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Lina, uma criança exemplar!

Lina, uma criança exemplar!


Friedrich Froebel e a pedagogia
dos jardins-de-infância

Alessandra Arce
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação

Introdução tural. Nesse contexto se situa uma problemática im-


portante para a análise que apresentaremos neste tex-
Friedrich Froebel, filho do pastor luterano Johann to: trata-se do processo de separação alienante entre
J. Froebel e de Jakobine E. Hoffman, nasceu aos 21 o público e o privado. Pode-se ter uma idéia da gêne-
dias de abril em 1782, na vila de Oberweissbach, no se desse processo pelas informações apresentadas por
principado de Schwarzburg-Rudolstadt, região sudeste Perrot (1991) em seus estudos. A separação entre o
da Alemanha, e viveu até o ano de 1852. Parte de sua público e o privado configurou-se de várias formas,
vida transcorreu, portanto, durante o período históri- sendo uma delas a nítida demarcação de papéis para
co caracterizado por Eric Hobsbawm (1996) como “A o homem (vida pública) e para a mulher (vida priva-
Era das Revoluções” (1789-1848), época da história da). A valorização da família, agora nuclear, desem-
européia marcada por guerras e revoluções, tais como penhou importante papel neste processo: a burguesia
a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, as encontrou nesta organização privada uma forma de
Guerras Napoleônicas e, finalmente, encerrando o pe- vencer os títulos e a hierarquia dos nobres, elegendo
ríodo, as Revoluções de 1848. A “Era das Revolu- a mulher como rainha do ambiente privado e domés-
ções” foi também a “Era das Contra-Revoluções”: a tico. Assim, não por acaso veremos a mulher e a fa-
burguesia precisava ser revolucionária ao lutar con- mília desempenharem um papel decisivo em toda a
tra o feudalismo, mas precisava ser contra-revolucio- obra de Froebel.
nária, conservadora, ao lutar contra o proletariado e Segundo seus biógrafos (Liebschner, 1992; Cole,
os camponeses. Esse período da história ocidental foi, 1907; Prüfer, 1930), Froebel em sua infância foi len-
portanto, marcado por profundas contradições, por to nos estudos, extremamente introspectivo e empur-
uma complexa correlação de forças de luta, por uma rado desde cedo para o estudo das coisas práticas da
grande heterogeneidade quanto aos avanços e aos re- vida. Formou-se na prática e pela prática, auto-edu-
trocessos nos campos econômico, político e sociocul- cando-se, e quando se tornou professor (após ter sido

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agrimensor e trabalhar com arquitetura) procurou es- a afetar o pensamento e o fazer educacional relativo
timular a auto-educação e o auto-aperfeiçoamento dos às crianças menores de 6 anos. Froebel foi um dos
alunos. Segundo Koch (1985, p. 24), Froebel fez de primeiros educadores a se preocupar com a educação
tudo para encontrar o caminho pedagógico mais de crianças pequenas, e a importância de sua obra nos
aprazível, embora não tenha lido nenhum livro de é demonstrada sempre que passamos diante de um
pedagogia. A solução encontrada foi um mergulho jardim-de-infância, um kindergarten (em alemão, kind
profundo nas próprias experiências escolares, das significa criança e garten significa jardim). Não é muito
quais trazia tristes recordações, não desejando sua difícil adivinhar por que Froebel denominou assim as
repetição na vida de outras crianças. Froebel foi um instituições voltadas para o trabalho educativo com
educador nascido da prática, e toda sua metodologia crianças em idade pré-escolar: para ele, a infância,
de trabalho foi baseada nela. Blow (1895, p. 37) con- assim como uma planta, deveria ser objeto de cuida-
sidera muito importante esta praticidade, este “apren- do atencioso: receber água, crescer em solo rico em
der fazendo” de Froebel. Para esta autora (ardorosa nutrientes e ter a luz do sol na medida certa. O jardim
divulgadora de sua obra), ele era um educador nato, e é um lugar onde as plantas não crescem em estado
a infância introspectiva o teria ajudado a desenvolver totalmente silvestre, totalmente selvagem, é um lugar
a disciplina necessária para que isso ocorresse. Du- onde elas recebem os cuidados do jardineiro ou da
rante sua juventude, ele já considerava que os homens jardineira. Mas o jardineiro sabe que, embora tenha
não necessitavam apenas de pão e instrução, mas tam- por tarefa cuidar para que a planta receba todo o ne-
bém de serem presenteados por si mesmos, objetivo cessário para seu crescimento e desenvolvimento,
máximo da concepção pedagógica froebeliana. em última instância é o processo natural da planta
Este caráter prático de Froebel também foi desta- que deverá determinar quais cuidados a ela deverão
cado pela baronesa B. Von Marenholz-Bulöw, que acom- ser dispensados. Certas plantas não crescem bem
panhou durante anos seu trabalho e procurou divul- quando regadas em demasia, já outras precisam de
gá-lo por toda a Europa. Em seu livro Reminiscenses muita água; algumas plantas precisam de muito sol,
of Friedrich Froebel1, a baronesa (1877, p. 17) cha- ao passo que outras crescem melhor à sombra. O bom
ma a atenção para a dificuldade que ele tinha em en- jardineiro sabe “ouvir” as necessidades de cada plan-
tender a linguagem do mundo acadêmico. A cultura ta e respeitar seu processo natural de desenvolvimen-
apresentada por estudiosos lhe era algo estranho. Sen- to. Para Froebel, assim também ocorre com as crian-
do autodidata, ele apenas via no mundo acadêmico ças e, portanto, os adultos encarregados da educação
um criadouro de maledicências e conflitos que em delas deveriam comportar-se tal como o jardineiro.
nada auxiliavam na vida cotidiana das pessoas, e em Data de 1840, na cidade de Blankenburg, a fundação
especial na das crianças. do primeiro dos muitos kindergartens. Froebel fale-
Este educador, que construiu seu conhecimento ceu tendo seus jardins-de-infância proibidos em seu
na prática, era incapaz de imaginar, diante das amar- país2, mas isso não impediu o estrondoso sucesso de
guras impostas pela vida, o quanto suas idéias viriam suas idéias, que foram disseminadas pelo mundo por
admiradoras de seu trabalho, como a baronesa Von

1
Nesse livro a baronesa transcreve os seus diálogos com
2
Froebel, desde seu primeiro encontro, em 1849, até a morte de Froebel teve sua imagem e suas idéias educacionais asso-
Froebel, em 1852. A característica marcante dessa obra reside na ciadas aos ideais socialistas que eram defendidos por seus sobri-
clareza dos diálogos, por meio dos quais Froebel explicita seu pen- nhos Julius e Karl Froebel, e como o governo prussiano lutava
samento não somente a respeito da educação, mas também sobre os contra estes ideais, as escolas de Froebel foram fechadas pelo re-
acontecimentos sociais e políticos do período em que viveu. ceio de que os estivessem disseminando.

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Marenholtz-Bulöw (1811-1893), Margarethe Meyer sentando as principais idéias educacionais de Froebel.


Schurz (1833-1876), Elizabeth Peabody (1804-1894) O presente artigo, portanto, deriva dos estudos reali-
e Susan Elizabeth Blow (1843-1916), entre outras. zados. No ano passado, fomos presenteados com a
O Brasil acabaria por apaixonar-se por esse edu- tradução, feita por Maria Helena C. Bastos, da prin-
cador. Atualmente, no campo dos estudos de história cipal obra filosófica de Froebel, A educação do ho-
da educação infantil e de suas instituições, muitos mem. No entanto, como realizei todos os meus estu-
estudiosos procuram resgatar o florescer das idéias dos com base nas obras inglesas traduzidas do alemão,
froebelianas em nosso país. Autores como Kuhlmann optei por manter este artigo fiel aos trechos utilizados
(2001a e 2001b), Kuhlmann e Barbosa (1998), Bastos em minha tese. Indubitavelmente, devido à dificulda-
(2001), Monarcha (2001), Pinazza (1997), Kishimoto de de acesso às obras inglesas e aos originais em ale-
(1986), entre outros, trazem com seus trabalhos deta- mão, recomenda-se ao leitor que deseje ler A educa-
lhados e exaustivos a tentativa de reconstrução da his- ção do homem recorrer à tradução em português agora
tória do atendimento a crianças menores de 6 anos no existente.
Brasil. Dentre as fontes de pesquisa destes autores se O artigo ora apresentado dedica-se a realizar uma
destaca a Escola Caetano Campos, em São Paulo, onde análise (ainda preliminar) de um importante texto de
foi fundado o primeiro jardim-de-infância público do Froebel, encontrado no livro Pedagogia do jardim-
país, anexo à Escola Normal, organizado por Gabriel de-infância (1917), intitulado “De como Lina apren-
Prestes. A escola contava com uma equipe grande de deu a escrever e a ler: uma bonita história para crian-
professoras que se dedicaram a traduzir alguns tre- ças que gostam de estar ocupadas”. A justificativa para
chos das obras de Froebel, primeiramente do próprio a análise deste texto em particular é que nele as idéias
alemão e em seguida das traduções inglesas. Foi gran- pedagógicas de Froebel aparecem “em ação”, isto é,
de o legado do jardim-de-infância da Escola Caetano concretizadas numa narrativa do processo pelo qual
Campos para a educação infantil, e a Revista do Jar- uma mãe ensina sua filha a escrever. Este artigo foi
dim-de-infância (publicada de 1896 e 1897) é um dividido em três partes: a primeira é dedicada a uma
exemplo disso. Nela, Gabriel Prestes e suas colabo- exposição da história de Lina; a segunda apresenta a
radoras traduziram e divulgaram trechos de vários tra- explicitação de algumas das categorias por meio das
balhos sobre os jardins-de-infância e de obras de quais o autor pensava e fazia a educação infantil, e
Froebel, Blow e Peabody. Houve também um traba- que estão presentes no texto; por fim, a terceira parte
lho de adaptação de cantos e ocupações para a reali- conclui o trabalho com alguns questionamentos críti-
dade brasileira. A revista, organizada em dois volu- cos voltados para a pedagogia froebeliana e os papéis
mes, é uma importante fonte de estudos a respeito atribuídos a família, criança e mulher nesse contexto,
das rotinas e modificações realizadas na metodologia ressaltando-se a importância de Froebel como um dos
froebeliana em sua entrada no Brasil. precursores do movimento escolanovista.
Todavia, ainda há uma carência de estudos mais
detalhados das obras de Froebel. Esta lacuna se deve “De como Lina aprendeu a escrever e a ler:
em parte ao fato de quase não existirem obras deste uma bonita história para crianças
autor traduzidas para o português. No intuito de con- que gostam de estar ocupadas”
tribuir para a reconstrução da história da educação
infantil e tornar Friedrich Froebel conhecido entre os Este texto encontra-se no livro Pedagogics of the
educadores, debrucei-me sobre sua obra e a de seu kindergarten (Froebel, 1917), nas páginas 286 a 337.
mestre Pestalozzi em minha tese de doutoramento, já Por que Froebel apresenta essa história sobre uma mãe
publicada em livro (Arce, 2002a). Produzi ainda ou- ensinando sua filha a escrever, se o livro é dedicado à
tro livro, de caráter mais didático (Arce, 2002b), apre- pedagogia dos jardins-de-infância? Porque Lina é

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apresentada por Froebel como um modelo do que se- buído à mulher na pedagogia de Froebel. Neste as-
ria a criança que se educou em um jardim-de-infân- pecto, o educador alemão reproduzia um ideal de
cia: doce, meiga, curiosa e, como o próprio título afir- mulher e de mãe que vinha sendo fortemente difundi-
ma, que adora estar ocupada. Ela possui uma família do naquela época. Um exemplo nesse sentido é o tra-
em harmonia perfeita, devotada à religião e à moral. balho de Jules Michelet (1798-1874), uma das figu-
A mãe procura sempre mostrar à sua pequena filha o ras intelectuais mais destacadas da Europa durante o
universo como fruto de uma unidade entre o homem, século XIX. Historiador e autor do famoso livro A
a natureza e o divino. Lina já passou pelo jardim-de- mulher (Michelet, 1985), ele referenda e divulga o
infância e está em casa aguardando o momento de ideal burguês e religioso para a mulher daquela épo-
iniciar o processo formal de escolarização. Froebel ca: mãe/esposa zelosa. Nesta obra, ao discutir se o
inicia esta pequena história descrevendo sua perso- lugar ideal para a mulher seria na vida pública ou pri-
nagem central da seguinte maneira: vada, o autor defende que as mulheres não servem
para o trabalho na vida pública. Tomando as mulhe-
Lina era uma garotinha de mais ou menos 6 anos de
res trabalhadoras como exemplo, ele afirma que elas
idade que gostava de se ocupar independentemente. Ela
jamais substituirão o homem, pois não possuem con-
conseguia realizar muitas coisas com brinquedos simples;
dições físicas para tanto; por isso o ambiente familiar
conseguia construir muitas coisas bonitas com cubos e blo-
lhes figura como o mais seguro e natural. O autor
cos; e posicionar muitas coisas com tabletes de formas e
aprofunda esta questão ao afirmar que a mulher não
cores diferentes, com varetas etc. Ela conseguia fazer mui-
pode viver sem o homem e os filhos não podem viver
tas coisas bonitas de várias formas, colocando juntas
sem a mulher; a família é um dado natural, e qualquer
varetas coloridas, tiras de papel e outros materiais; produ-
de seus membros que tenha de sobreviver sozinho não
zia, dessa maneira, muitas coisas com esses pequenos
o conseguirá e perecerá. Portanto, sendo feita para o
materiais para brincar, os quais lhe eram muito queridos.
lar, essa mulher deve ser a inspiração do homem; ela
Lina era capaz também de facilmente pegar a bola, e tinha
deve ser graciosa – “a graça é um reflexo do amor
por este meio adquirido tal destreza e tal controle do cor-
sobre um fundo de pureza. A pureza é a mulher mes-
po – tal uso talentoso de seus membros – que ela não dei-
ma” (Michelet, 1985, p. 89). Ela representa, assim,
xava nada cair facilmente, nem desajeitadamente. Lina
tudo de mais doce que possa existir; “a mulher é o
também sabia muitas canções bonitas e sabia cantá-las
domingo do homem”(idem, p. 253); a alegria, a liber-
adequadamente. Ela conseguia acompanhar muitas de suas
dade, a festa, toda a emoção doce e divina está nela
brincadeiras com as canções, o que aumentava seu prazer,
encerrada. Sendo o homem incapaz de tanta doçura,
porque elas a instruíam para o que ela estava fazendo, e
ele necessita da mulher. A mãe de Lina encerra todos
então ela não precisava estar sempre perturbando o pai e a
esses predicados.
mãe perguntando “o que é aquilo?”, “por que é assim?”.
A mãe cuida dos afazeres domésticos, é respon-
Dessa forma, Lina estava sempre alegre e ativa, porque
sável pelo ambiente familiar que transpira amor e
não sentia o tempo pesar, não existia mau humor em sua
delicadeza graças à sua dedicação. Nas horas vagas,
vida, ao contrário, porque sempre estava contente e ani-
a mãe dedica-se integralmente à pequena filha, pro-
mada, ela sempre foi o deleite especial de seus pais, assim
curando atender a seus desejos e necessidades. O pai
como um exemplo para outras crianças, as quais gosta-
está fisicamente ausente na maior parte da história,
riam de ser o mesmo para os seus pais, e também gostam
mas jamais sai do pensamento e do coração da pe-
de brincar e são felizes de forma viva, ordenada e ativa.
quena Lina. Como trabalha o dia todo, só à noite ele
(Froebel, 1917, p. 286, trad. minha)
retorna ao lar, apresentado por Froebel como um re-
Lina mora com sua mãe e seu pai. A mãe de Lina fúgio de tranqüilidade e amor. Carinhoso com sua doce
é a própria imagem do papel social e educativo atri- filha, o pai também procura participar de seu desen-

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volvimento, mas é coadjuvante nesse processo. Te- Rapidamente Lina aprende seu nome e torna-
mos ainda a figura do tio, que se supõe ser solteiro já se capaz de representá-lo. Durante o jantar ela exibe
que almoça e janta com a pequena família todos os para o pai e o tio sua conquista, que é festejada por
dias. O tio não reside com eles. Ele também procura todos. O tio de Lina, extremamente perspicaz, sugere
acompanhar o desenvolvimento de Lina. um desafio para o próximo dia, envolvendo uma pa-
A história tem seu desencadeamento quando o lavra que representa a pessoa responsável pelo lar:
pai de Lina recebe uma carta que a menina, muito sua mãe.
curiosa, deseja ver. A escrita da carta leva-a a uma
Quando todos estavam à mesa, o tio de Lina disse:
incontrolável vontade de aprender como se escreve.
“A mamãe querida cuida de todos nós; primeiro ela ajuda
Ela pede insistentemente à sua mãe que a ajude a es-
Lina, e agora ela cuida para que nosso jantar não esfrie.
crever. A mãe, sempre muito solícita e atenta aos de-
Você nos deu hoje, Lina, um grande prazer por ter repre-
sejos e necessidades de sua pequena filha, concorda.
sentado e lido seu nome; amanhã nos dê outra alegria, co-
Para iniciar a aprendizagem, ela chama a atenção de
locando e lendo a bonita palavra ‘mamãe’”. “Você está cer-
Lina para o fato de que em uma carta as pessoas es-
to, meu querido tio” – disse a criança. E todos na mesa
crevem seus nomes ao final da mesma e no envelope.
ficaram tão felizes e contentes quanto se tivessem celebran-
Nada mais justo, portanto, que iniciem a aprendiza-
do um aniversário. No dia seguinte, a hora que a mamãe
gem da escrita pelo nome de Lina. A mãe, neste pro-
cuidadosa devotava à sua criança mal tinha chegado quan-
cesso, parte do reconhecimento dos sons presentes no
do esta veio até ela, insistente: “Por favor, me ensine hoje a
nome. Somente em um segundo momento é que ela
colocar a palavra ‘mamãe’, para que eu possa agradar no-
representa os mesmos por meio das letras. Para isso a
vamente o papai e o titio quando eles chegarem em casa...”
mãe aproveita as varetas com as quais Lina brincava.
(Froebel, 1917, p. 290, trad. minha)
Após repetidos exercícios de representação por meio
destas, a mãe oferece a Lina o lápis (ou melhor, um Assim, sucessivamente Lina aprende as palavras
giz de cera) e a ardósia (pedra muito utilizada na épo- “mãe”, “pai” e “tio”. Neste momento da história seu
ca de Froebel para o ensino da escrita). O papel apa- pai necessita viajar, e este fato causa a Lina imensa
rece em um terceiro momento. Vejamos abaixo um tristeza, mas, ao mesmo tempo, desperta-lhe outro de-
pouco deste processo. sejo: o de escrever uma carta para seu pai. A mãe,
com a ajuda do tio, realiza seu desejo. A primeira carta
“Mas você sabe, filha” – continuou a bondosa mamãe –
é escrita por Lina com a ajuda da mãe, na ardósia,
“que quando seu pai manda uma carta ele sempre escreve o
contendo as seguintes palavras: “Querido papai, por
nome dele no final dela, e por fora ele escreve o nome de
favor, volte para casa logo. Eu já consigo escrever na
quem irá recebê-la? Então, minha Lina, você deve em pri-
ardósia. Da sua querida Lina” (Froebel, 1917, p. 300,
meiro lugar aprender a escrever seu nome – isto é, aprender
trad. minha). Todavia, enviar a ardósia não seria pos-
a colocá-lo com varetas. Agora, qual é o seu nome?”
sível, então o tio surpreende Lina dando-lhe um pe-
“Ah, você sabe isso; meu nome é Lina.”
daço de papel para que ela copiasse o conteúdo desta
“Eu sei seu nome, certamente” – disse sua mãe – “Mas
pequena carta. Feito isto, a carta foi imediatamente
se você deseja escrevê-lo, ou colocá-lo com varetas, devemos
remetida para o pai. Este, entusiasmado com o avan-
ouvi-lo cuidadosamente, e dar atenção para as diferenças en-
ço da filha, propõe outro desafio; junto com a corres-
tre sons fechados e abertos que notarmos nele. Devemos
pondência lhe envia um pequeno livro com figuras e
aprender a conhecer os sinais abertos ou fechados, para que
textos.
possamos colocar essas letras uma ao lado da outra, do jeito
Lina fica extasiada com o pequeno livro, senta-
que ouvimos os sons abertos e fechados seguirem uns aos
se em um canto de seu quarto e folheia-o incessante-
outros no seu nome.” (Froebel, 1917, p. 287, trad. minha)
mente, voraz por compreender sua história. Neste mo-

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mento sente-se frustrada, pois não consegue identifi- tempo bem maior do que aquele que a mãe lhe dedica-
car as letras do livro, elas são diferentes das conheci- va diariamente. E assim Froebel termina sua história:
das anteriormente (o livro foi impresso em alfabeto Lina passa a aguardar, lendo livros de historinhas, sua
gótico, e Lina vinha aprendendo a escrever com le- entrada na escolarização formal.
tras maiúsculas romanas). Mais um desafio surge e a
menina corre para a mãe buscando ajuda. A mãe, por A educação pelo desenvolvimento de Froebel:
sua vez, explica-lhe que as figuras do livro também alguns de seus princípios educacionais
contam a história, sendo o desenho um importante
meio de representarmos nossos pensamentos e nos- A pequena história criada por Froebel, acima re-
sas palavras. Lina volta-se para as figuras, devoran- sumida, apresenta-nos de maneira condensada os prin-
do-as e decifrando-as. Após esta etapa, a mãe come- cipais pontos de sua teoria educacional. Tendo Lina
ça a mostrar-lhe que as letras do livro não são tão já passado pelo jardim-de-infância, Froebel procura
diferentes das já aprendidas. Froebel passa, então, a apresentar o comportamento e a atitude dessa menina
revelar todo o longo exercício de reconhecimento, nas como um exemplo do tipo de criança que ele deseja-
letras góticas, das letras maiúsculas romanas anterior- va formar (desenvolver) naquela instituição. Lina é
mente aprendidas por Lina. Novamente vemos Lina independente, autodidata, curiosa, ativa, alegre, meiga
vencer outro desafio. e livre. Este fato se deve ao respeito por sua indivi-
Nesse momento da narrativa, Lina, juntamente dualidade e à busca de uma educação que acompanhe
com sua amiguinha Mina, vai visitar o jardim-de-in- o desenvolvimento infantil, respeitando-o e nutrindo-
fância que ambas freqüentaram. A “jardineira” (mui- o desde cedo. Entretanto, não só o jardim-de-infância
to ligada à família, pois para Froebel família e escola teve e tem um papel fundamental na formação da
deveriam sempre trabalhar juntas), sabendo dos avan- criança. A família também é essencial. A de Lina,
ços da menina, pede que ela compartilhe sua expe- como vimos, era extremamente integrada, harmonio-
riência com as outras crianças. Encantadas com a co- sa e preocupada com sua educação. Viver em família
lega, as crianças procuram imitá-la, e a jardineira é, para Froebel (1887, p. 25-26), o primeiro exercício
aproveita-se desse interesse tão intenso para auxiliar de viver em comunidade, uma comunidade de amor,
mais uma vez as crianças em suas buscas. Esta moti- regada pela religiosidade, uma comunidade que está
vação interna das crianças para aprender a escrever contida dentro de todo o rebanho divino. É importante
modifica todas as atitudes e o ambiente da escola. A ressaltar que a pedagogia de Froebel é fortemente mar-
jardineira, tal qual a mãe de Lina, não interfere, apenas cada por um tipo de filosofia cristã, na qual Deus, a
procura ser o mais útil possível para que as crianças natureza e o ser humano formam uma unidade que se-
satisfaçam com prazer e alegria suas necessidades. ria o fundamento de toda a existência.
Vencida a etapa de leitura do livro, o tio propõe- Dentro deste espírito, os pais devem possuir uma
lhe outra atividade: a de reescrever a história do livro moral inabalável e ser despertados para a importân-
em uma carta para seu pai. Assim ele saberia que ela cia de seu papel na formação dos filhos, devendo bus-
realmente leu o livro. Lina põe-se a trabalhar incansa- car sempre um meio para a harmonização da tarefa
velmente neste novo projeto, sendo bem-sucedida. Con- educativa com o caráter que envolve a paternidade e
tudo, considera sua carta muito grande, sua letra tam- a maternidade. Isto é, assim como a relação de Deus
bém, e pede para sua mãe ensinar-lhe agora a escrever para com os seres humanos é uma relação do Pai com
como ela, o tio e o pai o fazem. A mãe, então, diz à seus filhos, a relação dos pais terrenos com seus fi-
criança que chegou o momento de ela entrar na escola, lhos deve ser a de educar as crianças e os jovens para
pois de agora em diante o processo de aprendizagem que, quando crescerem, relacionem-se com Deus da
exigiria mais atenção e cuidados, sendo necessário um maneira virtuosa como aprenderam a relacionar-se

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com seus pais. No interior dessa perspectiva da fa- mo-nos viver com as nossas crianças!” não é so-
mília como mediadora entre a criança e Deus, Froebel mente o lema das escolas de Froebel, mas também o
atribui especial importância ao papel da mãe, dedi- lema que a família deve adotar ao se deixar levar por
cando-lhe uma obra inteira, em que a mãe é personi- suas crianças, vivendo por elas. Lina e sua família
ficada nesta personagem cheia de bondade, amor e são modelos deste ideal perseguido por Froebel: Lina
ternura, totalmente esvaziada enquanto indivíduo – é o centro de sua família, que procura acompanhar
imagem essa que foi sendo construída pela sociedade seu desenvolvimento, buscando satisfazer suas ne-
burguesa com a ajuda da religião (tanto a protestante cessidades.
quanto a católica), e que é tão bem exemplificada pela Contudo, as atitudes e a personalidade de Lina
mãe de Lina. O livro The mottoes and commentaries revelam muito sobre como Froebel pensava a educa-
of Friedrich Froebel’s mother play (1895), de Froebel, ção. Segundo ele (1902, p. 4-6), quando Lina mani-
traz, logo em suas primeiras páginas, uma exaltação festa o desejo intenso de aprender a ler e a escrever
da maternidade, que é a união da mãe e da criança, a está, ao mesmo tempo, exteriorizando sua vontade de
qual constitui a semente do bem, a semente de tudo o integrar-se ao mundo que a rodeia. Esse perceber-se
que de mais nobre existiria no ser humano. A criança a si mesma como integrante de um todo maior é o
é a razão de vida da mulher e seu tesouro, seu bem ponto de partida para a germinação do desenvolvi-
mais precioso. Durante todo o livro, Froebel exortará mento e da educação da criança como ser humano. O
a mãe a tratar seu filho como centro e razão principal bom resultado da educação está intimamente ligado a
de sua vida, cumprimento pleno de seu destino como este sentimento, o qual deve ser cuidado e cultivado
ser humano. Por isso, já nos comentários iniciais ele desde cedo. Quando isso ocorre, a criança, segundo
chama a mãe a admirar o presente que Deus lhe deu e Froebel, exterioriza seu mundo interior, reconhecen-
a sentir que Ele nela confiou, dando-lhe naturalmen- do-o como parte de um todo integrado composto pela
te, instintivamente, tudo o que ela precisa para cuidar natureza, por Deus e pela humanidade. Esta relação
desta maravilha divina posta em seus braços. Em mi- entre Deus, natureza e humanidade era representada
nha dissertação de mestrado (Arce, 1997) formulei por Froebel (1887) por meio de um triângulo, que
uma análise crítica das conseqüências para a educa- simbolizava uma tríade inseparável denominada “Uni-
ção infantil da imagem da mulher como mãe e educa- dade Vital”, na qual a educação deveria estar alicer-
dora nata, agraciada com o dom divino do amor ma- çada para poder conduzir o indivíduo ao desenvolvi-
ternal. mento pleno. Dentro do princípio da “Unidade Vital”,
Segundo Froebel (1887, p. 69-70), a mãe desem- os processos de interiorização e exteriorização eram
penharia um papel primordial nesta pequena comuni- fundamentais, pois levavam à clarificação da cons-
dade, a família. A mãe criaria na criança o espírito ciência: ao autoconhecimento, ou seja, à educação. A
cristão, seria ela quem o estimularia através do amor formação e o desenvolvimento ocorrem graças ao que
com o qual inunda o ambiente familiar, auxiliando a criança recebe do mundo exterior, mas só se efeti-
dessa maneira o desenvolvimento interno da criança vam quando se sabe, por assim dizer, tocar no seu
de acordo com os desígnios divinos e em harmonia mundo interior. Este processo, chamado de interiori-
com os mesmos. zação, consiste no recebimento de conhecimentos do
Assim, sob o comando da mãe, a família deve mundo exterior, que passam para o interior seguindo
ser conduzida em um ambiente pleno de amor e reli- sempre uma seqüência que deve caminhar do simples
giosidade. Aos pais cabe viver por suas crianças. Elas ao composto, do concreto para o abstrato, do conhe-
são o centro da vida familiar e têm muito a ensinar, cido para o desconhecido. A atividade e a reflexão
pois trazem dentro de si os germes do divino, do que são os instrumentos de mediação deste processo não-
existe de mais puro no ser humano. “Venham, deixe- diretivo, o que garante que os conhecimentos brotem

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e sejam descobertos pela criança da forma mais natu- pressa a vontade de conectar este representar interno e invi-
ral possível. O processo contrário a este é chamado sível de sua personalidade com o externo visível. Este é o
de exteriorização, no qual a criança necessita traba- segundo passo. Como a mãe realiza esta vontade? Ela deixa
lhar em coisas concretas como a arte e o jogo, exce- a criança pronunciar várias vezes seu nome em voz alta, au-
lentes fontes de exteriorização. Uma vez exteriorizado mentando o desejo de registrá-lo na forma escrita. Este é o
o seu interior, a criança passa a ter autoconsciência terceiro passo. O que é falar? Tornar o pensamento interno
do seu ser, passa a conhecer-se melhor: é assim que a perceptível. E o que representa a palavra nesta afirmação? É
educação acontece. Esta conexão que se estabelece o intermediário entre o puramente interno e o completamen-
entre o interno e o externo é ponto fundamental para te externo (a escrita). Ela une a natureza e as propriedades de
o processo educacional, tanto que Froebel elege este ambos, pensamento e escrita, conectando-os assim. A mãe
princípio como uma das leis fundamentais da educa- de Lina encontra assim um segredo da educação pelo desen-
ção. volvimento, qual seja, o da conexão possuída por todas as
Se observarmos como Froebel descreve o pro- coisas. Esta lei das conexões é fundamental na vida humana
cesso de alfabetização de Lina, veremos que a mãe se e na educação que se faça pelo desenvolvimento. (Froebel,
utiliza desta lei do autor para ensinar sua filha a ler e 1902, p. 30)
a escrever. Não por acaso, a mãe inicia o processo de
Entretanto, o primeiro passo para que este pro-
alfabetização pelo próprio nome de sua filha, pedin-
cesso se inicie deve sempre ser dado pela criança. Ao
do para que Lina primeiro pense nele, o que aumenta
adulto cabe apenas satisfazer ou incentivar a sua cu-
seu desejo de representá-lo na forma escrita. Mas a
riosidade natural. Por isso, um dos mais importantes
mãe ainda exige um passo intermediário, que é o de
princípios da pedagogia froebeliana é o da auto-ati-
pronunciá-lo várias vezes em voz alta, para depois
vidade livre. A criança precisa ter uma mente ativa e
registrá-lo na forma escrita. A mãe procura, com este
livre para poder abrir as portas do conhecimento. Ela
exercício, fazer Lina perceber a conexão existente
deve ser livre para explorar, escolher, questionar e agir.
entre o interno/invisível (seu nome enquanto repre-
A aprendizagem deve sempre partir daquilo que a
sentante de sua personalidade) e o externo/visível (a
criança já conhece. Ouvir o conhecimento da criança
representação deste, através da palavra falada e de-
é o principal requisito para o sucesso da educação. A
pois escrita, expressando seu ser).
liberdade, para Froebel, era o oposto da força e do
Lina deseja aprender a escrever, a mãe procura satisfa- medo, estando ligada ao amor que deveria presidi-la.
zer este desejo de sua criança, sabendo que escrever é gravar Esta era uma das principais mensagens de Froebel
uma memória, um pensamento (por isso originalmente e pu- para os professores, pois a grande influência destes
ramente interno e invisível) expresso de forma audível (por viria do amor: sem a emoção, a personalidade se fe-
isso perceptível, embora extinguindo-se no momento em que charia e o sopro vital e divino esmoreceria. Neste
é percebido), conectando-o com o visível, daí a necessidade ponto, Froebel ressalta que a disciplina não deve ser
de sinais que o representem. Como foi mencionado na histó- controlada por castigos físicos; o professor deve le-
ria, a mãe inicia este processo utilizando-se do nome da crian- var a criança a internalizar a disciplina e ser capaz de,
ça. O que estaria a mãe querendo obter ao iniciar desta for- sozinha, perceber e avaliar seus atos, para só então
ma? Primeiramente, ela quer da criança a reflexão e o enten- modificá-los. Por isso sua mensagem dirigia-se sem-
dimento de sua própria personalidade expressa em seu nome, pre às mulheres enquanto educadoras. As mulheres,
sua identificação enquanto ser humano. Assim, ela pede à possuidoras da capacidade biológica da maternidade,
criança que sinta este nome como seu. Esta é a referência possuiriam o amor na forma mais pura, sendo as úni-
principal da criança no mundo. Este exercício é realizado de cas naturalmente aptas para educar com liberdade e
maneira interna e invisível. Este é o primeiro passo. Entre- amor, respeitando o desenvolvimento natural da crian-
tanto, a criança deseja escrever seu nome, este desejo ex- ça, pois assim elas já o faziam há séculos em seus

114 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20


Lina, uma criança exemplar!

lares. A mãe de Lina incentiva-a o tempo todo e a 2. O segundo ponto da metodologia froebeliana
deixa livre para descobrir e explorar o que deseja, é relativo ao processo da educação: o homem
sendo apenas um agente auxiliar no processo de apren- e a natureza possuem existência em Deus;
dizagem de sua filha, colocando em movimento es- educar, portanto, é despertar no educando a
ses princípios tão caros à teoria froebeliana. consciência dessa realidade, orientando-o para
Ressaltamos ainda que a ação é parte integrante uma vida pura e santa. Esse processo ocorre
e indivisível de todo este processo. Agir pensando e através da exteriorização do interior e da inte-
pensar agindo era, para Froebel, o melhor método para riorização do exterior, com a ação e a ativida-
evitar que o ensino por demais abstrato prejudicasse de como chaves. Surge aí a necessidade de
o desenvolvimento dos talentos das crianças. A ativi- objetos para que esse processo ocorra, pois a
dade levaria a criança à compreensão da tríade (re- exteriorização mediante matéria concreta, fru-
presentada pela “Unidade Vital”) que guia toda a sua to de pensamentos e palavras, é bem mais efi-
vida, abrindo, portanto, as portas para atingir a per- ciente do que a realizada por meio de concei-
feição como ser humano. O “aprender fazendo” pro- tos e palavras abstratas. “Nunca esqueça que
posto por Froebel respeita antes de tudo a metodolo- o objetivo da escola não é tanto ensinar e co-
gia natural das crianças. Assim, deve-se “observar, municar uma variedade e multiplicidade de
apenas observar, pois a criança mesma te ensinará” coisas, mas sim dar destaque à sempre viva
(Froebel apud Cole, 1907, p. 26) – eis a máxima que unidade que está em todas as coisas” (Froebel,
deve reger a educação, porque só assim o professor 1887, p. 134-135, trad. minha);
será capaz de conhecer realmente seu aluno, enten- 3. Ainda segundo Koch, o terceiro ponto da me-
dendo sua dinâmica interna e descobrindo sua essên- todologia froebeliana é relativo à função per-
cia e seu potencial. Froebel considerava que a escola manente do educador: respeitar a natureza, a
de seu tempo (a escola tradicional) não conseguia per- ação de Deus e a manifestação espontânea do
ceber a unidade existente entre o universo e a crian- educando. A educação deve seguir o livre de-
ça, por trabalhar de forma fragmentada e sem vida. O senvolvimento, não podendo ser prescritiva,
exterior e o interior estariam justapostos, tornando im- determinista e interventora, pois assim destrói
possível uma aprendizagem viva. Por isso Koch (1985, a origem pura da Natureza do educando.
p. 55-58) destaca como três pontos fundamentais da Alicerçada na experiência, essa pedagogia se
metodologia froebeliana os seguintes: centra na orientação e no despertar da ativida-

1. A atitude do educador, a qual deveria dar a


entender ao educando que ambos estão subor- Somente a luta espiritual, a perfeição viva, deve ser tomada como
dinados à “Unidade Vital”. Portanto, o mode- um ideal; sua manifestação externa, sua forma não deveria ser
lo a ser seguido de perfeição humana seria limitada. A vida mais elevada e mais perfeita que nós, como cris-
Jesus, por reunir o divino, o humano e o natu- tãos, enxergamos em Jesus – a mais conhecida na humanidade –,
ral, sendo que a liberdade de cada pessoa sem- é a vida que encontrou a última e primordial razão da sua existên-
pre deveria ser preservada na busca do desen- cia clara e distintamente em seu próprio ser; uma vida que, de

volvimento de seus talentos.3 acordo com a lei eterna, veio da vida completa, eternamente cria-
dora, atuante e equilibrada. Esta vida perfeita eternamente eleva-
da faria cada ser humano novamente se tornar uma imagem simi-
lar ao ideal eterno, para que cada um novamente pudesse se tornar
um ideal semelhante para ele próprio e para os outros, faria cada
3
“Por isso, o próprio Jesus, em sua vida e em seu ensina- ser humano se revelar auto-ativo e livre de acordo com a lei eter-
mento, constantemente se opunha à imitação da perfeição externa. na” (Froebel, 1887, p. 12-13, trad. minha).

Revista Brasileira de Educação 115


Alessandra Arce

de espontânea da criança, disseminando qua- cou em toda a sua plenitude todos os seus princípios
lidades e aniquilando defeitos, através do de- educacionais, assim como o fez em Keilhau4. Por isso,
senvolvimento pleno da harmonia entre ho- segundo Liebschner (1992), não teria sido fácil para
mem, Deus e natureza. Nesse sentido, Froebel Froebel achar um nome adequado para esta institui-
assim se manifesta em seu livro A educação ção. Ele não queria utilizar a palavra “escola”, pois
do homem: esta traria o sentido de se estar colocando “coisas” na
cabeça da criança, ensinando algo, e este não era o
Nós concedemos espaço e tempo a plantas e animais
propósito daquela instituição, e sim guiar, orientar e
jovens porque sabemos que, de acordo com as leis que vi-
cultivar nas crianças suas tendências divinas e sua
vem neles, eles se desenvolverão apropriadamente e cres-
essência humana, através do jogo, das ocupações e
cerão bem; a animais e plantas jovens é dado o tempo ne-
das atividades livres, tal como Deus faz com as plan-
cessário, e a interferência arbitrária nesse crescimento é
tas da natureza. Depois de procurar durante vários
evitada, porque é sabido que a prática oposta atrapalharia a
meses, o nome kindergarten (jardim de crianças) con-
pureza da manifestação da melodia do desenvolvimento;
seguiu unir todas essas idéias e princípios numa úni-
mas o jovem ser humano é observado como um pedaço de
ca e simples palavra. Estava criada a instituição na
cera, uma porção de argila na qual o homem pode moldar o
qual todos os preceitos até aqui expostos iriam ser
que ele desejar. Oh, homem, que vagueias através de jar-
aplicados em toda a sua plenitude, principalmente no
dim e campo, através de pasto e pomar, por que vós fechais
que se refere ao respeito ao desenvolvimento da crian-
vossa mente ao silencioso ensinamento da natureza? Olhe
ça e à subordinação da educação ao estágio no qual
mesmo a planta silvestre, que cresce entre obstáculos e li-
se encontrasse tal desenvolvimento. Este recanto de-
mitações, raramente produz uma indicação da lei interna;
veria ser entregue às mulheres, as quais, com coração
olhe-a na natureza, no campo ou no jardim, e veja como
de mãe, seriam as únicas capazes de cultivar nas
perfeitamente é conforme a lei – que vida interna pura ela
criancinhas todos os seus talentos e todos os germes
mostra, harmoniosa em todas as partes e características: um
da perfeição humana unida a Deus.
sol bonito, uma estrela radiante surgiu da terra! Assim, pais,
os seus filhos, os quais vocês forçam, em anos carinhosos,
formas e objetivos contra sua natureza, e que por isso po-
4
O livro A educação do homem traz de forma detalhada o
deriam andar com vocês em uma deformidade mórbida e
relato da experiência de Froebel na escola de Keilhau (fundada
artificial – assim poderiam suas crianças também revelar-
em 1817 e não dedicada exclusivamente à educação infantil, na
se em beleza e desenvolver em harmonia completa! De acor-
qual trabalhou durante 13 anos), que possuía algumas característi-
do com as leis da influência divina e em vista do estilo e
cas importantes, pois exemplificam de maneira mais clara como o
totalidade original do homem, toda educação arbitrária,
seu trabalho ocorria no cotidiano. Nesta escola, adultos e crianças
prescritiva e categórica interferente na instrução e treina- planejavam e estudavam juntos. Esse fator era importante, porque
mento deve necessariamente aniquilar, prejudicar e destruir. Froebel acreditava que tudo na escola deveria ser vivido; a vida
[...] A representação livre e espontânea do divino no ho- era a melhor escola, a escola tinha de estar relacionada com a
mem dá-se através da vida do homem, o que, como vimos, vida. Neste sentido, viver e escolarizar-se seriam sinônimos. A
é o objetivo último e a razão de toda educação, tanto quan- escola tinha as características de um internato, onde os alunos não
to o destino último do homem. (Froebel, 1887, p. 8-10, trad. só estudavam mas também se ocupavam das questões e proble-
minha) mas domésticos. Tudo deveria levar as crianças a pensar. As mon-
tanhas, as colinas e os rios serviam para o aprendizado da geogra-
Portanto, Lina só poderia ser uma criança exem- fia, os insetos e as árvores para o de ciências naturais. O conheci-
plar, e sua história um poderoso veículo de difusão mento necessariamente tinha de ter origem em algo que as crian-
das idéias educacionais de Froebel. Lina passou pelo ças conhecessem e sobre o qual elas pudessem agir, manuseando,
jardim-de-infância, instituição na qual o autor apli- caminhando, modelando, desenhando, cantando etc.

116 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20


Lina, uma criança exemplar!

Então, fundado na natureza do homem e no seu ins- Vê-se que, no discurso de Froebel, mãe, criança e
tinto de formação e atividade, e conectado com a criação família tornaram-se abstratas, figuras idealizadas des-
deste impulso, o objetivo desta instituição é ser um todo ligadas do ambiente social, econômico e político no
vivente, ou como se fosse uma árvore em si mesma, assim qual estavam inseridas. A família, transformada em
como promover meios de emprego e conseqüentemente de um mundo feminino e infantil, é santificada e passa a
cultura e instrução fundados na relação do homem com a ser algo muito distante da vida pública, da qual ape-
natureza e a vida; meios que, quando aplicados de uma ma- nas o homem adulto participa. Essa participação na
neira viva na criança desde o primeiro estágio do seu des- vida pública não deve ser aqui entendida como parti-
pertar espiritual e do uso de seus membros e sentidos, de- cipação de alguém que é sujeito de sua atividade e
senvolvam-se de todas as formas e, por isso, unidos entre sujeito dos rumos tomados pela sociedade. Trata-se,
si, com a natureza e com as leis da vida. [...] O objetivo isto sim, de uma submissão às relações de explora-
desta instituição é suprir as necessidades e os requerimen- ção, submissão esta da qual o homem adulto não pode
tos do mundo da criança, correspondentes ao presente está- fugir, pois isso significaria a ruína de sua família. A
gio de desenvolvimento da humanidade e dar aos pais e altivez que seria atribuída pela sua função de chefe
adultos – os quais se encontram justamente na mencionada dessa família idealizada é retirada dele em nome de
posição de cuidar da criação das crianças a eles confiadas – seu dever de prover o sustento da família. O público
jogos apropriados e meios de empregá-los e, conseqüente- passa a ser visto como algo pesado e perigoso do qual
mente, instrução e cultivo – educação em geral – e, acima a família deve ser poupada e guardada. Assume-se
de tudo, meios adaptados para a mente, espírito e vida da que ser mãe é algo natural para a mulher, assim como
criança: através disso, provar ser igualmente necessário, é natural que o homem se ocupe da vida social. Os
natural e recíproco o chamado humano das famílias: “ve- atributos angelicais com os quais mulher e criança
nham, deixemo-nos viver com nossas crianças”, para que são coroadas também se naturalizam. Homens, mu-
esta seja tão grandiosa quanto é rica em bênçãos. (Froebel, lheres e crianças perdem o direito de decidirem sua
1917, p. 13 e 17, trad. minha) função dentro da sociedade; ela já está predetermina-
da pelo divino e deve ser aceita. Isola-se a família
Lina é uma criança exemplar, educada segundo
dos conflitos sociais, entregando-a ao pragmatismo
desenvolvimento de Froebel dentro das duas institui-
da vida cotidiana capitalista e à naturalização de suas
ções que ele mais prezava: o jardim-de-infância e a
relações. A culpa pelo fracasso ou as glórias pelo su-
família.
cesso social passam a ser depositadas nos indivíduos,
Conclusão – ou seria apenas um re-início? na constituição de suas famílias nucleares. Assim a
burguesia mantém abertas as portas para explicar o
Froebel realizou descobertas pioneiras. Não po- sucesso demasiado de uns em detrimento do fracasso
demos, entretanto, finalizar este trabalho sem apon- total de outros, tornando remotas, ao mesmo tempo,
tar algumas reflexões críticas. Froebel, em toda a sua quaisquer possibilidades de lutas coletivas por parte
obra, procura conclamar as mulheres de sua época a dos “fracassados”. Froebel procura mostrar o caminho
assumirem a maternidade e a educação da primeira para o sucesso dentro desse modelo, que não vem sem
infância, insistindo na bênção que é ser mãe e na im- sacrifícios: a adaptação e a alienação são o preço pago.
portância da criança como semente da divindade. Ele Froebel acaba por representar, no plano educa-
agita com força a bandeira levantada pelos puritanos, cional, a face reacionária e alienante da ideologia li-
pelas campanhas de evangelização do povo, que au- beral-burguesa. Ele não deixa de incorporar à sua
xiliaram no encerramento da “Era das Revoluções” pedagogia elementos da face progressista dessa ideo-
por meio da adaptação do cotidiano familiar aos dita- logia, isto é, elementos da luta contra a ideologia me-
mes da alienação imposta pela sociedade burguesa. dieval. Mas, assim como a burguesia acabou por trair

Revista Brasileira de Educação 117


Alessandra Arce

os ideais iluministas, ela terminou por trair a luta pela por ser investigada mais pormenorizadamente é a das
razão e pela ciência, adotando irracionalismos e mis- continuidades e rupturas entre esse “naturalismo cris-
ticismos que se mostrassem adequados à manutenção tão” na pedagogia froebeliana e o naturalismo
da ordem social burguesa, da mesma forma como a cientificista da pedagogia escolanovista do começo
pedagogia de Froebel o fez. Ainda que apresente ele- do século XX. Talvez eu possa encontrar algumas pis-
mentos progressistas, como a valorização do saber tas nesse sentido no estudo que venho realizando, com
originário da observação das leis da natureza em opo- apoio do CNPq, dos trabalhos de Montessori e
sição ao saber medieval, fruto da revelação mediati- Claparède.
zada pelas autoridades eclesiásticas, esses elementos Embora não seja objetivo deste artigo traçar o
não frutificam, nessa pedagogia, numa concepção percurso da difusão das idéias de Froebel por todo o
verdadeiramente imanentista da história e da socie- mundo, por meio dos jardins-de-infância, ao longo
dade. Ao contrário, acabam reforçando o pragmatis- dos séculos XIX e XX, assinalo, apenas a título de
mo alienado e alienante da cotidianidade capitalista, constatação inicial, que encontrei na história da alfa-
retirando desse pragmatismo qualquer possibilidade betização de Lina os germes dos ideais que mais tar-
de evolução para uma concepção materialista da his- de viriam a nortear o movimento escolanovista, que
tória, e tornando-o aliado do moralismo cristão. podem ser expressos nos seguintes princípios educa-
O leitor poderia questionar o fato de não ter sido cionais anteriormente descritos:
mencionado que o discurso educacional de nosso autor
aparece como uma evolução, um progresso em rela- a) a criança e seu desenvolvimento passariam a
ção ao ensino escolástico. O fato é que se pode ser o centro do processo educacional, a espon-
considerá-lo como um avanço e um retrocesso: avan- taneidade infantil deveria ser preservada a todo
ço porque abre a possibilidade de busca de um co- custo. A tarefa do educador seria similar à do
nhecimento que não esteja preso às revelações, à ver- jardineiro, cultivando as forças espirituais
dade absoluta, aos livros ditados pelos que receberam imanentes da criança;
a revelação divina; retrocesso porque, em vez de se- b) a atividade seria o ponto central de toda a
rem utilizados os conhecimentos científicos que esta- metodologia de trabalho, atividade esta que
vam sendo produzidos, calcando-se o ensino na ra- deveria sempre se centrar nos interesses e ne-
zão e na ciência, opera-se um esvaziamento completo cessidades da criança, respeitando seu ritmo
do indivíduo, cria-se uma espécie de ojeriza a toda natural de desenvolvimento. A educação es-
forma de cultura mais elevada. Agora não é mais Deus colar deveria ser, portanto, ativa. Não por aca-
que revela o conhecimento a seus escolhidos (a hie- so os métodos escolanovistas foram chama-
rarquia eclesiástica), mas cada indivíduo deve procu- dos de métodos ativos. Juntamente com isso,
rar em seu interior e no seu exterior o que realmente vemos a apologia das atividades manuais e
lhe é útil e viável de ser conhecido. Não se pode es- práticas imprescindíveis tanto para o desen-
quecer que o papel divinizante e eterno permanece, volvimento intelectual quanto para o desen-
bem como o forte discurso moralizante, e não basta o volvimento moral;
indivíduo repetir orações memorizadas ou penitenciar- c) a disciplina exterior seria substituída pelo cul-
se nas igrejas, mas ele deve viver a santidade em seu tivo da disciplina interior;
dia-a-dia, obedecer aos desígnios divinos que não vêm d) a preocupação com a transmissão de conteú-
mais de fora, mas estão implantados na essência de dos escolares seria substituída pela criação do
sua individualidade. O indivíduo deve, portanto, cons- máximo de possibilidades de desenvolvimento
tituir exemplo de virtude, assim como o fez Jesus das habilidades e capacidades de cada crian-
Cristo, filho de Deus. Uma questão que está ainda ça, com a ajuda do trabalho, do amor e da ale-

118 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20


Lina, uma criança exemplar!

gria. Neste ponto Froebel não deixa de defen- Referências bibliográficas


der o lema “aprender a aprender”5 em sua for-
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gógicas centradas na atividade espontânea da criança
ra nata na educação infantil. Cadernos de Pesquisa, nº 113,
já foi apresentada por Coll (1994, p.45-46). Quando
julho, p.167-184.
este autor afirma que a educação pré-escolar, ao con-
trário dos outros níveis de ensino, nunca conseguiu , (2002a). A pedagogia na “Era das Revoluções”:

encaixar-se nas estruturas tradicionais de ensino, isto uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel. Campi-

ocorreria por este tipo de atendimento possuir carac- nas: Autores Associados.

terísticas especiais, como a idade dos alunos, o que , (2002b). Friedrich Froebel: o pedagogo dos jardins-
obrigaria a uma flexibilização curricular, já que con- de-infância. Petrópolis: Vozes.
teúdos conceituais amplos não poderiam ser ensina-
BASTOS, M. H. C., (2001). Jardim de crianças: o pioneirismo do
dos. “Estes fatores, junto com a não-obrigatoriedade
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Educação da infância brasileira (1875-1983). Campinas: Au-
parte das propostas pedagógicas de natureza progres-
tores Associados / São Paulo: FAPESP, p. 31-80.
sista e renovadora tenham tradicionalmente um im-
BLOW, S., (1895). Introduction: Froebel’s philosophy. In:
pacto privilegiado neste nível de ensino.” Por isso,
FROEBEL, F. The mottoes and commentaries of Friedrich
afirma o autor, não é de se estranhar que a Pedagogia
Froebel’s mother play. Translated by Henrietta R. Eliot and
Ativa tenha suas raízes na educação pré-escolar; afi-
Susan Blow. New York and London: D. Appleton, p. 1-52.
nal, “a importância da atividade do aluno é um postu-
lado que a quase totalidade dos educadores de jar- COLE, P. R., (1907). Herbart and Froebel: an attempt at synthesis.
dim-de-infância aceita” (Coll, 1994, p.45-46). Há aí New York: Teachers College / Columbia University.
todo um vasto campo de estudos sobre a história da COLL, C. S., (1994). Aprendizagem escolar e construção do co-
Educação Infantil, desde o pioneirismo de Froebel até nhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas.
os dias atuais. Este artigo é apenas uma contribuição
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neste sentido.
algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimen-
to. Revista Brasileira de Educação, n. 18, set./dez., p. 1-8.
ALESSANDRA ARCE é doutora em educação pela
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UNESP Araraquara e atualmente vincula-se, como bolsista re-
às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
cém-doutora do CNPq, ao Departamento de Filosofia e História
da Educação e ao Grupo de Pesquisa História da Educação Bra- vigotskiana. 2ª ed. Campinas: Autores Associados.

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, (1887). The education of man. New York: D.
aprender” nos ideários pedagógicos contemporâneos é apresenta-
Appleton.
da no capítulo 1 do livro Vigotski e o “aprender a aprender”
(Duarte, 2002) e no artigo “As pedagogias do aprender a aprender , (1895). The mottoes and commentaries of Friedrich
e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento” Froebel’s mother play. Translated by Henrietta R. Eliot and
(Duarte, 2001). Susan Blow. New York and London: D. Appleton.

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Alessandra Arce

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Aprovado em setembro de 2002

120 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20


Resumos/Abstracts

visualizar, no registro dos livros de ocor- punishment. From the religious point of author with regard to how one ought to
rência, elementos produtores de cenários view, the confessional dynamic is seen think and practice education for early
criminosos e pecaminosos no cotidiano through these registers as a part of the childhood, taking the story as the
escolar, naquilo que podem expressar em process of "circulation of sins", in starting point. The ideas of one of the
termos das práticas confessionais de which the traditional battle between pioneers of education for early
tipo jurídico e religioso. Do ponto de Good and Evil, between God and the childhood (children of less than six
vista jurídico, a confissão é vista em al- Devil, is presented and, in a certain years of age) are re-discussed since it
gumas de suas possíveis articulações way, taught. is considered that his educational
com outros elementos presentes no rela- Key-words: school discipline, school theory presents the seeds for current
to dos livros, como testemunhos, pro- culture, confession. discussions in favour of constructing a
vas, indícios, fazendo parte de uma es- Pedagogy for Child Education.
pécie de miniinquérito diário da escola, Alessandra Arce Key-words: Friedrich Froebel,
produtor de acusações, crimes e penas. kindergarten, educational history.
Lina, uma criança exemplar!
Do ponto de vista religioso, a dinâmica
Friedrich Froebel e a pedagogia dos
confessional é vista através desses livros Nelson De Luca Pretto
jardins-de-infância
como parte de um processo de circula-
O presente trabalho dedica-se a analisar Formação de professores exige rede!
ção de pecados, em que a tradicional ba-
um importantíssimo texto de Friedrich O analisa as políticas públicas de co-
talha do Bem contra o Mal, de Deus
Froebel (1782-1852), fundador dos municação e de educação, com ênfase
contra o Diabo, é apresentada e, de certa
jardins-de-infância (kindergartens): na formação de professores. Os proje-
forma, ensinada.
"De como Lina aprendeu a escrever e a tos governamentais na área de educa-
Palavras-chave: disciplina escolar,
ler: Uma história para crianças que ção a distância, especialmente o Pro-
cultura escolar, confissão.
gostam de estar ocupadas". O texto grama TV Escola e o PROINFO, são
Criminal and sinful scenarios in expõe, na forma escrita de uma analisados identificando a distância
the registers of occurrences of a historinha, os mais importantes que existe entre os planos governa-
public school in Curitiba princípios educacionais de Froebel. O mentais e a realidade educacional brasi-
The text identifies relations between the objetivo foi apresentar, a partir da leira. Fica evidente, no discurso oficial,
theme of confession and the narration historinha, as idéias do autor a respeito que, em última instância, se as políti-
extant in the recent registers of de como se deve pensar e fazer cas não derem certo, a culpa será sem-
occurrences of a public school in educação para infância. Retomou-se as pre do professor. Isso vem se dando
Curitiba, based on post-structuralist idéias de um dos pioneiros da educação em razão da desvalorização continuada
analytical references. These registers de crianças menores de 6 anos, por do professorado, reforçada contempo-
relate cases of students considered by considerar-se que sua teoria educacional raneamente com a implantação de pro-
the school as problematic and traz os germens das discussões atuais gramas de educação a distância para a
undisciplined and contain 517 que são travadas em prol da construção formação de professores. Na maioria
occurrences for the years 1998 and de uma pedagogia da educação infantil. das vezes, isso se dá de forma aligeira-
1999. In the records of the registers, we Palavras-chave: Friedrich Froebel, da e superficial, preocupando-se os
focus on elements that produce criminal jardim-de-infância, historia da educação. programas, em última instância, ape-
and sinful scenarios in daily school life, Lina, a wonderful child! Friedrich nas com a certificação dos professores
with regard to that which they may Froebel and the pedagogy of para atender à LDB. Em oposição a
express in terms of confessional kindergartens isso, enfatiza-se a necessidade de for-
practices of a juridical and religious This work analyses an important text talecimento da escola e do professor
type. From the juridical point of view, written by Friedrich Froebel (1782- através de, entre outras coisas, ofereci-
confession is seen in some of its 1852), creator of the Kindergartens. mento de sólida formação e da
possible articulations with other The text, entitled "On how Lina learnt melhoria das condições de trabalho, in-
elements present in the narrative of the to read and write: a story for children cluindo aí a necessária presença das
registers, like evidence, proof, clues, who like to be busy", explains, in story Tecnologias da Informação e Comunica-
making part of a kind of daily mini- form, the most important educational ção (TIC). Na análise dessa políticas,
inquiry of the school, and in so doing principles of Froebel. The aim of this evidencia-se a distância do MEC do sis-
producing accusations, crimes and paper is to present the ideas of the tema público de ensino superior, em es-

Revista Brasileira de Educação 155

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