulante.
A insuficiência renal da síndrome nefrótica muito raramente ocorre devido a
rápida evolução da doença renal subjacente, pois a maioria das doenças que causam a
síndrome nefrótica evolui muito lentamente.
Entretanto, a insuficiência renal aguda ocorre em conseqüência dos vários
distúrbios potencialmente tratáveis sobrepostos a doença glomerular nefrótica. Entre eles
estão a redução da perfusão renal devido a redução no volume efetivo de sangue circulante,
o edema renal intersticial e o edema periférico significativo, nefrite intersticial alérgica,
trombose aguda bilateral da veia renal e redução da perfusão glomerular devido ao uso de
antiinflamatórios não-esteroidais.
Outras complicações que também podem estar associadas a síndrome
nefrótica incluem deficiência grave de IgG, disfunção tubular proximal com sinais de
síndrome de Fanconi, deficiências de oligoelementos como ferro, cobre e zinco, e perda de
vitamina D, com desenvolvimento de osteomalácia e hiperparatireoidismo secundário.
NEFROLOGIA - 76

Etiologia

A etiologia da síndrome nefrótica inclui praticamente todos os distúrbios que


podem afetar o glomérulo.
Aproximadamente um terço dos adultos e um décimo das crianças apresentam a
síndrome nefrótica como manifestação de alguma doença sistêmica. No restante dos
adultos e na maioria das crianças a síndrome nefrótica é idiopática.
As principais causas de síndrome nefrótica são:
 Idiopática
 Doença de alterações mínimas
 Glomerulonefrite mesangioproliferativa
 Glomeruloesclerose segmentar e focal com hialinose
 Glomerulonefrite membranosa
 Glomerulonefrite membranoproliferativa
 Tipo I
 Tipo II
 Outras variantes

 Outras lesões incomuns


 Glomerulonefrite crescente
 Glomerulonefrite proliferativa segmentar e focal
 Glomerulonefrite fibrilar
 Glomerulopatia imunotactóide

 Doenças sistêmicas
 Infecções
 Glomerulonefrite pós-estreptocóccica
 Endocardite
 Nefrite por shunt
 Sífilis secundária
 Lepra
 Hepatite B e C
 HIV
 Mononucleose
 Malária
 Esquistossomíase
 Filariose

 Neoplasia
 Doença de Hodgkin
 Linfomas
 Leucemia
 Carcinomas
- Pulmão
- Mama
- Cólon
NEFROLOGIA - 77

 Melanoma
 Tumor de Wilms

 Doenças multisistêmicas
 Diabetes mellitus
 Lupus Eritematoso Sistêmico
 Púrpura de Henoch-Schönlein
 Vasculite
 Doença de Goodpasture
 Dermatomiosite
 Dermatite herpetiforme
 Amiloidose
 Sarcoidose
 Síndrome de Sjögren
 Artrite reumatóide
 Doenças mistas de tecido conectivo

 Heredofamiliar
 Diabetes mellitus
 Síndrome de Alport
 Doença falciforme
 Doença de Fabry
 Lipodistrofia
 Síndrome nefrótica congênita

 Miscelânea
 Toxemia pré-eclâmptica
 Glomerulopatia de transplante
 Tireoidite
 Mixedema
 Obesidade maligna
 Hipertensão renovascular
 Nefrite intersticial crônica com refluxo vesicouretérico

 Drogas
 Ouro orgânico
 Mercúrio orgânico, inorgânico e elementar
 Penicilamina
 Heroína
 Agentes antiinflamatórios não-esteroidais
 Probenecide
 Captopril
 Tridione
 Mesantoína
 Perclorato
NEFROLOGIA - 78

Síndrome nefrótica idiopática

O diagnóstico da síndrome nefrótica idiopática é realizado


pela exclusão das causas conhecidas, tais como as infecções, a exposição medicamentosa,
neoplasias, doenças multisistêmicas e doenças hereditárias.
A exclusão dessas doenças pode as vezes ser difícil, uma vez
que elas podem existir em uma forma oculta, principalmente com relação ao câncer e as
hepatites.
As formas idiopáticas são subclassificadas de acordo com as
suas características morfológicas à biópsia renal. A realização da biópsia renal, pelo menos
nos adultos, é requerida para uma classificação correta de síndrome nefrótica idiopática,
para a formulação de um plano racional de tratamento e para a avaliação de uma possível
progressão para insuficiência renal.
As crianças nem sempre precisam ser submetidas a uma
biópsia renal, pois sua avaliação clínica geralmente fornece um diagnóstico preciso.

Doença de alterações mínimas


Antigamente, essa doença era denominada de nefrose
lipóide ou lesão mínima.

Nessa forma de síndrome nefrótica idiopática, pouca ou até


nenhuma alteração dos capilares glomerulares são demonstráveis a microscopia, daí o
nome “alterações mínimas”.

Apesar de leves graus de


hipercelularidade poderem ser
observados no glomérulo, os
glomérulos possuem um
tamanho normal, em
contradição a esclerose focal
existente.
A perda difusa ou fusão
dos processos pedicelares
epiteliais é evidente a
microscopia eletrônica. A
imunofluorescência revela
uma ausência de depósitos de
imunoglobulinas e de
Figura 3 - Glomérulo aparentemente normal na doença de complementos ou uma presença
alterações mínimas irregular e inespecífica desses
elementos.
NEFROLOGIA - 79

Membrana basal glomerular

Hemácia
Endotélio

Perda difusa dos


processos pedicelares Células
epiteliais pedicelares

Células
endoteliais

Células mesangiais Matriz mesangial


Figura 4 - Representação esquemática das alterações observadas na doença de alterações
mínimas à microscopia eletrônica

Figura 5 - Microscopia eletrônica na doença de alterações mínimas evidenciando a


perda difusa ou fusão dos processos pedicelares epiteliais
NEFROLOGIA - 80

A doença de alterações mínimas é a forma mais freqüente


de síndrome nefrótica idiopática encontrada em crianças, responsável por mais de 70 a
80% dos casos diagnosticados antes dos 16 anos de idade.
Seu pico de prevalência encontra-se entre os 2 e os 8 anos
de idade.
Esta lesão não é rara nos adultos, representando cerca de 15
a 20% dos casos de síndrome nefrótica idiopática nos indivíduos acima dos 16 anos.
Há uma pequena predisposição para os homens.
Tipicamente, os pacientes apresentam-se com:
 Síndrome nefrótica;
 Pressão arterial normal;
 Ritmo de filtração glomerular normal ou levemente
reduzido  Exceto nos pacientes que desenvolvem
esclerose focal ou segmentar;
 Sedimento urinário benigno.

Graus variados de hematúria microscópica são encontrados


em mais de 20% dos casos. Nas crianças, as proteínas urinárias são caracteristicamente
seletivas, contendo principalmente albumina e quantidades mínimas de proteínas
plasmáticas de alto peso molecular, tais como IgG, alfa-2-macroglobulina e C3. Nos
adultos as proteínas são variáveis.
Em alguns casos, pode haver história de atopia associada,
uma história de imunização recente ou de infecção respiratória alta.
O antígeno de histocompatibilidade HLA-B12 é mais
prevalente quando a doença de alterações mínimas está associada com atopia, indicando
uma possível predisposição genética para esta doença.
Como complicação, manifestações tromboembólicas podem
ocorrer, mas a trombose de veia renal é incomum. As complicações com morte estão mais
relacionadas com o tratamento da doença do que com a doença por si mesma. Raramente
ocorre insuficiência renal aguda, principalmente pelo uso de glicocorticóides e diuréticos.
Remissão espontânea e recidivas de proteinúria intensa
podem ocorrem em 30 a 40% dos pacientes sem tratamento.
Além disso, há uma associação entre a doença de alterações
mínimas e a doença de Hodgkin, na qual a síndrome nefrótica pode ser o sinal de
apresentação de um linfoma oculto.
Como a sua etiologia e a sua fisiopatologia ainda são
desconhecidas, o tratamento é empírico e sintomático. Os glicocorticóides aumentam a
tendência natural da doença de sofrer remissão espontânea. A administração em dias
alternados é preferida a administração diária devido ao seu menor índice de complicações.
Mais de 95% das crianças com doença de alterações
mínimas apresentam desaparecimento completo da proteinúria 8 semanas após a instituição
da corticoterapia.
Por isso, e também por causa da alta incidência dessa
doença nas crianças com sintomatologia de síndrome nefrótica, a maioria dos pediatras
institui o tratamento sem realizar uma biópsia renal. O completo desaparecimento da
sintomatologia nessas circunstâncias confirma o seu diagnóstico.
NEFROLOGIA - 81

No adulto, somente 50% dos pacientes com doença de


alterações mínimas respondem em 8 semanas de tratamento, sendo a resposta terapêutica
máxima alcançada em 20 a 24 semanas.
Os pacientes com mais de 40 anos parecem responder
menos do que aqueles com menos de 40 anos.
Contudo, devido a maior prevalência de outras lesões e pelo
fato de que outras patologias respondem a corticoterapia, a resposta terapêutica de um
paciente adulto com síndrome nefrótica idiopática não pode ser considerada como doença
de alteração mínima.
Entre crianças e adultos, 50 a 60% dos pacientes
apresentam recorrência ao final ou após o término do tratamento. A retirada súbita dos
glicocorticóides parece predispor a recorrência, enquanto as remissões espontâneas, sem
tratamento, parecem ser mais estáveis e apresentar uma menor freqüência de recorrências.

Glomerulonefrite mesangioproliferativa
Suas lesões são caracterizadas por um aumento moderado e
difuso na celularidade dos capilares glomerulares.
A parede dos capilares glomerulares periféricos são finas e
delicadas, e não ocorre proliferação extracapilar.
A natureza precisa das células proliferativas ainda não está
claramente definida, mas parece ser uma combinação de células mesangiais, células
endoteliais e células mononucleares infiltradas.
O envolvimento glomerular é geralmente uniforme, mas
pode haver acentuação da hipercelularidade em algumas áreas. Não ocorre necrose nos
glomérulos.
Os achados da microscopia eletrônica são inespecíficos.
Esta patologia atinge aproximadamente 5% dos adultos com
síndrome nefrótica idiopática e cerca de 5 a 10% das crianças. Ela é mais comum nos
adultos jovens e adolescentes, tendo uma pequena predisposição por homens.
Clinicamente, uma hematúria tanto macroscópica quanto
microscópica é comum. Dor lombar, uni ou bilateral, pode ser observada na doença
idiopática, mas é mais freqüente nos pacientes que apresentam uma nefropatia de IgA
associada.
As manifestações laboratoriais são incaracterísticas.
A função renal pode estar modestamente diminuída ou
normal ao diagnóstico. Os níveis de complemento geralmente estão normais enquanto os
níveis de IgG podem estar diminuídos e os de IgA aumentados.
Os títulos de antiestreptolisina O são geralmente normais. A
proteinúria não é seletiva.
Entre os pacientes com síndrome nefrótica e uma
proliferação mesangial difusa moderada ou grave, há uma tendência de persistência da
proteinúria e progressão para insuficiência renal, principalmente se houver sobreposição de
esclerose glomerular segmentar e focal na primeira biópsia.
Os pacientes com uma forma de glomerulonefrite
mesangioproliferativa mais leve, especialmente aqueles sem deposição de imunoglobulinas
ou glomeruloesclerose associadas, tendem a ter um curso mais benigno.
Alguns pacientes, principalmente as crianças, apresentam
um curso semelhante ao da doença de alterações mínimas.
NEFROLOGIA - 82

As lesões mesangioproliferativas bem desenvolvidas,


principalmente em associação com depósitos de imunoglobulinas, geralmente não
respondem a corticoterapia e tendem a evoluir com o tempo para uma esclerose glomerular
focal e segmentar.
Os pacientes que apresentam remissão da proteinúria após o
tratamento com glicocorticóides geralmente evoluem bem, com poucas chances de
progredirem para uma insuficiência renal. Recidivas e exacerbações da proteinúria podem
ocorrer.
Os pacientes que não respondem ao tratamento com
corticosteróides apresentam uma progressão variada para insuficiência renal.
O prognóstico da glomerulonefrite mesangioproliferativa
varia conforme a gravidade da doença. Os pacientes com graus leves de proliferação que
respondem a corticoterapia tem um bom prognóstico, enquanto aqueles que não respondem
ao tratamento e que apresentam glomeruloesclerose segmentar e focal na primeira biópsia
tem um prognóstico ruim, e freqüentemente desenvolvem insuficiência renal em 5 a 10
anos.

Glomeruloesclerose segmentar e focal com hialinose


Esta lesão é caracterizada pela esclerose e hialinose de
alguns, mas não de todos os glomérulos (focal). Entre os glomérulos afetados, somente
uma porção deles é anormal (segmentar).

Figura 6 - Aspecto de um glomérulo normal (a esquerda) em comparação a um glomérulo com


esclerose segmentar presente na glomeruloesclerose segmentar e focal com hialinose (a direita)

O aumento dos glomérulos menos acometidos é


característico desta patologia. Há uma tendência de, inicialmente, serem afetados os
glomérulos justamedulares e de haver uma progressiva destruição tubulointersticial.
À microscopia eletrônica, as áreas não escleróticas mostram
uma perda difusa dos processos pedicelares característica da doença de alterações mínimas
mas, além disso, apresentam um descolamento focal e pronunciado das células epiteliais
com desnudação da membrana basal glomerular subjacente.
Na imunofluorescência, depósitos de IgM e C3 estão
presentes nas massas hialinas das áreas escleróticas.
NEFROLOGIA - 83

Figura 7 - Microscopia eletrônica e imunofluorescência na glomeruloesclerose segmentar e focal com


hialinose

Além da esclerose focal, freqüentemente há um


espessamento hialino pronunciado das arteríolas aferentes e, ocasionalmente, alguns
glomérulos encontram-se totalmente esclerosados (esclerose global).
Com o desenvolver da doença, um maior número de
glomérulos tornam-se envolvidos e a esclerose dissemina-se em cada glomérulo, levando a
uma esclerose total, com acentuada atrofia tubular e fibrose intersticial.
Esta patologia compreende cerca de 10 a 15% dos casos de
síndrome nefrótica idiopática nas crianças e é mais comum nos adultos, particularmente
entre as idades de 16 a 30 anos.
Os homens são mais afetados que as mulheres.
A esclerose focal pode representar um estágio na evolução
de um subgrupo de pacientes com a doença de alterações mínimas ou com
glomerulonefrite mesangioproliferativa pura.
Alguns pacientes com glomeruloesclerose segmentar e focal
podem apresentar proteinúria fora do espectro nefrótico.
Clinicamente, geralmente ocorre:
 Hipertensão;
 Diminuição do ritmo de filtração glomerular;
 Função tubular anormal;
 Sedimento urinário anormal  Leucocitúria e
hematúria

A esclerose focal pode apresentar características clínicas e


laboratoriais indistingüíveis da doença de alterações mínimas, da glomerulonefrite
mesangioproliferativa e da glomerulopatia membranosa.
A proteinúria é quase sempre não-seletiva e os produtos de
degradação da fibrina e C3 podem estar presentes na urina.
Os níveis séricos de C3 são normais e os níveis de IgG
estão diminuídos, mas não tanto quando na doença de alterações mínimas.
Lesões semelhantes podem ser observadas em associação
com a overdose de heroína, refluxo vesicoureteral, AIDS, obesidade patológica, “rim
solitário”, etc. e podem complicar outras doenças glomerulares primárias em estágios
tardios.
Há pouca tendência para uma remissão espontânea,
principalmente entre crianças.
NEFROLOGIA - 84

Os pacientes com esclerose focal, proteinúria maciça (maior


que 1,5 a 2 g/dl) e acentuada hipoalbuminemia rapidamente progridem para uma
insuficiência renal.
Os esteróides exercem um efeito benéfico nesta patologia,
diminuindo a proteinúria em 20 a 40% dos pacientes e, com isso, reduzindo o risco de
insuficiência renal progressiva. A resposta dos pacientes que já desenvolveram
insuficiência renal é menor.
Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA)
ou outros medicamentos anti-hipertensivos com efeitos antiproteinúricos podem ser úteis
nos pacientes com proteinúria maciça e/ou função renal moderadamente alterada.
Como geralmente ocorre uma hiperlipidemia grave na
esclerose focal, seu tratamento com agentes hipolipidêmicos deve ser realizado.
Pelo menos metade dos pacientes com proteinúria maciça
persistente desenvolvem insuficiência renal terminal ou morrem de doenças intercorrentes
dentro de 10 anos após o diagnóstico.
A taxa de desenvolvimento de insuficiência renal é
inversamente proporcional à magnitude da proteinúria.
O prognóstico é pior nos pacientes com azotemia ou
hipertensão na época do diagnóstico.

Glomerulonefrite membranosa
A glomerulonefrite membranosa é a principal causa de
síndrome nefrótica no adulto.
Esta lesão é caracterizada pela deposição irregular e
descontínua de depósitos de proteínas ao longo do lado epitelial da parede capilar
glomerular.
Esses depósitos contém IgG e algumas vezes C3 e
complementos de ação tardia e aparecem a microscopia eletrônica como regiões densas.

Figura 8 - Microscopia eletrônica da glomerulonefrite membranosa


NEFROLOGIA - 85

Membrana basal
glomerular
Hemácia
Endotélio
Depósitos eletrodensos

Células
pedicelares

Células
endoteliais

Células mesangiais Matriz mesangial

Figura 9 - Representação esquemática das alterações observadas na glomerulonefrite


membranosa à microscopia eletrônica

Ao contrário da esclerose focal, todos os glomérulos estão


uniformemente envolvidos na glomerulonefrite membranosa.
Num estágio inicial, a maioria dos glomérulos podem
parecer normais a microscopia, mas a medida que a doença progride, depósitos imunes
coalescem e um novo material semelhante ao da membrana basal é produzido, causando o
espessamento da parede capilar.
NEFROLOGIA - 86

Figura 10 - Glomérulo normal e glomérulo presente na glomerulonefrite membranosa,


respectivamente

Eventualmente, o aumento da quantidade de material da


membrana basal se projeta em direção ao espaço urinário, dando a aparência de “spikes”.
Essas estruturas são melhor visualizadas quando coradas pela prata, que colore a
membrana basal de negro.
Há pouca proliferação das células endoteliais capilares ou
das células mesangiais, mas uma esclerose mesangial pode ocorrer nos casos avançados. A
atrofia tubulointersticial e lesões vasculares são outras manifestações tardias.
A imunofluorescência demonstra a presença tanto de
imunoglobulinas quanto de complemento nos depósitos imunes da parede glomerular.

Figura 11 - Glomerulonefrite membranosa corada pela prata (a esquerda) e à imunofluorescência (a


direita)

Este distúrbio compreende 30 a 40% dos casos de síndrome


nefrótica idiopática nos adultos, mas é raro nas crianças. Em mais de 80% dos casos, a
síndrome nefrótica é conhecida. Nos restantes, somente uma proteinúria isolada é
encontrada. Os homens são afetados mais freqüentemente do que as mulheres.
A pressão arterial, o ritmo de filtração glomerular e o
sedimento urinário tendem a ser normais nos estágios iniciais da doença, tornando difícil
distinguí-la da doença de alterações mínimas por bases clínicas.
A seletividade das proteínas urinárias é variável. A excreção
de antígenos de reação tardia na urina pode indicar a formação de depósitos imunes
subepiteliais.
Os níveis de complemento sérico são normais, mas os
níveis de IgG geralmente estão diminuídos.
NEFROLOGIA - 87

A glomerulonefrite membranosa pode se desenvolver


juntamente com o Lupus Eritematoso Sistêmico, algumas infecções crônicas (hepatite B,
sífilis, esquistossomose e malária), distúrbios metabólicos (DM e tireoidites), tumores
sólidos (carcinoma pulmonar ou melanoma) ou exposição a metais pesados (ouro e
mercúrio) ou drogas (penicilamina e captopril).
Desde que essas causas podem estar ocultas na época da
apresentação da doença, uma procura cuidadosa deve ser feita em todos os casos de
glomerulonefrite membranosa.
Por causa da presença uniforme de imunoglobulinas e
complemento nos depósitos da parede capilar glomerular, acredita-se que a
glomerulonefrite membranosa é uma forma de doença mediada por complexos antígeno-
anticorpo.
A susceptibilidade genética é sugerida pelo aumento na
prevalência de HLA-DR3 nos pacientes europeus e de HLA-DR2 nos japoneses.
A trombose venosa renal é freqüente.
Uma remissão espontânea completa da síndrome nefrótica é
comum nas crianças e ocorre em 20 a 40% dos adultos.
Insuficiência renal lentamente progressiva é vista em 20 a
30% dos pacientes, geralmente 3 anos ou mais depois do diagnóstico.
Alguns parâmetros para a identificação de pacientes
prováveis de desenvolverem insuficiência renal progressiva incluem:
 Sexo masculino
 Diagnóstico em idade avançada
 Hipertensão arterial
 Creatinina sérica elevada ao diagnóstico
 Dislipidemia severa
 Proteinúria maior que 10 g ao dia.

Um declínio rápido da função renal na glomerulonefrite


membranosa sugere uma complicação com nefrite intersticial induzida por droga, trombose
aguda de veia renal ou glomerulonefrite crescente sobreposta.
A corticoterapia não influencia o desenvolvimento de
remissões completas duradouras, mas pode reduzir temporariamente a proteinúria para
níveis não nefróticos.
Alguns estudos demonstraram um efeito benéfico tanto na
proteinúria quanto na função renal da combinação de glicocorticóides e agentes
citotóxicos. Contudo, desde que o prognóstico da glomerulonefrite membranosa
geralmente é favorável, uma abordagem conservadora para o tratamento é recomendada.
Os achados da biópsia renal geralmente não ajudam na
determinação do prognóstico, mas alterações avançadas na parede capilar glomerular,
esclerose segmentar, fibrose intersticial e atrofia tubular são todos indicativos de mau
prognóstico.
Esses pacientes podem ser candidatos ao tratamento mais
agressivo com glicocorticóides e agentes citotóxicos.
O prognóstico em 10 anos é de 80 a 90% e as principais
causas de morte são as doenças intercorrentes e uma insuficiência renal terminal.
NEFROLOGIA - 88

Glomerulonefrite membranoproliferativa
Este distúrbio caracteriza-se pela proliferação das células
mesangiais, freqüentemente com uma interposição segmentar ou difusa dessas células ou
do seu citoplasma nas alças capilares periféricas. A síntese de matriz mesangial também
está aumentada.
A parede capilar glomerular encontra-se espessada
irregularmente.

Figura 12 - Diferença entre um glomérulo normal e um glomérulo na glomerulonefrite


membranoproliferativa

Esses aspectos histológicos são provavelmente comuns a no


mínimo duas doenças distintas e talvez não relacionadas, que agora são denominadas
glomerulonefrites membranoproliferativas tipo I e tipo II.
Vários aspectos do tipo I sugerem que ele é uma
glomerulonefrite por imunocomplexo crônica.

Figura 13 - Imunofluorescência da glomerulonefrite


membranoproliferativa do tipo I

A glomerulonefrite membranoproliferativa do tipo II não


parece ser uma doença de depósitos imunes.
NEFROLOGIA - 89

Este grupo de distúrbios também é conhecido como


glomerulonefrite mesangiocapilar ou lobular.
Histopatologicamente, a microscopia óptica do tipo I revela
uma glomerulonefrite proliferativa difusa com espessamento das paredes capilares
glomerulares, aumento das células e da matriz mesangiais e um aspecto lobulado do
glomérulo.

O espessamento das
paredes capilares deve-se a
depósitos imunes
subendoteliais e interposição
de matriz mesangial entre a
membrana basal glomerular e o
endotélio, resultando em um
aspecto de contorno duplo,
divisão ou “trilho de bonde”
das paredes capilares coradas
pela prata.
Os crescentes estão
presentes em menos de 10%
dos casos. Há depósitos
Figura 14 - Microscopia corada pela prata evidenciando grosseiramente granulares de
alterações na glomerulonefrite membranoproliferativa
C3 e freqüentemente de IgG,
IgM, C4, properdina e fibrina no mesângio e nas alças capilares periféricas.
À microscopia eletrônica, existem densos depósitos
subendoteliais e mesangiais, assim como interposição de matriz mesangial com
espessamento da parede capilar e estreitamento da luz capilar.

Figura 15 - Microscopia eletrônica da glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I


NEFROLOGIA - 90

Os achados histológicos na glomerulonefrite


membranoproliferativa tipo II são muito semelhantes àqueles na doença tipo I, exceto pela
presença de crescentes em até 30% dos pacientes que estão relacionados a um mau
prognóstico.
Os depósitos densos podem ser observados como depósitos
PAS-positivos, semelhantes a fitas dentro da parede capilar e também ao longo da cápsula
de Bowman e da membrana basal tubular. C3 está presente ao longo das bordas desses
depósitos. Os depósitos imunes granulares de IgG são muito menos comuns que na doença
tipo I.
A microscopia eletrônica revela extensa substituição da
lâmina densa por material homogêneo, de coloração escura, que também pode ser
observado no mesângio, na cápsula de Bowman e na membrana basal tubular.

Figura 16 - Microscopia eletrônica da glomerulonefrite membranoproliferativa tipo II

A glomerulonefrite membranoproliferativa é encontrada em


cerca de 5% das síndromes nefróticas idiopáticas nas crianças, particularmente entre a
idade dos 8 aos 16 anos, e menos comumente nos adultos. Não há predisposição em
relação aos sexos.
Em 50 a 75% dos pacientes, uma síndrome nefrótica com
todas as suas características está presente. Vinte porcento dos pacientes podem apresentar-
se com uma síndrome nefrítica aguda (que é mais comum no tipo II).
Nos pacientes restantes, a proteinúria no estado não-
nefrótico quase sempre está acompanhada de hematúria microscópica. A pressão arterial e
o ritmo de filtração glomerular são geralmente anormais, e o sedimento urinário está ativo.
Pode ocorrer hipertensão em um terço dos pacientes.
Aproximadamente metade dos pacientes com
glomerulonefrite membranoproliferativa do tipo I possui história prévia de infecção do
trato respiratório superior, que pode ter sido estreptocóccica.
Anormalidades funcionais dos túbulos renais são comuns e
a seletividade das proteínas urinárias é geralmente pobre. Produtos de degradação da
NEFROLOGIA - 91

fibrina e C3 podem ser encontrados na urina. Os níveis de C3 sérico estão reduzidos na


maioria dos casos. Os complementos de ação precoce estão freqüentemente normais.
Algumas lesões similares à glomerulonefrite
membranoproliferativa são encontradas no Lúpus Eritematoso Sistêmico, na síndrome
hemolítico-urêmica, na rejeição de transplante, na hepatite B crônica, etc.
Trombose de veia renal pode ocorrer.
Remissões espontâneas são incomuns (menos de 5%) e a
corticoterapia pode atrasar a progressão da doença. Os anticoagulantes e os
antiadesivoplaquetários podem apresentar um efeito benéfico a longo prazo.
Pode ocorrer recidiva em 25% dos pacientes que recebem
transplantes renais, mas raramente há interferência na função do enxerto.
O curso da glomerulonefrite membranoproliferativa é
progressivo e, aproximadamente, de um terço a metade dos pacientes morrem ou
desenvolvem uma insuficiência renal terminal dentro de 10 a 20 anos do diagnóstico.
O restante permanece com uma síndrome nefrótica
persistente e com função renal relativamente estável ou apresenta proteinúria não-nefrótica
persistente ou hematúria.
Os sinais de mau prognóstico incluem redução da taxa de
filtração glomerular no início, presença da síndrome nefrótica, hipertensão precoce,
hematúria macroscópica e presença de crescentes ou esclerose em uma biópsia normal.

Outros tipos de síndrome nefrótica idiopática


Em uma pequena percentagem de adultos e crianças com
síndrome nefrótica idiopática, outras lesões podem ser encontradas na biópsia renal.
 Glomerulonefrite crescente
 Glomerulonefrite proliferativa segmentar e focal
As características clínicas,
a história natural e a resposta ao tratamento dessas
patologias não está bem definida.
A hematúria é comum e
pode ser recorrente. A proteinúria tende a ser não-
seletiva e a remissão espontânea da síndrome nefrótica é
incomum.
A glomerulonefrite
crescente tem um prognóstico ruim, enquanto a
glomerulonefrite mesangial segmentar e focal parece ter
um desenvolvimento a longo termo mais favorável.

 Glomerulonefrite fibrilar
 Glomerulopatia imunotactóide
Seus tratamentos são
geralmente insatisfatórios e muitos pacientes,
particularmente aqueles com proteinúria maciça
persistente, progridem para insuficiência renal.
NEFROLOGIA - 92

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Síndrome nefrítica

Glomerulonefrite aguda

As principais causas de glomerulonefrite aguda (GNA) são:


 Doenças infecciosas
 Glomerulonefrite pós-estreptocóccica
 Glomerulonefrite pós-infecciosa não-estreptocóccica
 Bacteriana
- Endocardite infecciosa
- Septicemia
- Pneumonia pneumocóccica
- Febre tifóide
- Sífilis secundária
- Meningococcemia

 Viral
- Hepatite B
- Mononucleose infecciosa
- Varicela
- Coxsackievírus
- Caxumba
- Sarampo
- Vaccínia
- Echovírus

 Parasitária
- Malária
- Toxoplasmose

 Doenças multisistêmicas
 Lupus Eritematoso Sistêmico
 Vasculite
 Púrpura de Henoch-Schönlein
 Doença de Goodpasture

 Doenças glomerulares primárias


 Glomerulonefrite membranoproliferativa
 Doença de Berger
 Glomerulonefrite mesangioproliferativa pura

 Miscelânea
 Síndrome de Guillain-Barré
 Irradiação de tumor de Wilms
 Vacina tríplice (difteria-pertussis-tétano)
 Doença do soro
NEFROLOGIA - 93

A síndrome nefrítica aguda, ou glomerulonefrite aguda, consiste


na instalação súbita de hematúria e proteinúria, freqüentemente acompanhadas de
azotemia, indicativa de redução na filtração glomerular, e retenção de sal e água.
A retenção de sal e água leva a congestão circulatória, hipertensão
e edema.
A hematúria resulta da passagem de eritrócitos através da parede
capilar glomerular e/ou peritubular, que se encontra danificada, e é a principal
característica da síndrome nefrítica aguda. Podem haver cilindros hemáticos.
A proteinúria é uma conseqüência da perda de cargas aniônicas da
parede capilar (defeito seletivo de carga elétrica) ou pela aparência de poros capilares
maiores que os normais.
Assim sendo, a proteinúria da síndrome nefrítica aguda é não-
seletiva e contém globulinas séricas, assim como albumina.
A redução da filtração glomerular é decorrente da infiltração da
parede capilar por células inflamatórias ou pela expansão do número de células
glomerulares, que reduzem a sua área de filtração. Ainda, a área de filtração pode estar
reduzida pela ação de compostos vasoativos capazes de contrair reversivelmente as células
mesangiais, levando a uma redução do número de capilares glomerulares perfundidos.
A retenção de líquido pode ser explicada tanto pela diminuição da
filtração glomerular quanto pela reabsorção aumentada de sal e água nos túbulos distais.
O edema da glomerulonefrite aguda tende a aparecer inicialmente
nas áreas de baixa pressão, tais como pálpebras, face e mãos, mas podem progredir para
uma ascite e/ou derrame pleural.
A congestão circulatória manifesta-se por hipertensão sistêmica e
pulmonar e/ou débito cardíaco normal ou elevado. Nas crianças, a hipertensão pode estar
acompanhada de encefalopatia.
A atividade da renina, da aldosterona e do sistema nervoso
simpático estão relativamente diminuídas.
A extensão e a gravidade das anormalidades urinárias da
glomerulonefrite aguda variam.
A hematúria macroscópica é a queixa mais freqüente, mas quando
ela se apresenta em menor intensidade, ela pode passar despercebida pelo paciente. Nestes
casos, as características da retenção de líquido e da hipertensão podem ser atribuídas
erroneamente a outras patologias caso o exame do sedimento urinário seja omitido da
avaliação inicial.
O grau de proteinúria varia de acordo com a natureza e a
gravidade da lesão glomerular subjacente. Ela geralmente se encontra entre 0,5 e 3 gramas
por dia. Raramente, a taxa de excreção proteica está nos níveis normais (150 mg/dia).
A evolução da glomerulonefrite aguda depende da lesão
glomerular subjacente e do seu tratamento. Por exemplo, a maioria dos pacientes com
glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica começam a apresentar resolução espontânea da
retenção de líquidos e da hipertensão dentro de uma semana.
Poucos pacientes com síndrome nefrítica aguda desenvolvem uma
forma de insuficiência renal rapidamente progressiva.
A biópsia renal é útil na caracterização da natureza da lesão
subjacente mas não é necessária em todos os casos.
NEFROLOGIA - 94

Glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica


A glomerulonefrite pós-estreptocóccica (GNPE) geralmente
ocorre em seguida a uma infecção cutânea ou faringítica de um número pequeno de cepas
de estreptococos -hemolíticos do grupo A de Lancefield e do tipo nefritogênico M.
Os episódios assintomáticos de GNPE são mais freqüentes que os
sintomáticos numa proporção de 3 ou 4 para 1.
Como o organismo apresenta imunidade específica, de longa
duração, episódios repetitivos de GNPE são incomuns.
Epidemiologicamente, essa patologia é mais comum nas crianças
de 3 a 12 anos de idade e a prevalência de GNPE está mais associada a infecções
faringíticas do que a infecções cutâneas.
Uma característica importante é a presença de um período de
latência entre o início das manifestações da infecção estreptocóccica e a instalação dos
sinais e sintomas de nefrite.
Após uma infecção faringítica, o período de latência é geralmente
de 6 a 20 dias (média de 10 dias), enquanto a infecção cutânea normalmente apresenta uma
média de duas semanas.
Indícios de inflamação glomerular ocorrendo na mesma época da
infecção ou em um período menor que o período de latência geralmente indicam uma
exacerbação de uma glomerulopatia preexistente, tal como a doença de Berger.
O diagnóstico da glomerulonefrite pós-estreptocóccica baseia-se
na demonstração de pelo menos duas das três características abaixo:
1. Presença de estreptococos potencialmente nefritogênicos na
faringe ou em lesões epiteliais;
2. Resposta imune às enzimas estreptocóccicas
 Antiestreptolisia-O
 Antiestreptoquinase
 Antidesoxiribonuclease-B
 Anti-NAD
 Anti-hialuronidase

Uma terapia anti-


microbiana prévia pode prevenir a resposta imunológica às
enzimas e, também, resultar em culturas negativas, mas não
previnem o desenvolvimento da GNPE.

3. Redução transitória do complemento C3, que retorna ao


normal dentro de 8 semanas após os primeiros sinais da
nefropatia.

A apresentação típica da glomerulonefrite pós-estreptocóccica é o


início abrupto de hematúria (90%), que geralmente é evidenciada como urina escura ou
“turva”, acompanhada por mal-estar e, algumas vezes, sintomas gastrointestinais como dor
abdominal, náuseas e vômitos. Podem haver cefaléias e, ocasionalmente, convulsões.
O edema é um sinal precoce e freqüente, comumente em uma
distribuição periorbitária e mais evidente ao levantar. Algumas vezes, ele pode evoluir para
um edema periférico e anasarca.
A hipertensão é constatada em 60 a 70% dos pacientes e reflete a
retenção renal de sal e água com sobrecarga de volume.
NEFROLOGIA - 95

Laboratorialmente, o exame de urina geralmente revela sinais de


inflamação glomerular com proteinúria, hemácias, leucócitos e cilindros.
Aproximadamente 20% dos pacientes hospitalizados
desenvolvem proteinúria na faixa nefrótica, em geral transitória e durante a fase de
recuperação.
Uma hipoalbuminemia grave pode se desenvolver caso uma
proteinúria maciça torne-se prolongada.
A proteinúria é de caráter não-seletivo e freqüentemente contém
altas concentrações de produtos de degradação da fibrina e proteína C3.
Nos pacientes oligúricos ou azotêmicos, podem ocorrer
hiponatremia, hipercloremia, hipercalemia e acidose metabólica.
A radiografia renal vai revelar rins normais ou aumentados de
tamanho. A radiografia de tórax pode demonstrar um coração levemente alargado e
freqüentemente acompanhado de congestão pulmonar.
O diagnóstico diferencial da GNPE inclui outras infecções ou
patologias renais primárias que podem produzir uma síndrome nefrítica aguda idêntica a
esta (glomerulonefrite pós-infecciosa não-estreptocóccica).
As doenças multisistêmicas podem se apresentar inicialmente
como uma nefrite aguda.
Outras doenças não-glomerulares, tais como a púrpura
trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica e doença renal ateroembólica
também podem se apresentar com características de síndrome nefrítica aguda.
Histopatologicamente, a biópsia renal feita no início do curso da
doença mostra uma glomerulonefrite proliferativa difusa (todos os glomérulos são
envolvidos) com acentuada hipercelularidade envolvendo as células endoteliais
glomerulares e mesangiais. É comum a infiltração do glomérulo por leucócitos
polimorfonucleares e monócitos.

Figura 1 - Aspecto microscópico da glomerulonefrite pós-estreptocóccica (a direita) em comparação ao


aspecto microscópico de um glomérulo normal (a esquerda)

Alguns depósitos proteináceos projetam-se do contorno externo


da parede capilar em direção ao espaço urinário à microscopia óptica ou à microscopia
eletrônica.
NEFROLOGIA - 96

Figura 2 - Microscopia eletrônica e imunofluorescência na glomerulonefrite pós-estreptocóccica

Na doença grave, a proliferação das células epiteliais no espaço


de Bowman resulta na formação de “crescentes” em alguns glomérulos. Todavia, a
proliferação difusa e extensa é incomum e está relacionada a uma redução na probabilidade
de recuperação completa.
À imunofluorescência, depósitos granulares de IgG são vistos nas
alças capilares periféricas e no mesângio, quase sempre acompanhados por C3 e, menos
comumente, por C1q e C4.
Um envolvimento extenso das alças capilares periféricas
geralmente está associado a um prognóstico mais pobre, enquanto depósitos envolvendo
exclusivamente o mesângio apresentam uma evolução mais benigna.
O prognóstico da glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica
também difere quanto as formas esporádicas e endêmicas e quanto ao acometimento em
adultos e crianças.
Nas crianças, as formas endêmicas da doença têm um prognóstico
favorável. Poucos pacientes morrem de complicações como insuficiência renal e
praticamente todos eles apresentam resolução espontânea dos sinais dentro de uma semana
após o início da doença e normalização das anormalidades urinárias nos meses seguintes.
Casos esporádicos de glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica
entre crianças podem apresentar conseqüências mais sérias à longo prazo.
Algumas crianças podem desenvolver obliteração capilar
glomerular lentamente progressiva (glomeruloesclerose), ritmo de filtração glomerular
reduzido e hipertensão.
Após várias décadas, uma insuficiência renal terminal pode
resultar da glomerulonefrite crônica. A persistência da proteinúria é a regra nesses casos.
O prognóstico dos adultos em geral é pior do que o das crianças.
Apesar do prognóstico da glomerulonefrite aguda pós-
estreptocóccica parecer bom nos casos endêmicos, os casos esporádicos estão associados
com uma deterioração progressiva da função renal em 30 a 50% dos pacientes.
Essa deterioração pode manifestar-se através de uma proteinúria
e/ou uma hematúria persistentes ou através de uma glomeruloesclerose lentamente
progressiva com insuficiência renal, geralmente acompanhadas de hipertensão.
O tratamento da glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica é de
suporte, pois é previsível a recuperação espontânea.
Recomenda-se o repouso durante o quadro agudo. A retenção de
fluidos, a congestão circulatória e o edema podem ser tratados com a restrição da ingesta
de sódio e com diuréticos.
NEFROLOGIA - 97

Caso a hipertensão não melhore com o uso dos diuréticos,


algumas drogas vasodilatadoras podem ser úteis.
O uso de antimicrobianos por um período de 7 a 10 dias pode ser
feito caso seja detectada infecção estreptocóccica ativa.

Glomerulonefrite pós-infecciosa não-estreptocóccica


Uma ampla variedade de doenças infecciosas, além das causadas
pelos estreptococos -hemolíticos do grupo A, também podem estar associadas com a
glomerulonefrite aguda, incluindo os estados com bacteremia e várias doenças virais e
parasitárias.
Alguns exemplos incluem a endocardite infecciosa, febre tifóide,
mononucleose infecciosa, malária falciparum, toxoplasmose, etc.
O controle da infecção geralmente produz uma melhora na
inflamação glomerular, apesar de que pode-se desenvolver uma glomerulonefrite
progressiva ou crônica.

Nefropatia por IgA (Doença de Berger)

Esta doença caracteriza-se pela presença de


depósitos de IgA nas regiões mesangiais detectadas pela imunofluorescência.
A nefropatia por IgA é duas a três vezes mais
comum no sexo masculino e se apresenta, na maioria dos pacientes, antes dos 35 anos de
idade.
Ela provavelmente é a forma mais comum de
glomerulonefrite em todo o mundo.
Patogenicamente, alguns estudos sugerem uma
anormalidade genética ou adquirida no sistema imune, levando a um aumento na síntese de
IgA secretora em resposta à exposição de agentes ambientais respiratórios ou
gastrointestinais.
A deposição de complexos de IgA no mesângio
ativa a via alternativa do complemento e inicia a lesão glomerular.
A apresentação clássica é a hematúria
macroscópica concomitante, ou imediatamente subseqüente (24 a 48 horas), à infecção
respiratória alta viral (50%), doença semelhante à gripe (15%), síndrome gastrointestinal
(10%) ou outro pródromo infeccioso.
Achados freqüentes incluem febre leve, mal-estar,
mialgias, disúria e dor nos flancos.
Os casos restantes são identificados durante a
avaliação clínica da hematúria ou proteinúria assintomática e persistente.
A ausência de um período latente, assim como
níveis normais de complemento e anticorpos antiestreptocóccicos, faz a diferenciação
clínica entre esta patologia e a glomerulonefrite pós-estreptocóccica.
Além disso, outros aspectos da síndrome nefrítica
aguda, incluindo edema e hipertensão, são observados em menos da metade dos pacientes.
A hematúria macroscópica geralmente dura apenas
dois a seis dias, mas a hematúria microscópica freqüentemente persiste entre os ataques.
NEFROLOGIA - 98

Cinqüenta por cento dos pacientes vão apresentar


apenas um episódio de hematúria macroscópica. O restante apresenta episódios recorrentes
durante muitos anos, freqüentemente precedidos por infecções virais.
Não há achados laboratoriais diagnósticos de
nefropatia por IgA.
Histologicamente, as lesões variam
consideravelmente.
O glomérulo pode ser normal ou pode mostrar
expansão mesangial e proliferação segmentar e focal, proliferação mesangial difusa ou,
raramente, glomerulonefrite crescente.

Figura 3 - Glomérulo normal e glomérulo evidenciando proliferação na doença de Berger

A imunofluorescência característica mostra


depósitos mesangiais de IgA, freqüentemente com C3 e menores quantidades de IgM ou
IgG. C1q e C4 geralmente estão ausentes, sugerindo a ativação da via alternativa do
complemento.
A microscopia eletrônica confirma a presença de
depósitos eletrodensos no mesângio na grande maioria dos casos.

Figura 4 - Respectivamente, imunofluorescência e microscopia eletrônica da doença de Berger


NEFROLOGIA - 99

Em 15 a 20% dos pacientes, há evolução para


insuficiência renal em seis meses e a sobrevida em 20 anos é de 50%.
Embora não haja aspectos clínicos ou
histopatológicos que permitam a previsão da evolução, os pacientes cujo prognóstico é pior
são do sexo masculino, com curso clínico prolongado, que desenvolvem hipertensão ou
proteinúria maior que 3 gramas ao dia, ou que apresentam glomeruloesclerose extensa à
biópsia.
Terapeuticamente, nenhuma forma específica de
tratamento tem demonstrado alterar a evolução clínica desta doença.
É importante o controle rigoroso da hipertensão.

Glomerulonefrite rapidamente progressiva

O termo clínico glomerulonefrite rapidamente


progressiva é freqüentemente aplicado a um grupo de glomerulonefrite que desenvolve
insuficiência renal em semanas ou poucos meses, ao contrário da glomerulonefrite aguda
em que isso leva anos ou décadas, associada à extensa formação de crescentes.

Figura 5 - Amplo envolvimento de um glomérulo mostrando


alterações esclerosantes e proliferativas em suas alças
capilares e a formação de uma crescente ao longo da face
interna da cápsula de Bowman

Histopatologicamente, uma extensa glomerulo-


nefrite extracapilar é comum, mas outras lesões podem incluir glomerulonefrite
necrotizante difusa ou segmentar.
A glomerulonefrite rapidamente progressiva
pode-se originar a partir de quatro quadros clínicos:
1. Como complicação de uma infecção aguda ou subaguda
 Glomerulonefrite pós-estreptocóccica
 Endocardite infecciosa
 Septicemia
 Hepatite B
NEFROLOGIA - 100

2. Como complicação renal de doenças multisistêmicas


 Lupus Eritematoso Sistêmico
 Púrpura de Henoch-Schönlein
 Vasculite necrotizante sistêmica e poliarterite microscópica
 Doença de Goodpasture
 Crioimunoglobulinemia essencial mista
 Neoplasias
 Policondrite recorrente
 Artrite Reumatóide (com vasculite)

3. Associada ao uso de certas drogas


 Penicilamina
 Hidralazina
 Alopurinol
 Rifampicina

4. Como uma doença glomerular primária em que o rim é o único órgão


afetado e cujas manifestações extra-renais são somente resultado de
distúrbios na função renal
 Glomerulonefrite primária ou idiopática
 Tipo I
 Tipo II
 Tipo III
 Tipo IV

 Sobreposta a outra doença glomerular primária


 Mesangiocapilar (glomerulonefrite membranoproliferativa)
 Glomerulonefrite membranosa
 Doença de Berger
NEFROLOGIA - 101

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Insuficiência renal aguda

Introdução

A insuficiência renal aguda (IRA) caracteriza-se pela rápida diminuição da taxa


de filtração glomerular (horas a semanas) e pela retenção de produtos de degradação do
nitrogênio no sangue.
Esta síndrome ocorre em aproximadamente 5% de todos os pacientes
hospitalizados e em mais de 30% dos pacientes em um Centro de Terapia Intensiva (CTI).
Aproximadamente 60% dos casos estão relacionados a cirurgia ou traumatismo e o restante
tem causas clínicas ou obstétricas.
A oligúria (débito urinário < 400 ml/d) é um sinal comum mas,
freqüentemente, a IRA é assintomática e só é diagnosticada pela detecção de uréia sérica e
creatinina aumentadas. A anúria é relativamente rara.
Para facilitar o diagnóstico e o tratamento, a IRA pode ser subdividida em três
tipos, dependendo da sua etiologia:
1. IRA pré-renal ou azotemia pré-renal (55%)  Distúrbios de hipoperfusão
renal em que o rim encontra-se normal;
2. IRA intrínseca ou azotemia renal (40%)  Doenças do parênquima renal;
3. IRA pós-renal ou azotemia pós-renal (5%)  Obstrução aguda do trato
urinário.

Etiopatogenia

Azotemia pré-renal
Responsável por metade dos casos de insuficiência renal aguda, esta
síndrome ocorre em resposta a hipoperfusão renal e é rapidamente reversível pela
restauração do fluxo sangüíneo renal e da pressão de ultrafiltração glomerular, pois o
parênquima renal encontra-se normal.
Contudo, uma hipoperfusão prolongada ou grave pode levar à isquemia e
necrose do parênquima renal, transformando a azotemia pré-renal em azotemia renal.
As principais causas de azotemia pré-renal são:
 Depleção do volume intravascular  Hipovolemia verdadeira
 Hemorragia
 Cirúrgica
 Traumática
 Gastrointestinal;

 Queimaduras;
 Desidratação;
 Perdas gastrointestinais
 Vômitos
 Diarréia
 Drenagem cirúrgica;
NEFROLOGIA - 102

 Perdas do trato genitourinário


 Diuréticos
 Diabetes mellitus;

 Seqüestro de líquido para os compartimentos extravasculares


 Peritonite
 Pancreatite
 Traumatismos
 Queimaduras
 Hipoalbuminemia grave.

 Diminuição do débito cardíaco  Hipovolemia “efetiva”


 Insuficiência miocárdica;
 Insuficiência hepática;
 Valvopatias;
 Pericardite constritiva;
 Tamponamento cardíaco;
 Arritmias complicadas;
 Hipertensão pulmonar;
 Tromboembolismo pulmonar;
 Septicemia;
 Tratamento com vasodilatadores;
 Anestesia;
 Anafilaxia;
 Outros.

Tanto a hipovolemia verdadeira quanto a hipovolemia “efetiva” produzem


hipotensão arterial. Essa queda na pressão arterial sistêmica ativa os baroreceptores
arteriais e cardíacos, que desencadeiam diversos mecanismos neuro-humorais no sentido
de manter a pressão arterial em níveis normais.
Dentre esses mecanismos, destacam-se a ativação do sistema nervoso
simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona e a liberação de hormônio
antidiurético e endotelina.
Esse processo resulta em vasoconstrição do leito vascular esplâncnico e
musculocutâneo, redução da perda de sal pelas glândulas sudoríparas, estímulo da sede e
do apetite por sal e promoção da retenção de água e sal pelos rins; com o objetivo de
manter o fluxo sangüíneo cerebral e cardíaco.
Para conseguir manter a perfusão e o ritmo de filtração glomerular nessas
situações, os rins apresentam uma série de mecanismos compensatórios que resultam em
vasodilatação, principalmente das arteríolas aferentes. O aumento da biossíntese de
prostaglandinas (prostaciclinas e prostaglandina E2) e de óxido nítrico auxiliam essa
resposta.
Além disso, a angiotensina II faz constrição preferencialmente das arteríolas
eferentes, provavelmente devido ao maior número de receptores nessa topografia,
auxiliando na manutenção da pressão intraglomerular e no aumento do ritmo de filtração
glomerular.
Quando a hipoperfusão é muito grave, porém, essas respostas tornam-se
inadequadas e, então, advém a insuficiência renal aguda.
NEFROLOGIA - 103

Alguns medicamentos que atuam nesse processo compensatório do rim


podem converter uma hipoperfusão compensada em azotemia pré-renal manifesta, ou
então, podem acelerar a progressão de uma azotemia pré-renal em uma azotemia renal.
Conseqüentemente, os inibidores da síntese de prostaglandinas (inibidores
da ciclo-oxigenase) ou da atividade da enzima conversora da angiotensina (inibidores da
ECA) devem ser utilizados com cautela nos pacientes com hipoperfusão.
Outros agentes farmacológicos que podem induzir IRA, principalmente na
presença de hipovolemia, são os contrastes radiológicos, ciclosporina, anfoterecina B,
epinefrina, norepinefrina e altas doses de dopamina.

Azotemia renal
A maioria dos casos de azotemia renal resultam de isquemia secundária a
hipoperfusão renal (IRA isquêmica) ou a toxinas (IRA nefrotóxica).
Como a insuficiência renal aguda isquêmica ou nefrotóxica está quase
sempre associada com necrose das células epiteliais tubulares, esta síndrome também é
freqüentemente referida como necrose tubular aguda.
Contudo, esse termo não deve ser utilizado como sinônimo de azotemia
renal, pois diversas doenças parenquimatosas causam insuficiência renal sem necrose
tubular aguda. Além disso, mesmo os casos isquêmicos ou nefrotóxicos podem se
apresentar sem essa manifestação.

Figura 1 - Azotemia renal com (a esquerda) e sem (a direita) necrose tubular aguda

A IRA isquêmica pode resultar de qualquer uma das causas citadas de


azotemia pré-renal, principalmente hemorragias, traumatismo, septicemia e desidratação.
Os mecanismos pelos quais a isquemia pode causar IRA incluem a redução
da perfusão e do ritmo de filtração glomerular, a obstrução do fluxo urinário nos túbulos
renais pela presença de células e restos celulares resultantes da necrose tubular, e o retorno
do filtrado glomerular (retrofiltração) pelo epitélio tubular isquêmico.
NEFROLOGIA - 104

Figura 2 - Patogênese da azotemia renal

Os principais segmentos tubulares susceptíveis a necrose por isquemia são a


porção reta dos túbulos proximais (pars recta) e a porção espessa da alça de Henle
ascendente, pois esses segmentos localizam-se em uma região do rim que é relativamente
hipóxica quando comparada com o córtex renal, a junção córtico-medular.
Além disso, os túbulos proximais e a porção espessa da alça de Henle
ascendente normalmente têm uma maior necessidade de oxigênio do que as outras células
renais devido às elevadas taxas de transporte ativo de sódio.
O traumatismo das células epiteliais tubulares resulta, então, em
vasoconstrição intra-renal secundária por um processo denominado feedback túbulo-
glomerular, que piora ainda mais a situação isquêmica dos rins.
A IRA nefrotóxica pode resultar da administração de diversos agentes
farmacológicos, principalmente os antibióticos aminoglicosídeos, a cisplatina, a
ciclosporina, os contrastes radiológicos e a anfoterecina B; ou da produção de compostos
endógenos, como na rabdomiólise ou na hemólise.
Os pacientes com insuficiência renal crônica, hipovolemia, exposição
associada a outras toxinas e idade avançada têm predisposição para a maioria das formas
de lesão nefrotóxica.
Além disso, o diabetes mellitus e o mieloma múltiplo são fatores de risco
para a nefropatia aguda por contrastes radiológicos e a acidose pode contribuir para a
insuficiência renal nos casos de rabdomiólise ou hemólise.
Histopatologicamente, os achados característicos de IRA isquêmica incluem
necrose focal do epitélio tubular e oclusão luminal por aglomerados de células epiteliais
degeneradas com dilatação tubular a montante, restos celulares, mucoproteínas de Tamm-
Horsfall, inflamação e edema do interstício renal e áreas de regeneração tubular, com
figuras mitóticas. Essas alterações ocorrem principalmente na porção reta dos túbulos
proximais e na porção espessa da alça de Henle ascendente.
Contudo, a lesão isquêmica pode incluir um epitélio aparentemente intacto,
descolamento das células epiteliais das suas membranas basais na ausência de necrose, etc.
A IRA nefrotóxica difere da IRA isquêmica no fato de que as alterações
morfológicas são comuns tanto na porção reta quanto na porção contorcida do túbulo
proximal, ocorrendo menos freqüentemente em outros segmentos.
A necrose celular tubular tende a ser menos pronunciada e o epitélio
raramente descola-se da sua membrana basal.
NEFROLOGIA - 105

Evolutivamente, a maioria dos casos de IRA isquêmica ou nefrotóxica


caracterizam-se por três fases distintas:
1. Fase de iniciação
Compreende o período entre a exposição ao fator
etiológico e o desenvolvimento da insuficiência renal.
A restauração da perfusão renal ou a eliminação das
nefrotoxinas durante esta fase pode reverter ou limitar o traumatismo
renal.

2. Fase de manutenção  Tem uma duração média de 7 a 14 dias


3. Fase de recuperação

Além da IRA isquêmica e nefrotóxica, outras causas de azotemia renal


incluem trombose, arteriosclerose e traumatismo de vasos renais; glomerulonefrite aguda e
vasculite; púrpura trombocitopênica trombótica; coagulação intravascular disseminada;
hipertensão maligna; toxemia gravídica; esclerodermia e irradiação.
Alguns agentes farmacológicos, como as penicilinas, cefalosporinas,
trimetoprim, sulfonamidas e rifampicina, podem causar IRA através da indução de uma
nefrite intersticial alérgica, caracterizada pela infiltração do espaço intersticial por
macrófagos, linfócitos, plasmócitos, neutrófilos e outras células inflamatórias, além do
edema.

Azotemia pós-renal
A obstrução urinária só resulta em insuficiência renal aguda quando ela
ocorre além do colo da bexiga, obstruindo ambos os rins, pois a função de um único rim é
suficiente para excretar os produtos de degradação do nitrogênio.
 Bexiga neurogênica;
 Doença prostática
 Hiperplasia Prostática Benigna
 Câncer de próstata
 Prostatite;

 Litíase vesical;
 Neoplasias;
 Estenose uretral;
 Válvulas de uretra posterior ou anterior;
 Fimose;
 Ruptura de bexiga;
 Iatrogênese;
 Outros.

Diagnóstico

Manifestações clínicas
A azotemia pré-renal deve ser suspeitada em pacientes com elevação da
creatinina sérica que tiveram algum episódio de hemorragia, perda gastrointestinal ou
NEFROLOGIA - 106

urinária excessiva ou queimaduras extensas, principalmente se o acesso a líquidos for


restrito como, por exemplo, nos pacientes comatosos ou obnubilados.
Evidências suplementares incluem sede, hipotensão ortostática e taquicardia,
presença de jugulares não ingurgitadas, diminuição do turgor da pele, mucosas
desidratadas e vasos sublinguais vazios.
Deve-se procurar registros sobre uma diminuição no débito urinário, ganho de
peso e utilização de medicamentos como a ciclo-oxigenase e os inibidores da ECA.
O exame clínico pode demonstrar algum tipo de hipovolemia “efetiva”, como
a insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência hepática, valvopatias, pericardite
constritiva, etc.
Todavia, o diagnóstico definitivo da azotemia pré-renal só é feito quando a
restauração da perfusão renal resulta em pronta resolução da insuficiência renal.
A azotemia renal isquêmica é mais comum em pacientes com insuficiência
renal após um quadro de choque hemorrágico, choque séptico ou no pós-operatório de uma
cirurgia de grande porte.
A persistência da insuficiência renal após a restauração da sua perfusão
aumenta a probabilidade do diagnóstico estar correto.
O diagnóstico de azotemia renal nefrotóxica requer uma história com o uso de
medicamentos nefrotóxicos ou contrastes radiológicos.
A rabdomiólise é sugerida por uma história recente de tontura, exercícios
intensos, abuso de álcool ou drogas e dor muscular.
Apesar das IRA isquêmica e nefrotóxica serem as principais causas de
azotemia renal, os pacientes também devem ser avaliados quanto a presença de outras
doenças do parênquima renal.
A dor lombar pode ser indicativa de oclusão vascular aguda, pielonefrite
aguda ou glomerulonefrite necrotizante aguda.
IRA associada a oligúria, edema, hipertensão, proteinúria e hematúria
(síndrome nefrítica) sugere a presença de uma glomerulonefrite aguda ou uma vasculite.
A hipertensão maligna é a causa mais provável nos pacientes com hipertensão
grave e evidências de lesão hipertensiva em outros órgãos.
A presença de febre, artralgias e lesões eritematosas e pruriginosas de pele
sugerem uma nefrite intersticial alérgica, apesar dos sinais sistêmicos da hipersensibilidade
estarem freqüentemente ausentes.
Quanto a azotemia pós-renal, ela pode ser assintomática quando a obstrução
urinária desenvolve-se lentamente.
Podem haver sinais e sintomas de doença prostática (urgência, polaciúria,
hesitação urinária, gotejamento terminal, nictúria, incontinência de urgência e
incontinência paradoxal). A distensão vesical pode ser evidente na palpação abdominal.
Pacientes em uso de medicamentos anticolinérgicos (antidepressivos
tricíclicos) podem desenvolver bexiga neurogênica. Evidências físicas de doença
neurológica também indicam a presença dessa patologia.
A cateterização vesical pode ser diagnóstica, mas o diagnóstico definitivo de
azotemia pós-renal geralmente é feito por investigações radiológicas e pela rápida melhora
da função renal após o alívio da obstrução.

Urinálise
A determinação do volume urinário não ajuda muito no diagnóstico
diferencial entre os diferentes tipos de IRA.
NEFROLOGIA - 107

A anúria completa sugere uma obstrução completa do trato urinário mas


também pode ocorrer nos casos de azotemia pré-renal e renal, por oclusão arterial renal,
glomerulonefrite proliferativa ou necrose cortical bilateral.
A melhor maneira de diferenciar esses três tipos de IRA é pela avaliação do
sedimento e do sobrenadante de uma amostra centrifugada de urina.
O sedimento urinário pode revelar aglomerados celulares, cilindros,
hematúria, piúria e cristalúria.
Na azotemia pré-renal, o sedimento é caracteristicamente acelular, podendo
conter cilindros hialinos transparentes (sedimento urinário inativo ou benigno).
A azotemia pós-renal também pode apresentar um sedimento urinário inativo,
mas quase sempre há presença de hematúria e piúria.
Os cilindros granulosos com inclusões de coloração marrom e os cilindros
epiteliais são característicos da necrose tubular, sugerindo IRA isquêmica ou nefrotóxica
(azotemia renal). Esses cilindros geralmente são encontrados em associação com hematúria
microscópica e proteinúria “tubular” leve (< 1 g/d).
Todavia, os cilindros podem estar ausentes em 20 a 30% dos pacientes com
IRA isquêmica ou nefrotóxica e, por isso, não são necessários para o seu diagnóstico.
A proteinúria “tubular” reflete a insuficiência da reabsorção tubular de
proteína e difere da proteinúria “glomerular” (> 1 g/d), que ocorre por lesão da barreira de
ultrafiltração glomerular.
O sobrenadante da amostra centrifugada de urina pode revelar a presença de
hemoglobinúria e mioglobinúria.

Índices de insuficiência renal


A análise urinária e a bioquímica sangüínea são úteis no diagnóstico
diferencial entre a azotemia pré-renal e a azotemia renal.
A relação entre o clearance de sódio e o de creatinina (excreção fracionada de
sódio) é um importante parâmetro.

CNa
________________
EFS = CCr

U V
Na
________
PNa
EFS = ________________
U V Cr
________
PCr

UNa  PCr
EFS = ________________
P U Na Cr

EFS - Excreção fracionada de sódio


CNa - Clearance de sódio
UNa - Concentração urinária de sódio
PNa - Concentração plasmática de sódio
CCr - Clearance de creatinina
UCr - Concentração urinária de creatinina
PCr - Concentração plasmática de creatinina
V - Volume urinário por minuto
NEFROLOGIA - 108

Na azotemia pré-renal, o sódio é reabsorvido avidamente do filtrado


glomerular na tentativa de restaurar o volume intravascular, mas não na azotemia renal.
Em contraste, a creatinina é reabsorvida de forma menos eficiente em ambas as condições.
Conseqüentemente, os pacientes com azotemia pré-renal tem uma relação de
excreção sódio/creatinina menor que 1,0 (freqüentemente menor que 0,01), enquanto os
pacientes com azotemia renal geralmente apresentam uma relação de excreção maior que
1,0.
A EFS pode ser maior que 1,0 nos pacientes com azotemia pré-renal em uso
de diuréticos, nos pacientes com bicarbonatúria, que arrasta sódio para urina para manter a
eletroneutralidade, nos pacientes com insuficiência adrenal e naqueles com insuficiência
renal crônica subjacente complicada por perda de sal.
Por outro lado, aproximadamente 15% dos pacientes com azotemia renal
apresentam uma EFS menor que 1,0, refletindo uma forma discreta de lesão renal.
O índice de insuficiência renal (IIR) fornece informações semelhantes, pois as
variações do sódio plasmático são relativamente pequenas.

U Na P Cr
________________
IIR = UCr

Outros índices menos sensíveis, particularmente em indivíduos idosos, são:


 Concentração urinária de sódio
 Relação entre a creatinina urinária e a creatinina plasmática
 Relação entre a uréia urinária e a uréia plasmática
 Relação entre a uréia e a creatinina plasmáticas
 Densidade urinária
 Osmolalidade urinária

Tabela 1 - Índices da insuficiência renal

Índice diagnóstico Azotemia pré-renal Azotemia renal


EFS <1 >1
Índice de insuficiência renal <1 >1
Concentração urinária de sódio (mEq/L) < 10 > 20
Relação entre a creatinina urinária e > 40 < 20
a creatinina plasmática
Relação entre a uréia urinária e >8 <3
a uréia plasmática
Relação entre a uréia e > 20 < 10 - 15
a creatinina plasmáticas
Densidade urinária > 1.018 < 1.012
Osmolalidade urinária (mEq/KgH2o) > 500 < 250

Exames complementares
A realização de ultra-sonografia, tomografia computadorizada ou ressonância
magnética está recomendada para a maioria dos pacientes com insuficiência renal aguda
para excluir uma uropatia obstrutiva ou uma doença renal crônica.
Uma radiografia simples de abdome pode ser útil quando se suspeita de
nefrolitíase.
O doppler e a ressonância magnética podem detectar obstruções nas veias e
artérias renais, mas a angiografia contrastada é necessária para o diagnóstico definitivo.
NEFROLOGIA - 109

A biópsia renal tem indicação quando a azotemia pré-renal e a azotemia pós-


renal foram descartadas e a etiologia da azotemia renal ainda não foi determinada.

Complicações

A insuficiência renal aguda prejudica a excreção renal de sódio, potássio e


água; altera o metabolismo dos cátions bivalentes e desregula o mecanismo de acidificação
urinária.
Conseqüentemente, a IRA é freqüentemente complicada por sobrecarga de
volume intravascular, hiponatremia, hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia,
hipermagnesemia e acidose metabólica.
Além disso, a incapacidade de excretar os produtos de degradação do
nitrogênio pode resultar em síndrome urêmica.
Em geral, a gravidade das complicações reflete o grau de comprometimento
renal.
A sobrecarga de volume é uma conseqüência da excreção reduzida de sal e
água, principalmente nos indivíduos oligúricos e anúricos.
A ingestão excessiva de líquidos ou a administração inapropriada de água
pode causar hiponatremia.
A hipercalemia é comum e pode ser exacerbada pela acidose metabólica.
Nos pacientes com rabdomiólise ou hemólise, a hipercalemia pode ser particularmente
grave.
A acidose metabólica geralmente cursa com “anion gap” elevado.
As manifestações da síndrome urêmica incluem pericardite, derrame
pericárdico, tamponamento cardíaco, anorexia, náuseas, vômitos, íleo, letargia, confusão
mental, estupor, coma, agitação, psicose, hiper-reflexia e tontura.
A anemia é uma complicação que se desenvolve rapidamente na IRA, assim
como o prolongamento do tempo de sangramento e a leucocitose.
As infecções são complicações temíveis que ocorrem em 50 a 90% dos
pacientes com IRA e que são responsáveis por mais de 75% das mortes.
As complicações cardiovasculares incluem arritmias, infarto miocárdico e
tromboembolismo pulmonar.
Um sangramento gastrointestinal leve está presente em 10 a 30% dos
pacientes e geralmente decorre das úlceras de estresse que se formam.
Pode haver alterações neurológicas em função da síndrome urêmica,
complicações metabólicas ou diminuição na excreção de medicamentos psicotrópicos.
Uma diurese vigorosa durante a fase de recuperação pode resultar em
depleção do volume intravascular e retardo da recuperação renal.
A hipernatremia também pode complicar a recuperação caso as perdas
urinárias não sejam repostas.

Tratamento

Prevenção
Muitos casos de insuficiência renal aguda podem ser prevenidos quando, nas
situações de alto risco, a função cardiovascular e o volume intravascular são protegidos e o
uso de drogas nefrotóxicas é limitado.
NEFROLOGIA - 110

Tratamento específico
O tratamento da azotemia pré-renal devido a depleção do volume
intravascular varia de acordo com o tipo de líquido perdido.
A hipovolemia causada por hemorragia deve ser corrigida com concentrado
de hemácias, enquanto a solução salina isotônica geralmente é suficiente para a reposição
de perda de plasma no caso de queimaduras ou pancreatite, por exemplo.
As perdas urinárias e gastrointestinais geralmente são hipotônicas e, por isso,
a reposição inicial deve ser feita com soluções hipotônicas.
Os distúrbios hidroeletrolíticos também devem ser normalizados.
A azotemia pré-renal por diminuição do débito cardíaco requer tratamento da
etiologia subjacente.
Uma variedade de agentes terapêuticos já foram utilizados no tratamento da
azotemia renal isquêmica ou nefrotóxica, mas a maioria deles mostrou-se inefetiva ou
demasiadamente tóxica para o uso em seres humanos.
A azotemia renal causada por outras patologias intrínsecas do rim, tais como
glomerulonefrite aguda ou vasculite, pode responder aos glicocorticóides, agentes
alquilantes e/ou plasmaferese, dependendo da patologia primária.
Os agentes antiplaquetários, a plasmaferese e a infusão de plasma podem ser
úteis no tratamento da síndrome hemolítico-urêmica e da púrpura trombocitopênica
trombótica.
Um controle agressivo da pressão arterial sistêmica é um parâmetro de
importância no controle da nefroesclerose causada pela hipertensão maligna, pela toxemia
gravídica e por outras doenças vasculares.
O tratamento da azotemia pós-renal requer um trabalho em equipe entre os
nefrologistas, urologistas e radiologistas e consiste no tratamento da uropatia obstrutiva.

Medidas de suporte
Desde que a sobrecarga de volume, hipercalemia, hiperfosfatemia e acidose
metabólica invariavelmente estão presentes em pacientes oligúricos com IRA, algumas
medidas preventivas devem ser tomadas na hora do diagnóstico.
A prescrição nutricional deve ser feita para manter o balanço calórico e
minimizar o catabolismo. Além disso, caso estejam sendo administradas drogas excretadas
por via renal, suas doses devem ser ajustadas com o grau de insuficiência renal.
Após a correção dos déficits de volume intravascular, a reposição
hidroeletrolítica deve ser ajustada para equivaler às perdas.
A sobrecarga de volume intravascular geralmente pode ser tratada pela
restrição de sal e água e pelo uso de diuréticos. Na verdade, não há outra indicação para a
administração de diuréticos na IRA além do que tratar esta complicação.
A administração de baixas doses de dopamina pode promover a excreção de
sal e água por elevar o fluxo sangüíneo renal e o ritmo de filtração glomerular e por inibir a
reabsorção de sódio no túbulo proximal.
A ultrafiltração e a diálise podem ser utilizadas quando a redução de volume
pelas medidas conservadoras falham.
A hipercalemia leve (< 5,5 mEq/L) deve ser tratada inicialmente pela
restrição dietética de potássio. A hipercalemia moderada (5,5 a 6,5 mEq/L) em pacientes
sem alterações clínicas ou eletrocardiográficas pode ser controlada pela administração de
resinas trocadoras de íons de ligação ao potássio, como o sulfonato de poliestireno sódico
associado ao sorbitol, por via oral ou na forma de enema de retenção.
NEFROLOGIA - 111

Os diuréticos de alça também aumentam a excreção de potássio nos pacientes


responsíveis aos diuréticos.
Os pacientes com níveis de potássio sérico maior que 6,5 mEq/L, os pacientes
com anormalidades eletrocardiográficas e os pacientes com manifestações clínicas de
hipercalemia devem ser tratados com a administração de glicose hipertônica ou insulina,
que promovem o desvio de potássio para dentro das células em 30 a 60 minutos.
O gluconato de cálcio antagoniza os efeitos cardíacos e neuromusculares da
hipercalemia, sendo uma importante medida terapêutica enquanto outros agentes reduzem
os níveis séricos de potássio.
A diálise está indicada quando a hipercalemia é resistente a essas medidas.
A acidose metabólica só necessita tratamento quando a concentração de
bicarbonato cai para menos de 15 mEq/L. Nesses casos, a administração oral ou
endovenosa de bicarbonato está indicada.
A hiperfosfatemia geralmente pode ser controlada pela restrição da ingesta de
fosfato e pela administração de agentes orais, tais como o hidróxido de alumínio e o
carbonato de cálcio, que reduzem a absorção de fosfato no trato gastrointestinal.
A hipocalcemia não requer tratamento, exceto quando grave.
A terapia nutricional requer colaboração entre médicos, enfermeiras e
nutricionistas e tem como objetivo fornecer a quantidade de calorias suficientes para evitar
cetoacidose e minimizar a produção de produtos de degradação do nitrogênio.
Isso geralmente é conseguido pela redução da dieta proteica de alto valor
biológico e pela administração da maioria das calorias na forma de carboidratos.
A anemia pode requerer transfusão sangüínea e administração de
eritropoetina.
Os antiácidos parecem reduzir a incidência de hemorragia gastrointestinal
mais do que os bloqueadores H-2.
Os pacientes febris devem ser investigados agressivamente na procura de
infecções e podem ser tratados com antibióticos de amplo espectro enquanto não se
consegue identificar os agentes etiológicos.

Diálise
A diálise está reservada para o tratamento dos sinais e sintomas de uremia e
para os casos de sobrecarga de volume, hipercalemia ou acidose refratários ao tratamento
conservador.
O tipo de diálise (diálise peritoneal ou hemodiálise) e a sua prescrição
dependem da necessidade individual de cada paciente.
A diálise peritoneal pode ser feita por um cateter intraperitoneal temporário e
a hemodiálise de curta duração geralmente é feita por um cateter de dupla luz introduzido
na veia subclávia, jugular interna ou femoral.
A hemofiltração arteriovenosa e a diálise contínua e lenta são alternativas
para os pacientes que não toleram a diálise convencional de curta duração e que não podem
fazer diálise peritoneal como, por exemplo, após uma cirurgia abdominal.
A ultrafiltração plasmática, sem diálise, pode ser usada em pacientes sem
uremia sintomática quando a redução de sobrecarga de volume pelas medidas
conservadoras falharam.
NEFROLOGIA - 112

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Insuficiência renal crônica

Introdução

Ao contrário do que ocorre na insuficiência renal aguda, algumas doenças


levam a um estado freqüentemente irreversível da função renal, com destruição progressiva
do parênquima renal.
Essa destruição resulta em uma hipertrofia funcional e estrutural dos néfrons
remanescentes, predispondo eventualmente o desenvolvimento de esclerose glomerular e,
conseqüentemente, insuficiência renal terminal.

Figura 1 - Redução característica no tamanho dos rins, que apresentam superfície irregular resultante
da esclerose total de alguns glomérulos, na insuficiência renal crônica

A insuficiência renal é mais comum entre os negros do que entre os brancos.


Antigamente, a principal causa de insuficiência renal crônica era a
glomerulonefrite. Devido ao tratamento mais agressivo da glomerulonefrite, todavia, o
diabetes mellitus e a hipertensão ocupam a primeira posição atualmente.
Uremia é o nome genericamente dado à síndrome clínica resultante da perda da
função renal.
Originalmente, esse termo foi adotado devido a retenção de uréia no sangue.
Contudo, uma variedade de outros produtos metabólicos e endócrinos também são retidos
e, desta forma, a uremia refere-se a uma constelação de sinais e sintomas associados a
insuficiência renal.
A gravidade dos sinais e sintomas de uremia variam de paciente para paciente,
dependendo, pelo menos em parte, da magnitude da redução do parênquima renal e da
velocidade da redução da função renal.
Inicialmente, quando o ritmo de filtração glomerular (RFG) está reduzido para
cerca de 35 a 50% do normal, a função renal global ainda é suficiente para manter o
paciente assintomático.
Quando o ritmo de filtração glomerular diminui para 20 a 35% do normal,
ocorre azotemia e as manifestações iniciais da insuficiência renal começam a aparecer.
Apesar dos pacientes estarem relativamente assintomáticos nesse estágio, a reserva renal
está diminuída o suficiente para que frente a um estresse súbito, tal como infecção,
NEFROLOGIA - 113

obstrução urinária, desidratação, crise hipertensiva ou uso de drogas nefrotóxicas, os sinais


e sintomas de uremia possam se tornar evidentes.
Com a intensificação da doença (RFG abaixo de 20 a 25% do normal), o
paciente desenvolve insuficiência renal manifesta.
A uremia pode ser vista como o estágio final de um processo inexorável,
quando muitas ou todas as manifestações da insuficiência renal crônica tornam-se
evidentes clinicamente.

Características da uremia

Bioquímica
A descoberta de que o soro de pacientes com uremia apresenta
efeitos tóxicos sobre o organismo levou a realização de diversas pesquisas para se tentar
identificar os agentes responsáveis.
Descobriu-se, então, que os principais responsáveis por esses
efeitos são os produtos do metabolismo proteico e de aminoácidos, dentre os quais a uréia
é, quantitativamente, o mais importante.
Ao contrário dos lipídeos e dos carboidratos que podem ser
metabolizados em dióxido de carbono e água, substâncias que são facilmente excretadas
pelos pulmões e pele, os produtos do metabolismo proteico e de aminoácidos dependem
amplamente dos rins para sua excreção.
Outros produtos metabólicos que são possíveis toxinas urêmicas
incluem os uratos e outros produtos do metabolismo do ácido nucleico, aminas alifáticas,
uma variedade de peptídeos e, finalmente, vários derivados dos aminoácidos aromáticos
(triptofano, tirosina e fenilalanina).
A patogênese dessas substâncias ainda não está esclarecida.
Apesar de provavelmente não ser responsável por toda a
toxicidade urêmica, a uréia está intimamente relacionada a algumas anormalidades
clínicas, incluindo anorexia, astenia, vômitos e dor de cabeça.
Além disso, o nível plasmático de vários hormônios polipeptídeos
(incluindo o hormônio paratireóideo, insulina, glucagon, hormônio do crescimento,
hormônio luteinizante e prolactina) aumentam na insuficiência renal.
O hormônio paratireóideo pode ser uma importante toxina
urêmica.

Fisiopatologia
A retenção de todas essas toxinas na insuficiência renal crônica é
responsável, pelo menos em parte, por alterações na composição dos fluidos intra e
extracelulares, principalmente devido a redução no transporte de sódio para fora das
células pela bomba Na+/K+-ATPase.
Esse defeito no transporte iônico das células leva a um aumento
anormal na concentração intracelular de sódio e uma redução na concentração de potássio.
A retenção intracelular de sódio é a principal responsável pela
expansão do volume intracelular nos pacientes com uremia, mas a redução na sua excreção
renal também resulta em expansão do volume extracelular.
A despeito da redução intracelular de potássio, o potássio sérico é
geralmente normal ou elevado principalmente em decorrência da acidose metabólica, que
produz um efluxo de potássio do interior das células.
NEFROLOGIA - 114

Com o desenvolvimento de astenia, anorexia, náuseas, vômitos e


diarréia, os pacientes com insuficiência renal crônica podem desenvolver uma desnutrição
proteico-calórica com balanço negativo de nitrogênio, produzindo uma intensa perda dos
tecidos magros e dos depósitos gordurosos.
Contudo, devido a tendência em reter sal e água, essas perdas
passam freqüentemente despercebidas até os estágios finais da insuficiência renal crônica.
A atividade da bomba Na+/K+-ATPase nas membranas celulares é
a principal responsável pela produção de energia basal no indivíduo normal. Assim, a
redução na atividade dessa bomba nos pacientes urêmicos também pode resultar em
hipotermia, com um reajuste da temperatura normal de 37o C para até 35,5o C.
Essa observação possui importância prática na avaliação da febre
em pacientes com insuficiência renal crônica, pois uma temperatura de 37o C pode indicar
uma grave infecção aguda, que exige antibioticoterapia apropriada.
Quanto ao metabolismo dos carboidratos, devemos dizer que a
habilidade em metabolizar a glicose está diminuída nos pacientes com insuficiência renal
crônica.
A glicemia de jejum, todavia, é geralmente normal ou somente
discretamente elevada. Raramente, pode haver hiperglicemia grave e/ou cetose. Por isso, a
intolerância a glicose da insuficiência renal crônica não necessita de tratamento específico.
Como a insulina necessita amplamente dos rins para sua remoção
e degradação, os níveis de insulina plasmática geralmente encontram-se elevados.
Conseqüentemente, há uma redução do número de receptores insulínicos (“down-
regulation”) e a resposta dos pacientes com insuficiência renal crônica a administração
endovenosa de insulina também encontra-se alterada.
A intolerância a glicose dos pacientes urêmicos resulta, em
grande parte, dessa resistência periférica a ação da insulina. Outros possíveis fatores que
contribuem para isso são o déficit intracelular de potássio, a acidose metabólica, aumento
nos níveis de glucagon, catecolaminas, hormônio do crescimento e prolactina, assim como
a miríade de potenciais metabólitos tóxicos presentes na insuficiência renal crônica.
Com relação ao metabolismo lipídico, geralmente há
hipertrigliceridemia e diminuição nos níveis de HDL nos pacientes urêmicos, enquanto a
concentração total de colesterol comumente é normal.

Manifestações clínicas

A insuficiência renal crônica está associada a uma constelação de


sinais e sintomas com ou sem redução do débito urinário, mas sempre com elevação dos
níveis séricos de uréia e creatinina.
A diferenciação entre a insuficiência renal aguda e a insuficiência
renal crônica pode ser difícil. A história clínica é útil na maioria das vezes, particularmente
quando a função renal era normal antes do episódio atual. O exame físico e os achados
laboratoriais não auxiliam muito no diagnóstico diferencial.
A principal característica da insuficiência renal crônica é a redução
do tamanho dos rins pelos métodos de imagem. Na ausência desse sinal, a biópsia renal
pode ser necessária para o diagnóstico.
NEFROLOGIA - 115

D istúrbios hidroeletrolíticos
Em todos os pacientes com insuficiência renal crônica estabilizada,
o sódio corporal total e o volume de água estão modestamente aumentados. Apesar disso, a
expansão do volume extracelular pode não ser visível.
A ingestão de quantidades excessivas de sal, contudo, pode agravar
ou contribuir para a instalação de insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão, ascite e
edema.
Por outro lado, hiponatremia e ganho de peso são as principais
conseqüências de uma ingestão excessiva de água.
Como esses pacientes têm um mecanismo renal para a conservação
de sódio e água alterado, quando eles perdem líquido por vômitos, diarréia, etc., pode-se
desenvolver depleção de volume, com secura da boca e de outras mucosas, tontura,
síncope, taquicardia, hipotensão ortostática e colapso vascular.
Essa depleção de volume em geral perturba a função residual do
rim e os pacientes previamente estabilizados ou assintomáticos tornam-se sintomáticos,
com sinais e sintomas de uremia.
Nesses casos, uma cuidadosa reposição de volume deve ser feita no
sentido de reestabilizar a função renal.
Distúrbios no balanço do potássio podem ser encontrados nos
pacientes com insuficiência renal crônica, mas eles raramente são responsáveis por
sintomas clínicos, a menos que uma carga de potássio endógena (hemólise, trauma,
infecção) ou exógena seja administrada.
A despeito da progressão da insuficiência renal, a maioria dos
pacientes mantém um nível sérico de potássio normal até os estágios finais da uremia.
Essa habilidade em manter um balanço de potássio na insuficiência
renal avançada ocorre devido a adaptações nos túbulos renais distais e no cólon, onde a
aldosterona e outros fatores atuam aumentando a excreção de potássio.
Assim, a oligúria ou um distúrbio nesses mecanismos adaptativos
podem resultar em hipercalemia.
Na insuficiência renal crônica, outra causa comum de hipercalemia
é a diminuição abrupta do pH arterial, pois a acidose está associada ao efluxo de K+ do
interior das células.
Algumas drogas devem ser utilizadas com muito cuidado nos
pacientes com insuficiência renal. Dentre elas, destacam-se a espironolactona, o
triamtereno e o amiloride.
Quando não houver evidências de oligúria, acidose ou aumento na
ingesta de potássio, o hipoaldosteronismo deve ser considerado como uma possível causa
da hipercalemia.
Quando ocorre hipocalemia, a dieta pobre em K+, geralmente
associada a diuréticos ou perdas gastrointestinais, é a provável causa subjacente.
Na insuficiência renal crônica, a incapacidade dos rins em sintetizar
a 1,25-dihidroxivitamina D resulta em hipocalcemia.
A concentração sérica de fosfato, por sua vez, aumenta a medida
que o ritmo de filtração glomerular cai para cerca de 25% do normal.
Como a deposição de cálcio nos ossos é dependente dos níveis de
fosfato, a retenção plasmática de fosfato facilita a entrada de cálcio nos ossos e, desta
forma, contribui para a hipocalcemia e para a elevação dos níveis plasmáticos de
paratormônio, com eventual hiperplasia das glândulas paratireóides.
NEFROLOGIA - 116

Figura 2 - Comparação macroscópica entre uma glândula paratireóide normal (a


esquerda) e uma glândula paratireóide com hiperplasia (a direita)

A despeito da hipocalcemia, raramente ocorre tetania.


A superprodução de hormônio paratireóideo, o distúrbio no
metabolismo da vitamina D, a perda excessiva de cálcio nas fezes e a acidose metabólica
crônica contribuem para o desenvolvimento de diversas doenças ósseas, denominadas
genericamente por osteodistrofias renais.
Dentre elas, destacam-se a osteíte fibrosa, a osteomalácia, a
osteoporose, a osteosclerose e, principalmente em crianças, distúrbios do crescimento.
Apesar de, clinicamente, as osteodistrofias manifestarem-se em
apenas 10% dos pacientes não-tratados com insuficiência renal avançada, pode-se observar
alterações histológicas e radiológicas em, respectivamente, 90 e 35% dos pacientes.
O tratamento da osteodistrofia renal inclui redução na ingestão de
fosfato e administração de agentes quelantes de fosfato, tais como o carbonato de cálcio e o
hidróxido de alumínio. O carbonato de cálcio tem preferência devido aos efeitos
potencialmente tóxicos do alumínio.
Esse tratamento deve iniciar precocemente na insuficiência renal
crônica no sentido de prevenir o desenvolvimento de hiperparatireoidismo e osteopatias.
Também pode haver calcificação metastática dos tecidos moles.
Outros distúrbios hidroeletrolíticos incluem hiperuricemia e
hipermagnesemia.

D istúrbio ácido-básico
Na doença renal crônica, ocorre acidose metabólica quando a
ingestão exógena e a produção endógena de ácido excedem a sua excreção renal.
Na acidose metabólica crônica, são envolvidos os mecanismos
extra-renais de tamponamento, incluindo os sais ósseos e os tampões intracelulares.
A perda das reservas de tampão ósseo contribui para o
desenvolvimento da osteodistrofia renal.
Esta acidose metabólica crônica é bem tolerada pela maioria dos
pacientes com insuficiência renal crônica, provavelmente refletindo seu lento
desenvolvimento e a compensação respiratória.
Entretanto, a reserva total de tampão é limitada, de forma que
estímulos ácido-básicos agudos (cetoacidose, septicemia) podem causar agravamento
substancial da acidose metabólica.
NEFROLOGIA - 117

D istúrbios cardiovasculares e pulmonares


A retenção de líquidos na uremia freqüentemente resulta em
insuficiência cardíaca e/ou edema pulmonar.
Uma forma única de congestão pulmonar e edema pode ocorrer
mesmo na ausência de sobrecarga de volume e está associada a uma pressão pulmonar e
intracardíaca normal ou levemente elevada.
Essa entidade, caracterizada radiologicamente por congestão
vascular peri-hilar (aspecto em “asa de borboleta”), decorre do aumento da permeabilidade
da membrana capilar alveolar e responde imediatamente ao tratamento dialítico vigoroso.
A hipertensão arterial é a complicação mais comum das nefropatias
terminais. Quando ela está ausente, o paciente geralmente está recebendo tratamento anti-
hipertensivo ou tem depleção de volume.

Antigamente, era maior a


ocorrência de pericardite devido aos
efeitos das toxinas metabólicas sobre o
pericárdio. Atualmente, porém, devido
ao início precoce da diálise, a
incidência de pericardite diminuiu
bastante e, quando presente,
geralmente está associada a infecções
virais ou doenças sistêmicas.
A apresentação clínica da
pericardite urêmica é semelhante
àquelas de outra etiologia, com a
exceção de que as efusões são
Figura 3 - Pericardite urêmica comumente hemorrágicas. Geralmente
ocorre dor intensa, que piora com a
respiração, associada a atrito pericárdico. Pode haver tamponamento com sinais de redução
da pressão arterial e da pressão de pulso, elevação da pressão venosa jugular e deficiência
da perfusão das extremidades.
O tratamento intensivo com diálise é recomendado e a
anticoagulação sistêmica deve ser evitada para minimizar a ocorrência de tamponamento
hemorrágico.
Se houver tamponamento, pode ser necessária intervenção
cirúrgica. A ecografia bidimensional pode ser muito útil na documentação da magnitude do
derrame pericárdico e na avaliação de seu significado funcional.
Os pacientes em diálise crônica apresentam uma grande incidência
de aterosclerose, resultando em manifestações vasculares coronarianas, cerebrais e
periféricas.

As principais causas dessa


complicação incluem a hipertensão, hiperlipidemia,
intolerância a glicose e calcificação metastática vascular e
miocárdica.
A anormalidade mais característica
dos lipídios é a elevação das concentrações de
triglicerídeos com níveis plasmáticos de colesterol
normais ou discretamente elevados.
Figura 4 - Calcificação vascular
metastática
NEFROLOGIA - 118

A causa da hipertrigliceridemia na insuficiência renal crônica é


desconhecida, mas as evidências atuais favorecem um defeito na remoção dos
triglicerídeos e não um aumento da sua produção.

D istúrbios hematológicos
Uma anemia normocrômica e normocítica geralmente está presente
e contribui para a sintomatologia da insuficiência renal crônica.
Ela decorre da diminuição da eritropoese, produzida tanto pela
presença de toxinas na medula óssea quanto pela redução na biossíntese de eritropoetina
pelos rins doentes ou pela presença de inibidores da eritropoetina.
A administração de eritropoetina recombinante humana resulta em
uma melhora dramática nos níveis de hematócrito e hemoglobina.
As transfusões podem contribuir para a supressão da eritropoese na
insuficiência renal crônica e, devido também ao risco aumentado de hepatite e
hemossiderose, devem ser evitadas até que a anemia não responda mais a administração de
eritropoetina.
A intoxicação por alumínio também pode ser responsável por uma
anemia microcítica.
Um quadro de hemostasia anormal é comum na insuficiência renal
crônica, caracterizado por tendência ao sangramento anormal (epistaxe, menorragia,
hemorragia) e escoriações.
Alterações na função e na formação dos leucócitos predispõem ao
desenvolvimento de infecções.
As alterações nas barreiras mucosas também podem aumentar a
susceptibilidade a infecções e, nos pacientes em diálise, os acessos vasculares são portas de
entrada comuns para os patógenos, principalmente os estafilococos.
Os glicocorticóides e os imunossupressores são fatores adicionais
ao risco de infecção.
Os pacientes com insuficiência renal crônica têm uma tendência a
apresentar uma resposta febril menos intensa devido a freqüente presença de hipotermia.
A resposta quimiotática de leucócitos polimorfonucleares também
pode apresentar-se deprimida.

D istúrbios neuromusculares
Mudanças súbitas na função do sistema nervoso central, incluindo a
inabilidade em se concentrar, hipersonia e insônia, estão entre os sintomas iniciais de
uremia.
Então, surgem alterações comportamentais, perda de memória e
erros de julgamento, que podem estar associados a irritabilidade neuromuscular, com
soluços, cãibras e fasciculação muscular.
Asterixe, mioclonia e coréia são comuns na uremia terminal, assim
como torpor, convulsões e coma.
Muitos desses distúrbios neuromusculares melhoram com a diálise,
apesar de que alterações eletroencefalográficas podem persistir.
É comum haver neuropatia periférica na insuficiência renal crônica.
Inicialmente, ocorre um predomínio no envolvimento sensorial dos membros inferiores
sobre os membros superiores e das extremidades distais sobre as proximais.
NEFROLOGIA - 119

A síndrome da perna inquieta caracteriza-se por sensações mal


definidas de desconforto na porção distal dos membros inferiores e freqüente
movimentação das pernas.
Se a diálise não for instituída logo após o início das anormalidades
sensitivas ocorre envolvimento motor, com perda dos reflexos tendinosos profundos,
fraqueza, paralisia do nervo fibular (“pé caído”) e, eventualmente, quadriplegia flácida.
Desta forma, a evidência de neuropatia periférica é uma indicação
imediata de diálise ou transplante renal.
Dois tipos de distúrbios neurológicos parecem ser restritos aos
pacientes em diálise, a demência por diálise e o desequilíbrio por diálise.
A primeira caracteriza-se por dispraxia da fala, mioclonia,
demência e, eventualmente, convulsões e morte. A intoxicação por alumínio é
provavelmente a maior responsável por esta síndrome.
O desequilíbrio por diálise ocorre durante as primeiras seções de
diálise e está associado às rápidas reduções nos níveis sangüíneos de uréia. Seus sintomas
incluem náuseas, vômitos, dor de cabeça e até mesmo convulsões e decorrem da redução
na osmolaridade dos líquidos extracelulares, levando ao edema cerebral e ao aumento da
pressão intracraniana.

D istúrbios gastrointestinais
Anorexia, soluços, náuseas e vômitos são sintomas precoces da
uremia.
O hálito urêmico, de odor semelhante ao da urina, origina-se a
partir da quebra da uréia, pela saliva, em amônia, e está freqüentemente associado a
halitose.

Podem ocorrer ulcerações com


sangramento em qualquer altura do trato
gastrointestinal nos estágios avançados da
insuficiência renal crônica (gastroenterite
urêmica). A úlcera péptica está presente em
um quarto dos indivíduos.
Com exceção dos sintomas
relacionados a doença péptica, a maioria
dos sintomas gastrointestinais melhora com
a diálise.

Figura 5 - Gastroenterite urêmica

D istúrbios endócrinos e metabólicos


O metabolismo dos carboidratos geralmente é anormal nos
pacientes com insuficiência renal crônica. A glicemia de jejum é normal ou discretamente
elevada, mas a tolerância à glicose pode ser anormal.
A função da hipófise, tireóide e supra-renais encontra-se
relativamente normal apesar dos distúrbios nos níveis circulantes de hormônio do
crescimento, tiroxina, aldosterona e cortisol.
Nas mulheres, os níveis de estrogênio encontram-se baixos.
Amenorréia e infertilidade são manifestações precoces da uremia.
NEFROLOGIA - 120

Apesar dos ciclos menstruais retornarem após o início da diálise, as


gestações normais são raras.
Nos homens com insuficiência renal crônica, incluindo aqueles em
diálise, a impotência, a oligospermia e a displasia de células germinativas são comuns. Os
níveis plasmáticos de testosterona também encontram-se reduzidos.
Assim como o crescimento, a maturação sexual está
freqüentemente alterada nos adolescentes com insuficiência renal, mesmo naqueles em
diálise crônica.

D istúrbios dermatológicos
As manifestações dermatológicas ocorrem em decorrência da
anemia, dos distúrbios hemostáticos (equimoses e hematomas), da deposição de cálcio e do
hiperparatireoidismo secundário, da desidratação, etc.
O prurido urêmico generalizado é um sintoma constante da
insuficiência renal crônica e, ocasionalmente, é resistente a maioria das formas tópicas ou
sistêmicas de tratamento.
Outras condições dermatológicas incluem uma coloração amarelo-
pálida devida a deposição de “urocromos”, deposição de cristais de uréia na superfície
cutânea através do suor, que evapora deixando na pele um pó fino de coloração branca
(geladura urêmica), etc.

Abordagem do paciente com uremia

Os princípios de abordagem do paciente urêmico são


baseados nos preceitos gerais da medicina interna.
Uma anamnese detalhada é imperativa, com ênfase
especial para os sintomas do trato urinário. Também tem importância especial uma história
completa de doenças sistêmicas, de exposição a toxinas e infecções e de doenças renais na
família.
O exame físico deve enfatizar a pressão arterial,
retina, aparelho cardiovascular, exame renal com ausculta de sopros e palpação, exame
retal para avaliação do tamanho da próstata nos homens, exame ginecológico à procura de
massas pélvicas nas mulheres, exame das extremidades para pesquisa de edema e achados
no leito ungueal e exame neuroesquelético para pesquisar evidências de miopatia,
neuropatia e osteodistrofia.
Os exames laboratoriais devem incluir um
hemograma completo e parcial de urina.
Outros estudos devem determinar se um paciente
possui insuficiência renal aguda reversível, agravamento agudo da insuficiência renal
crônica, resultante de fatores agravantes, ou uma doença progressiva crônica.
É improvável que um indivíduo com doença renal
aguda seja assintomático com elevações dos níveis séricos de creatinina e uréia sangüínea
acima de 10 e 100 mg/dl, respectivamente.
Por outro lado, os pacientes com doença crônica
lentamente progressiva freqüentemente são assintomáticos com elevações muito maiores
de creatinina e uréia.
Na insuficiência renal crônica, o hematócrito tende a
ser menor, a excreção de fosfato é maior e o sedimento urinário geralmente é benigno.
NEFROLOGIA - 121

Entretanto, nenhum desses exames é suficientemente


específico para diferenciar com certeza a insuficiência renal aguda da crônica.
A determinação do tamanho do rim pode ser útil no
estabelecimento da cronicidade da doença renal.
Se os rins apresentam redução significativa de seu
tamanho, isto quase sempre indica cronicidade e irreversibilidade.
O rim de tamanho normal fala a favor de um processo
agudo, embora haja exceções. Os processos renais crônicos nos quais o tamanho do rim
pode ser normal ou maior que o normal incluem doença renal policística, amiloidose,
esclerodermia e diabetes mellitus.
Também é importante diferenciar as causas renais das
extra-renais de azotemia.
Uma vez determinado que a uremia é secundária à
doença do parênquima renal e não de causas extra-renais, o médico deve determinar se há
uma forma tratável de doença no parênquima.
A biópsia renal e a arteriografia podem ser úteis e
freqüentemente são consideradas.
A biópsia renal pode fornecer um diagnóstico
histológico definitivo desde que seja realizada antes que a doença tenha evoluído até um
grau cuja única interpretação morfológica possível seja a de doença renal terminal.
A morbidade e mortalidade associadas são baixas,
mas existe a possibilidade de complicações. Por isso, embora não haja um consenso entre
os nefrologistas, a biópsia só deve ser realizada se o médico estiver seguro de que as
informações que serão obtidas vão influenciar o tratamento.
As contra-indicações para a biópsia renal incluem
tendências hemorrágicas incorrigíveis, hipertensão grave, bacteriúria, suspeita de abscesso
perinefrético, hidronefrose e obesidade extrema.
A biópsia usualmente é mais útil em pacientes com
rins de tamanho normal e doença renal progressiva quando há suspeita de síndrome
nefrótica, colagenoses (principalmente Lúpus Eritematoso Sistêmico), doenças túbulo-
intersticiais ou doença glomerular rapidamente progressiva.
Em geral, apesar da arteriografia renal produzir
excelente visualização do rim, ela possui um valor diagnóstico limitado nos pacientes com
uremia, podendo ser útil nos pacientes com doença renal secundária à hipertensão grave.

Tratamento

A conduta em pacientes com insuficiência renal crônica pode ser dividida em


três categorias distintas:
1. Tratamento dos fatores agravantes;
2. Tratamento de complicações específicas da uremia e
3. Princípios gerais da dieta e do acompanhamento a longo prazo.

Tratamento dos fatores agravantes


Os pacientes com insuficiência renal crônica são muito suscetíveis a fatores
que podem causar uma deterioração da função renal.
Por isso, eles devem ser meticulosamente pesquisados e tratados logo a seguir,
de forma que a insuficiência renal subjacente não seja permanentemente agravada.
NEFROLOGIA - 122

Uma das causas mais comuns do agravamento da função renal em um paciente


com insuficiência renal crônica é a depleção do volume vascular.
Seu tratamento deve ser feito através da reposição de líquido por via oral ou
intravenosa. Os pacientes que não estão em diálise crônica devem ser hospitalizados se
houver qualquer dúvida de que possa ser realizada uma reposição adequada de volume em
base ambulatorial.
Os pacientes com insuficiência renal crônica são freqüentemente tratados com
vários fármacos, dos quais muitos são nefrotóxicos.
É prudente obter uma história detalhada da ingestão de drogas sempre que se
avalia um paciente com agravamento da insuficiência renal. Além disso, é importante uma
posologia apropriada para o nível de função renal a fim de evitar nefrotoxicidade
superposta.
A obstrução aguda ou subaguda do trato urinário pode ter múltiplas causas nos
pacientes com insuficiência renal crônica.
Quando os sintomas clínicos sugerem obstrução, é importante que sejam
tomadas medidas imediatas de diagnóstico e tratamento.
As infecções do trato urinário são significativamente agravadas quando há
obstrução.
Embora a infecção limitada ao trato urinário raramente cause progressão da
insuficiência renal, deve-se dedicar atenção específica à avaliação da proteinúria, piúria e
bacteriúria.
Na presença de infecção deve ser realizada uma cultura de urina e o tratamento
deve ser feito com antibióticos específicos. É preciso ter cuidado para ajustar a dose da
droga ao grau de insuficiência renal.
Os pacientes urêmicos também possuem maior tendência a outras infecções
como pneumonia e septicemia.
Essas infecções sistêmicas podem comprometer o fluxo sangüíneo renal e
resultar em agravamento da uremia.
O índice de suspeita deve ser alto para septicemia em pacientes com
insuficiência renal crônica hipotensos ou na presença de infecção do trato urinário na qual
o nível sérico de creatinina está se elevando.
Muitos pacientes com insuficiência renal crônica são hipertensos.
Assim, é preciso prestar atenção rigorosa ao controle adequado da pressão
arterial nesses pacientes pois eles ocasionalmente desenvolvem hipertensão maligna com
rápida deterioração da função renal.
É imperativo que a pressão arterial seja rapidamente controlada em tais
doentes.
Das anormalidades metabólicas que agravam a progressão da doença renal, as
elevações dos produtos de cálcio e fósforo estão entre as mais comuns.
A elevação do produto cálcio-fósfoto não apenas causa calcificação metastática
dos tecidos moles, mas também pode ser um fator precipitante na progressão da doença
renal.
A suplementação com vitamina D e o uso de carbonato de cálcio como ligante
do fosfato proporcionam razoável controle do produto de cálcio e fósforo.
A monitorização cuidadosa do nível sérico de cálcio e a restrição de fosfato na
dieta também são importantes auxiliares para o tratamento de pacientes com insuficiência
renal crônica.
NEFROLOGIA - 123

Tratamento das complicações específicas da uremia


 Distúrbios hidroeletrolíticos
Como até mesmo a depleção leve de volume
pode afetar adversamente a função renal em pacientes com insuficiência
renal crônica, é prudente mantê-los num estado de certa expansão de
volume.
A hipertensão arterial e o edema pulmonar
são fatores limitantes, mas ainda é mais prejudicial manter um paciente
completamente sem edema.
Se um paciente desenvolver sintomas de
hipotensão ortostática, a ingestão de sal deve ser liberada. O ideal é que a
ingestão de sal na dieta seja reduzida proporcionalmente à redução do ritmo
de filtração glomerular.
Se o paciente apresentar expansão de
volume, fica indicado o uso de diuréticos, como o furosemide isolado ou
associado a tiazida, supondo-se que a função renal subjacente é suficiente
para permitir uma resposta clínica satisfatória a esses fármacos.
Caso não haja resposta às técnicas
convencionais, é indicada a diálise peritoneal aguda ou hemodiálise.
A hiponatremia e a hipernatremia são
tratadas com os mesmos princípios gerais de restrição hídrica ou
administração de água livre como em qualquer outro paciente.
A hiponatremia fatal, neurologicamente
sintomática, pode exigir a administração de cloreto de sódio hipertônico,
mas a expansão do volume resultante pode, então, exigir diálise aguda.
Na hipercalemia, concentrações séricas de
potássio de até 6 mEq/L são bem toleradas pelos pacientes com
insuficiência renal crônica.
Entretanto, esses pacientes têm dificuldade
em excretar uma carga aguda de potássio.
Por isso, concentrações de potássio acima de
6 mEq/L exigem tratamento.
Se a hipercalemia for moderada e apresentar
algum fator agravante, o tratamento deve ser direcionado para a correção de
sua origem. A interrupção de suplementos orais de potássio e a restrição de
potássio da dieta são etapas iniciais racionais.
Entretanto, se a hipercalemia for grave, pode
haver fraqueza do músculo esquelético e alterações eletrocardiográficas.
Esta situação representa uma emergência clínica e exige transferência
intracelular imediata de potássio e rápida remoção de potássio do corpo.

 Distúrbios cardiovasculares
A hipertrigliceridemia e hipertensão são os
fatores de risco primários que levam à aterosclerose acelerada e a alta
mortalidade cardiovascular.
Não está claro se o curso da doença vascular
aterosclerótica em pacientes com insuficiência renal crônica pode ser
alterado. Mesmo os pacientes que foram submetidos a um transplante renal
NEFROLOGIA - 124

bem sucedido parecem possuir uma maior incidência de mortes


cardiovasculares.
Todavia, parece aconselhável aderir os
pacientes com insuficiência renal crônica aos mesmos princípios dietéticos
dos pacientes com hipertrigliceridemia sem insuficiência renal crônica.
Se são usados clofibrate ou inibidores da
síntese do colesterol, a dose deve ser reduzida proporcionalmente ao grau de
insuficiência renal para evitar efeitos adversos.
Como a sobrecarga de volume é a principal
causa de hipertensão no estado urêmico, um dos objetivos primários é
reduzir o volume intravascular, uma conduta que é suficiente para controlar
a hipertensão na maioria dos pacientes.
O excesso de líquido pode ser removido por
ultrafiltração em pacientes em diálise. Também pode-se utilizar diuréticos,
dos quais o furosemide e a bumetamida são os preferidos devido a sua
eficácia.
Se a contração de volume não for suficiente,
os mesmos princípios gerais aplicados a qualquer outro paciente com
hipertensão pode ser aplicada.
Podem ser necessárias outras drogas, como
os bloqueadores dos canais de cálcio, vasodilatadores e beta-bloqueadores.
Foi demonstrado que os inibidores orais da enzima de conversão da
angiotensina são particularmente úteis em alguns casos.
Existe um número extremamente pequeno de
pacientes com hipertensão maligna que não podem ser controlados por
qualquer esquema clínico. Esses pacientes podem responder à nefrectomia
bilateral.
O diagnóstico de pericardite urêmica exige
hospitalização e tratamento devido ao risco de tamponamento cardíaco
iminente.
O melhor tratamento inicial é a diálise diária
durante aproximadamente uma semana. A indometacina não é eficaz na
pericardite urêmica.
Se a pericardite permanece refratária ao
aumento da freqüência de diálise, a injeção intrapericárdica de esteróides
inabsorvíveis pode ser terapêutica.
Alguns pacientes exigirão pericardiectomia
parcial se desenvolverem comprometimento circulatório que não responde a
tratamento clínico.

 Distúrbios hematológicos
A anemia da insuficiência renal crônica
comumente melhora com a hemodiálise de manutenção ou com a
administração de eritropoetina.
Como esses pacientes geralmente apresentam
deficiência de ferro, principalmente aqueles em diálise, deve-se administrar
ferro suplementar.
Não existe consenso sobre a freqüência ou a
posologia, e há a possibilidade de sobrecarga de ferro com hemossiderose e
ocasional reação anafilactóide ao dextrano com ferro intravenoso.
NEFROLOGIA - 125

A maioria dos pacientes com insuficiência renal


crônica não apresenta deficiência de folato, exceto se estiverem recebendo
tratamento de diálise de manutenção. É aconselhável a suplementação
rotineira com folato.
As alterações na hemostasia podem ser
revertidas pelo uso de desmopressin, crioprecipitados, estrogênios
conjugados e transfusões sangüíneas, assim como pelo uso de eritropoetina.
Na presença de infecções, o uso de antibióticos
deveria ser ajustado pela monitorização da sua concentração sérica.
Entretanto, como isso freqüentemente não é possível, após uma dose de
ataque normal inicial, a posologia deve ser ajustada para o grau de
insuficiência renal, caso o antibiótico for excretado pelos rins.
Se as sensibilidades a drogas permitirem uma
escolha no tratamento de determinada infecção, o médico deve escolher o
antibiótico terapêutico menos nefrotóxico.

 Distúrbios neuromusculares
Não existe tratamento específico para a
neuropatia central ou periférica.
Entretanto, pode haver melhora objetiva e
subjetiva através do prolongamento dos períodos de diálise e pelo uso de
dialisadores com maior área superficial.
Foi observada uma melhora gratificante da
neuropatia periférica após transplante renal bem-sucedido, mesmo em
pacientes que estavam bem dialisados antes do transplante.
Da mesma maneira, não existe tratamento
específico da miopatia.
Os pacientes podem melhorar muito com
diálise adequada.
Alguns deles apresentam melhora da
miopatia após tratamento com análogos ativos da vitamina D e
suplementação nutricional agressiva.
A eritropoetina possui um efeito anabólico
generalizado que pode ser muito útil neste caso.
Alguns pacientes com hiperparatireoidismo
secundário podem beneficiar-se com a paratireoidectomia.

 Distúrbios metabólicos
As anormalidades do metabolismo dos
carboidratos no paciente não-diabético possuem pequeno ou nenhum
significado clínico.
No paciente diabético, as doses de insulina devem
ser ajustadas para manter normais os níveis séricos de glicose. Geralmente,
menores doses de insulina serão adequadas à medida que a insuficiência
renal crônica evolui.
Pode desenvolver-se hipoglicemia manifesta em
um pequeno número de pacientes com insuficiência renal crônica.
Embora os níveis de ácido úrico estejam
constantemente elevados nessa doença, eles raramente estão muito acima de
10 mg/dl.
NEFROLOGIA - 126

Há poucas evidências sugerindo que a


hiperuricemia assintomática deve ser tratada.
Níveis elevados de ácido úrico em pacientes
uricêmicos só devem ser tratados quando há depósitos tofáceos ou gota
sintomática.
Se for eleito tratamento, o alopurinol é a droga de
escolha, pois os pacientes com insuficiência renal crônica não respondem a
agentes uricosúricos. Devido aos potenciais efeitos colaterais tóxicos, a dose
de alopurinol deve ser reduzida, não excedendo 100 mg/dia em pacientes
com uremia crônica.

 Distúrbios dermatológicos
Nenhum tratamento específico resistiu ao teste
do tempo na terapia do prurido.
Alguns pacientes obtêm alívio após aplicação
tópica de óleos emulsificados ou o uso de anti-histamínicos orais.
Certos pacientes beneficiaram-se da redução da
concentração sérica de fosfato por diálise mais eficaz e restrição de fosfato.
A paratireoidectomia algumas vezes aliviou o
prurido intratável.

Princípios gerais da dieta e do acompanhamento a longo prazo


Uma dieta apropriada pode ser muito importante no tratamento dos pacientes
com insuficiência renal crônica, pois pode proporcionar melhora sintomática e reduzir a
velocidade de perda da função renal residual.
Alguns princípios gerais podem ser aplicados a todos os pacientes.
A redução do teor de proteína na dieta diminui a uréia sangüínea e reduz os
sintomas da síndrome urêmica.
Além disso, as dificuldades no controle do fósforo sérico e da acidose são
superadas, pois uma elevada ingestão de proteínas está sempre associada a uma elevada
ingestão de fosfatos, assim como de outros íons inorgânicos.
Entretanto, a ingestão de proteínas não deve ser inferior a 0,6 gramas de
proteína por quilograma de peso corporal por dia, pois pode haver desnutrição proteica
com perda da força, do peso corporal e da massa muscular.
No mínimo 60% das proteínas ingeridas devem ser ricas em aminoácidos
essenciais. Tais proteínas incluem os ovos, carnes magras e leite.
As dietas devem ser suplementadas com as vitaminas B hidrossolúveis mais
vitamina C e ácido fólico. Não há necessidade de suplemento de vitamina A ou E. A
vitamina D deve ser reservada para o tratamento da osteodistrofia renal grave.
Em geral, o sódio da dieta não deve ser intensamente restrito, exceto se houver
hipertensão ou edema.
Enquanto o volume de urina excretado for maior que 1 litro por dia, raramente
é preciso restringir o potássio da dieta.
Com o uso dessas orientações, os sintomas urêmicos e as conseqüências da
insuficiência renal podem ser controlados na maioria dos pacientes.
Quanto se torna necessária uma hemodiálise crônica, a dieta deve ser alterada
para atender às carências adicionais relacionadas ao tratamento com diálise.
Quanto ao acompanhamento, os pacientes com insuficiência renal crônica
devem ser avaliados a intervalos regulares para monitorização da evolução de sua doença.
NEFROLOGIA - 127

Todos os pacientes devem ser avaliados no mínimo a cada 3 meses, quando é


colhida uma história clínica e realizado um exame físico. Também devem ser determinados
alguns valores laboratoriais, incluindo hematócrito, contagem de leucócitos, concentrações
séricas de uréia e creatinina, e eletrólitos.
A monitorização da evolução da insuficiência renal geralmente é realizada
através da medida da concentração sérica de creatinina e da avaliação da taxa de filtração
glomerular.
Na maioria dos pacientes, a perda da função renal evolui de forma constante.
Quando a concentração sérica de creatinina atinge um valor de 10 mg/dl ou
mais, está próximo o momento em que a diálise torna-se necessária.
Todavia, a secreção de creatinina pode ser relativamente mantida mesmo
quando a taxa de filtração glomerular se reduz, de modo que a concentração sérica de
creatinina pode superestimar a taxa de filtração glomerular “verdadeira”.
Portanto, existem amplas variações entre pacientes individuais com
insuficiência renal crônica quando os valores séricos de creatinina são comparados com a
taxa de filtração glomerular.
Essas considerações eliminam qualquer relação absoluta entre o nível sérico de
creatinina e a necessidade de diálise.
Apesar disso, no paciente individual, a concentração sérica de creatinina é o
marcador disponível mais rapidamente para acompanhamento da evolução da insuficiência
renal.
NEFROLOGIA - 128

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Nefrologia
Nefrites hereditárias

Introdução

As nefrites hereditárias são um grupo de nefropatias hereditárias que


apresentam diferentes padrões de herança e diferentes ritmos de progressão.
A doença renal, manifestada por traços microscópicos de hematúria e
proteinúria, está presente e é geralmente leve ao nascimento mas, principalmente nos
homens, pode progredir para uma insuficiência renal terminal caso o paciente não seja
tratado.
Algumas crianças com nefrite hereditária podem apresentar associadas outras
malformações hereditárias progressivas do cristalino, outras doenças ópticas ou hipoacusia
neurossensorial.
Desde a sua descoberta até a década de sessenta, as nefrites hereditárias eram
consideradas extremamente raras mas, atualmente, sabe-se que cerca de uma em cada
5.000 pessoas é portadora de uma dessas doenças.
As nefrites hereditárias são responsáveis, hoje, pode cerca de 3% das
nefropatias terminais em crianças, 3 a 5% delas nos homens e por apenas uma pequena
fração nas mulheres.

Síndrome de Alport

Esta doença foi relatada pela primeira vez em 1875 por Dickinson,
que descreveu um tipo de hematúria familiar em três gerações de uma mesma família.
Em 1927, Alport acrescentou outras características a ela, incluindo
albuminúria, azotemia e hipoacusia, motivo pelo que foi creditado a ele o nome desta
síndrome.
A síndrome de Alport é a mais bem conhecida das nefrites
hereditárias. Ela é freqüentemente diagnosticada em crianças ou adultos jovens e afeta
principalmente o sexo masculino. Provavelmente não há predisposição quanto a raça ou a
distribuição geográfica.
Os critérios para o diagnóstico da síndrome de Alport variam em
diversos estudos e é difícil definir exatamente quais os sinais e sintomas que essa doença
deve incluir.
Alport não realizou estudos histológicos e a doença parece ter
desaparecido espontaneamente na família originalmente descrita por ele, pois nenhum caso
novo de nefrite foi descoberto nessa família desde então.
Sua principal característica é a hematúria crônica macroscópica ou
microscópica, que é geralmente exacerbada por exercícios físicos, infecções inespecíficas
ou gravidez. A hematúria pode ser acompanhada por dor em flanco ou um vago
desconforto abdominal.
Outros achados incluem cilindros eritrocitários, proteinúria de grau
variável, perda progressiva da audição e insuficiência renal lentamente progressiva.
A hipoacusia neurossensorial, principalmente para os sons de alta
freqüência, ocorre mais comumente nos pacientes do sexo masculino e pode ser detectada
somente na audiometria.
NEFROLOGIA - 129

A função renal desses pacientes pode permanecer normal por anos


mas inexoravelmente evolui para insuficiência renal.
Bacteriúria e infecções do trato urinário podem ser encontradas, mas
achados radiológicos de pielonefrite bacteriana crônica e nefropatia por refluxo não são
encontradas, de modo que esses achados, na ausência de hematúria, devem sugerir outro
diagnóstico.
A hipertensão arterial leve geralmente é uma complicação tardia.
Diversos outros achados também podem estar presentes, tais como
anormalidades oculares (miopia, retinite pigmentosa, amaurose, lentícone e esferofacia),
trombocitopatia, inclusões leucocitárias e leiomiomatose.
Além disso, outras anormalidades que foram esporadicamente
relatadas incluem hiperprolinemia e disfunção cerebral, hipoparatireoidismo e
aminoacidúria.
Alguns estudos demonstraram variados modos de herança para a
síndrome de Alport, incluindo herança autossômica dominante, herança ligada ao
cromossoma X e transmissão autossômica recessiva.
A insuficiência renal parece estar preferencialmente relacionada a
herança ligada ao cromossoma X.
Nesse tipo de herança, filhos do sexo masculino de homens afetados
não herdam a doença, enquanto mulheres portadoras transmitem a doença para cerca de
metade dos seus filhos, independente do sexo.
Outra característica importante é que esta doença é geralmente leve e
se manifesta parcialmente nas mulheres enquanto que, nos homens, ela é freqüentemente
grave e se manifesta totalmente.
Além disso, demonstrou-se que alguns homens desenvolvem
nefropatia
terminal na infância ou adolescência, enquanto outros desenvolvem-na mais tardiamente.
Assim, subdividiu-se a síndrome de Alport em tipo juvenil, na qual os
indivíduos desenvolvem nefropatia terminal antes dos 31 anos de idade; e tipo adulto,
quando o seu desenvolvimento ocorre acima dos 31 anos.
Existe também uma classificação que subdivide esta síndrome em
tipos I, II, III, IV, V, VI e indeterminado, dependendo da forma de transmissão, tipo
juvenil ou adulto e outras anormalidades associadas.
Essa diversidade de fenótipos e de modos de herança reflete a
heterogeneidade genética da síndrome de Alport.
O diagnóstico pode ser feito através de uma história mórbida atual e
familiar cuidadosa, e através do exame do sedimento urinário para a detecção de
hematúria.
Cilindros eritrocitários e proteinúria podem estar presentes, mas sua
ausência não descarta o diagnóstico.
O quadro típico é o de uma criança com hematúria inexplicada ou de
um adolescente ou homem de meia idade com nefropatia terminal e com uma vaga história
de doença renal nos irmãos ou parentes do lado materno.
Exames genéticos específicos são promissores para o diagnóstico
futuro das nefrites hereditárias.
Deve ser assinalado que outras condições hereditárias também podem
estar associadas com várias combinações de hematúria, proteinúria, etc., incluindo a
doença de Fabry, a síndrome unha-patela, doença falciforme, síndrome urticária-surdez-
amiloidose, amiloidose, doença policística renal, doença renal medular cística e
lipodistrofia progressiva parcial ou total.
NEFROLOGIA - 130

Histopatologicamente, os achados da microscopia óptica são variados


e inespecíficos, e o diagnóstico histológico é feito principalmente pela microscopia
eletrônica e pela imunofluorescência indireta.
Apesar da síndrome de Alport ser considerada como uma doença
glomerular, no início do curso da doença alguns paciente podem apresentar-se sem
qualquer anormalidade detectável à microscopia óptica. Outros apresentam uma
proliferação focal e segmentar e um aumento na matriz mesangial.
Pode ocorrer persistência do glomérulo embrionário em cerca de um
quarto dos pacientes, especialmente naqueles menores de 10 anos. A medida que a doença
progride, os glomérulos sofrem esclerose segmentar e, posteriormente, total.

Figura 1 - Microscopia óptica da síndrome de Alport demonstrando esclerose glomerular


parcial e total

As alterações tubulares e intersticiais geralmente ocorrem


paralelamente as do glomérulo. Quanto maior o número de glomérulos que sofrem
esclerose, maiores os graus de atrofia tubular e fibrose intersticial.
Freqüentemente, há um infiltrado inflamatório intersticial misto nos
casos avançados.
Em alguns casos, as células epiteliais glomerulares e tubulares
adquirem uma aparência espumosa provavelmente pela fagocitose de gorduras neutras,
mucopolissacarídeos, colesterol e fosfolipídeos pelos macrófagos.
Essas células também podem ser encontradas em uma variedade de
doenças glomerulares e, portanto, não devem ser consideradas diagnósticas de síndrome de
Alport.
NEFROLOGIA - 131

Figura 2 - Microscopia óptica da síndrome de Alport mostrando células espumosas e


aumento da matriz mesangial

O estudo ultra-estrutural do glomérulo pela microscopia eletrônica na


síndrome de Alport é obrigatório pois suas alterações são freqüentemente diagnósticas.
As alterações características afetam a membrana basal, que
encontram-se espessadas com rupturas e estratificação longitudinais, reticulação e
fragmentação (padrão em tela).
Há uma ampla variação na morfologia da membrana basal, incluindo
uma estrutura normal em um pequeno número de pacientes. A ausência de lesões
geralmente está associada a um curso menos grave da doença.
A membrana basal é dividida em camadas de cerca de 300 a 1.000 Å
de espessura. As zonas claras intermediárias freqüentemente contêm partículas
arredondadas, pequenas, densas ou vacuoladas de 300  900 Å de diâmetro.
Logo após ou entre os segmentos de membrana basal envolvidos
nessas alterações, encontram-se porções extremamente finas de membrana basal,
especialmente em crianças. Essas estruturas chegam a alcançar a espessura de 15 Å, cerca
de 25% ou menos da espessura normal.
A região subepitelial da membrana basal é tipicamente recortada.
NEFROLOGIA - 132

Figura 3 - Microscopia eletrônica da síndrome de Alport

Alterações semelhantes da membrana basal, mas não idênticas, podem


ser encontradas nos glomérulos de pacientes com outras doenças, incluindo nefropatia por
IgA, glomerulonefrite pós-infecciosa, esclerose focal e segmentar e outras glomerulopatias.
Outras alterações que podem ser encontradas incluem a obliteração
variável dos processos pedicelares epiteliais, aumento da matriz mesangial e uma aumento
variável na celularidade, como foi descrito anteriormente na microscopia óptica.
A imunofluorescência direta geralmente é negativa.
Alguns autores observaram que os pacientes com síndrome de Alport
desenvolvem anticorpos anti-MBG (membrana basal glomerular) após a realização de um
alotransplante.
Sugeriu-se, então, que a membrana basal de pacientes com síndrome
de Alport não apresenta certos antígenos presentes nos indivíduos normais e que o
desenvolvimento de anticorpos após a realização de um alotransplante demonstra a
presença desses antígenos no enxerto transplantado.
Desta forma, como um auxílio diagnóstico, pode-se realizar
imunofluorescência indireta utilizando soro com anticorpos anti-MBG, como o soro de
pacientes com síndrome de Goodpasture por exemplo, sobre o tecido de pacientes com
suspeita de síndrome de Alport. Se não houver reação, o diagnóstico de síndrome de Alport
é apropriado.
Também foram observadas a ausência do componente amilóide P e
uma anormalidade do colágeno tipo IV na membrana basal glomerular de um grande
número de pacientes com síndrome de Alport.
A biópsia de pele desses pacientes, com reagentes apropriados, pode
demonstrar a ausência de reação com anticorpos derivados do sangue de pacientes com
síndrome de Goodpasture e a anormalidade do colágeno tipo IV. Assim, é possível que a
síndrome de Alport possa ser diagnosticada sem a realização de biópsia renal.
Além disso, parece que a urina dos pacientes com síndrome de Alport
possui maiores quantidades de glicosídeos hidroxilisina, um dos componentes da
membrana basal glomerular, do que os pacientes normais ou com outras glomerulopatias.
NEFROLOGIA - 133

Esse achado sugere que possa haver uma maior degradação do


colágeno da membrana basal glomerular e, possivelmente, de outras membranas basais do
corpo.
Não existe um tratamento específico que haja sobre o processo
patológico subjacente ou altere o curso clínico da doença. Antibióticos, anticoagulantes,
esteróides e imunossupressores mostraram-se sem valor.
O tratamento de suporte inclui o controle da hipertensão e a restrição
proteica.
A abordagem da insuficiência renal segue as medidas convencionais.
A diálise e o transplante renal não apresentam contra-indicações particulares, apesar de que
a presença de antígenos nefritogênicos no enxerto pode levar a uma nefrite anti-MBG após
o transplante. O defeito glomerular da síndrome de Alport não tem tendência a recorrência.
Um cuidado particular deve ser tomado para evitar a intensificação da
hipoacusia com certas drogas que apresentam ototoxicidade. Pode haver uma melhora ou
estabilização da perda auditiva após o transplante dos pacientes com síndrome de Alport,
mas a interpretação desses achados é difícil pois a diálise e o estado urêmico são
responsáveis por uma perda reversível na audição.
A acuidade visual deve ser monitorizada nos pacientes acometidos ou
com risco de desenvolver lentícone ou catarata.

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