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Talcott Parsons na Teoria Sociológica Contemporânea

MARINA FÉLIX MELO*

Resumo: As presentes páginas têm como escopo trazer à discussão a


contribuição de Talcott Parsons para a Sociologia contemporânea a
compreender, principalmente, sua concepção de ordem social e como é
tratada a relação entre agência e estrutura, indivíduo e sociedade, no
conjunto de sua produção intelectual.
Palavras-chave: Teoria Sociológica Contemporânea; Parsons; Ordem
Social.

Abstract: The present pages aims to discuss the Talcott Parsons's


contribuition in the Contemporary Sociology, trying to comprehend his
Social Order conception and the relation between agency and structure,
individual and society, at the set of his intellectual production.
Key words: Contemporary Sociological Theory, Parsons, Social Order.

Résumé: Cet article a pour objectif d'interroger la contribution de Talcott


Parsons à la Sociologie contemporaine, en cherchant principalement à
comprendre sa conception de l'ordre social, ainsi que les manières dont il
aborde la relation entre l'agence et la structure, l'individu et la société, dans
l'ensemble de sa production intellectuelle.
Mots clés: Théorie Sociologique Contemporaine; Parsons; Ordre Social

*
MARINA FÉLIX MELO é Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (Brasil) e pelo Centro de Investigação em Ciências
Sociais da Universidade do Minho (Portugal).

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1. Alguns problemas descobertas para o estudo da
tratados pela Teoria ação humana e da organização
Sociológica Contemporânea social, haja vista, como um
bom exemplo, a força de um
As presentes páginas buscam
projeto positivista nesta
fazer uma breve análise da
época.
teoria parsoniana a fim de
entendermos algumas bases Com efeito, nem mesmo em
da sociologia contemporânea, seu nascimento as ciências
pois, têm sido ancoradas em sociais se constituíram como
seu pensamento e, sobretudo, um corpo teórico homogêneo.
nas críticas lançadas a este, Se nos remetermos aos
que atuais perspectivas clássicos, observamos que
sociológicas se apóiam em Talcott Parsons (1902-1979) Durkheim, Weber e Marx
suas problematizações. Desta maneira, utilizam-se de teorias que em seus
debruçaremo-nos em alguns dos fundamentos filosóficos têm
principais problemas da sociologia implicações muito diversas a respeito
contemporânea à luz da construção de do que seja o ser humano e a vida
Parsons e utilizaremos como chave social, isto é, cada teoria social deriva
analítica autores como George Mead de uma perspectiva filosófica particular,
para mediar a discussão sobre o ou de várias, embora possuam pontos de
problema da ordem social. Entrementes, intercessão. Após a metade do século
antes de versarmos acerca das XX, diversas abordagens sociológicas
colaborações de Talcott Parsons à começam a coexistir, procurando
sociologia, convém situarmos, responder ao baque do projeto
brevemente, a sociologia positivista e do empirismo lógico e é,
contemporânea em seu contexto mais pois, a partir de considerações de ordem
amplo. epistemológica que se delineiam
diferentes correntes da atual teoria
Ao pensarmos em ciências naturais, é social. Em síntese, partimos do
de praxe vir à tona as ideias de pressuposto de que a teoria sociológica
objetividade e neutralidade na busca do não possui um paradigma dominante
conhecimento. “O progresso da ciência exclusivista - mesmo porque a própria
é cumulativo, progressivo e unilinear”. ideia de paradigma foi quebrada - e de
Tal assertiva faz parte, há muito, de um que ela é composta de uma grande
imaginário social que decorre em variedade de teorias paralelas, muitas
grande medida de transformações vezes com matrizes e pontos em
sociais e históricas ocorridas com o comum, o que a leva à grande
advento da modernidade e com os pluralidade.
debates da filosofia iluminista. Isso fez
com que, em meados do século XIX, as Um dos caminhos mais viáveis para
ciências sociais herdassem um legado entender o surgimento dessa pluralidade
objetivo, pragmático e nomológico das talvez seja o de volta à modernidade,
ciências naturais. Por assim dizer, momento histórico que colocou a
haveria uma continuidade entre as possibilidade e a necessidade das
ciências naturais e sociais, ou seja, a ciências sociais. Indissociavelmente
descoberta de “leis”, ou de relações ligada ao iluminismo, a modernidade
causais necessárias, existentes para a possui o projeto de utilização da razão
natureza poderiam também ser para a iluminação ou esclarecimento das

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coisas do mundo, a fim de possibilitar a Se o caráter das ciências sociais está
emancipação e a libertação dos seres indissociavelmente ligado ao caráter da
humanos de todo o misticismo e própria modernidade como projeto para
escravidão material e ideal. Em sua a humanidade, tal projeto de
própria constituição, a sociologia nasce modernidade está em crise (entendido
como instrumento de análise e como o primado da razão iluminista,
conhecimento que possibilitam uma utilitária e instrumental), pois as
intervenção na organização social. ciências sociais assistem à emergência
Nesse sentido, como já mencionado, a de uma série de abordagens
visão de ciências sociais se aproxima da concomitantes, de microteorias que
de ciências naturais e de sua emergem para entender o
instrumentalidade, a gerar um dos contemporâneo. Sendo assim, após as
principais problemas que tocam as contribuições parsonianas à sociologia
ciências sociais: sua vinculação (e o ao longo do século XX, autores como
tipo) com as ciências naturais. É Merton, Goffman, Garfinkel, Norbert
possível que Merton tenha sido um dos Elias, Alexander, Jon Elster, Bourdieu,
principais incentivadores para uma Foucault, dentre muitos outros,
vinculação entre as duas ciências no compuseram um corpo teórico
século XX. Esse acreditava que o fato contemporâneo diversificado que,
das ciências sociais ainda necessitarem embora nem sempre tenha todas essas
de um retorno aos clássicos deriva da correntes em diálogo, não é um corpo
sua imaturidade ou adolescência. impermeável, ou seja, as teorias
Apesar de Merton observar ciência circulam, delas se criam releituras a fim
social e ciência natural como de que seja reconstruída a interpretação
basicamente a mesma coisa e analisar sociológica do social cotidianamente.
trabalhos antigos como uma série de
2. A contribuição de Talcott Parsons
antecipações, esboços e pré-descobertas
e o fenômeno da Ordem Social
daquilo que conhecemos hoje, não é
nessa perspectiva sobre os clássicos que Talcott Parsons (1902-1979) realizou
nos apoiamos. Inclusive, como bem uma expressão de sua época e, em
demonstra Alexander: “as teses de especial, refletiu sobre a sociedade
Merton agora são teses clássicas!” norte-americana dos anos 1950-60.
(ALEXANDER, 1999, p. 30). Ao Estudou medicina1 por três anos e foi
utilizarmos um clássico atualmente não em 1923, influenciado por Walton
buscamos meramente concordar ou Hamilton, que se aproximou das
discordar de sua obra, mas sim, realizar ciências sociais. Ao receber uma bolsa
um apanhado teórico que contribuirá de estudos e ir para a Alemanha, onde
para o entendimento de um projeto ficou como instrutor de economia,
atual, pois se fôssemos apenas reler estudou a natureza do capitalismo como
Parsons (que consideramos como um sistema sócio econômico e Weber como
‘contemporâneo clássico’), por
exemplo, de forma crítica, findaríamos 1
A medicina, com o vagar, passou também a ser
por detectar um emaranhado de pontos um objeto de estudo sociológico. Foi com tais
falhos em seus textos e na base de sua estudos que Parsons se aproximou, anos mais
tarde, do pensamento freudiano, estudando a
teoria geral da ação, sem racionalidade em pacientes e como se davam o
compreendermos em que contexto suas racional, o irracional e o não-racional (ação
obras foram criadas, suas conjunturas e humana individual e social). Assim, estudou a
espaço de produção. doença como sendo um desvio social e a terapia
como uma forma de controle social.

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teórico social. Retornou a Harvard, levam em conta, em sua análise das
estudou economia e se dedicou às obras profissões, a dicotomia de Ferdinand
de Pareto, Schumpeter, Marshall, Tonnies: Gemeinschaft e Gesselschaft.
Weber e, posteriormente, Durkheim e Com a utilização da variável padrão
sua divisão do trabalho social. Porém, como recurso metodológico, Parsons
preocupado com uma conceituação elaborou uma família substancialmente
teórica generalizada e com uma maior de variáveis independentes para a
interpretação de significados, retornou a explicação teórica das profissões. O
Alemanha, onde encontrou um esquema de variável padrão, destarte,
behavorismo forte que aponta a lhe serviu tanto como subsídio para a
subjetividade como uma forma de análise teórica de sistemas sociais como
ingenuidade. para a própria análise da ação em geral.
Mais adiante, com a colaboração dos
Após o desenvolvimento de sua
primeira grande obra, “A estrutura da psicólogos Bales e Shils, Parsons chega
a um dos paradigmas centrais de toda a
ação social” (1937), marcada por ser o
livro no qual Parsons realizou toda a sua trajetória: o paradigma das quatro
funções, que serve como fonte de
tentativa de síntese teórica da sociologia
interpretação para a ação humana em
(macro teoria)2, discutiu a estrutura
institucional da propriedade e, geral. Esse paradigma ficou conhecido
especialmente, do contrato, com a como esquema AGIL, sendo as funções
utilização de quatro autores (Marshall, A para adaptação, G para goals ou
Pareto, Durkheim e Weber) e se consecução de objetivos, I para
dedicou ao estudo das profissões. Para integração e L para latency ou
isso, utilizou-se de um esquema teórico manutenção de padrões e controle de
que, segundo ele, foi o fio condutor de latência. O esquema AGIL funciona a
trabalhos posteriores que culminaram partir destes quatro subsistemas
nas noções de variável padrão3, que interpenetrantes, interrelacionados, e é a
leitura sistêmica do esquema AGIL que
2 possibilita a visualização da sociedade
Um dos grandes e primeiros marcos de
refutação à macro teoria parsoniana foi a obra
como um sistema social (perspectiva
de Merton, seu orientando e importante teórico estrutural funcionalista), ou seja, cada
da burocracia, da sociologia da ciência, da uma dessas quatro funções age como
comunicação de massa e criador das concepções pré-requisito para a existência do
de funções manifestas e funções latentes. sistema social como um todo, no qual
Merton acreditava que as grandes teorias, como
a tentativa de síntese de Parsons, eram doutrinas
repousa a base do modelo de
especulativas e abstratas e, dado isso, propõe interpretação social do autor.
que a sociologia seja formada de teorias de
Entendemos o sistema parsoniano como
médio alcance, isto é, teorias empiricamente
alicerçadas que, embora envolvam abstrações um complexo centrado, sobretudo, na
como as teorias gerais, são baseadas em dados estrutura social como importante não
observáveis. Das teorias de médio alcance
Merton desenvolve, por exemplo, as teorias dos
grupos de referência e a teoria da privação relação a ela’” (ROS apud RAMIREZ, 2008
relativa. [2006]). Para Parsons, existem duas dimensões
3
As variáveis padrão dizem respeito à sociais: instrumental e expressiva. Segundo ele,
polaridade ‘neutralidade afetiva’ e ‘afetividade’. os indivíduos podem ter relacionamentos
“Conforme Ros, uma variável padrão significa diferenciados dentro de cada tipo de papel
uma dicotomia que representa os dilemas desempenhado e, logo, as características que são
enfrentados pelos sujeitos e diante dos quais associadas a determinados papéis, a cada tipo de
tem que decidir ‘antes que a situação adquira interação, Parsons chamava de variáveis de
significado, portanto, antes que possa agir em modelo.

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apenas como um salto analítico para o debates sobre a aproximação teórica de
campo das profissões, mas também para diferentes correntes e tradições
estudos sobre socialização sociológicas que tendem a se aproximar
(interpenetrado na temática da ou do pólo da ação ou da estrutura com
educação) e família. Uma de suas soluções diversas para a continuidade
contribuições metodológicas capitais da produção intelectual. Entretanto, isso
para a sociologia, acreditamos, foi a não faz com que a sociologia trave um
insistência por pesquisas empíricas, campo de relações implacável entre
executadas principalmente por seus suas correntes de pensamento e que
alunos, a exemplo de Merton, que fique meramente inserida em suas
posteriormente discutiu os limites do contradições, certa vez que, com a
pensamento parsoniano, especialmente, colaboração de Parsons, a disciplina
no que se refere à construção de uma emerge como uma crítica à cultura
macro teoria sociológica, que Merton utilitária e busca visualizar a conduta
responde com a proposta de utilização moral e a importância dos valores para
de teorias de médio alcance em compreender a conduta humana.
trabalhos sociológicos. Todavia, será Todavia, foi também em tal período que
sobre a preocupação de Parsons com o a teoria da escolha racional, utilitária,
fenômeno da ordem social que iremos ganha força. Parafraseando Alvin
nos preocupar por ora, como um Gouldner (1970), “El período moderno
caminho para compreendermos a de la sociología, inaugurado por Talcott
relação entre agência e estrutura em sua Parsons en Estados Unidos a fines de la
obra, uma das problemáticas mais década de 1930, comenzó, de manera
tensas da sociologia contemporânea. bastante significativa, con una aguda
crítica a la teoría del utilitarismo (...)”
Ao versarmos sobre a ordem social no (GOULDNER, 1970, p. 64). Ou, como
pensamento parsoniano devemos versa Alexander: “Exchange theory
considerar, em primeira instância, a explains action as instrumentalizing
inserção de Parsons no contexto da efficiency and offers an account of how,
sociologia estadunidense que teve como given ends, norms, and conditions,
base central os problemas da ordem e effort produces usable means through
do controle sociais, entendendo que tais the calculation of immediate costs”
problemas desfrutavam de importância (ALEXANDER, 1988, p. 309).
social, política e moral. (DAWE, 1980,
p. 526). Consideramos que o problema O elevado grau de abstração com que
da ordem social resulta de concepções trabalha Parsons, não apenas em sua
profundas das relações entre agência e teoria do sistema social, bem como em
estrutura, bem como de supostos sua teoria da ação, fez com que o autor
ontológicos fundamentais sobre a pontuasse uma diferença entre ação
natureza humana subjacentes a tais social e comportamento individual,
concepções. podendo ser o ator social não apenas um
indivíduo, mas também uma instituição
A partir de uma cisão entre “duas ou um grupo. Concomitantemente a esta
sociologias”, a do sistema e a da ação, observação, notamos que é necessária
verificamos uma divisão da experiência cautela ao associarmos o enfoque macro
social moderna, uma separação entre as às perspectivas de sistemas e o micro às
esferas racional e valorativa, entre o real de ação social, tendo em vista que
e o ideal. As contradições oriundas da apesar de o enfoque parsoniano centrar-
separação entre tais esferas têm gerado se em unidades macro não exclui, por

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sua vez, a utilização de enfoques de normativos orientam as condutas dos
micro análise em seu pensamento. agentes. Para que a sociedade seja um
sistema social estável, do ponto de vista
Como já mencionado, ao longo da parsoniano, é preciso que haja um
história da Sociologia emergiram reconhecimento comum de um sistema
correntes de pensamento centradas na de normas integrado. Dawe (1980), ao
micro-sociologia, com ênfase no papel tecer sobre tal problemática, acusa
do indivíduo no meio social, e outras na Parsons de adotar uma dimensão
macro-sociologia, voltadas à instrumental da ação humana, uma vez
preocupação com a estrutura coercitiva que para manter a estabilidade social é
no comportamento dos indivíduos e necessário que os indivíduos sejam
destes com as instituições. Todavia, a regulados, o que contradiz a perspectiva
polaridade dessas duas construções voluntarista da ação de Parsons.
abriu espaço para que Parsons buscasse Todavia, embora seja fulcral a
criar uma síntese que escapasse de tal perspectiva voluntarista da ação no
dualidade. De acordo com Alan Dawe problema da ordem social, Parsons
em “The Structure of Social Action” analisa a ordem como dependente de
(1980), Parsons ergue um argumento um sistema de valores em comum, no
contra o dualismo positivista-idealista qual os indivíduos precisam ser
do pensamento social ao tecer que tanto socializados antes de agir, o que faz
o positivismo, como o idealismo, com que o sistema de valores comuns
proporcionam elementos fundamentais seja anterior aos próprios atores sociais.
a uma concepção de ação social. Dito
isto, para Parsons essas duas visões são Em verdade, a teoria voluntarista da
complementares na medida em que os ação foi uma busca para a solução à
modelos que formam o superego, dicotomia positivista-idealista e da qual
interiorizados pelo indivíduo, são os Parsons caminhou em direção a uma
mesmos institucionalizados ao passo síntese entre ação e sistema social,
que são compartilhados e interiorizados agência e estrutura, ou seja, o autor
por vários indivíduos. A atribuiu ao problema da ordem uma
complementaridade entre individual e dimensão de controle das suas diversas
coletivo é chamada de “reciprocidade interações exercitadas pelos agentes.
de perspectivas” e é com base nesta Assim, a ordem não seria algo exterior
reciprocidade que o autor encontra a imposto aos indivíduos (agentes da ação
solução para o problema da ordem social), mas sim, o resultado das
social (ROCHER, 1976). múltiplas interações desses agentes.
Entretanto, salientamos as contradições
Ao analisar os modelos culturais e da teorização geral de Parsons sobre a
como estes estão simultaneamente na ação social e sua controvérsia com o
mente dos indivíduos e no universo utilitarismo. Em síntese, a proposta de
simbólico social, Parsons destaca que Parsons é a de superar a antítese entre
quando um ator espera que outro aja de positivismo e idealismo de modo a
determinada maneira, há a integrar suas condições objetivas em
reciprocidade, e é a reciprocidade de uma mesma concepção de ação com
expectativas, por sua vez, que cria seus aspectos subjetivos, o que não
normas e valores a guiar os indivíduos. ocorre de forma harmônica na medida
Logo, é da cultura de onde advêm as em que não existe uma adequação
normas e os valores que integram o perfeita entre o normativo e o
sistema psíquico e tais elementos condicional. Na tentativa de delinear

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requisitos para a interpretação teórica da se torna um simples reflexo dele”
ação social, Parsons trabalha em um (DAWE, 1980, p. 529). Logo, notamos
terreno de caracterização analítica da que a percepção subjetiva desaparece da
ação, o que não significa que a ação análise parsoniana e que o sistema
concreta dos fatos se comportará no social emerge como a única maneira
cenário social da mesma forma como é possível de ordem social. O indivíduo
concebida teoricamente, pois, em um parsoniano encalça meios e fins
exercício para lidar com o mundo da determinados pela estrutura, o que
teoria e com o mundo empírico, o autor fragiliza a concepção de ação
elabora um modelo teórico para que voluntarista da ação de Parsons, da
melhor possamos compreender as ações mesma forma em que pode levantar
sociais concretas (Ibid). Parafraseando suas próprias escolhas, porém, limitado
Dawe, Parsons consegue superar a ao papel social que cumpre, isto é,
dicotomia ‘real x ideal’ ao enxergar o dentro de um sistema rígido de normas.
real como algo determinado pelos Rocher (1976) salienta como Parsons,
indivíduos a partir de seus valores ao analisar o sistema de personalidade,
ideais. “É parte integrante e básica de embora centrado na literatura freudiana,
sua concepção e análise da ação que o não consegue se aproximar de Freud
real seja definido pelos seres humanos por desconsiderar instintos e impulsos
em termos de suas visões do ideal.” fundamentais na organização da
(DAWE, 1980, p. 525). personalidade, haja vista que, como
bem versa Rocher, Parsons prioriza a
Ainda no tocante à ordem social e às naturalização de normas e valores
ações entre os indivíduos, Parsons culturais em detrimento de tais
elabora uma distinção entre o que instintos.
denomina como senso subjetivo de
obrigação moral e o agir sob coerção Diante do exposto, observamos que
exterior. Para o autor, o elemento apesar de Parsons construir uma Teoria
coercitivo interior é resultado de uma da Ação obstinado a solucionar o
expressão humana e o elemento problema da polaridade “ação x
coercitivo exterior ocorre estrutura”, o autor concebe a ordem
independentemente da vontade humana, como uma dimensão posta ao indivíduo,
o que faz com que os indivíduos haja vista que a ação desses indivíduos
naturalizem um sistema de valores deve adequar-se aos valores socialmente
comuns, sendo este introjetado, comuns. Sendo assim, tais valores são
formando as personalidades individuais. considerados por Parsons como
Entrementes, como denota Dawe, tal condições objetivas e externas à ação
recurso freudiano de “introjeção”, humana, cabendo aos agentes, adotá-
recuperado por Parsons a fim de los. Apesar do legado parsoniano ter
preservar a noção de caráter aberto diversas possibilidades para o
voluntarista, não consegue assegurar fundamento de teorias subseqüentes,
seu significado original, visto que o notamos que seu empenho em superar o
recurso da introjeção, como mecanismo dilema positivista-idealista não obteve
de independência do ator, ratifica a êxito, pois, mesmo reconhecendo o
anterioridade do sistema ao ator social e caráter contingente da ação, Parsons
o coage. “Pela introjeção, o sistema de voltou suas lentes à socialização dos
valores comuns passa a ser constitutivo, indivíduos e à teorização do controle
em lugar de simplesmente regulativo da normativo, o que o leva a aceitar,
personalidade do ator social, que assim implicitamente, uma visão utilitarista de

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agência humana, o que culminou em um despreendimentos teóricos de Parsons e
modelo estático de sistema, calcado em Mead é que ambos buscaram superar a
bases evolucionista e comparativa. dualidade indivíduo-sociedade, bem
como apreender o problema da ordem.
Embora o escopo deste trabalho tenha Parsons envereda nesse trabalho a partir
sido o de analisar a contribuição de de sua “teoria voluntarista da ação
Parsons à sociologia contemporânea, social”, porém, incorpora a noção
sobretudo, no tocante ao problema da utilitarista hobbesiana da ordem ao
ordem social, notamos como o agente e finda por suprimir a autonomia
interacionismo simbólico lida com tal individual quando supra-valoriza
problemática a partir de pressupostos normas e valores comuns necessários ao
distintos sobre a relação agência- funcionamento estável da sociedade.
estrutura. Ao utilizarmos a perspectiva Mead, por sua vez, não constrói seu
interacionista como uma chave analítica trabalho à luz de uma grande teoria
no debate, apreendemos, primeiramente, como propôs Parsons e acredita que a
que esta corrente destaca a importância ordem social é resultado da interação
que os indivíduos dão aos sentidos. entre os agentes que, mesmo
Como versa Coulon (1995), o influenciados por elementos estruturais,
interacionismo não se dedica aos possuem autonomia para ingressar
aspectos macros na apreensão da novos elementos na dinâmica social, a
realidade, ou seja, sob tal perspectiva, promover, então, a mudança social.
seria impraticável analisar o social por Diferentemente de Parsons, Mead não
princípios objetivos, pois a enxerga o controle social como algo que
subjetividade, ou a intersubjetividade origine, necessariamente, restrições,
dos atores, é fator determinante nas pois, o controle social é capaz de gerar,
ações sociais. Sob este ângulo, o também, capacitações. Dito de outra
interacionismo ancora-se numa forma, os símbolos possibilitam a
concepção teórica na qual os atores vivência em sociedade do indivíduo ao
constroem e reconstroem, mesmo instante em que forma seu self.
interminavelmente, os objetos sociais. Consideramos que Mead avança
Sob tal prisma, a ordem social passa a teoricamente em relação a Parsons na
ser vista como instável, fragilizada e medida em que não enxerga a estrutura
temporária, em constante construção como elemento meramente coercitivo,
pelos atores que interpretam mas sim, como elemento que contribui
cotidianamente no mundo em que para a ampliação das capacidades
interagem. Outras problemáticas criativas dos agentes.
emergem no debate interacionista,
principalmente, a de entender como Norbert Elias (1994), por sua vez,
lidar com o dualismo entre o eu salienta como Parsons atribui uma
pensante e o mundo que o cerca. Diante natureza estática a seus conceitos e os
de tal problemática, George Mead reduz a estados, observando como a
buscou formular uma ideia de oposição que ele propõe, em suas
personalidade que rompesse com esse variáveis de padrão, entre afetividade e
dualismo, acreditando que os homens, neutralidade afetiva, o impossibilita de
apesar de surgirem de raízes biológicas, analisar as peculiaridades das
são formados socialmente. sociedades que estuda, pois, não chega
nem a explicá-las. Ao que faz parecer
Podemos sintetizar que um dos Elias, Parsons arquiteta os estados
principais pontos em comum entre os polares de suas variáveis de padrão

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como algo dado na realidade: “Sua de seus principais combustíveis: a
dissecação por meio de pares de reflexão. Entrementes, e aqui longe de
conceitos, que restringem a análise a diminuir sua produção, notamos que sua
dois estados antitéticos, representa um teoria vem sendo cada vez menos
desnecessário empobrecimento da utilizada como marco teórico em
percepção sociológica tanto a nível trabalhos sociológicos, haja vista,
empírico como teórico” (ELIAS, 1994, novamente, o fato de ele ter trazido
p. 219). Poderíamos caracterizar, ainda discussões que seriam refutadas e
sob a luz de uma análise elisiana, sofisticadas por estudos posteriores.
Parsons limitado a enxergar indivíduo e
sociedade, “ego” e “sistema social” É certo que muitos dos críticos de
como entidades independentes uma da Talcott Parsons o entenderam como um
outra, como se fossem planos diferentes pensador conservador, que se
e inseparáveis. O autor norte-americano preocupava meramente com o bom
não considera que ambos são funcionamento social, em determinar a
fenômenos em mutação, a reduzir um função que os indivíduos
processo a um estado (Ibid). Em desempenhavam dentro da estrutura
verdade, a preocupação que social visando a excelência das coisas.
compartilhamos com Elias sobre essa Como marco de tentativa de síntese
problemática diz respeito ao limite que teórica dos anos 1920, 1930, Parsons
Parsons estabelece ao enxergar teve um projeto ambicioso mas que,
indivíduo e sociedade como esferas que como analisado acima, não conseguiu
seriam construídas separadamente e dar conta da realidade que pretendia.
que, em estágio ulterior, entrariam em Giddens, por exemplo, buscou dar uma
contato. Aqui, Parsons bebe no legado resposta ao projeto de Parsons ao
durkheimiano de que as duas esferas propor uma diferente forma de síntese
mencionadas se interpenetram, isto é, teórica. Foucault, por sua vez, buscou
que existem em um primeiro instante ver o indivíduo não mais dopado pela
separadas para que depois ocorra a ordem social, como assim enxergava o
interpenetração. Deste modo, para Elias, intelectual estadunidense.
indivíduo e sociedade seriam corpos
inseparáveis, que não estariam em Uma das críticas mais ralas feitas a
repouso, mas sim, em constante Parsons e que não insere nenhuma
processo de mudança, o que faria com novidade a estas páginas é a de que seu
que o social produzisse o individual, a modelo teórico e sua sociologia geral
apresentar um equilíbrio tenso entre as parecem independer do indivíduo. No
duas partes. entanto, convém entendermos tais
limitações a partir de outros problemas,
3. Considerações finais como a pretensão parsoniana de querer
estruturar todo o mundo da ação social
Talcott Parsons é leitura imprescindível na década de 1960 a partir dos quatro
a todo e qualquer curso de sociologia pilares do esquema AGIL; não
contemporânea. Como visto, de sua considerar a influência ideológica a qual
obra partiram inquietações e polêmicas este esquema era exposto ou de
da sociologia problematizadas imaginar a grande teoria aparentemente
posteriormente por demais escolas e independente do tempo e da história.
autores. Na tentativa de explicar o que Por outro lado, mesmo tendo ciência
inferia do mundo social, Parsons das limitações de sua obra, não
endossa à sociologia contemporânea um podemos culpar Parsons por pesquisar

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em elevados graus de abstração e separam tais cosmovisões tendem a ser
generalidade, nem mesmo julgá-lo porosas e é daí de onde originam-se
como “teórico incurável” meramente, fluxos de críticas e construções teóricas.
pois, consideramos que apesar de Grosso modo, diferentemente da visão
limitada, a grande teoria possui um de Merton, poderíamos questionar em
papel fundamental na sociologia, já que Parsons o modo pelo qual conduziu e
busca compreender os requisitos gerais concebeu sua síntese teórica, mas não
e funcionais da sociedade (os conceitos sua dedicação aos problemas da macro
com que trabalham os sociólogos na teoria em si, isto é, observamos que sua
tentativa de diagnosticar os elementos teoria geral da ação não pôde englobar
gerais existentes em diferentes questões sociológicas fundamentais
sociedades). Este reconhecimento foi como as relações entre as dimensões
um dos principais motivos que levou subjetivas e objetivas da vida social, as
Florestan Fernandes, com sua relações entre a ação e a estrutura, entre
perspectiva ampla de funcionalismo no ordem social e mudança, ordem e
Brasil, a considerar como injustas controle, ordem e poder etc.
algumas das críticas feitas por Wright
Por fim, observamos que nenhuma
Mills a Parsons e à grande teoria:
teoria isoladamente daria conta, por
Ele [Mills] foi injusto com a completo, de determinado objeto de
‘grande teoria’ (leia-se Parsons), estudo, nem mesmo a macro teoria de
pois deixou de ressaltar o que ela Parsons. Entretanto, é o diálogo entre as
representava em relação à herança diferentes possibilidades teóricas para a
da sociologia sistemática alemã: resolução de um problema sociológico
1.º) o nível de discussão dos que possibilita o trabalho do sociólogo.
requisitos estruturais e funcionais
Dito de outra maneira, o trabalho do
da vida em sociedade (e também da
existência, funcionamento e
sociólogo não reside apenas na
transformação do sistema social); acumulação do conhecimento sobre
2.º) os avanços realizados na diferentes tradições clássicas e
incorporação das contribuições da contemporâneas, mas sim, no
psicanálise, da psicologia pensamento dos problemas articulados
experimental e de outras correntes em um complexo maior e entendendo
da psicologia moderna às categorias quando estas questões teóricas e
abstratas da sociologia; 3.º) a metodológicas entram e contribuem
natureza do “equilíbrio social” e para a pesquisa social.
sua postulação reversível, estático-
dinâmica (FERNANDES, 1980, p.
64-5).
Referências
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Florestan sobre Parsons e sobre a macro Lectures: sociological theory since World
teoria como uma leitura de contexto, War II. Nova York, Columbia University
necessária a toda e qualquer obra. Press.
Assim, embora existam dificuldades ______. (1988). Action and Its Environment:
para lidarmos sociologicamente com toward a new synthesis, Nova York, Columbia
obras como a parsoniana atualmente, University Press.
essas dificuldades não acarretam, ______. “A importância dos clássicos”. In:
necessariamente, enxergarmos como GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan
impermeáveis as diferentes correntes de (orgs). (1999) Teoria Social Hoje, São Paulo,
Unesp.
pensamento, pois, as fronteiras que

139
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